ARTIGO ORIGINAL

 

Pandemia de Covid-19 e Transtorno de Estresse Pós-traumático em Mulheres com Câncer de Mama

Covid-19 Pandemic and Post-Traumatic Stress Disorder in Women with Breast Cancer

Pandemia de Covid-19 y Trastorno de Estrés Postraumático en Mujeres con Cáncer de Mama

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n2.2234

 

Marislei Sanches Panobianco¹; Letícia Martins Gaspar2; Maria Antonieta Spinoso Prado3; Grazielle Aparecida Berzuini4

 

¹Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública. Ribeirão Preto (SP), Brasil.

 

1E-mail: marislei@eerp.usp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2619-8740

2E-mail: leticiaamgaspar@usp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-3043-0143

3E-mail: masprado@eerp.usp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9326-5109

4E-mail: grazielleberzuini@usp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-7447-2735

 

Endereço para correspondência: Marislei Sanches Panobianco. Av. Bandeirantes, 3900 ‒ Vila Virginia. Ribeirão Preto (SP), Brasil. CEP 14040-902. E-mail: marislei@eerp.usp.br

 

 

RESUMO

Introdução: Pacientes com câncer possuem um risco maior de contrair covid-19 e apresentar piores resultados. Objetivo: Avaliar o estresse pós-traumático advindo da pandemia de covid-19 em mulheres com câncer de mama. Método: Escala do Impacto do Evento – Revisada (IES-R) composta por 22 itens, em três subescalas (evitação, intrusão e hiperestimulação), que contemplam os critérios de avaliação de transtornos de estresse pós-traumáticos. O convite foi enviado via WhatsApp ou nas reuniões on-line de um núcleo de reabilitação para o câncer de mama juntamente com um link de um formulário do Google Docs e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Resultados: Participaram do estudo 50 mulheres que apresentaram idade entre 34 e 81 anos, 88% faziam uso de algum tipo de medicação para comorbidades e 10% usavam antidepressivos. As participantes não apresentaram transtornos de estresse pós-traumáticos, no entanto, os números mostraram que mulheres com idades mais avançadas apresentaram índices menores de transtornos de estresse pós-traumáticos: escala total (p=0,002), subescalas intrusão (p=0,001) e hiperestimulação (p=0,003). Houve também uma diferença significativa quanto à medicação antidepressiva para a escala total (p=0,032) e para as subescalas intrusão (p=0,026) e hiperestimulação (p=0,030). Conclusão: As participantes não apresentaram estresse pós-traumático, o que pode ter sido em razão de já frequentarem um núcleo de reabilitação para o câncer de mama que oferece uma assistência integral, inclusive durante a pandemia (atendimento on-line).

Palavras-chave: transtornos de estresse pós-traumáticos; neoplasias da mama; COVID-19.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Cancer patients are at higher risk of contracting COVID-19 and present worse outcomes. Objective: To evaluate COVID-19 pandemic post-traumatic stress disorder in women with breast cancer. Method: The Event Impact Scale ‒ Revised (IES-R) was used, consisting of 22 items, in 3 subscales (avoidance, intrusion and hyperstimulation), including criteria for evaluating post-traumatic stress disorders. The invitation was made through WhatsApp or in online meetings of a rehabilitation center for women with breast cancer, further to a link to a Google Docs form and the Informed Consent Form (ICF) sent electronically. Results: 50 women were enrolled, aged between 34 and 81 years, 88% in use of some type of comorbidities medication and 10% used antidepressants. Participants did not have post-traumatic stress disorders, however the figures showed that older women had lower rates of post-traumatic stress disorders: total scale (p=0.002), subscales intrusion (p=0.001) and hyperstimulation (p=0.003). There was also a significant difference of antidepressant medication for the total scale (p=0.032) and for the intrusion (p=0.026) and hyperstimulation (p=0.030) subscales. Conclusion: The participants did not present post-traumatic stress disorder, possibly due to the fact that they are already attending a breast cancer rehabilitation center that offers online comprehensive care during the pandemic as well.

Key words: stress disorders, post-traumatic; breast neoplasms; COVID-19.

