Tendência Temporal e Distribuição Espacial da Mortalidade por Câncer de Boca em Sergipe
Temporal Trend and Spatial Distribution of Oral Cancer Mortality in Sergipe
Tendencia Temporal y Distribución Espacial de la Mortalidad por Cáncer de Boca en Sergipe
doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n2.2087
Claudiane Mahl1; Allan Dantas dos Santos2; Shirley Verônica Melo Almeida Lima3
1-3Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Enfermagem. Lagarto (SE), Brasil.
1E-mail: claudiane.mahl@academico.ufs.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2021-026X
2E-mail: allanufs@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6529-1887
3E-mail: shirleylima@academico.ufs.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9062-0742
Endereço para correspondência: Claudiane Mahl. UFS. Campus Professor Antônio Garcia Filho. Avenida Governador Marcelo Déda, 330 ‒ São José. Prédio Departamental. Bloco C, 1º andar – São José. Lagarto (SE), Brasil. CEP 499400-000. E-mail: claudiane.mahl@academico.ufs.br
RESUMO
Introdução: Anualmente, no Brasil, 15 mil pessoas são diagnosticadas com câncer de boca, e quase metade delas morre. Sergipe está entre os sete Estados brasileiros com maiores índices. Objetivo: Analisar a tendência temporal e a distribuição espacial da mortalidade por câncer de boca em Sergipe entre 2007 e 2016. Método: Estudo ecológico de série temporal de base populacional, utilizando técnicas de análise espacial. Os dados de mortalidade foram obtidos no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). A análise das tendências temporais foi realizada no modelo de regressão de Joinpoint por meio da regressão de Poisson. Foram realizadas análises espaciais utilizando o estimador de intensidade Kernel e os índices de Moran Global e Local. Resultados: Foram analisadas 543 mortes por câncer de boca. Os casos mais frequentes ocorreram em homens (74%), com idade média de 64 anos e baixa escolaridade. As taxas de mortalidade global (variação percentual anual ‒ APC=2,5; IC 95% 0,9-6,7) e masculina (APC=2,96; IC 95% 1,2-5,6) aumentaram. Houve também uma tendência crescente de mortalidade por câncer na língua (APC=10,05; IC 95% 3,8-16,7). A mortalidade relacionada a outras localizações anatômicas foi estável. Houve concentração de óbitos nas Regiões Metropolitana, Centro-Sul e Centro-Agreste. Conclusão: Durante o período analisado, a taxa de mortalidade geral mostrou uma tendência crescente, com concentração nas Regiões Centro-Sul, Central e Metropolitana, sendo necessário manter medidas de prevenção e controle contra o câncer de boca em todo o Estado de Sergipe.
Palavras-chave: neoplasias bucais/mortalidade; análise espaço-temporal; análise espacial; estudos ecológicos; demografia.
ABSTRAT
Introduction: Annually, in Brazil, 15 thousand individuals are diagnosed with oral cancer and almost half of them die. Sergipe is among the seven Brazilian states with the highest rates. Objective: To analyze the temporal trend and the spatial distribution of oral cancer mortality in Sergipe between 2007 and 2016. Method: Population-based time series ecological study, using techniques of spatial analysis. Mortality data were obtained from the Mortality Information System (SIM). The analysis of temporal trends was performed with the Joinpoint regression model using Poisson regression. Spatial analyzes were carried out using the Kernel intensity estimator and the Moran Global and Local indexes. Results: 543 oral cancer deaths were analyzed. The most frequent cases were in men (74%), with an average age of 64 years and low education. The overall and male’s mortality rates (annual percent change ‒ APC=2.5; 95% CI 0.9-6.7 and APC=2.96; 95% CI 1.2-5.6), respectively, increased. There was also an increasing trend of mortality by tongue cancer (APC=10.05; 95% CI 3.8-16.7). Mortality related to other anatomical locations was stable. There was a concentration of deaths in the Metropolitan, Midsouth and Mid-rural regions. Conclusion: During the period investigated, the general mortality rate showed an increasing trend, with concentration in the Midsouth, Mid and Metropolitan regions, and it is necessary to maintain preventive and control measures against oral cancer throughout the State of Sergipe.
Key words: mouth neoplasms/mortality; spatio-temporal analysis; spatial analysis; ecological studies; demography.
