ARTIGO ORIGINAL

 

Influência dos Cânceres Gástrico e Hematológico na Qualidade de Vida e na Funcionalidade de Pacientes Oncológicos

Influence of Gastric and Hematological Cancers on the Quality of Life and the Functionality of Oncological Patients

Influencia de los Cánceres Gástrico y Hematológico em la Calidad de Vida y Funcionalidad de los Pacientes Oncológicos

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n1.1332

 

Cynthia Assunção Gomes Pereira¹; Bhárbara Luiza de Araújo Pontes²; Talita Ribeiro Valente3; Andréa Felinto Moura4; Rafael Barreto de Mesquita5; Daniela Gardano Bucharles Mont'Alverne6

 

1,2,3Instituto do Câncer do Ceará. Fortaleza (CE), Brasil. E-mails: cynthiaagp@hotmail.com; bharbaraluiza@hotmail.com; talitaribvalente@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5461-775X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7157-4480; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7928-7072

 

4Universidade Federal do Ceará. Fortaleza (CE), Brasil. E-mail: andreafmoura@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2584-9698

 

5Universidade de Maastricht. Maastricht. Holanda. E-mail: rafaelmesquita@ufc.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8048-3393

 

6Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: daniela.gardano@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9739-6878

 

Endereço para correspondência: Cynthia Assunção Gomes Pereira. Rua Tomás Rodrigues, 409 – Antônio Bezerra. Fortaleza (CE), Brasil. CEP 60351-000. E-mail: cynthiaagp@hotmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: O câncer é uma doença complexa, sendo a segunda maior causa de morte no Brasil e no mundo, com uma média de 9,8 milhões de óbitos ao ano. Objetivo: Verificar a influência do tipo de câncer, gástrico ou hematológico, na qualidade de vida e na funcionalidade dos indivíduos. Método: Trata-se de um estudo clínico, transversal, analítico e de abordagem quantitativa. Utilizaram-se na coleta de dados uma ficha com dados demográficos, antropométricos, habituais e da doença, o Quality of Life Questionnaire-Core30 da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC QLQ-C30) e a Escala de Performance de Karnofsky (KPS). Resultados: Foram avaliados 29 pacientes no total; destes, 19 pacientes com câncer hematológico (Grupo A) e dez com câncer gástrico (Grupo B). A correlação entre idade, EORTC QLQ-C30 e KPS foi positiva entre a idade e os sintomas (r=,571, p=0,011) e a idade e a somatória total do EORTC QLQ-C30 (r=,548, p=0,015); e negativa entre a KPS e os sintomas (r=-,495, p=0,031) e a KPS e a somatória total do EORTC QLQ-C30 (r=,-580, p=0,009) no grupo A. No grupo B, não foi observada nenhuma correlação entre essas variáveis. Conclusão: Pacientes com câncer hematológico e câncer gástrico apresentam redução da qualidade de vida, sendo observada uma diminuição da funcionalidade nos pacientes com câncer hematológico quando comparado ao câncer gástrico. A redução da função nesses indivíduos pode estar diretamente relacionada com a idade e os sintomas físicos apresentados.

Palavras-chave: neoplasias gástricas; leucemia; linfoma; qualidade de vida.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Cancer is a complex disease, being the second leading cause of death in Brazil and in the world, with an average of 9.8 million deaths per year. Objective: Verify the influence of the type of cancer, gastric or hematological, on the quality of life and functionality of individuals. Method: This is a clinical, cross-sectional, analytical and quantitative study. In the data collection, a form with demographic, anthropometric, habitual and disease data, the Quality-of-Life Questionnaire-Core30 da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC QLQ-C30) and the Karnofsky Performance Scale (KPS) were used. Results: 29 patients were evaluated in total, of these 19 patients with hematological cancer (Group A) and 10 with gastric cancer (Group B). The correlation between age, EORTC QLQ-C30 and KPS, was positive between age and symptoms (r=,571, p=0.011) and age and total sum of EORTC QLQ-C30 (r=,548, p=0.015); and negative between the KPS and symptoms (r=-,495, p=0.031) and the KPS and total sum of the EORTC QLQ-C30 (r =,-580, p=0.009) in group A. In group B no correlation was observed between these variables. Conclusion: Patients with hematological and gastric cancer have reduced quality of life, with a reduction in functionality in patients with hematological cancer when compared to gastric cancer. The reduction in function in these individuals may be directly y related to age and physical symptoms.

