ARTIGO ORIGINAL

 

 

Ações de Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil: Análise dos Dados do Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (Sismama), 2009-2015

Early Detection Actions of Breast Cancer in Brazil: Analysis of Data from the Breast Cancer Control Information System (Sismama), 2009-2015

Detección Temprana Acciones de Cáncer de Mama en Brasil: Análisis de Datos del Sistema de Información para el Control del Cáncer de Mama (Sismama), 2009-2015

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n3.2189

 

Maurício Cavalcanti de Andrade1; Adalgisa Peixoto Ribeiro2; Katharina Lanza3; Lucas Martins de Lima4; Graziella Lage Oliveira5

 

1Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte. Belo Horizonte (MG), Brasil. E-mail: mauriciodeandrade@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4217-010x

2,3,5Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Faculdade de Medicina. Belo Horizonte (MG), Brasil. E-mails: adalpeixoto@yahoo.com.br; lanzakatharina@gmail.com; graziellage@ufmg.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9415-8068; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7488-6906; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-3387-3583

4UFMG, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte (MG), Brasil. E-mail: lucasmlima@ufmg.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-8581-7690

 

Endereço para correspondência: Graziella Lage Oliveira. Avenida Professor Alfredo Balena, 190, Sala 823 ‒ Santa Efigênia. Belo Horizonte (MG), Brasil. CEP 30130-100. E-mail: graziellage@ufmg.br

 

 

RESUMO

Introdução: O câncer de mama é o tipo de neoplasia com maior incidência e mortalidade na população feminina no mundo. Observa-se aumento da incidência do câncer de mama e redução da mortalidade associados à detecção precoce. Objetivo: Analisar indicadores de rastreamento de câncer de mama a partir dos registros de mamografias realizadas em mulheres brasileiras, no período de junho de 2009 a julho de 2015. Método: Estudo transversal, utilizando dados secundários do Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (Sismama), referentes aos registros dos exames de mamografia realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na população feminina entre junho de 2009 e julho de 2015. Foram calculadas as proporções de cada variável para compor os indicadores selecionados por ano. Resultados: Foram analisados 14.926.700 registros de mamografias, sendo 96,8% de rastreamento (MMGr) e 3,2% diagnósticas (MMGd). Pouco mais da metade das MMGr (52,5%) foram realizadas na faixa etária de 50 a 69 anos, seguida pela faixa etária de 40 a 49 anos (35,9%). Observou-se uma tendência de aumento na proporção de MMGr na faixa preconizada (50-69 anos) no período estudado, além de maior proporção de entrega do resultado do exame inferior a 30 dias (tanto para MMGd como MMGr), com diferenças entre as Regiões. Conclusão: O cumprimento das medidas propostas pelo Ministério da Saúde para diagnóstico precoce do câncer de mama não ocorre de maneira uniforme no território nacional. Emerge a necessidade de desenvolver estratégias em saúde que contemplem as inequidades existentes entre as Regiões do país.

Palavras-chave: neoplasias da mama; detecção precoce de câncer; programas de rastreamento; mamografia; saúde da mulher.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Breast cancer is the type of neoplasm with the highest incidence and mortality in the female population worldwide. Early detection of breast cancer is associated with incidence increase and mortality reduction. Objective: To analyze indicators of breast cancer screening from the records of mammograms performed in Brazilian women from June 2009 to July 2015. Method: Cross-sectional study with secondary data of the Breast Cancer Control Information System (Sismama) extracted from the records of mammography performed by the National Health System (SUS) in the female population between June 2009 and July 2015. The proportions of each variable were calculated to determine the selected indicators annually. Results: A total of 14,926,700 records of mammograms were analyzed, 96.8% of which were screening (MMGr) and 3.2%, diagnostic (MMGd). A little more than half of the MMGr (52.5%) were performed in the age group from 50 to 69 years, followed by the age group from 40 to 49 years (35.9%). There was a raising trend in the proportion of MMGr in the recommended range (50-69 years) in the period studied, in addition to a higher proportion of delivery of the test result in less than 30 days (both for MMGd and MMGr), with differences between the regions. Conclusion: Compliance with the Ministry of Health recommendations for early diagnosis of breast cancer is not uniform across the country. The necessity to develop health strategies addressing the existing inequalities among the country regions emerges.