RESUMEN
Introducción: Cada año en Brasil, 15.000 personas son diagnosticadas con cáncer de boca y casi la mitad de ellas mueren. Sergipe es uno de los siete Estados brasileños con las tasas más altas. Objetivo: Analizar la tendencia temporal y la distribución espacial de la mortalidad por cáncer de boca en Sergipe entre 2007 y 2016. Método: Estudio ecológico de series temporales basadas en la población, utilizando técnicas de análisis espacial. Los datos de mortalidad se obtuvieron del Sistema de Información sobre Mortalidad (SIM). Poisson realizó el análisis de las tendencias de tiempo en el modelo de regresión de Punto de unión. Fueron realizadas análisis espaciales utilizando el estimador de intensidad del Kernel y los índices Moran Global y Local. Resultados: Se analizaron un total de 543 muertes por cáncer de boca. Los casos más frecuentes se dieron en hombres (74%), con una edad media de 64 años y baja escolaridad. Aumentaron las tasas de mortalidad global (porcentual cambio anual ‒ PCA=2,5; IC 0,9-6,7) y masculinas (PCA=2,96; IC 95% 1,2-5,6). También hubo una tendencia creciente de mortalidad por cáncer en la lengua (PCA=10,05; IC 95% 3,8-16,7). La mortalidad relacionada con otros lugares anatómicos fue estable. Hubo una concentración de muertes en las regiones Metropolitana, Central-Sur y Centro-Agreste. Conclusión: Durante el período analizado, la tasa general de mortalidad mostró una tendencia creciente, con concentración en las Regiones Centro-Sur, Centro y Metropolitano, y es necesario mantener medidas de prevención y control contra el cáncer de boca en todo el Estado de Sergipe.
Palabras clave: neoplasias de la boca/mortalidad; análisis espacio-temporal; análisis espacial; estudios ecológicos; demografía.
INTRODUÇÃO
O câncer de boca é considerado um dos principais problemas para os sistemas de saúde em todo o mundo por causa da sua alta morbimortalidade1,2. Trata-se de um tumor maligno que afeta lábios, estruturas da boca, gengivas, bochechas, céu da boca, língua e região embaixo da língua. Sua incidência aumentou 68% nas últimas duas décadas. Esse crescimento é atribuído a hábitos de vida pouco saudáveis3. Anualmente, são diagnosticados 22 mil novos casos da doença no Brasil, com uma taxa de mortalidade de aproximadamente seis óbitos por 100 mil habitantes4.
Apesar de quase um século de políticas públicas, com a implementação de programas de atenção ao câncer e campanhas preventivas, a incidência de câncer de boca no Brasil ainda é alta5. Estimam-se 11.180 novos casos de câncer de boca em homens e 4.010 em mulheres para cada ano do triênio 2020-2022. Esses valores correspondem a um risco estimado de 10,69 casos novos por 100 mil homens e de 3,71 por 100 mil mulheres. No Nordeste do Brasil, excluindo os tumores cutâneos não melanoma, o câncer de boca é o quinto mais frequente entre os homens (6,72 casos/100 mil) e o 11º mais frequente entre as mulheres (3,12 casos/100 mil). Sergipe, a menor Unidade federativa em termos de extensão de território no Brasil (21.910 km2), possui uma das maiores taxas de incidência da doença, com uma estimativa de 8,48 casos por 100 mil homens e 2,23 casos por 100 mil mulheres4.
O perfil da população em risco de carcinoma espinocelular (CEC), a neoplasia epitelial maligna mais comum que afeta a cavidade oral, inclui indivíduos acima de 50 anos, sexo masculino, baixa renda e escolaridade, fumantes e residentes de áreas rurais6. Além disso, foi demonstrado que fatores relacionados à condição médica geral do paciente e relacionados ao tumor primário são importantes indicadores prognósticos no câncer de boca7,8.
A mortalidade é um importante indicador da carga de doenças e reflete o risco de morte em determinado período entre uma população específica. A coleta sistemática de informações sobre atestados de óbito é a maneira mais simples e acessível de obter dados sobre mortalidade em uma população9. A taxa de mortalidade brasileira por câncer de boca (C00 a C10) é de 2,64/100 mil habitantes, enquanto Sergipe possui uma taxa de mortalidade de 2,58/100 mil habitantes, ocupando a 11ª posição no país4.