Key words: stomach neoplasms; leukemia; lymphoma; quality of life.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer es una enfermedad compleja, sien dola segunda causa de muerte en Brasil y e nel mundo, con un promedio de 9,8 millones de muertes por año. Objetivo: Verificar la influencia del tipo de cáncer, gástrico o hematológico, en la calidad de vida y funcionalidad de los individuos. Método: Se trata de un estudio clínico, transversal, analítico y cuantitativo. Em la recogida de datos se utilizó un formulario con datos demográficos, antropométricos, habituales y de enfermedad, el Quality of Life Questionnaire-Core30 da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC QLQ-C30) y la Escala de Performance de Karnofsky (KPS). Resultados: Se evaluaron un total de 29 pacientes, de estos 19 pacientes con cáncer hematológico (Grupo A) y 10 con cáncer gástrico (Grupo B). La correlación entre edad, EORTC QLQ-C30 y KPS, fue positiva entre edad y síntomas (r=,571, p=0.011) y edad y suma total de EORTC QLQ-C30 (r=,548, p=0,015); y negativo entre la KPS y síntomas (r=-,495, p=0.031) y la KPS y suma total de la EORTC QLQ-C30 (r=,-580, p=0.009) e nel grupo A. Enel grupo B no se observó correlación entre estas variables. Conclusión: Los pacientes con cáncer hematológico y cáncer gástrico tienen una calidad de vida reducida, observando se una reducción de la funcionalidad en los pacientes con cáncer hematológico em comparación con el cáncer gástrico. La reducción de la funcione en estos individuos puede estar directamente relacionada con la edad y los síntomas físicos.

Palabras clave: neoplasias gástricas; leucemia; linfoma; calidad de vida.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer é uma doença complexa, classificada dentro de doenças e agravos não transmissíveis (DANT) e a segunda maior causa de morte no Brasil e no mundo, com uma média de 9,6 milhões de óbitos ao ano, ocorrendo principalmente em países de baixa ou média rendas1-4.

 

Sabe-se que, apesar de ser multifatorial, 80% a 90% dos casos estão relacionados a causas externas e apenas 10% a 20% a causas internas, podendo haver uma associação entre as duas, favorecendo o surgimento da doença. Esse fato se justifica pelas alterações no meio ambiente, hábitos inadequados e estilo de vida no decorrer dos anos5.

 

Baseando-se na estimativa do triênio 2020-2022, do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA)6, as localizações neoplásicas mais incidentes no Brasil são próstata, pulmão, mama, colón e reto, colo do útero e estômago.

 

Assim, observa-se que o câncer pode afetar qualquer órgão, porém é importante ressaltar que cada qual pode ser afetado por um tipo diferente de câncer, como por exemplo, o gástrico, no qual 95% dos casos são do tipo adenocarcinoma e os do sistema linfático, que podem ser tanto linfoma de Hodgkin como não Hodgkin7-9.

 

Independentemente da localização do tumor, o diagnóstico e o tratamento do câncer podem trazer alterações biopsicossociais importantes, repercutindo direta ou indiretamente na percepção de qualidade de vida desses indivíduos, principalmente por ainda trazer consigo o estigma de finitude e doença incurável10.

 

No entanto, com o avanço da ciência e o surgimento de novas estratégias terapêuticas, é possível observar um aumento na sobrevida desses indivíduos. Nesse caso, justifica-se a importância da introdução da qualidade de vida e da funcionalidade no cuidado ao paciente oncológico11.

 

Nos últimos anos, a qualidade de vida tem-se tornado o centro de muitas pesquisas nas mais distintas áreas do conhecimento. Esse interesse aumentou em virtude do aumento da expectativa de vida, resultado do avanço da ciência e sobrevida dos doentes crônicos12.

 

A funcionalidade, ao referir-se à capacidade de realizar atividades de vida diária (AVD) de modo eficaz e independente, passou a ser avaliada com o intuito de identificar riscos de incapacidade funcional, traçar melhores formas de reabilitação e conquistar a coparticipação do paciente, ou seja, torná-lo adjuvante do seu tratamento13.

 

Atualmente, esta é considerada um dos principais sinais empregados no prognóstico da doença oncológica e amplamente avaliada por meio da Escala de Performance de Karnofsky (KPS)14.

 

Diante disso e dos efeitos colaterais do tratamento oncológico, é de fundamental importância identificar quais os principais fatores que estão influenciando na melhora ou piora da qualidade de vida e da funcionalidade, objetivando propor estratégias que possam auxiliar o processo saúde/doença, reduzindo os impactos negativos e potencializando os positivos15,16.

 

A qualidade de vida e a funcionalidade têm despertado o interesse de profissionais da saúde que atuam na área da oncologia, entretanto ainda são poucos os estudos envolvendo os dois aspectos em pacientes oncológicos, bem como os fatores que influenciam em sua manutenção ou alteração.

