REVISÃO DE LITERATURA

 

Micropigmentação Dérmica na Reconstrução do Complexo Aréolo-papilar: Revisão Integrativa da Literatura

Dermal Micropigmentation for the Nipple-areolar Complex Reconstruction: Integrative Literature Review

Micropigmentación Dérmica en la Reconstrucción del Complejo Areola-papilar: Revisión Integradora de la Literatura

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n3.2143

 

Danila Cristina Paquier Sala1; Vânia Lopes Pinto2; Juliana Eiko Ounti Brito3; Simone Elias4

 

1-4Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo (SP), Brasil. E-mails: danila.paquier@unifesp.br; vania.lopes@unifesp.br; julianaounti@gmail.com; simone.elias@unifesp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-3723-6706; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-0109-4953; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2024-1330; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9909-0717

 

Endereço para correspondência: Vânia Lopes Pinto. Rua Napoleão de Barros, 754, sala 301 ‒ Vila Clementino. São Paulo (SP), Brasil. CEP 04024-002. E-mail: vania.lopes@unifesp.br

 

 

RESUMO

Introdução: A micropigmentação dérmica comumente conhecida como tatuagem é uma técnica de reconstrução do complexo aréolo-papilar desde 1986. Objetivo: Identificar na literatura científica evidências sobre a prática de micropigmentação dérmica à reconstrução do complexo aréolo-papilar em mulheres tratadas por câncer de mama. Método: Revisão integrativa com busca nas bases de dados PubMed, SciELO e LILACS. A partir dos critérios de elegibilidade, foram selecionados 14 artigos. A revisão foi relatada segundo os critérios do PRISMA e o nível de evidência classificado segundo o Centro para Medicina Baseada em Evidências de Oxford. Resultados: Na literatura consultada, 71,4% dos estudos são de nível quatro de evidência. Foram sintetizados os achados em quatro categorias: 1) micropigmentação dérmica como método de escolha; 2) período recomendado para realização da micropigmentação; 3) etapas da micropigmentação dérmica; 4) reações esperadas e adversas da micropigmentação. Conclusão: A micropigmentação dérmica é uma técnica que tem proporcionado benefícios psicossociais para as mulheres e oferece à paciente uma aréola com aspecto próximo ao natural, por meio de um procedimento seguro, rápido, raramente doloroso e com baixo risco de complicações, quando garantidas as medidas de biossegurança. As decisões no processo devem ser baseadas por evidências e tomadas em conjunto com as pacientes, respeitando desejos e informando riscos e benefícios.

Palavras-chave: tatuagem; mamilos; neoplasias da mama; saúde da mulher; prática clínica baseada em evidências.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Since 1986, dermal micropigmentation commonly known as tattooing has been a technique for reconstruction of the nipple-areola complex. Objective: To identify scientific evidence in the literature on the practice of dermal micropigmentation for reconstruction of the nipple-areola complex in women treated for breast cancer. Method: Integrative review upon search in the databases PubMed, SciELO and LILACS resulting in 14 articles selected according to the eligibility criteria. The review was reported according to PRISMA criteria, and the level of evidence classified according to the Oxford Center for Evidence-Based Medicine criteria. Results: 71.4% of the studies presented level four of evidence. The findings were synthesized in four categories: 1) dermal micropigmentation as the method of choice; 2) recommended period for micropigmentation; 3) steps of dermal micropigmentation; 4) expected and adverse reactions from micropigmentation. Conclusion: Dermal micropigmentation is a technique that has provided psychosocial benefits for women and offers the patient an areola with a natural appearance through a safe, fast, rarely painful procedure with low risk of complications, if biosafety measures are in place. Decisions in the process should be evidence-based and taken together with patients, respecting their wishes and sharing risks and benefits.

Key words: tattooing; nipples; breast neoplasms; women’s health; evidence-based practice.