Key words: breast neoplasms; early detection of cancer; mass screening; mammography; women's health.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer de mama es el tipo de cáncer con mayor incidencia y mortalidad en la población femenina a nivel mundial. Hay un aumento en la incidencia de cáncer de mama y una reducción en la mortalidad asociada con la detección temprana. Objetivo: Analizar indicadores de cribado de cáncer de mama a partir de los registros de mamografías realizadas en mujeres brasileñas, de junio de 2009 a julio de 2015. Método: Estudio transversal, con datos del Sistema de Información para el Control del Cáncer de Mama (Sismama), referido a los registros de mamografías realizadas por el Sistema Único de Salud (SUS) en la población femenina entre junio de 2009 y julio de 2015. Se calcularon las proporciones de cada variable para componer los indicadores seleccionados, según el año. Resultados: Se analizaron un total de 14.926.700 registros de mamografías, de los cuales el 96,8% eran de seguimiento (MMGr) y el 3,2% eran diagnósticos (MMGd). Un poco más de la mitad de las MMGr (52,5%) se realizaron en el grupo de edad de 50 a 69 años, seguido del grupo de 40 a 49 años (35,9%). Hubo una tendencia hacia un aumento en la proporción de MMGr en el rango recomendado (50-69 años) en el período estudiado, además de una mayor proporción de entrega del resultado de la prueba en menos de 30 días (tanto para MMGd como para MMGr), con diferencias entre Regiones. Conclusión: El cumplimiento de las medidas de diagnóstico del cáncer de mama no se da de manera uniforme en todo el país. Surge la necesidad de desarrollar estrategias de salud que aborden las desigualdades existentes entre las regiones del país.

Palabras clave: neoplasias de la mama; detección precoz del cáncer; tamizaje masivo; mamografía; salud de la mujer.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é o tipo de neoplasia com maior incidência e mortalidade na população do sexo feminino no Brasil e no mundo1,2. No Brasil, estima-se que, no triênio 2020-2022, ocorram 66.280 casos novos de câncer de mama em cada ano, o que equivale a um risco de 61,61 casos novos a cada 100 mil mulheres3. Desconsiderando os tumores de pele não melanocíticos, esse tipo de câncer é o mais frequente entre as mulheres brasileiras, com risco de 81,06/100 mil na Região Sudeste; 71,16/100 mil na Região Sul, 45,24/100 mil na Região Centro-Oeste, 44,29/100 mil na Região Nordeste e 21,34/100 mil mulheres na Região Norte do país3.

 

Em países de alta renda, como os Estados Unidos, os do Reino Unido e a Noruega, os registros indicam aumento da incidência do câncer de mama acompanhado de redução da sua mortalidade, o que pode estar associado à detecção precoce e à oferta de tratamento oportuno. No Brasil, como em outros países de baixa e média rendas, o aumento da incidência e da mortalidade pode ser atribuído ao baixo acesso às ações de rastreamento, ao diagnóstico tardio e a uma perda de oportunidade terapêutica4-6. Quando detectado em estágios iniciais, o câncer de mama tem melhor prognóstico e menor morbidade associada ao tratamento4. Nesse sentido, estratégias de detecção precoce, com impacto imediato na identificação de sinais e sintomas e no acesso rápido e facilitado aos serviços de saúde5, têm sido recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Entre elas, destacam-se o diagnóstico precoce ou abordagem ágil e oportuna de pessoas com sinais e sintomas de câncer, e rastreamento, com realização regular da mamografia em pessoas aparentemente saudáveis pertencentes à faixa etária de maior risco para a doença, com o objetivo de identificá-las em fase pré-clínica e reduzir a mortalidade7.

 

O diagnóstico precoce efetivo do câncer de mama é uma estratégia de saúde pública que envolve uma multiplicidade de ações construídas em torno da educação em saúde da população para sinais e sintomas suspeitos de câncer, da capacitação profissional para avaliação dos pacientes com sinais e sintomas suspeitos e do preparo dos serviços de saúde para garantia da confirmação diagnóstica oportuna. Destaca-se a importância do diagnóstico com qualidade, garantia da integralidade e continuidade da assistência em toda essa linha de cuidado4.