 

Assim sendo, o objetivo deste trabalho é verificar a influência do tipo de câncer, gástrico ou hematológico, na qualidade de vida e na funcionalidade dos indivíduos.

 

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo clínico, transversal, analítico e de abordagem quantitativa, realizado em dois hospitais de referência em tratamento a pacientes oncológicos no Estado do Ceará. Foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto do Câncer do Ceará (ICC)/Escola Cearense de Oncologia (ECO), sendo aprovado com o parecer de número 3.047.395.

 

A amostra foi não probabilística, consecutiva, de conveniência, seguindo os critérios de inclusão e exclusão do estudo.

 

Foram incluídos indivíduos com qualquer tipo de doença onco-hematológica e indivíduos com câncer gastrointestinal, com idade superior a 18 anos, que estivessem hospitalizados independentemente do dia de internação, que possuíam prescrição médica de atendimento fisioterapêutico, que estavam estáveis hemodinamicamente (sem uso de drogas vasoativas ou uso de ventilação não invasiva), que não apresentavam nenhuma sequela neurológica, que não possuíam condições que pudessem interferir nas respostas dos questionários, e que aceitem em participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE).

 

Foram excluídos os indivíduos que apresentavam alguma alteração cognitiva que dificultava a compreensão dos questionários e/ou que, por qualquer motivo, não conseguissem realizar as avaliações propostas.

 

Após a concordância e assinatura do TCLE pelos participantes, foi aplicada uma ficha para coletar dados demográficos e clínicos, tipo de patologia e tratamento prévio.

 

Estes foram avaliados quanto à qualidade de vida e à funcionalidade. A qualidade de vida foi avaliada utilizando o Quality of Life Questionnaire-Core30 da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC QLQ-C30). Esse questionário já foi traduzido para o Português e contém 30 itens, englobados em 16 domínios que formam quatro escalas: Escala de Estado de Saúde Global e Qualidade de Vida; Escala Funcional; Escala de Sintomas e Escala de Dificuldades Financeiras17.

 

A pontuação total do EORTC-QLQ-30 varia de 0 a 100 e, quando analisados, considerando a Escala Funcional e a Medida Global/qualidade de vida, quanto mais alta a pontuação total melhor o nível de qualidade de vida dos participantes. Em contrapartida, considerando a Escala de Sintomas e Dificuldade Financeira, quanto maior a pontuação maior o comprometimento do indivíduo18.

 

Para avaliar a funcionalidade, foi utilizada a KPS, que é uma escala considerada objetiva e prática, tendo sido validada ao longo de 50 anos tanto para pacientes oncológicos como não oncológicos. O resultado da escala varia da situação de óbito que equivale a 0% até a situação normal, sem queixas ou evidência da doença, que corresponde a 100%19.

 

O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado como teste de normalidade. Os dados foram apresentados em média ± desvio-padrão. Dados categóricos foram apresentados como frequência absoluta e/ou relativa. Para a comparação dos dados, foi utilizado o teste t de Student não pareado ou teste de Mann-Whitney. Para se verificarem as correlações entre as variáveis, foi aplicado o teste de correlação de Pearson ou Spearman. Foi considerado como estatisticamente significante quando o valor de p foi menor ou igual a 0,05.

 

 

RESULTADOS

Foram avaliados no total 29 pacientes, sendo 19 pacientes com câncer hematológico (Grupo A) e dez com câncer gástrico (Grupo B). O sexo masculino foi o mais prevalente em ambos os grupos, sendo que, no grupo A, os indivíduos tinham idade média de 41 ± 17 anos e com maior número de solteiros, enquanto no grupo B tinham idade média de 59 ± 11 anos e maior número de casados. Quanto ao tipo de tratamento realizado previamente à internação, em ambos os grupos, a quimioterapia foi a mais recorrente (Tabela 1).

 

Tabela 1. Características sociodemográficas dos pacientes oncológicos. Fortaleza, Ceará, 2019 (n=29)

Variáveis

Grupo A

(n=19)

Grupo B

(n=10)

P

Idade, anos*

41 ± 17

59 ± 11

0,000

Sexo, n (%)

 

 

 

Feminino

8 (42,1)

4 (40,0)

0,548

Masculino

11 (57,9)

6 (60,0)

Peso, kg*

70,5 ± 14,4

61,0 ± 16,9

0,277

Altura, m*

1,64 ± 0,1

1,57 ± 0,1

0,374

IMC, kg/m2*

25,6 ± 3,9

23,7 ± 4,3

0,271

Estado civil, n (%)

 

 

 

Casado

7 (36,8)

4 (40,0)

0,364

Divorciado

2 (10,5)

0 (0,0)

Solteiro

8 (42,1)

3 (30,0)

Outros

2 (10,5)

3 (30,0)

Tratamento, n (%)

 

 

 

Quimioterapia

16 (84,2)

5 (50,0)

0,337

Quimioterapia + radioterapia

0 (0,0)

3 (30,0)

Nenhum

3 (15,8%)

2 (20,0)

Legendas: Grupo A = pacientes com câncer hematológico; Grupo B = pacientes com câncer gástrico; IMC = índice de massa corporal; n= número.