A determinação dos óbitos por câncer de boca, considerando a tríade pessoa-espaço-tempo, pode contribuir para a identificação de suas causas e a redução de sua ocorrência10. A análise da distribuição espacial do câncer bucal de base populacional é essencial para identificar áreas de risco e vulnerabilidade. Ademais, a avaliação da relação entre as taxas de mortalidade por câncer de boca e os determinantes sociais no espaço geográfico permite identificar necessidades específicas de intervenções em saúde pública para prevenir a doença de maneira mais direta e equitativa. O objetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal e a distribuição espacial da mortalidade por câncer de boca em Sergipe, Brasil, de 2007 a 2016.
MÉTODO
O presente estudo foi realizado no Estado de Sergipe, Região Nordeste do Brasil. Sergipe tem uma população estimada em 2.265.779 habitantes e uma densidade populacional de 94,3 habitantes por km2 11. O Estado possui 75 municípios divididos em oito Macrorregiões, com áreas que compõem uma população com diversas características socioeconômicas e ambientais12,13. Aproximadamente 50% da população vive dentro do Índice de Pobreza, e a expectativa de vida ao nascer é de 72,1 ano11 (Figura 1).
Figura 1. Localização geográfica. Sergipe, Brasil
Trata-se de um estudo ecológico de série temporal, baseado em população, usando técnicas de análise espacial. A amostra foi composta por dados secundários de óbitos por câncer de boca registrados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)14 de todos os 75 municípios do Estado de Sergipe no período de 2007 a 2016. As taxas de mortalidade foram calculadas por 100 mil habitantes e a população dos municípios residentes foi utilizada como denominador.
Os dados socioeconômicos foram coletados na Certidão de Óbito dos moradores de Sergipe, selecionados a partir da causa básica de morte que se refere à “doença ou condição que iniciou a cadeia de eventos patológicos que levaram diretamente à morte”13. Portanto, considera-se o local primário de neoplasia, ou câncer de origem, de acordo com a American Cancer Society12.
As definições da 10ª edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)15, de acordo com o Capítulo II, foram utilizadas com os seguintes códigos para neoplasias malignas: C00 (lábio); C01 (base da língua); C02 (outras partes da língua e as não especificadas); C03 (gengiva); C04 (boca); C05 (palato); C06 (outras partes da boca e as não especificadas); C07 (glândula parótida); C08 (outras glândulas salivares principais e não especificadas); C09 (amígdala); e C10 (orofaringe)15.
A tendência temporal para as séries consecutivas de dez anos foi calculada usando a taxa anual de mortalidade específica por câncer de boca como variável dependente e o período do estudo em anos como variável independente. Inicialmente, a análise de tendências foi realizada com o programa Joinpoint, versão 4.0.4 (Surveillance Research, National Cancer Institute, EUA). Tal programa estima a variação percentual anual (APC) de uma regressão linear segmentada (regressão de Jointpont) e identifica os pontos de inflexão. Cada ponto de inflexão reflete mudanças no aumento ou declínio das taxas de mortalidade.
A regressão de Joinpoint proporcionou o ajuste de uma série de linhas e seus pontos de inflexão em uma escala logarítmica por meio do teste anual de tendências. O método de permutação de Monte Carlo foi utilizado para obter o ajuste com base na melhor linha de cada segmento analisado. A APC e a variação percentual anual média (MAPC), com seus respectivos intervalos de confiança de 95%, foram estimadas e testadas. Os períodos do estudo foram analisados separadamente com a ocorrência de pontos de inflexão com direção invertida. O número de inflexões utilizadas na análise foi resultado de modelos definidos pelo próprio programa, a fim de permitir uma melhor representação da tendência, com o menor número de pontos de inflexão. A regressão de Poisson foi utilizada para determinar o número de segmentos necessários para explicar adequadamente a relação entre duas variáveis. Foram considerados os pontos de uma mudança de tendência que apresentaram valor de p<0,05.
Na análise espacial, os endereços das residências foram georreferenciados, e os pontos foram marcados pela captura das coordenadas de latitude e longitude fornecidas pelo Google Earth Pro16. Mapas temáticos da distribuição de óbitos por câncer de boca nos municípios para o período analisado foram construídos com o software QGIS 2.1.4. A técnica Kernel foi aplicada para identificar a intensidade da distribuição das mortes no Estado de Sergipe. Essa técnica mostra a densidade de superfície gerada estatisticamente para a detecção visual de pontos quentes, o que indica a aglomeração de casos na distribuição espacial. A distribuição dos pontos foi transformada em superfície suavizada e apresentada como mapa contínuo, representando diferentes níveis de intensidade de morte. A quantidade de suavização, ou seja, a largura do raio de influência, foi definida em três mil metros, pois esse valor gerou uma representação adequada da distribuição das mortes por câncer de boca nos municípios, minimizando o viés de sobreposição.