 

No Brasil, as ações de rastreamento, diagnóstico e tratamento do câncer de mama começaram a ser incorporadas às políticas públicas de saúde, desde meados dos anos 19808. Um marco histórico importante foi a publicação, em 2004, do Documento de Consenso2, que apresentou as recomendações para prevenção, detecção precoce, diagnóstico, tratamento, seguimento e cuidados paliativos. Entre elas, destacam-se: a implantação do rastreamento mamográfico de mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos por meio da mamografia bienal, com garantia do diagnóstico, tratamento em tempo hábil e seguimento das mulheres; a criação e a implantação do sistema de informação nos serviços de mamografia. Essas recomendações foram atualizadas pelas Diretrizes para a Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil, em 20154.

 

Em 2005, foi lançada a Política Nacional de Atenção Oncológica9, que incluiu o controle do câncer de mama como parte importante dos Planos Municipais e Estaduais de Saúde. Em 2009, foi implantado nacionalmente o Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (Sismama), com o objetivo de monitorar as ações de detecção precoce do câncer de mama. O Sismama registrou informações sobre exames de mamografias, citopatológicos e histopatológicos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, de 2009 a 201510. O controle do câncer de mama foi incorporado ao Plano de Ações Estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), de 2011 a 202211.

 

O acesso aos exames de rastreamento do câncer de mama no Brasil parece ser influenciado pelas desigualdades sociais. Nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, onde essas desigualdades são mais evidentes, menor tem sido esse acesso6.

 

No presente estudo, objetiva-se analisar indicadores de rastreamento de câncer de mama a partir dos registros de mamografias realizadas em mulheres brasileiras, no período de junho de 2009 a julho de 2015. Pretende-se visibilizar esses indicadores por todo o período de vigência do Sismama no Brasil.

 

 

MÉTODO

Foi realizado um estudo transversal, descritivo, que analisou dados dos registros de exames de mamografia efetuados pelo SUS em mulheres brasileiras, no período de junho de 2009 a julho de 2015. Os dados foram coletados do Sismama12.

 

O Sismama objetiva monitorar o processo de rastreamento, o diagnóstico, o tratamento e a qualidade dos exames realizados na rede do SUS13,14. Trata-se de um subsistema do Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS) que possibilita a análise de indicadores que têm impacto direto na gestão e no planejamento das intervenções necessárias para as adequações tanto na oferta e qualificação dos serviços quanto na capacitação da equipe envolvida e na melhoria dos processos de trabalho14. A partir de 2013, o Sismama foi gradualmente substituído pelo Sistema de Informação do Câncer (Siscan), que unificou, em plataforma web, o Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero (Siscolo) e o Sismama15.

 

Foram incluídos na análise os registros de todos os exames de mamografia realizados na população feminina brasileira, registrados no Sismama, e excluídos os que foram efetuados em homens e classificados como registro inconsistente. Foram trabalhadas as seguintes variáveis dos registros dos exames de mamografias: 1) indicação clínica (rastreamento, quando realizada em mulheres assintomáticas, e diagnóstica, quando realizada em pacientes com sinais e/ou sintomas de câncer de mama); 2) rastreamento realizado na faixa etária de 50 a 69 anos; 3) risco elevado de câncer de mama (no grupo de mulheres de 35 a 49 anos com histórico familiar de câncer de mama); e 4) presença de nódulo palpável (maior que 20 mm) identificado em mamografias de rastreamento (MMGr).