(*) dados expressos em média.

(±) desvio-padrão.

(†) dados expressos em frequência absoluta.

(%) percentual.

 

 

Quando avaliados quanto à qualidade de vida pelo EORTC QLQ-C30, não foi encontrada diferença entre os grupos (p≥0,05). Já na KPS, foi observado que os pacientes hematológicos apresentavam a funcionalidade mais comprometida (p=0,021) (Tabela 2).

 

Tabela 2. Qualidade de vida pelo EORTC QLQ-C30 e KPS dos pacientes oncológicos. Fortaleza, Ceará, 2019 (n=29)

Variáveis

Grupo A

(n=19)

Grupo B

(n=10)

P

Medida global de saúde*

10,6 ± 4,0

10,8 ± 4,0

0,588

Escala funcional*

27,9 ± 10,2

33,2 ± 11,6

0,276

Escala de sintomas*

21,3 ± 7,4

18,4 ± 7,5

0,581

Dificuldade financeira*

2,3 ± 1,3

2,8 ± 1,5

0,625

Somatória total*

62,1 ± 15,0

65,2 ± 16,7

0,542

Escala de Karnofsky*

76 ± 21,7

97 ± 4,8

0,021

Legendas: Grupo A = pacientes com câncer hematológico; Grupo B = pacientes com câncer gástrico; n = número.

(*) dados expressos em média.

(±) desvio-padrão.

 

 

Foi realizada a correlação entre as variáveis demográficas, qualidade de vida e funcionalidade, entretanto só foi observada correlação entre idade, EORTC QLQ-C30 e KPS. Dentro de cada subgrupo, observou-se, no grupo da Hematologia (Grupo A), uma correlação positiva entre a idade e os sintomas (r=,571, p=0,011) e a idade e a somatória total do EORTC QLQ-C30 (r=,548, p=0,015), e uma correlação negativa entre a KPS e os sintomas (r=-,495, p=0,031) e a KPS e a somatória total do EORTC QLQ-C30 (r=,-580, p=0,009). Já no grupo câncer gástrico (Grupo B), não foi observada nenhuma correlação entre essas variáveis.

 

 

DISCUSSÃO

Segundo as estimativas do INCA6, para cada ano do triênio 2020-2022, o câncer gástrico, a leucemia, o linfoma Hodgkin e o linfoma não Hodgkin terão, no gênero masculino, uma incidência de 13.360, 5.920, 1.590 e 6.580 e, no gênero feminino, 7.870, 4.890, 1.050 e 5.450 novos casos, respectivamente. Diante disso, verifica-se que os cânceres hematológicos e gástricos terão maior incidência em homens, corroborando o resultado deste estudo, em que o gênero masculino foi o mais prevalente em ambos os tipos de cânceres8.

 

Além disso, é importante destacar que várias doenças acometem mais os homens do que mulheres e que altas taxas de mortalidade são identificadas nessa população, tendo esta última sido relacionada a fatores ambientais como a maior ingestão de bebida alcoólica, consumo de tabaco e sedentarismo, sendo estes também fatores de risco para o desenvolvimento do câncer20,21.

 

Em relação à idade, no grupo A, a faixa etária variou de 18 a 77 anos e, no grupo B, de 44 a 71 anos. É sabido que homens entre 60 e 70 anos são os mais diagnosticados com câncer de estômago. Em contrapartida, a leucemia costuma ocorrer em adultos a partir dos 50 anos, o linfoma não Hodgkin na faixa etária de 70 anos e o linfoma de Hodgkin mais comumente entre adolescentes e adultos de 15 a 39 anos7,22-24.

 

Na população avaliada, os pacientes com câncer hematológico eram mais jovens do que os com câncer gástrico, reafirmando os dados encontrados pelo INCA, visto que 15 dos pacientes do grupo A tinham diagnóstico de leucemia, assim descobrindo a doença antes dos 60 anos22. Além disso, vale ressaltar que, como a amostra foi de conveniência e não probabilística, isso pode ter sido uma das causas da diferença encontrada entre os grupos.

