ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação Clínico-epidemiológica de Pacientes com Carcinoma de Células Escamosas Oral

Epidemiological and Clinical Evaluation of Patients with Oral Squamous Cell Carcinoma

Evaluación Epidemiológica y Clínica de Pacientes con Carcinoma Oral de Células Escamosas

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n1.1584

 

Júlio César Saraiva Santos1; Carlos Eduardo Moura Carvalho Rocha2; Rafael Everton Assunção Ribeiro da Costa3; Eduardo Salmito Soares Pinto4; Ana Luisa Rios Barbosa de Almeida5; João Batista Mendes Teles6; Luciana Tolstenko Nogueira7; Lucilem Salmito Soares Pinto8

 

1,2,3,7,8Universidade Estadual do Piauí (Uespi), Centro de Ciências da Saúde. Teresina (PI), Brasil. E-mails: julio080994@gmail.com; cadumourac10@gmail.com; rafaelearcosta@gmail.com; lucianatolstenko@ccs.uespi.br; lucielmasalmito@ccs.uespi.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-5674-9980; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6819-7415; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0798-890X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2547-7545; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8766-8593

4Secretaria de Saúde do Estado do Piauí, Hospital Getúlio Vargas. Teresina (PI), Brasil. E-mail: eduarduuh@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8312-9373

5Hospital São Marcos, Serviço de Odontologia. Teresina (PI), Brasil. E-mail: analuisabuco@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2324-0475

6Centro Universitário Uninovafapi. Teresina (PI), Brasil. E-mail: pesquisa@amostragem.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1836-5185

 

Endereço para correspondência: Rafael Everton Assunção Ribeiro da Costa. Rua Olavo Bilac, 2335 – Centro. Teresina (PI), Brasil. CEP 64001-280. E-mail: rafaelearcosta@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: O câncer bucal corresponde a cerca de 30% de todos os tumores de cabeça e pescoço. Aproximadamente 90% dessas neoplasias malignas são carcinomas espinocelulares (CEC) e cerca de 15 mil casos novos são estimados a cada ano no Brasil. Objetivo: Avaliar os aspectos clínico-epidemiológicos de pacientes com CEC oral. Método: Estudo observacional, com delineamento transversal, quantitativo e retrospectivo, a partir da análise de prontuários de pacientes com diagnóstico histopatológico de CEC bucal atendidos em um centro de referência em Oncologia da Região Nordeste do Brasil. Variáveis clínicas e epidemiológicas foram coletadas e analisadas. A análise estatística foi realizada utilizando-se o teste de qui-quadrado (p≤0,05). Resultados: Entre os 298 prontuários avaliados, predominaram pacientes do sexo masculino (75,2%), com idade média de 60,4 anos, tabagistas e etilistas (62,0%). A queixa mais frequente foi a presença de ferida ou lesão na boca (61,1%), e o local mais comum foi a língua (62,1%). As variáveis clínicas revelaram estadiamento clínico avançado (III ou IV) em 76,4% dos pacientes. Entre os pacientes com idade até 50 anos, houve maior concentração de homens (p=0,015) e maior consumo de álcool do que entre os pacientes acima dos 50 anos (p=0,010). As demais variáveis não exibiram diferença estatística significante entre os grupos. Conclusão: As características clínico-epidemiológicas relacionadas ao CEC bucal devem ser consideradas para o planejamento de políticas públicas, a fim de prevenir novos casos e permitir a realização de diagnóstico precoce.