 

Essas variáveis compõem indicadores de processo, definidos pela Ficha Técnica de Indicadores Relativos às Ações de Controle do Câncer de Mama16 e evidenciados em outros trabalhos sobre o tema8. Compõem esses indicadores: 1) a proporção de MMGr na faixa etária preconizada (número de MMGr na população feminina entre 50 e 69 anos/total de MMGr*100); 2) a proporção de MMGr na faixa de 35 a 49 anos que tiveram a informação de risco elevado de câncer na solicitação do exame (número de MMGr entre 35 e 49 anos com informação de risco elevado na solicitação do exame/total de MMGr*100); 3) a proporção de MMGr com presença de nódulos palpáveis (>20 mm) – número de MMGr com presença de nódulos palpáveis/total de MMGr*100 – e a proporção de mamografias de diagnóstico (MMGd) e MMGr segundo o tempo entre a solicitação e a entrega do laudo (número de MMGd entregues entre 0-30 dias; 31-60 dias e mais de 60 dias/total de MMGd*100; número de MMGr entregues entre 0-30 dias; 31-60 dias e mais de 60 dias/total de MMGr*100). Para cada faixa de tempo, foi realizado um cálculo. Todos os indicadores foram calculados para o Brasil e as cinco Macrorregiões geográficas.

 

Os dados foram armazenados e analisados utilizando o programa Microsoft Excel®. Foram realizadas análises descritivas e calculadas as proporções de cada variável para compor os indicadores selecionados segundo o ano do período analisado.

 

 

RESULTADOS

Foram identificados no Sismama 15.104.577 exames de mamografia financiados pelo SUS, no período de junho de 2009 a julho de 2015, dos quais 14.926.700 foram realizados em mulheres brasileiras e 8.658 em homens. Foram excluídos 177.877 exames, sendo 169.219 exames com informações inconsistentes e os realizados em homens (1,18% de exclusão).

 

No período analisado, a maioria das mamografias realizadas foi de rastreamento, em todas as Regiões do país. As MMGd corresponderam a 3,6% em média, com menores percentuais na Região Sul (2,4%) e maiores na Região Norte (4,6%), conforme demonstra o Gráfico 1.

 

 

Gráfico 1. Distribuição de mamografias realizadas no SUS segundo a indicação clínica. Brasil e Regiões, junho de 2009 a julho de 2015

Fonte: Sismama12.

 

 

Em todo o período, as MMGr realizadas na faixa etária de 50 a 69 anos foram as mais frequentes registradas no Sismama (52,5%). Em todas as Regiões, esse percentual ficou acima de 50%, exceto na Região Norte, que foi de 47,8%. Entre as MMGr realizadas em outras faixas etárias, a de 40 a 49 anos foi a segunda com maior percentual, atingindo 35,9% no país como um todo (dados não apresentados em tabela).

 

Observou-se uma tendência crescente do indicador proporção de MMGr na faixa etária preconizada de 50 a 69 anos até 2014, ano em que atingiu 56,6% de todas as MMGr realizadas no Brasil, registradas no Sismama. Nesse ano, a Região Nordeste se destacou com percentual maior que a média brasileira de MMGr (65,82%). Em 2015, que incluiu dados até o mês de julho, houve uma redução nos registros, baixando para 54,9% do total das mamografias realizadas no país. A Região Norte manteve percentuais bem abaixo da média nacional em todos os anos do período estudado (Gráfico 2).

 

 

Gráfico 2. Proporção anual de MMGr na faixa etária preconizada (50 a 69 anos). Brasil, junho de 2009 a julho de 2015

Fonte: Sismama12.

 

 

O indicador proporção de MMGr na faixa etária de 35 a 49 anos com informação de risco elevado de câncer de mama na solicitação (condição que justificava o exame nessa população de acordo com a recomendação do Consenso de 20042, vigente durante o período analisado), foi de 9,7% do total de MMGr para o Brasil nessa faixa etária. Entre as Regiões, o maior percentual (10,6%) foi registrado no Sul, e o menor (8,7%) no Norte. A análise por ano mostrou que a média brasileira ficou em torno de 11% de 2009 a 2013, aumentando nos dois últimos anos, atingindo 12,5% em 2014. A Região Centro-Oeste, que se manteve com proporção muito abaixo da média nacional até 2012, registrou um aumento expressivo nos anos seguintes, chegando a 19,4% em 2015 (Gráfico 3).

 

 

Gráfico 3. Mamografias de rastreamento realizadas com informação de risco elevado de câncer entre 35 e 49 anos. Brasil e Regiões, junho de 2009 a julho de 2015

Fonte: Sismama12.