 

 

RESUMEN

Introducción: La micropigmentación dérmica comúnmente conocida como tatuaje ha sido una técnica para reconstruir el complejo areola-pezón desde 1986. Objetivo: Identificar evidencia en la literatura científica sobre la práctica de la micropigmentación dérmica para la reconstrucción del complejo areola-pezón en mujeres tratadas por cáncer de mama. Método: Revisión integrativa con búsqueda en bases de datos PubMed, SciELO y LILACS. Con base en los criterios de elegibilidad, se seleccionaron 14 artículos. La revisión se informó de acuerdo con los criterios PRISMA y el nivel de evidencia clasificado de acuerdo con el Centro de Medicina basada en la evidencia de Oxford. Resultados: En la literatura consultada, el 71,4% de los estudios tienen nivel de evidencia cuatro. Fueron sintetizados los hallazgos en cuatro categorías: 1) micropigmentación dérmica como método de elección; 2) período recomendado de micropigmentación; 3) pasos de micropigmentación dérmica; 4) reacciones adversas y esperadas por micropigmentación. Conclusión: La micropigmentación dérmica es una técnica que ha brindado beneficios psicosociales para la mujer y ofrece a la paciente una areola con apariencia natural, a través de un procedimiento seguro, rápido, rara vez doloroso y con bajo riesgo de complicaciones, cuando las medidas de bioseguridad están garantizadas. Las decisiones en el proceso deben basarse en pruebas y tomarse junto con los pacientes, respetando los deseos e informando los riesgos y beneficios.

Palabras clave: tatuaje; pezones; neoplasias de la mama; salud de la mujer; práctica clínica basada en la evidencia.

 

 

INTRODUÇÃO

A retirada da mama parcial ou total pode provocar alteração da imagem corporal, originando sentimentos e emoções repletos de simbolismos e significados que interferem diretamente na autoestima da mulher1. Tal percepção, vivenciada de forma intensa por essas mulheres, pode impactar negativamente suas vidas, levando angústia emocional e mudanças na forma com que interagem socialmente1.

 

A reconstrução mamária é relatada na literatura como momento reconfortante do tratamento, pois promove, além da redução do trauma da mutilação, a reestruturação da autoestima e da autoimagem e a retomada de sentimentos de completude e feminilidade2.

 

Mulheres mastectomizadas têm o direito à cirurgia reparadora, que, no caso de condições clínicas favoráveis, pode ser realizada no pós-operatório imediato ou assim que alcançadas. No Brasil, a reconstrução mamária está prevista por lei e tornam parte obrigatória desse procedimento a simetrização da mama contralateral e a reconstrução do complexo aréolo-papilar (CAP)3.

 

A reconstrução do CAP constitui-se etapa final da reconstrução mamária, fator fundamental para a melhora da imagem corporal e bem-estar do paciente4. Ao longo dos anos, esse procedimento vem passando por muitas inovações, por exemplo, a micropigmentação da pele5. A tatuagem, como é comumente chamada, é conhecida há muitos anos e foi introduzida como técnica reconstrutiva do CAP em 1986 pelo cirurgião americano Hilton Becker6,7. Quando associada a outras técnicas cirúrgicas reconstrutivas, pode alcançar pigmentação e textura ideais7.

 

A micropigmentação dérmica vem sendo aperfeiçoada buscando um resultado mais suave e delicado que se assemelhe ao máximo do desenho natural da aréola e mamilo5. O procedimento está se desenvolvendo de forma progressiva em todo o mundo e por diversos profissionais5; por isso, é importante uma compreensão abrangente sobre quando e como realizar a micropigmentação, e quais as possíveis complicações.

 

Em face de um procedimento invasivo, em paciente oncológico, uma revisão das evidências científicas sobre a temática pode proporcionar e estimular o desenvolvimento profissional alicerçado em boas práticas8.

 

A presente investigação visa a identificar as evidências científicas da prática de micropigmentação dérmica à reconstrução do CAP de mulheres submetidas a tratamento cirúrgico de câncer de mama.

 

 

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa realizada em seis etapas: definição da pergunta norteadora; elaboração dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos para realização da busca nas bases de dados; extração das evidências dos artigos; análise crítica incluindo o nível de evidência; discussão e apresentação dos resultados9.

 

A investigação foi norteada pela pergunta: Quais as evidências científicas da prática de micropigmentação dérmica na reconstrução do CAP de mulheres submetidas a tratamento cirúrgico de câncer de mama?

 

Foram selecionados artigos que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: (a) artigos originais na íntegra e opinião de especialista; (b) estudos sem delimitação de idioma; (c) estudos em mulheres tratadas cirurgicamente por câncer de mama, cuja área do CAP foi removida; (d) com qualquer delineamento metodológico.