Palavras-chave: carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço/epidemiologia; neoplasias bucais; registros médicos.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Oral cancer corresponds to about 30% of all head and neck tumors. Approximately 90% of these malignancies are squamous cell carcinomas (SCC) and about 15 thousand new cases are estimated each year in Brazil. Objective: Evaluate the clinical and epidemiological aspects of patients with oral SCC. Method: Observational cross-sectional, quantitative and retrospective design study, based on the analysis of medical records of patients with histopathological diagnosis of oral SCC treated at a reference center in oncology in Brazil’s Northeast. Clinical and epidemiological variables were collected and analyzed. Statistical analysis was performed using the chi-square test (p≤0.05). Results: Among the 298 medical records evaluated, male patients predominated (75.2%), with an average age of 60.4 years, smokers and alcoholics (62.0%). The most reported complaint was the presence of a wound or injury in the mouth (61.1%) and the most common location was the tongue (62.1%). Clinical variables revealed advanced clinical staging (III or IV) in 76.4% of patients. Among patients aged up to 50 years, there was high concentration of men (p=0.015) and greater use of alcohol than among patients over 50 years (p=0.010). The other variables did not show a statistically significant difference between the groups. Conclusion: The clinical and epidemiological characteristics related to oral SCC should be considered when planning public policies, in order to prevent new cases as well as to allow for early diagnosis.

Key words: squamous cell carcinoma of head and neck/epidemiology; mouth neoplasms; medical records.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer oral corresponde a aproximadamente 30% de todos los tumores de cabeza y cuello. Aproximadamente 90% de estos tumores malignos son carcinomas de células escamosas (CCE) y se estiman alrededor de 15 mil casos nuevos cada año en Brasil. Objetivo: Evaluar los aspectos clínicos y epidemiológicos de los pacientes con CCE oral. Método: Estudio observacional, con diseño transversal, cuantitativo y retrospectivo, basado en el análisis de historias clínicas de pacientes con diagnóstico histopatológico de CCE oral tratados en un centro de referencia en Oncología del Noreste de Brasil. Se recogieron y analizaron variables clínicas y epidemiológicas. El análisis estadístico se realizó mediante la prueba de chi-cuadrado (p≤0,05). Resultados: Entre las 298 historias clínicas evaluadas, predominaron los pacientes del sexo masculino (75,2%), con una edad promedio de 60,4 años, fumadores y alcohólicos (62,0%). La queja más frecuente fue la presencia de herida o lesión en la boca (61,1%) y la ubicación más común fue la lengua (62,1%). Las variables clínicas revelaron estadificación clínica avanzada (III o IV) en 76,4% de los pacientes. Entre los pacientes de hasta 50 años, hubo una mayor concentración de hombres (p=0,015) y un mayor consumo de alcohol que entre los pacientes mayores de 50 años (p=0,010). Las otras variables no mostraron una diferencia estadísticamente significativa entre los grupos. Conclusión: Las características clínicas y epidemiológicas relacionadas con el CCE oral deben considerarse al planificar las políticas públicas, a fin de prevenir nuevos casos y permitir un diagnóstico precoz.

Palabras clave: carcinoma de células escamosas de cabeza y cuello/epidemiología; neoplasias de la boca; registros médicos.

 

 

INTRODUÇÃO

Segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), são previstos 625 mil casos novos de câncer no Brasil para cada ano do triênio 2020-2022, dos quais, são esperados 15.210 apenas de câncer bucal (11.200 em homens e 4.010 em mulheres), figurando como o quinto mais frequente no sexo masculino e o 13º mais frequente no sexo feminino, excetuando-se o câncer de pele não melanoma1. Os cânceres da cavidade oral, isto é, os que ocorrem em lábios, mucosa bucal, parte anterior da língua, assoalho da boca, palato duro e gengiva superior e inferior, correspondem a cerca de 30% de todos os tumores de cabeça e pescoço2.

 

Aproximadamente 90% dos tumores malignos que ocorrem na cavidade oral são carcinomas espinocelulares (CEC), enquanto os 10% restantes representam malignidades raras (variantes do carcinoma de células escamosas, melanomas, linfomas e sarcomas) e uma variedade de tumores malignos de origem odontogênica3,4.