 

 

O indicador proporção de MMGr com presença de nódulos com diâmetros maiores do que 20 mm, diagnosticáveis ao exame clínico das mamas (ECM), entre todas as MMGr registradas no Sismama, mostrou que 11,2% dos exames de rastreamento realizados no período tinham essa condição. Esse percentual variou de 10,2%, na Região Sul a 15,1% na Região Norte. A análise por ano demonstrou que, para esse indicador, o percentual do país se manteve estável, mas a Região Sul registrou variação de 10,1% em 2009 a 0% em 2015, e a Região Norte de 19% em 2009 a 11,2% em 2015 (Gráfico 4).

 

 

Gráfico 4. Proporção de Mamografias de rastreamento com presença de nódulos palpáveis >20 mm. Brasil e Regiões, junho de 2009 a julho de 2015

Fonte: Sismama12.

 

 

O tempo decorrido entre a solicitação da mamografia pela mulher e a entrega do resultado pelo prestador do serviço, idealmente menor que 30 dias, foi semelhante para as duas indicações clínicas de acordo com os registros no Sismama, em todas as Regiões, exceto para as Regiões Norte e Sul, que entregaram mais resultados de MMGr em relação às MMGd (diferença de 10,6% para o Norte e 4,9% para o Sul), conforme indica a Tabela 1. O Nordeste apresentou maior percentual de entrega do resultado em menos de 30 dias, com 77,5% para as MMGd e 73,3% para as MMGr; a Região Sudeste apresentou um percentual bastante semelhante de entrega dos resultados em até 30 dias entre os dois tipos de MMG (52,7% para as de MMGr e 52,6% para as MMGd), porém foi a Região com maior percentual de entrega dos exames para ambas as indicações com tempo superior a 60 dias (24,0% para as MMGr e 27,2% para as MMGd), quando comparada às demais Regiões.

 

Tabela 1. Distribuição de mamografias segundo o tempo entre a solicitação da mamografia e a entrega do resultado. Brasil e Regiões, junho de 2009 a julho de 2015

Região de residência

Total

0-30 dias

31-60 dias

>60 dias

MMGr

MMGd

MMGr

MMGd

MMGr

MMGd

MMGr

MMGd

n

n

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

Brasil

14.442.883

483.817

8.770.898

60,7

290.481

60,0

2.882.997

20,0

87.804

18,1

2.788.988

19,3

105.532

21,8

Norte

461.380

22.124

327.437

71,0

13373

60,4

65.610

14,2

4.077

18,4

68.333

14,8

4.674

21,1

Nordeste

2.740.133

84.282

2.007.986

73,3

65.351

77,5

406.257

14,8

11.622

13,8

325.890

11,9

7.309

8,7

Sudeste

8.288.442

290.443

4.370.503

52,7

152.898

52,6

1.930.969

23,3

58.567

20,2

1.986.970

24,0

78,978

27,2

Sul

2.290.097

56.316

1.620.510

70,8

37.116

65,9

375.687

16,4

10.608

18,8

293.900

12,8

8.592

15,3

Centro-Oeste

662.831

30.652

444.462

67,1

21.743

70,9

104.474

15,8

2.930

9,6

113.895

17,2

5.979

19,5

Fonte: Sismama12.

Legendas: MMGr = Mamografia de rastreamento; MMGd = Mamografia diagnóstica.

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo analisou a coerência entre as recomendações para o rastreamento do câncer de mama com o que foi efetivamente realizado e registrado no Sismama12. Cabe salientar que a inclusão de faixas etárias menores do que 50 anos se justifica pelo fato de que, para o período considerado, a recomendação vigente para o rastreamento do câncer de mama incluía a oferta de mamografias na faixa etária de 35 a 49 anos com informação de risco elevado de câncer de mama na solicitação2. As atuais medidas para o controle do câncer de mama, atualizadas pelas Diretrizes para Detecção Precoce do Câncer de Mama no Brasil4, elaboradas a partir da sistematização de evidências na literatura científica em coerência com a Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde17, não recomendam mais a MMGr para essa faixa etária nem o autoexame ou ECM como estratégias de rastreamento, por entender que não há evidências suficientes que os sustentem4.