 

Foram empregados os seguintes descritores em saúde: nipple, areolar, tattoing, reconstructive surgical procedure, breast cancer. As combinações da estratégia de busca variaram entre as bases de dados: ((("tattooing"[MeSH Terms] OR "tattooing"[All Fields]) AND ("nipples"[MeSH Terms] OR "nipples"[All Fields] OR "nipple"[All Fields])) AND AREOLAR[All Fields]) AND ("0001/01/01"[PDat] : "2019/05/31"[PDat]).

 

Foram consultadas as seguintes bases de dados: US National Library of Medicine and National Institute of Health (PubMed), Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), sem delimitação temporal, e a busca foi até maio de 2019.

 

Os critérios do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) foram utilizados para relatar a revisão integrativa10.

 

Foram excluídos artigos repetidos nas bases de dados e aqueles não disponíveis para acesso ao texto na íntegra. Após leitura do material, foram excluídos artigos que não responderam à pergunta de estudo e que não atenderam aos critérios de elegibilidade.

 

Após a exclusão dos artigos duplicados, foram identificados 1.803. Estes foram analisados por dois avaliadores independentes, que consideraram os critérios de inclusão e exclusão e incluíram, na amostra final, aqueles cujo conteúdo respondia à pergunta da revisão.

 

Todas as diferenças foram discutidas entre os avaliadores, e, em caso de desacordo, um avaliador externo foi convidado a opinar.

 

Para a análise do nível de evidência científica, utilizaram-se as orientações do Centro para Medicina Baseada em Evidências de Oxford, a fim de refletir a credibilidade dos estudos11.

 

 

RESULTADOS

A amostra final foi constituída por 14 artigos. Em relação à procedência, seis artigos (43%) foram publicados no continente europeu, seis (43%) no americano e dois (14%) no asiático.

 

Identificaram-se publicações a partir do ano de 1995, sendo observada, contudo, uma maior produção na última década. Quanto ao delineamento metodológico, foram identificados: uma coorte (7,2%), dois do tipo caso-controle (14,3%), oito estudos descritivos ou série de casos (57,1%), e três opiniões de especialista (21,4%). Considerando o nível crescente de evidência proposto pela classificação de Oxford, verificaram-se: três de nível 5 (21,4%), dez de nível 4 (71,4%) e um de nível 3 (7,1%).

 

O Fluxograma PRISMA é apresentado na Figura 1.

 

Figura 1. Artigos encontrados nas bases de dados

 

 

No Quadro 112-25, encontra-se a síntese dos resultados com título, local, ano da publicação, método, número de pacientes na pesquisa, principais recomendações para a prática da micropigmentação segundo o nível de evidência.

 

Quadro 1. Características dos estudos e síntese dos principais resultados, São Paulo, 2019

Título

Local/Ano

Método/Número de pacientes (n)

Resultados

Evidência Oxford

Breast reconstruction after surgery12

Reino Unido/1995

Opinião de especialista

(n=não relatado)

Necessidade de retoques ao longo de tempo

5

Nipple-areola reconstruction by tattooing and nipple sharing13

Reino Unido/1997

Estudo descritivo

(n=31)

Técnica simples e asséptica. Uso de anestesia local, mas bem tolerado sem anestésico. Necessidade de retoques por até 4 anos. O CAP deve ser traçado em frente a um espelho, por meio do qual a paciente consiga ver e escolher o posicionamento, o uso de uma prótese pode auxiliar. Testagem dos pigmentos contra a aréola normal. Cobertura primária com gaze parafinada foi utilizada por 24 horas. Retorno em 3 a 4 semanas. Uma crosta fina é formada sobre a região tatuada e deve ser mantida enquanto perdurar

4

Breast reconstruction14

Canadá/2000

Opinião de especialista

(n= não relatado)

Realização da reconstrução do CAP com tatuagem em 3 a 6 meses após a reconstrução mamária

5

Reconstrução do mamilo por meio da técnica do retalho C-V: contribuição à técnica15

Brasil/2005

Estudo descritivo

(n=9)

Foi aguardado o período de 3 meses após técnica de retalho C-V com prótese para realizar a micropigmentação

4

Breast reconstruction with autologous tissue following mastectomy16

Alemanha/2006

Opinião de especialista

(n=não relatado)

A micropigmentação da aréola foi realizada 4 a 6 semanas após a reconstrução da papila