 

O CEC oral deve ser buscado por meio do exame clínico da mucosa oral em consultas de rotina em toda a população, porém especialmente em indivíduos que apresentam exposição a um ou mais fatores de risco, como o consumo de álcool e tabaco3. Um aumento na incidência de CEC oral tem sido apontado entre indivíduos jovens, com idade até 50 anos e, em mulheres, apesar de o perfil clássico dos pacientes afetados ainda ser de homens na sexta década de vida4,5.

 

A falta de informação da população geral e dos profissionais de saúde sobre os fatores associados a essa neoplasia atrasa o diagnóstico, o que diminui a eficácia do tratamento e aumenta a gravidade das sequelas secundárias a ele, principalmente relacionadas à deglutição e à fonação, além de elevar os índices de mortalidade3,4.

 

Poucos estudos têm avaliado as características epidemiológicas e clinicopatológicas do CEC oral no Brasil, sendo que a maioria foi conduzida na Região Sudeste do país, refletindo a escassez de informações relativas a esse tipo de neoplasia no Nordeste brasileiro5,6. Desse modo, o objetivo do presente estudo foi avaliar os aspectos clínico-epidemiológicos de pacientes com CEC oral atendidos em um centro de referência em Oncologia da Região Nordeste do Brasil.

 

 

MÉTODO

Estudo observacional, com delineamento transversal, quantitativo e retrospectivo, a partir da avaliação dos prontuários de pacientes com diagnóstico histopatológico de CEC bucal atendidos em um centro de referência em Oncologia localizado em Teresina (PI), Brasil. A coleta de dados ocorreu entre janeiro e maio de 2019. Foram incluídos no estudo pacientes de ambos os sexos e de qualquer idade cujo atendimento inicial tivesse ocorrido em janeiro de 2014 ou em datas anteriores, pois assim seria possível observar as variáveis clínicas com pelo menos cinco anos de seguimento. Foram excluídos todos os pacientes cujos prontuários não estivessem adequadamente preenchidos.

 

As variáveis demográficas (sexo, idade, procedência e raça), comportamentais (hábitos tabagista e etilista) e clínicas (queixas no primeiro atendimento, local da lesão, estadiamento clínico e tratamento) foram coletadas dos prontuários. Consideraram-se para este estudo as seguintes regiões anatômicas: língua, assoalho, palato, lábio, área retromolar, vestíbulo da boca e outros (mucosa jugal, amígdala e gengivas), conforme a 10a Edição da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)7. Para correlação das variáveis entre os grupos, pacientes com a idade até 50 anos foram considerados jovens; e pacientes acima de 50 anos foram considerados idosos.

 

Os dados foram tabulados e analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS Statistic Data) versão 25.0. Aplicou-se o teste qui-quadrado de Pearson para avaliar a diferença nas proporções de desfechos categóricos, sendo considerado um nível de significância de 5%.

 

O presente estudo foi realizado após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob o número CAAE: 87297218.6.3001.5584, sendo respeitadas todas as diretrizes éticas em pesquisa vigentes no Brasil, de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde no. 466/128.

 

 

RESULTADOS

Foram avaliados 393 pacientes com diagnóstico histopatológico de CEC bucal. Excluíram-se 95 prontuários por causa da ausência de dados ou do preenchimento incompleto, sendo incluídos ao final 298 pacientes no estudo. Os pacientes apresentaram idade média de 60,4 anos, e foram mais afetados os indivíduos do sexo masculino (75,2%), com faixa etária entre 50 e 60 anos (26,5%), pardos ou negros (85,9%) e oriundos do interior do Estado (56,4%). A queixa mais reportada foi a presença de ferida ou lesão na boca (61,1%). Tabaco e álcool foram os fatores comportamentais mais apresentados, ocorrendo simultaneamente em 62,0% dos pacientes. Os sítios anatômicos mais prevalentes foram a língua (62,1%) e o assoalho oral (12,1%).

