ARTIGO ORIGINAL

 

A Terapêutica Cirúrgica e o Protocolo DH-II-90 no Tratamento da Doença de Hodgkin em Jovens e Adultos: um Estudo Ecológico

Surgical Therapy and DH-II-90 Protocol in the Treatment of Hodgkin Disease in Young Adults: an Ecological Study

La Terapia Quirúrgica y el Protocolo DH-II-90 en el Tratamiento del Linfoma de Hodgkin en Jóvenes y Adultos: un Estudio Ecológico

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n3.2200

 

Barbara Cardoso de Oliveira1; Carlos Daniel Vaz Alves Zica2; Giovana Carolina Canto dos Santos3; Giovana Fernandes Faria4; Guilherme Soares Freire5; Helena Oliveira Paim6; Lucas Nunes Pimenta Rezende7; Mayra da Silva Gonçalves Alencar8; Sabrina Thalita dos Reis Faria9

 

1-8Faculdade Atenas. Passos (MG), Brasil. E-mails: barabaraoliveiracardoso@gmail.com; carlos.zica1911@gmail.com; giovana.canto@hotmail.com; fernandesgiovana83@gmail.com; guilhermebio@hotmail.com.br; helena.ventania@hotmail.com; lucasnpz@outlook.com.br; mayraaalencar96@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-7502-2509; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6347-6741; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7304-8361; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8293-6392; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7417-7763; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1671-6199; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4714-8446; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7645-5552

9Universidade de São Paulo. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: sasareis@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-3564-3597

 

Endereço para correspondência: Barbara Cardoso de Oliveira. Rua Pedro Alvares Cabral, 74 – Centro. Passos (MG), Brasil. CEP 37900-154. E-mail: barabaraoliveiracardoso@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: A doença de Hodgkin (DH) é uma patologia que se inicia nos linfonodos, desenvolve-se nos tecidos neoplásicos e manifesta-se, majoritariamente, em jovens adultos. Objetivo: Correlacionar os resultados da terapêutica cirúrgica e do protocolo DH-II-90 em jovens adultos acometidos pela DH, e associá-los ao perfil epidemiológico, aos dados de mortalidade pela doença e à distribuição de recursos físicos no Brasil. Método: Estudo ecológico exploratório, com informações coletadas do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), entre 2013 e 2021. O estudo, portanto, compara os resultados da terapêutica cirúrgica e do protocolo DH-II-90 associados a dados epidemiológicos, sendo o protocolo considerado o método mais eficiente, por apresentar melhores resultados quando comparado a métodos mais invasivos. Resultados: A Região Sudeste concentra maior número de leitos e procedimentos com números mais expressivos de pacientes diagnosticados de 0 a 29 anos. Em resumo, as taxas de mortalidade bruta por DH reduziram-se a partir de 1990, período no qual o protocolo DH-II-90 foi aplicado. Conclusão: O presente estudo fornece uma visão relevante sobre o perfil epidemiológico da DH e contribui para a comparação entre a terapêutica cirúrgica e o protocolo DH-II-90, sendo possível concluir que, após a aplicação do protocolo, houve redução da taxa de mortalidade por DH no Brasil e no mundo.

Palavras-chave: doença de Hodgkin/epidemiologia; tratamento farmacológico; radioterapia; mortalidade.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Hodgkin disease (HD) is a pathology that starts in the lymph nodes, develops in the neoplastic tissues and manifests, mainly, in young adults. Objective: To correlate the results of the surgical therapy and the DH- II-90 protocol in young adults affected by HD, and to associate them with the epidemiological profile, the mortality data by the disease and the distribution of physical resources in Brazil. Method: Exploratory ecological study with information collected from the Informatics Department of the National Health System (DATASUS), the National Cancer Institute José Alencar Gomes da Silva (INCA), the National Registry of Health Establishments (CNES) and the SUS Outpatient Information System (SIA/ SUS) between 2013 and 2021. The study, therefore, compares the results of surgical therapy and the DH-II-90 protocol associated with epidemiological data, and the protocol is considered the most efficient method, as it produces better results when compared to more invasive methods. Results: The Southeast Region concentrates high number of beds and procedures and stands out due to more expressive numbers of patients diagnosed from 0 to 29 years. In short, crude mortality rates per HD decreased from 1990, the period where the DH-II-90 protocol was applied. Conclusion: This study provides a relevant view on the epidemiological profile of HD and contributes for the comparison between surgical therapy and the DH-II-90 protocol, being possible to conclude that after the application of the protocol, there was a reduction of the mortality rate by HD in Brazil and worldwide.