 

 

RESUMEN

Introducción: Los pacientes con cáncer tienen mayor riesgo de contraer covid-19 y pejores resultados. Objetivo: Evaluar el trastorno de estrés postraumático de la pandemia covid-19 en mujeres con cáncer de mama. Método: Event Impact Scale Revised (IES-R), que consta de 22 ítems, en tres subescalas (evitación, intrusión e hiperestimulación), que incluyen los criterios para evaluar el trastorno de estrés postraumático. La invitación se realizó a través de WhatsApp o en reuniones online de un centro de rehabilitación para mujeres con cáncer de mama, se envió un enlace a un formulario de Google Docs y el Formulario de Consentimiento Informado por vía electrónica. Resultados: Participaron del estudio 50 mujeres, con edades comprendidas entre 34 y 81 años, el 88% utiliza algún tipo de medicación para las comorbilidades y el 10% utiliza antidepresivos. Las participantes no tenían trastornos por estrés postraumático, sin embargo, los números mostraron que las mujeres mayores tenían tasas más bajas de trastornos por estrés postraumático: escala total (p=0,002), subescalas de intrusión (p=0,001) e hiperestimulación (p=0,003). También hubo una diferencia significativa con respecto a la medicación antidepresiva para la escala total (p=0,032) y para las subescalas de intrusión (p=0,026) e hiperestimulación (p=0,030). Conclusión: Las participantes no presentaban trastorno de estrés postraumático, lo que puede deberse a que ya están asistiendo a un centro de rehabilitación de cáncer de mama que ofrece atención integral, incluso durante la pandemia (asistencia en línea).

Palabras clave: trastornos por estrés postraumático; neoplasias de la mama; COVID-19.

 

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, o câncer de mama é o tipo mais comum entre as mulheres, depois do câncer de pele não melanoma. Para cada ano do triênio 2020-2022, são estimados 66.280 novos casos da doença1.

 

Os tratamentos mais utilizados para essa doença são a cirurgia, a quimioterapia, a radioterapia e a hormonioterapia, que podem acontecer de forma isolada ou em conjunto e são importantes no controle da doença. No entanto, podem apresentar efeitos deletérios, provocando eventos adversos locais e/ou sistêmicos que podem afetar a vida da mulher2.

 

As alterações corporais advindas dos tratamentos podem ser traumáticas para as mulheres, resultando em dificuldades no manejo da situação vivida, comprometimento emocional e potencialização do momento de fragilidade enfrentado3,4.

 

Em dezembro de 2019, o mundo teve as primeiras informações sobre a chegada do novo coronavírus (2019-nCoV) ao Brasil, que se propagou rapidamente pelo planeta, atingindo milhares de pessoas que contraíram a doença, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar o 2019-nCoV uma pandemia em 11 de março de 20205.

 

O diagnóstico e o tratamento para o câncer de mama, no período que o mundo enfrenta uma pandemia, pode gerar um estresse extremo. O transtorno do estresse pós-traumático é definido como um conjunto de sintomas associados a um evento traumático6.

 

A doença pelo coronavírus 2019 (do inglês, coronavirus disease 2019 – covid-19) é causada pela infecção do vírus da síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2 (do inglês, severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 – Sars-CoV-2). Esse vírus, altamente contagioso7, invade principalmente o trato respiratório e os pulmões, levando a um novo tipo de pneumonia8.

 

Os casos graves de covid-19 podem progredir rapidamente para síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), choque séptico e síndrome da disfunção de múltiplos órgãos (MODS)9. Os idosos e aqueles com condições preexistentes, como câncer, doenças cardiovasculares (DCV), diabetes mellitus e lesão renal aguda, têm um risco maior demonstrado de desenvolver casos mais graves de covid-19, além de sofrer um risco maior de mortalidade8,10.

 

Entretanto, cabe ressaltar que, com o surgimento das novas variantes, esse perfil epidemiológico foi alterado, conforme mostra uma pesquisa realizada11, que avaliou a nova variante P1 do coronavírus que surgiu no Estado do Amazonas. Comprovaram-se aumentos nas taxas de letalidade, letalidade hospitalar e mortalidade em diferentes faixas etárias e sexos. Essa é uma evidência que sugere que a nova variante P1 provocou mudanças no perfil de virulência e patogenicidade quando comparada com as linhagens anteriores.

 

Em casos positivos de covid-19, os sintomas são geralmente febre, tosse seca, coriza, dor de garganta e falta de ar, que podem aparecer entre dois e 14 dias após a infecção. O quadro clínico varia, no entanto, de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. De acordo com a OMS, cerca de 80% dos pacientes podem ser assintomáticos, cerca de 20% podem requerer atendimento hospitalar por causa de dificuldade respiratória, e, desses casos, aproximadamente 5% podem necessitar de suporte ventilatório para o tratamento de insuficiência respiratória1,12.