 

A análise dos indicadores relativos aos registros dos exames de mamografias no Sismama e realizados em mulheres, no período de junho de 2009 a julho de 2015, no Brasil, permitiu verificar uma incoerência das ações com o que era preconizado pelo Programa Nacional do Controle do Câncer de Mama do Ministério da Saúde18 para a detecção precoce do câncer de mama.

 

O Brasil tem seguido as recomendações da OMS para detecção precoce por rastreamento mamográfico e o diagnóstico precoce de câncer de mama. No entanto, mesmo com o aumento absoluto do número de exames que passou de 1.869.285 mamografias realizadas em 2002 para 4.713.530 em 20148, não houve um avanço efetivo na proporção de MMGr realizadas na faixa etária preconizada (50 a 69 anos), como aponta o presente estudo, que observou uma melhora nesse percentual entre 2009 (49,8%) e 2015 (54,89%).

 

No país como um todo, pouco mais da metade das MMGr registradas no Sismama (52,5%) foram realizadas na população-alvo, quadro muito semelhante em quase todas as Regiões. A exceção fica para a Região Norte, que realizou a maioria das MMGr fora da faixa etária preconizada. A proporção de MMGr realizadas nas mulheres de 50 a 69 anos é um dos indicadores de processo utilizados para a avaliação da adequação das ações de rastreamento do câncer de mama16. Embora não haja um parâmetro estabelecido, em 2013, o Brasil apresentava uma proporção de 53% de MMGr realizadas na faixa etária preconizada16. No presente estudo, até 2012, as proporções de MMGr realizadas no Brasil foram inferiores a esse percentual, chegando a 53,13% em 2013 e a 56,6% em 2014, com diferenças entre as Regiões.

 

Essas discrepâncias podem estar associadas às diferenças regionais de acesso ao rastreamento do câncer de mama. Entre os anos de 2008 e 2015, esse acesso no Brasil6 foi menor nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e foi fortemente influenciado pelos indicadores socioeconômicos, apontando que quanto maior a desigualdade, menor o acesso ao rastreamento, e quanto maior o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), maior o número de mamografias.

 

O alto percentual de MMGr fora da população-alvo, principalmente entre as Regiões do país, expõe os desafios de cumprimento das diretrizes para o rastreamento do câncer de mama. Entre esses desafios, encontram-se o desconhecimento do programa de rastreio ou a não adesão dessas recomendações por parte dos profissionais solicitantes e a complexidade do sistema de saúde brasileiro em termos de organização federativa, em que os Estados possuem autonomia política, financeira e administrativa sobre as ações de saúde, o que pode dificultar a homogeneidade nas ações. Dessa forma, cabe ao Ministério da Saúde não só estabelecer diretrizes, mas também apoiar técnica e financeiramente os entes estaduais e municipais para a execução mais homogênea da política19.

 

Observou-se, nos registros do Sismama, que a realização de MMGr na faixa etária de 35 a 49 anos, entre 2009 e 2015, no Brasil, ficou em torno de 11%, chegando a 12,5% em 2014, atingindo o percentual de 19,4% na Região Centro-Oeste, em 2015. A realização de mamografias nessa faixa etária era justificada apenas quando havia informação de risco elevado de câncer de mama na solicitação do exame. No campo “Anamnese” do formulário de requisição de mamografia do Sismama, a pergunta n.º 2 “Apresenta risco elevado para câncer de mama?” conta com as opções de resposta: sim, não e não sabe. O preenchimento dessa informação é obrigatório para o faturamento do exame junto ao SIA/SUS, de acordo com o Art. 4º da Portaria SAS n.º 779/0820. No período estudado, percebe-se que, do total das MMGr realizadas no país, na faixa etária de 35 a 49 anos, apenas 9,7% tinham indicação de risco elevado, esperando-se ter essa indicação para todas as solicitações desse grupo etário. No entanto, mais de 90% dos exames não tinham a indicação de risco e, ainda assim, a MMGr foi solicitada e realizada, contrariando as diretrizes para a detecção precoce do câncer de mama no Brasil4. O resultado mostra que esse grupo de mulheres pode ter sido exposto a riscos desnecessários com a realização de MMGr, sem atender aos requisitos exigidos, ou ainda que houve registros inadequados sobre a indicação de alto risco para câncer de mama.