Para o estimador de densidade do Kernel, foi utilizada a seguinte fórmula:
Onde n é o número de amostras, h é o parâmetro de suavização do kernel, e K (xt, xi) é o operador do kernel17.
Foi realizada uma análise de autocorrelação espacial entre as taxas de mortalidade por câncer nos municípios. O Índice Moran Global (MGI)18 foi calculado para identificar clusters com riscos para essa ocorrência. Foi desenvolvida uma matriz de proximidade espacial obtida pelo critério de contiguidade, adotando um nível de significância de 5%. Os valores do índice variaram de -1,0 a +1,0, que representam a expressão de autocorrelação espacial da mortalidade por câncer de boca no espaço geográfico analisado para identificar aglomerados espaciais e áreas de risco. Valores próximos a 0 indicam aleatoriedade espacial; valores entre 0 e +1 indicam autocorrelação espacial positiva e, entre -1 e 0, autocorrelação espacial negativa19.
O coeficiente global de autocorrelação de Moran baseia-se nos produtos cruzados dos desvios da média calculada para as observações da seguinte forma:
Onde ωij é um elemento da matriz de contiguidade (ω); yi é a taxa de mortalidade do município i; yj é a taxa de incidência do município j; ў é a média da amostra; e o símbolo n representa o número total de municípios18,20.
O Diagrama de Espelhamento de Moran foi utilizado para indicar as áreas críticas ou transitórias, a fim de comparar o valor de cada município com os municípios vizinhos e verificar a dependência espacial mostrada pelo Índice Local de Associação Espacial (LISA) para detectar Regiões com correlação espacial significativa. Assim, para avaliar o agrupamento espacial local, tornou-se mais útil obter uma medida da associação de cada unidade para verificar se a hipótese de estacionariedade do processo ocorre localmente19.
Onde Zi = yi - ў; Zj = yj - ў; ωij é o elemento da matriz contígua ω; yi é a taxa de mortalidade do município i; yj é a taxa de incidência do município j; ў é a média da amostra; e o símbolo n representa o número total de cidades18,20.
A dependência espacial e os padrões de risco foram analisados com a criação de quadrantes espaciais: Q1 (alto/alto) e Q2 (baixo/baixo) indicam municípios com valores semelhantes aos de seus vizinhos; Q3 (alto/baixo) e Q4 (baixo/alto) indicam pontos negativos de associação espacial, em que os municípios possuem valores distintos de seus vizinhos, caracterizando observações discrepantes. Áreas que apresentam correlação espacial positiva com espaços estatisticamente significantes acima de 95% foram geradas por meio do Mapa Moran, utilizado para visualização de clusters e identificação de áreas prioritárias. Os mapas de Moran foram construídos para representação espacial quando os municípios apresentaram diferenças estatisticamente significantes (p<0,05)21.
A base cartográfica do Estado de Sergipe foi fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)11. A projeção cartográfica correspondeu ao sistema Universal Transverse Mercator (UTM), usando o Terra Datum, modelo Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas 2000 (SIRGAS2000). Os dados descritivos foram tabulados e analisados utilizando o GraphPad Prism versão 5.01 e o Microsoft Office Excel 2010. Para a análise estatística espacial, foram utilizados o TerraView 4.2.2 e o QGis 2.14.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (CAAE 68035317.3.0000.5546).
RESULTADOS
No período de 2007 a 2016, foram registradas 543 mortes por câncer de boca no Estado de Sergipe. Destas, 74% (n=400) ocorreram em homens e 26% (n=143) em mulheres. A idade média foi de 63 anos (±14,36 anos, variando de 10 a 104 anos), 56% dos indivíduos tinham três anos ou menos de estudo (n=305). Quanto à cor da pele, 63% eram pardos ou negros. A ocorrência de óbitos no hospital e no domicílio teve frequência de 53,4% (n=290) e 44,8% (n=243), respectivamente.