Key words: Hodgkin disease/epidemiology; drug therapy; radiotherapy; mortality.

 

 

RESUMEN

Introducción: El linfoma de Hodgkin (LH) es una patología que inicia en los ganglios linfáticos, se desarrolla en los tejidos neoplásicos y se manifiesta mayoritariamente en adultos jóvenes. Objetivo: Correlacionar los resultados de la terapéutica quirúrgica y del protocolo DH-II-90 en jóvenes adultos acometidos por el LH, y asociarlos al perfil epidemiológico, a los datos de mortalidad por la enfermedad y a la distribución de recursos físicos en Brasil. Método: Estudio ecológico exploratorio, con información recolectada del Departamento de Informática del Sistema Único de Salud (DATASUS), del Instituto Nacional de Cáncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), del Registro Nacional de Establecimientos de Salud (CNES) y del Sistema de Informaciones Ambulatorias del SUS (SIA/SUS), entre 2013 y 2021. El estudio, por lo tanto, compara los resultados de la terapéutica quirúrgica y del protocolo DH-II-90, asociados a datos epidemiológicos, siendo el Protocolo considerado el método más eficiente, por presentar mejores resultados cuando comparado a métodos más invasivos. Resultados: La Región Sudeste tiene más camas y procedimientos y presenta mayores números de pacientes diagnosticados de 0 a 29 años. En resumen, las tasas de mortalidad bruta por LH disminuyeron a partir de 1990, período en el que se incorporó el protocolo DH-II-90. Conclusión: El presente estudio proporciona una visión relevante sobre el perfil epidemiológico del LH y contribuye a la comparación entre terapéutica quirúrgica y el protocolo DH-II-90, concluyendo que, tras la inserción del protocolo, hubo reducción de la tasa de mortalidad por LH en Brasil y en el mundo.

Palabras clave: linfoma de Hodgkin/epidemiología; quimioterapia; radioterapia; mortalidad.

 

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a doença de Hodgkin (DH) como uma patologia que inicia nos linfonodos, desenvolve-se nos tecidos neoplásicos com pequenas quantidades de células tumorais circundadas por linfócitos T e manifesta-se clinicamente, na maioria dos casos, em adolescentes e jovens adultos1,2, especialmente, de ancestralidade europeia2. Apresenta-se, atualmente, com um dos mais altos índices de cura entre as neoplasias do tipo não cutâneas3. Quanto à epidemiologia da DH, segundo dados do PAINEL-Oncologia Brasil4, tendo como referência o período de 2013 a 2021, é uma patologia diagnosticada em 7.905 crianças, jovens e adultos de 0 a 29 anos. Por outro lado, países, como os Estados Unidos, registraram, no período de 2018, cerca de 8.500 novos diagnósticos da patologia5.

 

O tratamento da DH tem apresentado valores satisfatórios na atualidade6 e apresenta como métodos de tratamento a terapêutica cirúrgica e a combinação entre a quimioterapia e a radioterapia, que recebe o nome de protocolo DH-II-90. A laparotomia e esplenectomia eram, inicialmente, os tipos cirúrgicos utilizados7; no entanto, esses procedimentos estão associados a riscos aos pacientes, tendo em vista a possibilidade de desenvolvimento de infecções pós-operatórias acompanhadas de uma elevada taxa de mortalidade8,9. Dessa forma, na contemporaneidade, as cirurgias são restritas a situações específicas, em que os demais métodos de estadiamentos se mostram ineficazes10. De acordo com o PAINEL-Oncologia Brasil4, o método cirúrgico foi executado em 302 casos, no tratamento de jovens e adultos, entre 2013 e 2021, com maior prevalência na Região Sudeste, a qual se caracteriza pela maior concentração de recursos cirúrgicos oncológicos.