 

Dados preliminares da China sugerem que pacientes com comorbidades preexistentes, particularmente DCV e câncer, podem estar entre os de maior risco, não apenas de adquirir a infecção, mas também de apresentar piores resultados. O risco de resultados adversos pode ser ainda maior para aqueles que sofrem de um diagnóstico duplo, particularmente os idosos. Isso é extremamente preocupante do ponto de vista da saúde pública, pois o câncer e as DCV estão entre as doenças mais prevalentes no mundo, e o impacto da atual pandemia de covid-19 pode ser devastador para esses pacientes13.

 

Pacientes com câncer geralmente apresentam maior risco de infecção em razão do comprometimento do sistema imune como as leucopenias, um dos efeitos adversos do tratamento antineoplásico13. Além disso, apresentam maior probabilidade de mortalidade como decorrência das complicações da covid-1914.

 

Toda essa situação com o advento da pandemia, gerando inúmeras preocupações e incertezas, teve consequências em vários setores, com implicações diretas no dia a dia da população e em sua saúde mental15.

 

Nas pandemias, é comum que profissionais de saúde e cientistas mantenham o foco predominantemente nos fatores biológicos de riscos, façam um esforço para entender a fisiopatologia e os mecanismos envolvidos e proponham medidas para prevenir, conter e tratar a doença. Em tais situações, as implicações psicológicas e psiquiátricas secundárias ao fenômeno, tanto no individual quanto no coletivo, tendem a ser subestimadas e negligenciadas, gerando lacunas nas estratégias de enfrentamento e aumento do ônus das doenças associadas15.

 

Em relação à pandemia de covid-19, quando o isolamento social se faz necessário, quando o excesso de informações acontece a todo momento, quando o medo se faz presente na vida das pessoas, é preciso cuidar da saúde mental para evitar que esses possíveis transtornos aconteçam. E, neste estudo, lembra-se das mulheres com câncer de mama, especialmente aquelas que ainda se encontram em tratamento para a doença.

 

Esse grupo de pessoas pode estar vivendo momentos de medo diante da realidade vivida, ou seja, se sentem ameaçadas, pois se encontram ainda mais vulneráveis por terem uma condição imunológica que facilita o contágio pela doença. Além disso, vale lembrar que já viviam na condição de ter uma doença estigmatizante e que traz ameaças à sua vida. Dessa forma, o objetivo deste estudo é avaliar o estresse pós-traumático advindo da pandemia de covid-19 em mulheres com câncer de mama.

 

 

MÉTODO

Foi utilizada a versão da Escala do Impacto do Evento – Revisada (IES-R), traduzida para a língua portuguesa do Brasil por Caiuby et al.16 e que é de domínio público para a avaliação do estresse pós-traumático associado à necessidade do isolamento social como prevenção à covid-19.

 

Trata-se de uma escala do tipo Likert, na qual as mulheres responderam às questões, baseando-se nos dias anteriores à aplicação da escala, que foi desenvolvida para autoaplicação. A escala é composta de 22 itens, distribuídos em três subescalas: evitação (avalia sintomas de comportamento evitativos), intrusão (avalia memórias intrusivas) e hiperestimulação (avalia ansiedade), que contemplam os critérios de avaliação de transtorno do estresse pós-traumático, publicados na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)17.

 

Foi realizada a descrição da frequência absoluta e relativa dos dados, assim como o cruzamento de variáveis, aplicando-se o teste de Mann-Whitney e o teste de Shapiro-Wilk. Foram seguidas as orientações dos autores da escala, em que o escore para cada questão varia de zero a quatro pontos, e o cálculo do escore de cada subescala é obtido por meio da média dos itens que compõem as subescalas evitação, intrusão e hiperestimulação, desconsiderando as questões não respondidas. O escore total é a soma dos escores das subescalas. Seguindo orientação dos autores, o ponto de corte considerado foi de 5,6 para discriminar pacientes com transtorno do estresse pós-traumático daqueles sem transtorno do estresse pós-traumático. O programa utilizado para fazer as análises foi Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.

 

Foi realizado um estudo de corte transversal para avaliar o estresse pós-traumático, advindo da pandemia de covid-19 em mulheres com câncer de mama, que são assistidas em um núcleo de reabilitação de uma universidade do interior do Estado de São Paulo. Esse núcleo oferece um programa destinado à reabilitação emocional, física, espiritual e social de mulheres mastectomizadas, com atividades em grupo visando à prevenção do linfedema e de outras complicações do câncer, rodas de conversa, atendimento psicológico, atividades artesanais e culturais, entre outras, buscando reintegrar a mulher com câncer de mama na sociedade, por meio de uma assistência integral.