5

Aesthetic quality of the nipple-areola complex in breast reconstruction with a new local graft technique17

Brasil/2009

Estudo descritivo

(n=122)

O intervalo entre a reconstrução do CAP e a micropigmentação da aréola foi de 3 meses. A aplicação de anestésico de 30 a 60 minutos antes do procedimento garantiu o conforto da paciente e a vasoconstrição. A cicatriz e o uso de diferentes tons de tinta aproximam do aspecto natural tridimensional areolar

4

Patient satisfaction following nipple-areolar complex reconstruction and tattooing18

Reino Unido/2011

Estudo descritivo

(n=110)

A média de tempo dos retoques foi de 16,4 meses (a partir do primeiro) e 14,4 meses (após o segundo). Agulhas de tatuagem utilizadas foram de seis pontas estéreis, mas os pigmentos não eram estéreis. A satisfação foi método utilizado para avaliação

4

Técnica simples e segura para a reconstrução aréolo-papilar com tatuagem intradérmica19

Brasil/2012

Estudo descritivo

(n=10)

Foram realizadas marcações de tamanho, forma e posição em relação ao CAP contralateral, com molde. A micropigmentação foi em 6 a 12 semanas após a cirurgia reconstrutiva. Realizou-se anestesia local com lidocaína 2% com vasoconstritor, diminuindo sangramento e facilitando a visualização do pigmento. Uso de batoques descartáveis para separar as tintas selecionadas. O curativo imediato foi feito com uso de pomada contendo dexpantenol e filme de policloreto de polivinila (PVC). Foram realizadas orientações de não molhar e manter ocluído por 48 horas. Uma paciente evoluiu com infecção

4

Areola size and jugulum nipple distance after bilateral mastectomy and breast reconstruction20

Espanha/2013

Coorte sem grupo controle

(n=103)

As mulheres preferem aréolas menores comparadas com antes da reconstrução. Os pontos de referências para medição da distância jugulum-nipple foram a fúrcula esternal e o mamilo. Para medir a distância e o tamanho, foram utilizados fita métrica e moldes circulares de placas autocolantes de vários tamanhos, sendo a escolha pessoal. O intervalo entre a reconstrução do mamilo e a micropigmentação foi de 3 a 6 meses. Procedimento foi realizado por cirurgião ou enfermeira treinados. Retoques foram realizados após 3 meses da tatuagem, em 18,45% das tatuagens. Após 1 ano, não houve mais necessidade de retoques. Complicações não foram relatadas no estudo

3

Nipple reconstruction using the C-V flap technique: long-term outcomes and patient satisfaction21

Reino Unido/2017

Estudo descritivo

(n=33)

63,3% das mulheres optaram pela tatuagem pós-operatória, realizada após 8 a 12 semanas da cirurgia. Necessidade de retoque em apenas uma paciente

4

The necessity of the nipple: redefining completeness in breast reconstruction22

EUA/2017

Caso controle

(n=433)

Ter removido próteses mamárias associou-se à opção de a mulher não reconstruir o CAP ou tatuagem, diminuindo a chance em 61%. Estádio inicial ou realizar mastectomia são fatores que elevam em 73% a chance da reconstrução

4

Immediate nipple reconstruction during implant-based breast reconstruction23

Coreia do Sul/2017

Caso controle

(n=61)

A tatuagem areolar foi realizada em até 3 meses da reconstrução do mamilo

4

Simultaneous nipple-areola complex reconstruction technique: combination nipple sharing and tattooing24

Coreia do Sul/2018

Série de casos

(n=65 casos)

Procedimento realizado ambulatorialmente por um único cirurgião. Antibióticos intravenosos profiláticos foram administrados uma hora antes da cirurgia. A paciente foi avaliada e marcada na posição vertical por pontos de referência, incluindo a incisura esternal. Linha média e sulco inframamário foram marcados e checados com o paciente em pé na frente de um espelho. A tatuagem intradérmica foi realizada com dispositivo de maquiagem permanente e com cartuchos de agulha 9 magnum pré-embalados estéreis e pigmentos. 3 a 5 cores foram usadas separadamente sem misturar. A tatuagem foi feita em todas as áreas da aréola cruzando 2 a 3 mm da borda do mamilo projetada. Depois que a tatuagem foi concluída, o enxerto do mamilo foi realizado. Foi aplicado curativo em espuma com pomada antibiótica tópica, com indicação de reaplicação 1 vez ao dia e troca de cobertura em dias alternados até 7 dias. Antibióticos orais foram administrados por 3 dias no pós-operatório. O intervalo médio entre o procedimento e a terapia foi de 4,4 meses; em pacientes não adjuvantes, que realizaram quimioterapia, foi de 4,4 meses, e dos que realizaram radioterapia foi de 6,7 meses. O tempo médio do procedimento foi de 46 minutos. Em até 6 meses, os autores não identificaram complicações, e a média da satisfação foi 8 em uma escala até 10