 

Com o avanço da medicina, o maior domínio da fisiopatologia da doença e a obtenção de mais conhecimento quanto aos métodos quimioterápicos e radioterápicos, o protocolo da terapia combinada adaptada ao risco foi desenvolvido11 e estabelecido como método mais eficiente no tratamento desses indivíduos, em virtude dos resultados mais satisfatórios quando comparados a métodos mais invasivos12,13. O protocolo DH-II-90 é definido como uma terapia combinada de quimioterapia e radioterapia, em que a quimioterapia apresenta a prevalência do esquema adriamicina, bleomicina, vimblastina, dacarbazina (ABVD)12. Os resultados dos progressos foram positivos para esses pacientes14,15, o que pode ser verificado nos seus efeitos diretos sobre a taxa de mortalidade por indivíduos acometidos pela DH. A terapêutica combinada para tratamento da DH é também aplicada em países europeus e do Norte da América16, o que proporciona aos Estados Unidos uma sobrevivência relativa no tocante ao linfoma de Hodgkin, correspondente a 88,3% dos casos5. Logo, ambas as terapêuticas apresentam divergências quanto aos resultados e às implicações no tratamento dos pacientes acometidos pela DH. Dessa forma, o propósito deste estudo é o de realizar a análise dos resultados entre a terapêutica cirúrgica e o protocolo DH-II-90 em jovens e adultos, somada a dados epidemiológicos quanto à distribuição desses métodos no Brasil, relacionando-os aos recursos físicos disponíveis dessas Regiões, a partir de análises dos Sistemas de Informação em Saúde (SIS) do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

 

 

MÉTODO

Foi realizado um estudo ecológico exploratório retrospectivo, com informações coletadas do DATASUS4, do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA)17, do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)18 e do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS)19, a partir de dados relacionados à epidemiologia, à morbidade, às estatísticas vitais e aos recursos físicos. O DATASUS é um banco de dados de domínio público e acesso livre disponibilizado pelo Ministério da Saúde, o qual possibilitou a obtenção de dados do INCA17, que abordou um período de 40 anos (1979-2019), ilustrando a taxa de mortalidade bruta por DH em pacientes de 0 a 29 anos. Do PAINEL-Oncologia Brasil4, foram avaliados pacientes de diferentes faixas etárias; essa divisão já constava nos bancos de dados, mas permitiu uma melhor visualização dos grupos de maior acometimento pela doença, visto que tiveram como base a leitura prévia a respeito da relação incidência/idade e mortalidade. Essas informações foram distribuídas por Unidade Federativa do Brasil (UF), sendo os diagnósticos compreendidos no período de 2013 até 2021, considerando todas as análises. Além disso, avaliaram-se os índices de tratamento por método terapêutico quimioterápico, radioterápico e ambos combinados, além da produção ambulatorial do SUS no atendimento de neoplasias. Vale ressaltar que a análise ficou restrita por ser percentual e, quando analisada por sua densidade populacional, mostra o motivo dos resultados, ou seja, a Região Sudeste tem população muito superior à Região Norte, não indicando necessariamente que o diagnóstico corresponde a algo regional. Ainda na plataforma do INCA17, há pacientes com diagnóstico de DH submetidos a métodos terapêuticos em um período compreendido de 2013 a 2021. Já as bases do CNES18 representam a quantidade de leitos cirúrgicos utilizados por Região para tratamento oncológico da DH. Além disso, os aspectos trazidos pelo SIA/SUS19 contribuem para a produção ambulatorial do SUS por local de atendimento a partir de procedimentos clínicos relacionados a tratamentos oncológicos em março de 2021, considerando a faixa etária específica (0 a 19; 20 a 24; 25 a 29). Por fim, a avaliação da mortalidade em cada Região específica foi realizada por meio do cálculo de número de óbitos, expresso por 100 mil habitantes, local e período, permitindo, dessa forma, a estimativa do risco de morte pela causa selecionada. O método desse cálculo, portanto, foi a razão do número de óbitos pela terapêutica específica, em determinado local e período, pela população total do número de óbitos multiplicado por 100 mil. A análise foi feita por meio de variáveis categóricas e, por isso, foram utilizadas, para descrevê-las, apenas frequências e porcentagens.

 

 

RESULTADOS

A Tabela 14 ilustra a distribuição de pacientes acometidos pela DH de 0 a 29 anos, de acordo com as UF do Brasil, no período de 2013 a 2021. Assim, 7.905 casos foram diagnosticados nesse período. A Região Sudeste apresentou números mais expressivos, com 3.349 casos registrados (42,45 %), a Região Nordeste com 1.988 (25,24 %) diagnósticos, a Região Sul com 1.573 (19,90%), a Região Centro-Oeste com 534 (6,64%), e a Região Norte representando o menor número, com 461 casos (5,74%).