 

As variáveis clínicas revelaram tamanho tumoral avançado T4 em 53,6% dos pacientes, ausência de comprometimento linfonodal cervical em 56,7% e ausência de metástases a distância em 89,2%, resultando em estadiamento TNM IV em 62,7% dos casos9. A conduta terapêutica mais utilizada foi a combinação entre radioterapia e quimioterapia (53,0%) (Tabela 1). O seguimento médio (intervalo de tempo entre a data do diagnóstico histopatológico e a última consulta) desses pacientes foi de 17,7 meses.

 

Tabela 1. Características epidemiológicas e clínicas de 298 pacientes com diagnóstico de CEC bucal

Variáveis

N

%

Sexo

 

 

Masculino

224

75,2

Feminino

74

24,8

Faixa etária

 

 

≤ 40 anos

19

6,3

41 – 50 anos

57

19,1

51 – 60 anos

79

26,5

61 – 70 anos

67

22,4

71 – 80 anos

52

17,4

> 80 anos

24

8,3

Cor da pele

 

 

Pardos/negros

256

85,9

Brancos

34

11,4

Sem informação

8

2,7

Procedência

 

 

Capital

88

29,5

Interior do Estado

168

56,4

Outros Estados

42

14,1

Queixa principal

 

 

Ferida na boca

182

61,1

Dor na boca

26

8,7

Odinofagia

31

10,4

Nódulo no pescoço

29

9,7

Disfagia

16

5,4

Outros

14

4,7

Fatores comportamentais associados

 

 

Tabagista e etilista

185

62,0

Apenas tabagista

82

27,5

Apenas etilista

8

2,7

Sem hábitos

17

5,8

Não informado

6

2,0

Local da lesão

 

 

Língua

185

62,1

Assoalho da boca

36

12,1

Palato

22

7,4

Lábio

15

5,0

Área retromolar

13

4,4

Vestíbulo da boca

11

3,7

Outros

16

5,2

Tamanho do tumor (T)

 

 

T1

30

10,0

T2

51

17,5

T3

51

17,5

T4

159

53,6

Tx

5

1,6

Acometimento linfonodal (N)

 

 

N0

169

56,7

N1

44

14,7

N2

46

15,4

N3

39

13,2

Metástase a distância (M)

 

 

M0

266

89,2

M1

12

4,0

Estadiamento clínico (TNM)

 

 

I

37

12,4

II

31

10,4

III

41

13,7

IV

187

62,7

Não informado

2

0,6

Tratamento

 

 

Cirurgia

10

3,3

Radioterapia

17

5,7

Quimioterapia

2

0,6

Cirurgia + radioterapia

10

3,3

Radioterapia + quimioterapia

158

53,0

Cirurgia + radioterapia + quimioterapia

63

21,1

 

 

Comparando-se as variáveis sociodemográficas e clínicas de acordo com as faixas etárias, observou-se que, entre os pacientes jovens, houve uma maior concentração de homens (p=0,015) e maior consumo de álcool do que entre os pacientes acima dos 50 anos (p=0,010). As demais variáveis não exibiram diferença estatística significante entre os grupos (Tabela 2).

 

Tabela 2. Comparação entre as variáveis estudadas de acordo com as faixas etárias até 50 anos e a partir de 50 anos de 298 pacientes com diagnóstico de CEC bucal

Variáveis

Idade ao diagnóstico (anos)

Média

DP

p

≤ 50

> 50

N

%

N

%

Sexo*

 

 

 

 

 

 

 

Masculino

65

85,5

159

71,6

59

13

0,015

Feminino

11

14,5

63

28,4

65

13

Procedência

 

 

 

 

 

 

 

Capital

23

30,3

65

29,3

60

14

0,871

Interior/outros Estados

53

69,7

157

70,7

60

14

Queixa principal

 

 

 

 

 

 

 

Ferida na boca

48

63,2

134

60,4

60

14

0,666

Outras queixas

28

36,8

88

39,6

60

13

Tabagismoa

 

 

 

 

 

 

 

Sim

66

89,2

201

92,2

60

14

0,424

Não

8

10,8

17

7,8

61

15

Etilismoa*

 

 

 

 

 

 

 