A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes por câncer de boca aumentou de 2,50 casos em 2007 para 2,99 em 2016 (APC=2,5; IC 95% 0,9-6,7) conforme a Figura 2 (A). Os homens apresentaram taxas de mortalidade crescentes, enquanto as mulheres apresentaram taxas de mortalidade estáveis (4,08 a 4,65 por 100 mil homens, APC=2,96; IC 95% 1,2-5,6) e 0,97 a 1,4 por 100 mil mulheres, APC=0,84; IC 95% -4,4-6,3) como mostra a Figura 2 (B e C).
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Figura 2. Análise de tendência do coeficiente de mortalidade por sexo e geral, 2007-2016. Sergipe, Brasil |
A distribuição das mortes de acordo com o local anatômico (CID-1015) é observada na Tabela 1. Houve uma tendência crescente de mortalidade por câncer de língua (APC=10,05; IC 95% 3,8-16,7). A mortalidade relacionada a outros locais foi estável.
O estimador Kernel identificou uma alta densidade de mortes nas Regiões Metropolitana, Central-Sul e Central Agreste (Figura 3). O Mapa de Moran mostrou aglomerados locais de risco (p<0,01) em nove municípios (Itabaiana, Areia Branca, Riachuelo, Santa Rosa de Lima, Canhoba, Amparo de São Francisco, Malhada dos Bois e Telha) conforme a Figura 4 (A e B).
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Figura 3. Análise de Kernel dos óbitos por câncer de boca, 2007-2016. Sergipe, Brasil |
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Figura 4. Taxa de mortalidade média cumulativa (A) e taxa de mortalidade média cumulativa analisada pelo método de Moran (B), para câncer de boca, 2007-2016. Sergipe, Brasil |
DISCUSSÃO
No presente estudo, investigaram-se as características epidemiológicas e a distribuição espaço-temporal da mortalidade por câncer de boca. Esta amostra seguiu o padrão descrito na literatura, com a maioria dos óbitos ocorrendo em homens de meia idade e baixa escolaridade2,22,23. A taxa de mortalidade aumentou para os homens, o que pode estar relacionado ao estilo de vida, com hábitos de fumar e consumir bebidas alcoólicas3, que potencializam o risco quando ocorrem simultaneamente24.
Entre as mulheres, a tendência foi estável, diferente de estudo multicêntrico, realizado com base de dados de 14 países, que observou tendência de mudança da incidência de câncer de boca entre as mulheres em várias Regiões do mundo25. Da mesma forma, em uma série histórica realizada no Brasil, no período de 2002 a 2013, observou redução da razão da taxa de mortalidade entre homens e mulheres, o que pode ser atribuído a alterações sociais relacionadas aos hábitos femininos, como o tabagismo e o alcoolismo26.
A incidência de CEC de língua tem aumentado nas últimas décadas, e, nesta amostra, observou-se tendência crescente para essa localização anatômica. Um estudo com 22 registros de câncer em todo o mundo mostrou um aumento da incidência de CEC de língua variando de 0,4% a 3,3% ao ano na maioria das áreas25. As lesões de língua e assoalho da boca estão localizadas em áreas de rica vascularização e repletas de linfonodos, o que contribui para a disseminação metastática locorregional ou distante, piorando o prognóstico e determinando a necessidade de tratamento agressivo7,27. Além disso, essas são áreas mais expostas aos agentes carcinogênicos e às infecções pelo papilomavírus humano (HPV), que vem sendo descrito como um fator independente para o CEC de cabeça e pescoço, principalmente para os tumores de orofaringe, particularmente câncer de tonsila e de língua28,29.
Nas últimas décadas, observou-se o melhoramento do acesso aos serviços de saúde bucal no Brasil, principalmente por causa do programa Saúde da Família, implementado em 1997, que pode ter impactado positivamente na identificação e no registro das mortes relacionadas ao câncer de boca no Estado de Sergipe5. Sabe-se que melhorar os indicadores de saúde requer décadas de políticas públicas bem implementadas. Ademais, a redução das taxas de mortalidade, o aumento do número de anos de sobrevida e a melhoria da qualidade de vida relacionada ao câncer bucal dependem da identificação e do diagnóstico precoces, do tratamento imediato e do monitoramento da equipe multidisciplinar30, por isso, os níveis de média e alta complexidades do sistema de saúde pública do país, dos quais depende o processo de diagnóstico e tratamento, ainda precisam melhorar no Estado de Sergipe.