4

Tatuagem associada ao retalho em C-V para reconstrução do complexo aréolo-papilar em tempo único25

Brasil/2018

Série de casos

(n=21)

A posição do CAP foi desenhada e determinada em conjunto com a paciente, em frente ao espelho e com o auxílio de um molde. A cor do pigmento também foi escolhida em conjunto com a paciente, sendo normalmente realizada uma mistura com as tintas até se chegar à cor semelhante à contralateral. Idealmente, a cor escolhida deve ser um pouco mais escura que a desejada. Anestesia local com lidocaína 1% e antissepsia com clorexidina aquosa. Ao final da realização do retalho em C-V da papila, a tatuagem foi realizada. Também foi pigmentada a aréola contralateral. Houve 3 complicações relacionadas à papila, uma necrose parcial e duas deiscências. Não houve complicação relacionada à tatuagem, nem necessidade de retoques, apenas a ampliação da área da aréola em uma paciente. O curativo foi realizado com gaze petrolada e pomada com antibiótico, ocluído por 4 dias. Após, o curativo foi realizado 1 vez ao dia com gaze e vaselina líquida por 30 dias

4

Legendas: CAP = Complexo aréolo-papilar; EUA = Estados Unidos da América.

 

 

DISCUSSÃO

Identificaram-se quatro categorias de análise temática, sintetizando as recomendações: 1) micropigmentação dérmica como método de escolha; 2) período recomendado para realização da micropigmentação; 3) etapas da micropigmentação dérmica; 4) reações esperadas e adversas da micropigmentação.

 

Micropigmentação dérmica como método de escolha

Existem diferentes técnicas para reconstrução da aréola e do mamilo5. Autores preconizam técnica que atenda o desejo e a necessidade individual considerando riscos e benefícios1,22. Complicações anteriores com implantes mamários são fatores que implicam a redução em 61% da chance da não reconstrução do CAP ou tatuagem, enquanto o estadiamento inicial do câncer de mama ou realizar mastectomia são fatores que elevam em 73% a chance da reconstrução22. Uma opção para essa avaliação prévia é a aplicação de questionários que dimensionam satisfação e mudança que o processo reconstrutivo da mama poderá proporcionar às pacientes26,27. O BREAST-Q qualifica o impacto da reconstrução mamária, e a Body Investiment Scale (BIS) avalia a autoimagem das pacientes26,27.

 

A micropigmentação dérmica é uma técnica com elevado nível de satisfação das pacientes24,28, variando entre 44% e 91%18. Isso provavelmente porque a micropigmentação não necessita de internação, é uma técnica simples e rápida, com previsão de 20 a 30 minutos em cada mama29, com bons resultados na finalização da reconstrução mamária pela simetria e coloração13,18-21,23-25, comparando-as com a mama contralateral17,19. Uma das limitações do procedimento reflete a necessidade de acompanhamento e retoques em longo prazo13,18,20,21.

 

São inúmeras as técnicas reconstrutivas do CAP cirúrgicas e não cirúrgicas6,30. Em geral, a micropigmentação está associada a outra técnica reconstrutiva26, creditada como técnica de finalização30. A micropigmentação para reconstrução areolar pode ser realizada simultaneamente ou após a reconstrução cirúrgica do CAP12,14-17,28. A micropigmentação papilar é menos empregada, mas, mesmo sem projeção palpável, é possível mimetizá-la por meio de técnica 3D31. Um esclarecimento importante é que nenhuma técnica de reconstrução irá oferecer a função erétil ao novo mamilo30.

 

A micropigmentação areolar e papilar conjunta é menos comum, mas pode ser uma alternativa viável para pacientes com comorbidades graves, como diabetes, obesidade grave, tabagismo, imunossupressão para quimioterapia; com condições locais desfavoráveis, como redução da espessura do tecido subcutâneo, radioterapia prévia e história de necrose de retalho cutâneo; que não têm preocupação com a projeção mamilar, ansiedade e exaustão com relação às reconstruções em longo prazo32.