 

Por conta da necessidade de controle da pandemia de covid-19, as reuniões presenciais do núcleo foram suspensas, conforme as orientações das autoridades sanitárias, e os encontros dos profissionais com as mulheres estão acontecendo de maneira virtual, utilizando as ferramentas como Google Meet para transmissões ao vivo dos exercícios físicos, palestras e encontros semanais para conversas, esclarecimentos de dúvidas e apoio emocional, tanto em relação ao câncer de mama quanto à covid-19.

 

Os critérios de inclusão foram: mulheres com 18 anos ou mais, com diagnóstico de câncer de mama, cadastradas no núcleo, e que tivessem acesso à Internet. Os critérios de exclusão foram: mulheres com deficiência cognitiva, pela dificuldade de responder ao formulário on-line. Aquelas que não tinham condições cognitivas para responder, não enviaram o instrumento preenchido.

 

O convite para participar do estudo foi realizado via WhatsApp ou pelas reuniões on-line do núcleo. Nesse convite, foi enviado o link do formulário, por meio do qual tiveram acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de forma eletrônica. A coleta de dados se deu por meio eletrônico; primeiramente, foram buscados dados sociodemográficos (idade, cidade de procedência, estado civil, ocupação profissional, religião e nível de escolaridade), antecedentes relacionados à saúde e do tratamento do câncer de mama e aplicada a IES-R, a qual foi disponibilizada via formulário do Google Docs.

 

Os dados foram coletados de junho a setembro de 2020, totalizando 50 pessoas entrevistadas.

 

Quanto aos aspectos éticos contidos na Resolução n.º 466/201218 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas com seres humanos, foi obtida a autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob o número de Protocolo CAAE 31796120.2.0000.5393.

 

 

RESULTADOS

Por meio do formulário via Google Docs, foi possível obter os dados sociodemográficos e antecedentes relacionados ao tratamento do câncer de mama, às comorbidades e medicações usadas pelas mulheres participantes do estudo.

 

As entrevistadas possuíam, à época da coleta de dados, idade entre 34 e 81 anos, em que 14,6% possuíam de 34 a 50 anos, 43,8% de 50 a 60 anos, 37,5% de 60 a 70 anos, 4,2% tinham idade maior que 70 anos, e 4,2% não informaram. Quanto à procedência, 70% são de Ribeirão Preto, 14% das cidades da Região (Departamento Regional de Saúde ‒ DRS-XIII), 8% de outras cidades do Estado de São Paulo, e 8% de outros Estados. Quanto ao estado civil, 6% são solteiras, 68% casadas, 12% divorciadas, e 14% viúvas. Quanto à ocupação, 28% das entrevistadas são aposentadas, 20% possuem trabalhos domésticos não remunerado, 48% trabalhos formais remunerados, 2% estão desempregadas, e 2% não informaram. Quanto à religião, 48% são católicas, 38% evangélicas, 12% espírita, e 2% testemunhas de Jeová. Quanto ao nível de escolaridade, 10% possuem o Ensino Fundamental incompleto, 12% têm Ensino Fundamental completo, 16% Ensino Médio incompleto, 22% Ensino Médio completo, 10% Ensino Superior incompleto, e 30% Ensino Superior completo.

 

Quanto aos antecedentes relacionados ao tratamento do câncer de mama, 64% realizaram mastectomia, 30% quadrantectomia, 6% nodulectomia; 86% realizaram linfadenectomia axilar, 12% não realizaram, e 2% não souberam informar; 42% realizaram quimioterapia neoadjuvante, 38% quimioterapia adjuvante, e 20% não realizaram; 70% realizaram radioterapia, 28% não realizaram, e 2% vão iniciar; 58% realizaram tratamento com hormonioterapia; 8% fizeram e concluíram o tratamento com terapia-alvo, 78% não realizaram, 4% estão em tratamento, e 10% não informaram.

 

Quanto às comorbidades, 18% possuem diabetes, 50% hipertensão arterial, 12% CV, 4% doenças neurológicas, 4% doença renal, 14% doença respiratória, 24% dislipidemia, e 22% outras doenças. Entre as entrevistadas, 88% fazem uso de algum tipo de medicação; destes, 44% utilizam anti-hipertensivo, 18% antidiabéticos, 10% antidepressivos, 18% antidislipidêmicos, e 70% ainda utilizam outras medicações.

 

A aplicação da IES-R permitiu a elaboração da Tabela 1, que explana os resultados referentes às médias das subescalas e à média geral (soma das três subescalas).