De acordo com a Lei n.º 12.732/201231, implementada em 2014, o tratamento do câncer deve ser iniciado no prazo máximo de 60 dias a partir do diagnóstico. No entanto, apesar dessa Lei, as mudanças não foram significativas, pois os pacientes enfrentam problemas de rotina, como baixo investimento, estrutura insuficiente e profissionais com tecnologia limitada. Em um estudo analítico descritivo baseado em dados secundários de registros hospitalares entre 2009 e 2015 no Brasil, observou-se que a Região Nordeste obteve o segundo maior percentual (23,46%) de pacientes que não tiveram acesso ao tratamento dentro de 60 dias do diagnóstico, e a Região Norte ficou com a primeira posição, 23,57%32.
O estudo de Ferlay et al.33 avaliou as taxas de incidência e mortalidade de diferentes tipos de câncer em 184 países e concluiu que a incidência de câncer de boca tem aumentado nos países mais desenvolvidos, enquanto a mortalidade tem aumentado nos países menos desenvolvidos. Esse crescimento pode estar relacionado com a dificuldade de diagnóstico precoce e de se iniciar o tratamento imediato, uma vez que, no Brasil, os casos são diagnosticados em mais 75% das vezes em estágio avançado22,23; já, nos Estados Unidos, esse percentual é de 42%34.
Além disso, o aumento constante de mortes também pode ter sido influenciado ao longo dos anos pela melhoria dos relatórios no SIM14, notável no número de informações ignoradas. Santos et al.35 avaliaram que a mortalidade entre 2000 e 2009, na capital de Sergipe, apresentou variáveis com 20% a 35% das informações ignoradas no atestado de óbito, o que não ocorreu no presente estudo, que obteve menos de 15% de ignorados. Ainda, estudos35,36 que avaliaram a integridade dos dados no SIM observaram uma tendência decrescente de não preenchimento dos dados para a maioria das variáveis na certidão de óbito, em diferentes Regiões do país.
A análise de dependência espacial de Moran, no período de 2007 a 2016, chama atenção para o fato de os municípios de Itabaiana e Areia Branca apresentarem aglomerados locais de risco (p<0,01), pois são dois municípios entre os três que possuem extração de ouro (Itabaiana, Areia Branca e Itaporanga D’Ajuda) de acordo com o mapa geológico e recursos minerais do Estado de Sergipe37. Em garimpos de ouro, o mercúrio é utilizado na separação de partículas, e o arsênico está presente naturalmente no solo e é liberado durante o processo de extração, ocorrendo a contaminação da terra, dos rios e dos peixes, o que pode contribuir para maior risco de câncer38,39.
No entanto, dadas as limitações de um estudo ecológico, são necessárias mais pesquisas para verificar qualquer relação entre a ocorrência de câncer de boca e a presença dessas substâncias em Itabaiana e Areia Branca, uma vez que o câncer de boca apresenta outros fatores de risco, tais como sua localização em região exposta a agentes carcinogênicos de diferentes tipos, sendo os principais: o tabaco, o álcool, radiação ultravioleta, fatores genéticos e, recentemente, o HPV.
Além disso, este estudo possui limitações comuns em estudos ecológicos, pois foram utilizados dados secundários, e muitas informações foram ignoradas no preenchimento do atestado de óbito. Isso causa o registro incompleto de informações, o que afeta negativamente as análises epidemiológicas. Dessa forma, não foi possível avaliar algumas variáveis muito importantes como o estadiamento clínico e o atraso do diagnóstico e do tratamento.
CONCLUSÃO
A mortalidade por câncer de boca mostrou-se crescente na população geral e na população masculina, enquanto, na feminina, apresentou-se estável no período avaliado. Na análise por localização anatômica, apenas as neoplasias malignas da língua apresentaram tendência crescente. Essa elevação pode estar relacionada à melhora na identificação da doença, em razão da descentralização dos serviços de saúde bucal, ou mesmo do melhor registro de informações nos atestados de óbito. Também houve concentração de mortes na Região Metropolitana, nas Regiões Centro-Sul e Centro-Leste.
CONTRIBUIÇÕES
Todos os autores contribuíram na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Não há.
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Recebido em 14/6/2021
Aprovado em 1/9/2021
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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