 

O estado civil solteiro predominou no grupo A, divergindo do encontrado no estudo de Marques et al.25, cujos pacientes hematológicos eram em sua maioria casados ou possuíam união estável. Já no grupo B, o predomínio foi de casados fundamentado pelo estudo de Valle et al.26, realizado com pacientes com câncer gástrico e câncer colorretal.

 

Considerando os tratamentos disponíveis para o câncer, a quimioterapia é classificada como a principal terapêutica para casos de neoplasias hematológicas e para pacientes com doença gástrica avançada, em que não há possibilidade de cura apenas com o procedimento cirúrgico, tendo em vista a amenização dos efeitos deletérios da radioterapia pós-operatória, a diminuição do tumor pré-operatório e a destruição de micrometástases27. Nesta pesquisa, houve uma alta prevalência de tratamento quimioterápico tanto em pacientes hematológicos como gástricos, tendo sido realizada previamente a internação na unidade hospitalar.

 

A terapêutica realizada pode submeter o doente a complicações críticas, impactando negativamente na sua qualidade de vida, visto que os sintomas podem aflorar e incapacitar, ou seja, alterar a funcionalidade do indivíduo25.

 

Neste estudo, a funcionalidade dos pacientes hematológicos estava mais comprometida do que nos pacientes gástricos, isso pode estar relacionado ao maior tempo de internação dos pacientes hematológicos em unidades hospitalares27,28. Entretanto, vale ressaltar que o comprometimento funcional em pacientes com câncer gástrico é considerável, podendo também estar relacionado ao tempo de permanência na unidade, porém, em sua maioria, decorrente de complicações pós-operatórias29.

 

Em relação à funcionalidade, os pacientes com câncer hematológico apresentaram maior comprometimento, com base na KPS. Segundo Nascimento et al.28, a funcionalidade dos pacientes com câncer hematológico pode variar de acordo com o dia de internação, tendo sido encontrado no 1º dia entre 80-90%, no 5º dia de 50-70% e no 10º dia um bom nível funcional, porém inferior ao do primeiro dia hospitalizado.

 

A correlação positiva entre a idade e o escore total do EORTC QLQ-C30 difere do encontrado por Mansano-Schlosser e Ceolim30, em que não houve qualquer relação entre a idade e o escore total de qualidade de vida, entretanto, estes consideraram indivíduos no geral e não apenas oncológicos. Já no estudo de Ximenes et al.31, realizado com pacientes oncológicos idosos, verificou-se que pacientes com faixa etária mais elevada apresentaram pior qualidade de vida no domínio função física, confirmando o achado deste estudo.

 

Em contrapartida, a relação negativa encontrada entre a KPS e os sintomas corrobora o estudo realizado por Portz et al.32 em que uma maior carga de sintomas estava associada a um pior estado funcional e, com a pesquisa de Norum e Wist33, em que os pacientes hematológicos apresentaram uma baixa frequência de sintomas e alto nível funcional.

 

Os principais sintomas identificados em pacientes com câncer, em geral, são fadiga, dor, dispneia, náusea, anorexia e perda de peso não intencional, podendo alterar não apenas a qualidade de vida como também o curso do tratamento27.

 

Já a relação negativa entre a KPS e o escore total do questionário EORTC-QLQ-C30 acontece pelo fato de o valor do escore total ser diretamente proporcional aos sintomas, porém, neste caso, quanto mais próximo de 100 pior é o resultado, influenciando no nível de funcionalidade que, por sua vez, é inversamente proporcional aos sintomas, ou seja, quanto maior o escore total do questionário, considerando os sintomas, pior o impacto na realização das atividades básicas e de vida diária25,27.

 

É importante destacar que foram limitações: a) tamanho amostral; b) não especificação dos dias de internação; c) não homogeneidade quanto à idade; e d) limitação do número de pesquisas sobre o tema nos dois tipos de cânceres, sugerindo a necessidade de mais estudos.

 

 

CONCLUSÃO

Neste estudo, não houve diferença significativa entre a qualidade de vida em pacientes com câncer hematológico e câncer gástrico, porém, nos doentes da hematologia, a funcionalidade estava mais comprometida do que nos doentes abdominais.

 

Além disso, foi visto que os sintomas físicos e a idade podem influenciar negativamente na funcionalidade dos indivíduos do grupo A, bem como impactar na qualidade de em vida geral. Em contrapartida, não foram encontradas diferenças significativas quando comparadas a idade, a funcionalidade e a qualidade de vida nos pacientes do grupo B.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 16/12/2020

Aprovado em 11/5/2021

 

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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