 

Período recomendado para realização da micropigmentação

Pesquisadores defendem que a micropigmentação após a reconstrução cirúrgica do CAP é necessária para recuperação do tecido, visando a garantir a estabilidade da mama e do mamilo e a análise da forma final da mama, principalmente com relação às mudanças que podem ocorrer durante o período de cicatrização15-17,20,21,23. No entanto, os estudos variaram muito com relação a esse tempo de espera. Enquanto alguns recomendam intervalo mínimo de quatro até 12 semanas da cirurgia15-17,19,21,23, outros optam por aguardar até 24 semanas14,20,25,33. Contudo, no caso de reconstrução cirúrgica do mamilo em pacientes com retalhos cutâneos finos, pesquisadores recomendam a micropigmentação após seis a nove meses da cirurgia32. A realização da micropigmentação dérmica imediatamente após a reconstrução mamilar pode resultar em falhas na pigmentação, principalmente na região das cicatrizes decorrentes da reconstrução28.

 

Estudo relatou que 28% das pacientes foram submetidas à reconstrução em áreas irradiadas; destas, 32% relataram insatisfação com o resultado e 29% complicações18. Outro estudo relatou maior intervalo para a realização da técnica após a radioterapia (6,7 meses), comparando com pacientes não adjuvantes ou que realizaram quimioterapia (4,4 meses)24. Radioterapia prévia à reconstrução está associada a piores resultados tanto em relação à satisfação com as mamas quanto ao bem-estar físico, psicossocial e sexual27.

 

Etapas da micropigmentação dérmica

É obrigatória a utilização de técnica asséptica, material e equipamentos de uso individual, estéreis e descartáveis18,24. Além disso, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n.º 64, de fevereiro de 201634, dispõe sobre os requisitos de segurança e eficácia para o registro de produtos implantáveis, utilizados nos procedimentos de pigmentação artificial permanente da pele. Por isso, após o uso em uma paciente, todo material descartável deverá ser desprezado25,35, incluindo batoques descartáveis, usados para separar as tintas da paleta de cores selecionada. O uso de luvas descartáveis, óculos de proteção, sapatos impermeáveis garantirão a segurança do profissional e da paciente durante a realização de todo o procedimento25.

 

Embora não identificado nos achados, é indispensável que, antes de iniciar a micropigmentação dérmica, o profissional explique e disponibilize um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido detalhado para a paciente, com informações sobre o procedimento, os potenciais riscos e as contraindicações, e solicite sua autorização ou recusa de forma livre, voluntária e esclarecida25,33.

 

A escolha da cor, do tamanho da aréola e do mamilo é fundamental na micropigmentação do CAP, pois estes são aspectos que variam conforme a idade, gênero e raça, sendo primordial a decisão compartilhada entre profissional e paciente20,22,24,25. O profissional faz a marcação do CAP na paciente, em frente ao espelho13,24,25, e utiliza vários diâmetros de moldes de aréola e de mamilo para a paciente aprovar. No caso de reconstrução unilateral, a aréola contralateral serve como modelo, porém, quando a reconstrução é bilateral, a escolha das características das aréolas fica sob responsabilidade da paciente. Também é possível a utilização de questionário com desenhos do posicionamento do mamilo, com variações nos traços vertical e horizontal33, além da projeção nos casos cirúrgicos.

 

Para determinar apropriadamente a posição mamilar unilateral, um meridiano é desenhado na mama íntegra; em seguida, três referências de distância são mensuradas, do nó esternal ao mamilo, da linha média esternal ao mamilo e da linha inframamária ao mamilo23. Em tatuagem bilateral, é possível realizar a marcação a partir de uma régua com vários modelos e diâmetros de aréola e de mamilo, e utilizar a medida da incisura jugulum nipple para determinar a posição do CAP, devendo ser colocados, dessa maneira, os dois mamilos nos ângulos básicos de um triângulo equilátero que tem seu ápice na incisura jugular20. Para determinar o diâmetro da aréola, estes autores20,23 utilizaram amostras de moldes circulares autocolantes com tamanhos variados (2,5-6cm). As amostras são colocadas sobre a mama da paciente, e esta tem sua imagem refletida em um espelho, sendo, então, a aréola de sua preferência selecionada20.