 

Tabela 1. Distribuição de pacientes acometidos pela DH de 0 a 29 anos de acordo com as Unidades Federativas durante o período 2013-2021

Fonte: PAINEL-Oncologia4.

 

 

 

A Tabela 2 mostra a distribuição de indivíduos diagnosticados com DH, de 0 a 29 anos, segundo UF do tratamento, os quais foram submetidos às modalidades terapêuticas cirúrgicas, quimioterápicas e radioterápicas do período de 2013 a 2021. No total, foram contabilizados 7.757 indivíduos tratados, sendo 302 (3,89%) com terapêuticas cirúrgicas, 7.455 (96,10%) com tratamentos quimioterápicos e radioterápicos. Ademais, nota-se que o método quimioterápico é consideravelmente mais utilizado se comparado ao radioterápico, o que evidencia a prática da quimioterapia isolada nessa terapêutica.

 

Tabela 2. Distribuição de modalidades terapêuticas, segundo diagnóstico de DH em pacientes de 0 a 29 anos de acordo com as Unidades Federativas do Brasil durante o período 2013-2021

Fonte: PAINEL-Oncologia4.

 

 

No mês de abril de 2021, no Brasil, a quantidade existente de leitos cirúrgicos por Região a partir da especialidade de oncologia foi de 4.943, segundo dados reportados pelo CNES18. Ilustra-se que a Região Sudeste concentra a maior fração desses estabelecimentos, contando com 2.046 leitos, o que corresponde a 41,39% do total de leitos disponíveis no país. A segunda maior concentração se encontra na Região Nordeste, com 1.356 leitos, contando com 27,43% do total, seguida pela Região Sul, com 889 leitos, correspondendo a 17,9% do total. A Região Centro-Oeste conta com 353 leitos (7,14%). Por outro lado, a Região Norte apresenta números mais inexpressivos, com 299 leitos, correspondendo a 6,04% do total no Brasil.

 

No Brasil, no mês de março de 2021, foram registrados 326.867 procedimentos clínicos relacionados a tratamentos oncológicos, conforme o SIA/SUS19. A Região Sudeste apresenta números mais consideráveis com 150.283 procedimentos, o que corresponde a 45,97% do total no país, seguido pela Região Nordeste, com 75.915, correspondendo a 23,22%; a Região Sul conta com 71.479 procedimentos, ou seja, 21,86%; a Região Centro-Oeste teve 17.196, correspondendo a 5,26%; já a Região Norte ilustra os menores números, com 11.994, o que corresponde a 3,66% do total no Brasil.

 

O Gráfico 117 ilustra as taxas de mortalidade bruta por DH, ajustadas por idade, pelas populações mundial e brasileira, por 100 mil homens e mulheres, entre 1979 e 2019. Seguindo um parâmetro geral, nota-se uma queda da mortalidade por DH no Brasil a partir de 1990, período de inserção do protocolo DH-II-90.

 

Gráfico 1. Taxas de mortalidade por DH, brutas e ajustadas por idade, pelas populações mundial e brasileira de 2010, por 100 mil homens e mulheres. Brasil, 1979-2019

Fonte: Atlas On-line de Mortalidade17.

 

 

DISCUSSÃO

Este estudo, tendo como referência os dados coletados pelo DATASUS4 a partir da faixa etária de 0 a 29 anos, ilustra que, no Brasil, a Região Sudeste apresenta números mais expressivos da DH, com 42,31% dos casos. Isso pode se justificar, entre outros fatores, pela maior densidade populacional dessa Região de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)20. A faixa etária tratada neste estudo se refere a indivíduos de 0 a 29 anos, visto que há a maior disponibilidade de dados e discussões científicas sobre esse grupo, embora seja uma doença encontrada em qualquer idade17. Portanto, já que a sobrevida dos pacientes de DH é alta, há uma preocupação com os efeitos e a toxicidade dos tratamentos a esses indivíduos21. Dessa forma, este estudo visa a realizar um parâmetro entre a terapêutica cirúrgica e o protocolo DH-II-90 e relacioná-los aos achados epidemiológicos referentes à mortalidade de brasileiros.