 

Embora a prevalência de mulheres com risco elevado para câncer de mama na população brasileira seja pouco conhecida21, Pinho e Coutinho22, em revisão de literatura, identificaram três estudos brasileiros com maior grupo amostral sobre câncer de mama no país que demonstraram prevalências de 2,7% a 3,7% de história familiar de câncer de mama em parente de primeiro grau. Entretanto, quando se consideram todos os fatores para a definição de risco elevado, essa prevalência abaixa para 1%21. O formulário de requisição de MMGr na faixa de 35 a 49 anos, nessa circunstância, pode ter sido preenchido indevidamente pelo profissional de saúde ou até não preenchido. Dados mais recentes do INCA23 reforçam os índices elevados de mamografias realizadas fora da faixa etária recomendada, com números próximos a 40%.

 

Desse modo, as porcentagens muito maiores para mamografias realizadas fora da faixa etária preconizada de forma alguma representam o número real de mulheres com risco elevado. Apesar de representar uma pequena parcela da população feminina, esse grupo de mulheres deve ter acompanhamento individualizado, com indicação para rastreamento anual24, o que exige dos serviços de saúde um acompanhamento mais próximo e que privilegie o cuidado integral das mulheres, principalmente na atenção primária, com fluxos de referência e contrarreferência mais ágeis.

 

A mamografia é o único exame utilizado no rastreamento em mulheres assintomáticas, dada a capacidade de detectar lesões não palpáveis de tamanhos mínimos ainda na fase pré-clínica da doença22. Ademais, é a primeira técnica de imagem indicada para avaliar a maioria das alterações clínicas mamárias25. A MMGr é considerada o método mais sensível para detectar um câncer de mama em sua fase inicial, com uma chance de cura que pode chegar a 95%26. Outro aspecto utilizado para o rastreamento de câncer de mama em mulheres fora da faixa etária recomendada diz respeito à presença e ao tamanho de nódulos palpáveis4, considerados um importante sinal de alerta para o câncer de mama27, além da assimetria de mama, retração da pele, recente retração do mamilo, descarga papilar sanguinolenta e alterações eczematosas na aréola27. O aparecimento de nódulo mamário corresponde a 90% da forma inicial dos casos sintomáticos de câncer confirmados24.

 

O ECM é o método detecção do câncer de mama na rotina ginecológica e significa um momento não só para avaliação profissional, mas também para promoção da educação em saúde, em que o profissional pode orientar a mulher sobre a constituição das mamas e sinais de alerta para o câncer24. Pesquisas reforçam a importância do ECM, já que aproximadamente 40% dos casos de câncer de mama podem ser detectados apenas por meio da palpação28, o que coloca os profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) como peças fundamentais para auxiliar no diagnóstico precoce do câncer de mama. Embora seja muito útil na detecção do câncer de mama, o ECM é capaz de identificar apenas nódulos superiores a 20 mm8.

 

No período analisado, 11,2% das mamografias de rastreamento tinham indicação de presença de nódulos maiores do que 20 mm. Esse resultado pode indicar que não houve a detecção precoce do câncer de mama para esse grupo de mulheres ou que houve erro de preenchimento da solicitação do exame. A identificação de lesões palpáveis ao ECM pode revelar que ainda se faz um diagnóstico tardio da doença, o que piora muito seu prognóstico. Esses achados podem sugerir dificuldade de acesso da mulher à APS para realização do ECM em momento oportuno, com o nódulo mamário sendo identificado somente quando da realização do exame mamográfico; indicação, realização e frequência inadequadas de MMGr; deficiência na capacitação do profissional de saúde, particularmente médicos e enfermeiros da APS4 que devem ser treinados para realizar o ECM, gerando dificuldades na identificação das alterações clínicas do câncer de mama e pouca capilaridade das recomendações do Programa Nacional do Controle do Câncer de Mama18.