 

Dessa forma, a localização é planejada segundo marco anatômico relativo a preferências estéticas da paciente. Todavia, a escolha da aréola ideal é uma questão pessoal e deve ter a participação e o consentimento da paciente na definição do tamanho, da posição e da cor.

 

A micropigmentação é descrita como um procedimento minimamente invasivo, que provoca o rompimento das primeiras camadas superficiais da pele por onde são injetados pigmentos na camada dérmica. Uma variedade de cores e tons está disponível atualmente para oferecer um resultado natural e satisfatório. Atualmente, esses pigmentos são inorgânicos, à base de dióxido de titânio e óxido férrico, diminuindo as reações alérgicas e a rejeição pelo próprio organismo; entretanto, essas características não anulam o risco de desenvolver alguma complicação36.

 

É esperada alguma espécie de formigamento ou desconforto na região da mama durante o procedimento, mesmo considerando a sensibilidade diminuída ou ausente na região da mama reconstruída26. Alguns autores13,17,19 referem à utilização de anestésico local tópico, 30 a 60 minutos antes do início do procedimento ou uso do anestésico local injetável, lidocaína 2% com vasoconstritor, tornando o procedimento mais confortável para a paciente e diminuindo o sangramento dérmico.

 

Nos estudos que compuseram a amostra, não foi identificado uso de instrumentos para avaliação da dor. Diante da prática clínica, observa-se que a identificação da dor é relevante, além de justificar a necessidade da anestesia. Existem vários métodos para a avaliação da intensidade da dor do paciente durante um tratamento, um procedimento e em cada consulta clínica, podendo ser utilizados no início e no final de cada atendimento, contanto que o resultado encontrado e a conduta tomada sejam sempre registrados. São exemplos de instrumentos: a Escala Visual Numérica, graduada de zero a 10; a Escala Visual Analógica, que consiste em uma linha reta, não numerada, em que uma extremidade corresponde à “ausência de dor”, e a outra à “pior dor que a pessoa já sentiu na vida”; e a Escala de Faces que contém seis faces que expressam a dor37.

 

Os cuidados após a micropigmentação se iniciam com a cobertura da região pigmentada com curativo oclusivo. Alguns autores usam a gaze não adesiva parafinada13,17,25, outros, filme plástico de polivinila (PVC)19. Pesquisadores obtiveram bons resultados com o uso do PVC; nenhum caso de infecção foi relatado, nem dor ou ardência importante, e a região se manteve úmida.

 

A região não deve ser umedecida por 48 horas após o término da micropigmentação14,38,39; o menos relatado é o tempo mínimo de 24 horas40. Após esse período, aconselha-se a higienização da região com sabonetes antissépticos19. Relatam também o uso de curativo com pomada cicatrizante (d-pantenol), citada como favorecedora do processo de cicatrização19,40. Sugere-se ainda a utilização de pomada com ação antibiótica sob indicação médica20. Uma equipe de oncologia do hospital de West Hertfordshire (Reino Unido) orienta o uso de pomada com cloranfenicol no local e uso de vaselina após as reconstruções não cirúrgicas38. As indicações variam segundo o tipo específico de técnica reconstrutiva conjunta à tatuagem.

 

Embora não relatado nos achados, a periodicidade de troca de curativo no centro oncológico dos hospitais de West Hertfordshire é indicada uma vez ao dia, durante dois a três dias38. A exposição direta ao sol pode interferir no processo de cicatrização e fixação dos pigmentos, por isso, frequentar praia, sauna, piscina e banheira é contraindicado até o fim da cicatrização, evitando também exposição a agentes infecciosos22,39. O uso de vaselina é recomendado após a reepitelização total da região pigmentada durante o banho de piscina, mar e banheira, criando uma barreira de proteção, evitando que a água entre em contato com o pigmento, preservando sua cor e seu brilho por mais tempo33,35.

 

Reações esperadas e adversas da micropigmentação

Na micropigmentação após a técnica reconstrutiva, como reações esperadas mais comuns, autores relatam eritema e equimose, sendo raras reações adversas, por exemplo, infecção, que possui como tratamento antibioticoterapia sistêmica18.