 

A laparotomia e a esplenectomia eram utilizadas como ferramentas eficazes para a avaliação de doenças intra-abdominais, em 1965, sendo, então, aplicada como método de estadiamento7, o qual representa uma avaliação clínica dos resultados obtidos a partir da análise patológica de uma amostra de tecidos após remoção cirúrgica. Porém, esse modelo apresentava vários danos aos pacientes, tendo em vista os maiores riscos para o desenvolvimento de infecções e complicações pós-cirúrgicas, como a infecção pós-esplenectomia, a qual apresenta alta taxa de mortalidade8,9. Nesse sentido, com os avanços nos estudos relacionados ao tratamento da DH e à introdução de práticas, como diagnóstico por imagem e quimioterapias, a prática da cirúrgica se tornou obsoleta10,12-15,21,22, e, em 1989, houve um rompimento considerável em relação a esse método. Atualmente, a terapêutica cirúrgica para estadiamento é restrita a situações específicas, por exemplo, quanto ao estadiamento clínico, os exames físicos, de imagem ou de biópsias apresentam-se ineficazes para a descrição do câncer10.

 

Dessa forma, no Brasil, a partir de dados coletados pelo DATASUS4, a terapêutica cirúrgica não é utilizada com expressividade, representando apenas 3,89% das terapias durante o período de 2013 a 2021, entre a faixa etária de 0 a 29 anos. A Região Sudeste, entre esses casos, apresenta maior uso dessa terapêutica, com 58,94%, o que pode ser justificado pela maior incidência da doença nessa Região e pela maior concentração de leitos cirúrgicos voltados a procedimentos oncológicos (41,39%).

 

Logo, a fim de reduzir a prática de estadiamento cirúrgico, foram desenvolvidos métodos como a terapêutica do protocolo DH-II-90, o qual consiste na terapia combinada de quimioterapia e radioterapia23. O abandono da prática mais invasiva tornou, hoje, maior a sobrevida global desses pacientes, uma vez que a taxa de cura da abordagem moderna é de aproximadamente 85% dos casos14,15,24. Ademais, a terapêutica combinada permite reduzir os índices de toxicidade de ambas as terapias quando isoladas, e o tratamento da patologia disseminada pela quimioterapia assim como pela radioterapia realiza o controle localizado do tumor ao inibir o aumento das células tumorais6,23.

 

Do método quimioterápico, o mais utilizado é o esquema ABVD21, o qual foi consolidado a partir de 1990 como padrão-ouro para o tratamento da DH, por apresentar melhores resultados e menor toxicidade quando comparado aos demais12,13. A quantidade de ciclos de ABVD e a intensidade da radioterapia são estabelecidos segundo o estadiamento no qual se encontra a doença12. Materiais coletados de ensaios clínicos e dos centros de tratamento individuais ilustram que dois a três ciclos quimioterápicos de ABVD, seguidos por sessões radioterápicas, acarretam cura de cerca de 95% dos pacientes em estágio limitado25,26.

 

Observa-se que a taxa de mortalidade por 100 mil habitantes da DH entre 1979 e 2019, ilustrada no Gráfico 117, apresenta uma queda acentuada a partir de 1990, em que houve uma redução de 0,2 pontos percentuais de 1991 até 2019, uma variação de 44,4%, que reflete queda de 200 mortes para uma população de 100 mil habitantes. A notável redução desses números é justificada pelo abandono significativo de práticas invasivas e pela implantação do protocolo DH-II-90. Dessa forma, notaram-se a diminuição dos riscos de complicações pós-operatórias e a atenuação da toxicidade resultante dos tratamentos isolados27, além da taxa de cura para a DH, a qual alcançou valores consideráveis14. Esses fatores resultaram em reduções acentuadas na taxa de mortalidade desses pacientes, o que é reiterado pelos dados do DATASUS de mortalidade por DH.

 

Na atualidade, com os avanços nos conhecimentos sobre a fisiopatologia da doença e dos efeitos colaterais de ambas as abordagens terapêuticas, o tratamento da DH tornou-se personalizado e adaptado ao risco do indivíduo11. Nesse contexto, estão disponíveis e sendo constantemente desenvolvidas variadas estratégias elaboradas por renomados centros de pesquisas norte-americanos, voltadas à terapêutica combinada adaptada ao risco da DH24.