 

Outro indicador importante analisado foi o monitoramento do tempo total que a mulher levou para conseguir realizar o resultado do exame. A contagem desse tempo começa quando ela tem a solicitação do exame nas mãos e termina com a liberação do laudo da mamografia pelo prestador do serviço. O tempo deve ser analisado segundo a indicação clínica da mamografia (rastreamento ou diagnóstica). Espera-se maior percentual de MMGd com tempo menor que 30 dias para sua realização e disponibilização do laudo16, pela possibilidade de se estar diante de casos mais avançados da doença8. Além disso, pode-se avaliar se o sistema de regulação de consultas prioriza as MMGd dos casos sintomáticos, pois a agilidade da entrega do laudo do exame de mamografia pelo prestador29 possibilita a implementação do tratamento no menor tempo possível.

 

Os resultados encontrados para esse indicador demonstram que não há priorização das MMGd em algumas Regiões do país. Apenas nas Regiões Nordeste e Centro-Oeste, identificam-se maior proporção de MMGd com laudos entregues em menos de 30 dias se comparados com o tempo de entrega do resultado da MMGr, o que pode retardar a sequência da investigação em mulheres com sinais e sintomas. Surpreende ainda mais observar que, nas Regiões Sudeste e Norte, mais de 20% das MMGd realizadas levam mais de 60 dias para a disponibilização do resultado final. Essa demora na devolutiva do resultado da MMGd pode significar o agravamento da doença e uma menor chance de cura ou melhor prognóstico.

 

 

CONCLUSÃO

De forma geral, embora se observe que, em algumas Regiões, houve tendência de melhora dos indicadores, os achados do presente estudo mostraram a existência de dificuldades no cumprimento completo das recomendações do Ministério da Saúde, vigentes para o controle do câncer de mama. Tal realidade poderia contribuir para a manutenção das altas taxas de mortalidade por essa neoplasia comparada com outras que atingem as mulheres.

 

É importante destacar que a utilização de dados secundários, como os do Sismama, pode implicar a ocorrência de algumas limitações como: 1) a desatualização da base de dados, que pode ter ocorrido pela substituição do Sismama pelo Siscan a partir de 2013, e pelas dificuldades das unidades da federação em alimentar o sistema de forma homogênea; 2) o fato de o Sismama trabalhar com registro de exames e não de indivíduos, o que dificulta a correlação de exames realizados em períodos distintos; 3) aspectos importantes relacionados ao preenchimento do formulário de requisição podem ser causa de erros na solicitação, uma vez que o preenchimento é manual, permitindo que itens obrigatórios não sejam assinalados pelo profissional de saúde; 4) utiliza critérios mais simples para a solicitação de MMGr, podendo induzir o profissional solicitante a escolher essa opção.

 

Apesar dessas limitações, o Sismama ofereceu a oportunidade de se verificar a oferta e a realização de mamografias pelo país, além de identificar pontos frágeis passíveis de ajuste. Essas informações podem auxiliar gestores e profissionais de saúde não apenas na efetivação da política de rastreamento do câncer de mama, mas também na diminuição da mortalidade por essa causa mediante o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno.

 

Espera-se que este trabalho sirva para ampliar a discussão sobre as ações de detecção precoce do câncer de mama, considerando as muitas diferenças regionais do país. Destaca-se a necessidade de: 1) fortalecer a APS com a capacitação e a qualificação dos seus profissionais de saúde, pois se constitui como a porta preferencial para acesso ao SUS e principal aliada na prevenção e na detecção do câncer de mama; 2) o constante aperfeiçoamento dos sistemas de informação; 3) a melhoria da qualidade dos serviços de investigação diagnóstica e de tratamento.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Maurício Cavalcanti de Andrade e Graziella Lage Oliveira contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados, assim como na redação e revisão crítica com contribuição intelectual. Adalgisa Peixoto Ribeiro, Katharina Lanza e Lucas Martins de Lima participaram da redação e revisão crítica com contribuição intelectual. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 28/6/2021

Aprovado em 29/11/2021

 

 

Editora-associada: Jeane Tomazelli. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2472-3444

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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