Sim

58

78,4

135

61,9

58

14

0,010

Não

16

21,6

83

38,1

64

13

Sítio (local da lesão)

 

 

 

 

 

 

 

Língua

53

69,7

132

59,5

58

13

0,111

Outros locais

23

30,3

90

40,5

64

15

Tamanho do tumor (T)a

 

 

 

 

 

 

 

T1 e T2

20

26,7

61

28,2

62

14

0,793

T3 e T4

55

73,3

155

71,8

60

13

Acometimento linfonodal (N)

 

 

 

 

 

 

 

N0

39

51,3

130

58,6

62

14

0,271

N1/N2/N3

37

48,7

92

41,4

58

13

Estadiamento clínico (TNM)a

 

 

 

 

 

 

 

I e II

16

21,3

52

23,5

63

14

0,606

III e IV

59

78,7

169

76,5

60

13

Tratamento cirúrgico

 

 

 

 

 

 

 

Sim

21

27,6

62

27,9

58

13

0,960

Não

55

72,4

160

72,1

61

14

Legenda: DP = Desvio-padrão.

(*) Diferença estatisticamente significante (p<0,05; qui-quadrado de Pearson).

(a) Variável com dados não informados.

 

 

DISCUSSÃO

Foi descrito um aumento da sobrevida global de cerca de 12% nas últimas duas décadas entre pacientes com CEC oral tratados em centros oncológicos mundialmente, o que se atribui aos avanços recentes em exames de imagem e terapias mais eficazes10. Apesar de tal avanço, a sobrevida global em cinco anos, mesmo com ampla variação nas literaturas mundial e nacional, ainda está em torno de 50%11. Isso se deve em grande parte ao fato de que a maioria dos casos está em estágios avançados no momento da detecção, mesmo com a fácil acessibilidade da cavidade oral para exames regulares3, o que deixa evidente a falta de esclarecimento sobre a doença por parte dos pacientes e até mesmo dos profissionais12.

 

Neste estudo, indivíduos do sexo masculino na sexta década de vida foram a maioria dos pacientes afetados, o que está de acordo com a literatura3,4,6,11,13-15. A maior prevalência em homens está relacionada à maior exposição aos fatores de risco. Adicionalmente, com o avanço da idade, aumenta-se o risco de desenvolver o câncer bucal, com a maioria dos casos ocorrendo acima dos 50 anos. No entanto, tem sido relatada uma tendência de crescimento dos casos de CEC oral entre pacientes mais jovens, bem como entre mulheres, muito provavelmente em decorrência de mudanças no estilo de vida nos últimos anos3,4.

 

Quanto à procedência, a maioria dos pacientes era do interior do Piauí (56,4%), o que se deve essencialmente à ausência de serviços especializados no interior e à necessidade de busca por centros de referência nas capitais. Com relação à variável raça/cor da pele, houve predomínio de indivíduos autodeclarados pardos ou negros (85,9%), fato relacionado também ao predomínio da cor parda e preta na população do Piauí (73% do total)16. Semelhante fato ocorreu em estudo realizado na Bahia, em que aproximadamente 90% dos pacientes eram pardos ou negros, em conformidade com as etnias predominantes nesse Estado15.

 

No presente estudo, observou-se que 89,5% e 64,7% dos pacientes apresentavam hábitos tabagistas e etilistas, respectivamente. Em 62,0% dos pacientes, ambos os hábitos eram adotados simultaneamente. O fumo e o álcool são os fatores de maior potencial carcinogênico, apesar do aspecto multifatorial da doença3,4,11,12. A associação entre tabagismo e CEC bucal já está bem estabelecida. Quando o tabagismo está associado à ingestão crônica de bebidas alcoólicas, observa-se efeito sinérgico dose-dependente14. A duração, a frequência e o modo de uso dessas substâncias, assim como sua associação, são diretamente relacionados a um maior risco de CEC oral4. Estima-se que o abandono do tabagismo contribui para a redução de 50% do risco de câncer oral em cinco anos, sendo um importante aspecto para reduzir o câncer bucal3,4.