 

Da mesma forma, na última década, o uso de novas tecnologias tem sido abordado, principalmente, em países desenvolvidos, em pacientes com DH em estágio avançado. Entre essas abordagens, há imunoterapias, terapêuticas adaptadas por tomografia computadorizada por emissão de pósitrons – do inglês, positron emission tomography/computed tomography (PET/CT) ‒, além da realização de transplantes de células hematopoiéticas28,29. Entretanto, ainda não há embasamento assegurando que tais abordagens afetem consideravelmente a taxa de sobrevida desses pacientes em nível populacional30.

 

Diante disso, observa-se que, a fim de melhorar os índices relacionados ao prognóstico da DH, novos métodos relacionados à terapêutica radioterápica têm sido testados, como a terapia de radiação de intensidade modulada e a terapia de radiação guiada por imagem, as quais, quando eficientemente implementadas, podem provocar controle local do tumor e reduzir os danos aos tecidos atingidos29. Desse modo, a implementação da quimioterapia associada a avanços nas técnicas de radiação torna o linfoma de Hodgkin uma patologia com índices favoráveis de cura31. Portanto, com maior domínio quanto à biologia da DH, associada a maiores opções de eficazes e seguras terapêuticas, a gestão da patologia otimizou-se consideravelmente nos últimos 50 anos32.

 

De acordo com as coletas epidemiológicas do PAINEL-Oncologia Brasil4, nota-se que o uso da quimioterapia é consideravelmente maior quando comparado à radioterapia no tratamento da DH, evidenciando que a quimioterapia isolada é ainda vista no tratamento desses pacientes na atualidade. Há mais de duas décadas, existe um debate quanto ao uso da quimioterapia isolada em objeção à modalidade combinada33. No entanto, o tratamento não combinado expõe o paciente a doses maiores de quimioterápicos, que podem resultar em malefícios à saúde do paciente em razão da toxicidade, indicando que a radioterapia não é uma etapa dispensável12 na maior parte da terapêutica.

 

Estudos comprovam que as doses de radioterapias utilizadas no passado, principalmente de forma isolada, são consideravelmente altas quando comparadas à terapia atual34, o que reforça ainda mais a importância dessa associação. Contudo, outras pesquisas iniciais levantaram que pacientes, após três ciclos de tratamento, com resultados de PET negativo, podem suspender o método da radioterapia na terapêutica35. A implantação de ferramentas radioterápicas exige altos custos e burocratização por parte dos órgãos normatizadores e fiscalizadores de saúde, o que dificulta a instalação desse recurso no país, embora apresente notáveis relevâncias no cenário terapêutico de patologias oncológicas36, como a DH. Logo, embora a radioterapia se apresente como essencial para os pacientes diagnosticados pela DH, o cenário socioeconômico do Brasil não é favorável ao aproveitamento desses benefícios.

 

Afirma-se isso, pois os dados da Tabelas 1 e 2 ‒ relacionados à quantidade de casos diagnosticados (7.905) e ao número de pacientes submetidos aos métodos terapêuticos apresentados (7.757) ‒ são baseados nos mesmos períodos, localidade e faixa etária, identificando-se uma discrepância nos números, que ilustra uma parcela de pacientes acometidos pela DH não submetidos a tratamentos (148 indivíduos). Essa disparidade pode se fundamentar em situações específicas de cada caso ou no não acesso ao tratamento, o que é verificado em todas as Regiões do país, sendo a Sudeste a mais expressiva. Embora o Brasil apresente-se como um país em desenvolvimento, possui recursos em saúde que possibilitam a presença de estruturas competentes ao tratamento de doenças oncológicas. No entanto, o acesso a essa assistência ainda se mostra como um desafio em virtude de questões relacionadas ao direcionamento dos investimentos.

 

Por analogia, apesar de a incidência geral da DH não se apresentar de modo considerável dos casos diagnosticados, a prevalência é maior em jovens e adultos de ancestralidade europeia2. Nos Estados Unidos, foram diagnosticados, no período de 2018, cerca de 8.500 indivíduos, correspondendo a aproximadamente 220 mil portadores da patologia no país, naquele ano5. Além disso, nos Estados Unidos, a sobrevivência relativa em relação à DH corresponde a 88,3% dos casos, somada à queda na taxa de mortalidade, ajustada por idade, de 4,5% ao ano, durante o período de 2010 a 20195, reiterando a alta taxa de cura da doença3. Do mesmo modo, as terapêuticas para a DH comumente aplicadas, na América do Norte e na Europa, apresentam uma fase inicial de quimioterapia seguida por uma fase de radioterapia16.