 

Reações imediatas são observadas durante o procedimento; o local apresentará eritema com discretos pontos de sangramentos dérmicos (equimose), principalmente em áreas de cicatrização prévias38,39. No período subsequente, pode-se esperar uma resposta inflamatória fisiológica, como edema, irritação, dor (ou perda de sensibilidade)6, e exsudato, que é comum durante a fase de cicatrização, formando em alguns dias crostas superficiais na região pigmentada que permanecem de 14 a 21 dias e vão gradualmente se desprendendo da pele. As crostas são esperadas e não devem ser retiradas para não causar infecção e atrapalhar o processo de cicatrização13,19,35,39. Alguns autores mencionam a duração desses sinais e sintomas mais exuberantes em um a dois dias35, outros de um a sete dias, dependendo da característica da pele da paciente39 e da técnica de reconstrução realizada em conjunto6.

 

Os achados não descreveram aspectos relacionados à reação alérgica, porque as chances de isso ocorrer são mínimas. Encontrou-se apenas um relato de hipersensibilidade tardia, que ocorreu sete semanas após a tatuagem do mamilo em 3D, provavelmente associado ao uso de pigmento vermelho41.

 

Algumas instituições no Reino Unido recomendam a realização de um teste de contato (patch-test) pelo menos um dia antes do procedimento, a partir da aplicação de pequena quantidade da tinta sobre a pele do paciente e avaliação de reações sugestivas de alergia após 24 horas38-40. O patch-test é utilizado para detectar agentes exógenos que possam causar reações alérgicas cutâneas40. Estudos mostram que o fator responsável pela reação alérgica em tatuagens resulta de um processo interno, lento e complexo, entre proteínas e o agente exógeno, não garantindo a confirmação de alergia ao produto apenas com a exposição superficial na pele40. Muito provavelmente, por essa razão, esse procedimento não é realizado com mais frequência.

 

Como há necessidade de retoques, alguns autores12,13,20,21,28,38,39 indicam o uso de pigmentos com tons mais escuros do que o CAP da mama oposta, pois há uma tendência de clareamento com o tempo, em razão da descamação da epiderme e do processo de fagocitose dos pigmentos mais profundos. A maioria das pacientes requer dois tratamentos iniciais com cerca de um mês de intervalo, mas podem ser realizados quantos retoques forem necessários para obtenção da coloração desejada, melhorando o aspecto final12,13,20,21,28,38,39.

 

Embora a técnica seja segura, confiável e com baixo risco de complicações6,19,24,25,28, é necessária a avaliação clínica das pacientes. A paciente precisa ser informada de que o procedimento possui riscos, como desconforto durante procedimento; necessidade de retoques para obtenção da coloração ideal; inflamação e sangramento local durante e após o procedimento; não cobertura completa de cicatrizes; além do risco de infecção e alergias6,12,13,18-21,28,35,38,39,41. O profissional de saúde tem o papel fundamental de avaliar, informar, orientar e esclarecer dúvidas1, promovendo uma decisão compartilhada.

 

O estudo apresenta algumas limitações. A busca restrita a artigos de acesso aberto, bem como a não realização de busca reversa das referências dos artigos selecionados, pode ter limitado o acesso à produção científica relevante sobre o tema. Cumpre salientar que a prática de micropigmentação dérmica é realizada em outras situações que não somente às mulheres em tratamento por câncer de mama. Ainda assim, os resultados identificados e relatados mostram a diversidade sobre a temática e as melhores evidências para condução de práticas seguras na área oncológica referentes à micropigmentação dérmica para a reconstrução do CAP de mulheres submetidas ao tratamento cirúrgico de câncer de mama.

 

 

CONCLUSÃO

A técnica de reconstrução do CAP por meio da micropigmentação dérmica é amplamente utilizada e alcança níveis elevados de satisfação entre as mulheres desde que as medidas de biossegurança sejam respeitadas, tanto para a paciente quanto para o profissional. É um procedimento seguro, rápido, com raras complicações e praticamente indolor.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; assim como na redação e revisão crítica com contribuição intelectual e aprovaram a versão final publicada.

 

 

AGRADECIMENTOS

À Enfermeira Patrícia Castilho Palma pela sua colaboração no projeto inicial.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

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Recebido em 22/6/2021

Aprovado em 9/11/2021

 

 

Editor-associado: Fernando Lopes Tavares de Lima. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8618-7608

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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