 

Em relação à região anatômica, prevaleceram os cânceres de língua (62,1%). Em concordância com outros estudos, a língua confirma-se como o sítio intraoral mais propenso a câncer na maioria das populações3,4,11. A maioria dos pacientes tinha como queixa na primeira consulta a presença de lesão na boca (61,1%). Sabe-se que o câncer bucal normalmente se inicia como uma úlcera crônica solitária; entretanto, outras formas podem ser descritas, como placas esbranquiçadas (leucoplasias) ou avermelhadas (eritroplasias), lesões endofíticas, exofíticas ou ainda verrucosas3,4,6,12. É importante que os clínicos suspeitem de lesões bucais solitárias, presentes por tempo superior a três semanas, especialmente se endurecidas, acompanhadas por linfadenopatia cervical ou vistas em pacientes expostos a fatores de risco4.

 

A alta prevalência do diagnóstico tardio foi encontrada neste estudo, visto que o tamanho tumoral correspondeu a T4 em mais de 50% dos casos e já havia metástase regional em mais de 40% dos pacientes. Mais de três quartos dos pacientes se encontravam nos estádios III ou IV da doença. Na literatura consultada, esse percentual variou de 58,3% a 82,9%8,14,15,17-20.

 

Com relação às terapêuticas empregadas, a maioria dos indivíduos recebeu como tratamento a combinação de radioterapia e quimioterapia. O tratamento de escolha para o CEC oral costuma ser a ressecção cirúrgica do tumor primário e, quando necessário, do pescoço, a fim de abordar metástases regionais4,21,22. Entretanto, em estádios avançados, como observado no presente estudo, a radioterapia com ou sem quimioterapia é normalmente a terapêutica indicada após a consideração de vários fatores, incluindo idade e comorbidades do paciente22.

 

Um estudo prévio observou que, entre os pacientes com até 50 anos, houve maior concentração de homens e maior número de etilistas do que entre os pacientes mais idosos. A etiologia e os mecanismos pelos quais pacientes jovens desenvolvem CEC oral são virtualmente os mesmos responsáveis pela doença em indivíduos mais velhos, sendo o álcool tradicionalmente considerado um fator de risco importante3. Maior presença de homens e etilistas entre os indivíduos jovens com CEC oral pode ser em parte justificada pela maior prevalência do consumo abusivo de álcool na população masculina brasileira23.

 

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre as variáveis local ou tamanho da lesão, comprometimento linfonodal, estadiamento clínico geral ou tratamento dos pacientes em jovens e idosos. Estudos prévios têm apresentado resultados inconsistentes e controversos a respeito das diferenças clinicopatológicas e de prognóstico quando comparados pacientes jovens ou idosos com CEC bucal24,25. Há estudos indicando que pacientes mais jovens teriam um maior risco de morte causado por maior risco de recorrência ou mestástases24, ao passo que outros estudos apontam exatamente o contrário, maior sobrevida entre jovens25.

 

 

CONCLUSÃO

O presente estudo evidenciou maior prevalência de CEC oral em homens na sexta década de vida, fumantes e etilistas, com lesão em língua e estadiamento clínico geral avançado (III ou IV) no momento do diagnóstico. Maior concentração de homens e consumo de álcool foram observados entre os pacientes com até 50 anos, o que foi estatisticamente significante. As características clínico-epidemiológicas relacionadas ao CEC bucal devem ser consideradas para o planejamento de políticas públicas, a fim de prevenir novos casos e permitir a realização de diagnóstico precoce.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

AGRADECIMENTOS

À UESPI pelo apoio institucional.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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9. União Internacional Contra o Câncer. TNM: classificação de tumores malignos. 7. ed. Rio de Janeiro: INCA; 2012.

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Recebido em 4/3/2021

Aprovado em 11/6/2021

 

 

Editor-associado: Daniel Cohen. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0089-1910

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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