 

Nota-se uma evidente discrepância entre a prevalência da DH nos Estados Unidos e no Brasil. Essa divergência pode ser justificada, somada à maior densidade populacional do país norte-americano, pela maior densidade populacional de descendentes europeus no Norte da América, os quais, segundo o Censo de 2010, correspondem a cerca de 72,4% da população total37. Ademais, há maior qualidade dos SIS encontrados nos países desenvolvidos38, o que permite maior notificação e cobertura na situação da DH nesses lugares.

 

Coletas epidemiológicas tendem a apresentar falhas em países em desenvolvimento38,39. Logo, há obstáculos na avaliação objetiva da quantidade de indivíduos diagnosticados e quanto à realização de procedimentos relacionados à modalidade terapêutica. Como demonstração dessa lacuna, a Região Norte possui, na totalidade dos conteúdos, os menores valores registrados, o que pode ser resultado do menor desenvolvimento e do menor acesso a recursos de saúde. Tal situação é reiterada pela menor quantidade de leitos cirúrgicos e procedimentos clínicos oncológicos concentrados nessa Região. Ademais, outro empecilho à investigação se refere ao fato de os dados coletados quanto à concentração de leitos cirúrgicos e à quantidade de procedimentos clínicos oncológicos serem encontrados na plataforma DATASUS4 como um grupo único de doença, o que dificulta a coleta de dados específicos para procedimentos e recursos físicos relacionados ao tratamento da DH.

 

Por outro lado, nota-se uma maior facilidade na busca e na análise de dados sobre a DH em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, que oferecem um sistema de informação mais acessível, amplo e completo, em razão de maiores investimentos voltados à qualidade dos dados38. Dessa forma, o estudo efetivo dos dados de diagnósticos e a taxa de mortalidade e de sobrevida são essenciais para uma análise objetiva da situação da DH e no desenvolvimento de pesquisas necessárias para o rastreamento e para a terapêutica. Logo, a correção dessas falhas nos institutos de coleta de dados torna-se primordial para a elaboração de propostas de intervenções em saúde que visem à melhora da qualidade de vida e das pesquisas futuras relacionadas a esse grupo5,38,39.

 

 

CONCLUSÃO

Este estudo buscou comparar a terapêutica cirúrgica e o protocolo DH-II-90 em jovens e adultos. Tal protocolo foi desenvolvido a fim de reduzir a prática cirúrgica, tratando-se de um método menos invasivo. A partir de dados coletados pelo DATASUS, foi evidenciada a baixa utilização da terapêutica cirúrgica, visto que esta apresenta maiores riscos para o desenvolvimento de infecções e complicações pós-cirúrgicas.

 

O protocolo DH-II-90 consiste, portanto, em uma terapia combinada de quimioterapia e radioterapia, permitindo o tratamento da patologia disseminada e do controle localizado do tumor. Além disso, conclui-se que, no Brasil, a Região Sudeste apresenta números mais expressivos da doença, o que se pode justificar pela maior densidade populacional.

 

O presente estudo fornece uma visão relevante sobre o perfil epidemiológico da DH e contribui para a comparação da terapêutica cirúrgica e do protocolo DH-II-90. Os achados compatíveis com a literatura auxiliam em análises que elaborem políticas a serem implementadas e direcionadas às Regiões de maior vulnerabilidade, já que contribuíram em avaliar que, após a inserção do protocolo, houve redução da taxa de mortalidade por DH no Brasil e no mundo.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e/ou revisão crítica e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Swerdlow SH, Campo E, Harris NL, et al., editors.WHO classification of tumours of haematopoietic and lymphoid tissues. 4th ed. Lyon (France): International Agency for Research on Cancer; 2008.

2. Connors JM, Cozen W, Steidl C, et al. Hodgkin lymphoma. Nat Rev Dis Primers. 2020;6(1):61. doi: https://doi.org/10.1038/s41572-020-0189-6

3. Machado M, Correia A, Falcão LM, et al. Linfoma de Hodgkin: conceitos actuais. Medicina Interna [Internet]. 2004 [acesso 2021 nov 5];11(4):207-15. Disponível em: https://www.spmi.pt/revista/vol11/vol11_n4_2004_207-215.pdf

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Recebido em 8/9/2021

Aprovado em 29/11/2021

 

 

Editora-associada: Jeane Tomazelli. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2472-3444

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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