 

Tabela 1. Valores das subescalas e a média IES-R das mulheres participantes do estudo (n=50)

Subescalas

Média

Mediana

Desvio-padrão

Mínimo

Máximo

Evitação

1,0

1,1

0,8

0,0

3,1

Intrusão

0,9

0,9

0,7

0,0

2,8

Hiperestimulação

0,8

0,6

0,7

0,0

2,3

Total da média

0,9

0,9

0,7

0,0

2,8

 

 

Por meio da aplicação do teste de Mann-Whitney e do teste Shapiro-Wilk, foi possível elaborar a Tabela 2, relacionando as subescalas da IES-R com as medicações utilizadas pelas participantes.

 

Tabela 2. Uso de medicações em relação às subescalas da IES-R das mulheres participantes do estudo (n=50)

Medicações

Uso

N

Evitação

Intrusão

Hiperestimulação

Média total

Mediana total

Desvio-padrão

Média

Mediana

Média

Mediana

Média

Mediana

Anti-hipertensivos

Sim

22

0,9

1,1

0,8

0,7

0,7

0,6

0,8

0,8

0,6

Não

28

1,1

1,3

1,0

0,9

0,9

0,6

1,0

0,9

0,7

Antidepressivo

Sim

09

1,3

1,4

1,5

1,6

1,4

1,7

1,4

1,5

0,8

Não

41

1,0

1,0

0,8

0,7

0,7

0,6

0,8

0,9

0,6

Antidiabético

Sim

05

0,8

0,8

1,2

1,1

1,2

1,0

1,1

1,0

0,5

Não

45

1,0

1,3

0,9

0,7

0,8

0,6

0,9

0,9

0,7

Dislipidêmicos

Sim

09

0,9

1,0

1,2

1,1

0,9

0,7

1,0

1,0

0,6

Não

41

1,0

1,3

0,9

0,7

0,8

0,6

0,9

0,9

0,7

Outras medicações

Sim

35

1,0

1,1

0,9

0,9

0,8

0,7

0,9

0,9

0,6

Não

15

1,0

0,8

1,0

0,9

0,8

0,4

0,9

0,9

0,9

 

 

A Tabela 3 apresenta a comparação de idades das entrevistadas com os valores encontrados nos escores totais e nas subescalas, e identifica-se que aquelas com idade mais avançada apresentam menores índices de estresse pós-traumático. Assim, na Correlação de Spearman com a variável idade e os escores médios total e das três subescalas, os dados correspondem inversamente com a escala total (p=0,002), subescalas intrusão (p=0,001) e hiperestimulação (p=0,003). Já a relação com a subescala evitação (p=0,052) não mostrou relevância.

 

Tabela 3. Correlação de Spearman obtida para as variáveis idade, escala total e subescalas intrusão, hiperestimulação e evitação (n=48)

Subescalas (média)

Coeficiente de correlação

Idade

Evitação

-0,282

0,052

Intrusão

-0,465

0,001

Hiperestimulação

-0,415

0,003

Total média

-0,427

0,002

 

 

A Tabela 4 permite visualizar a relação entre o uso de medicações, a IES-R e o teste de Mann-Whitney.

 

Tabela 4. Uso de medicações e o teste de Mann-Whitney em relação à média de evitação, média intrusão, média de hiperestimulação e média total da escala

Medicações

Média evitação

Média intrusão

Média hiperestimulação

Média total

Teste Mann-Whitney

Teste Mann-Whitney

Teste Mann-Whitney

Anti-hipertensivos

0,480

0,264

0,549

0,469

Antidepressivo

0,145

0,026*

0,030*

0,032*

Antidiabético

0,593

0,180

0,159

0,449

Dislipidêmicos

0,710

0,125

0,502

0,471

Outras medicações

0,686

1,000

0,632

0,735

(*) Teste Mann-Whitney. Nível de significância 0,05.

 

 

DISCUSSÃO

A pandemia de covid-19 causou mortalidade e sofrimento sem precedentes e representa um desafio global para a resiliência mental. Esse sofrimento foi investigado em diferentes países, mostrando a necessidade de cada país buscar suas estratégias de enfrentamento e apoio social, especialmente para o grupo de baixo nível educacional19. Neste estudo, não houve relação de maiores valores da IES-R em mulheres com níveis educacionais mais baixos.

 

Um estudo constatou que a idade jovem e estressores traumáticos prévios foram associados ao transtorno de estresse pós-traumático20, assim como foi identificado com as entrevistadas deste estudo na Correlação de Spearman. As mulheres com idade mais avançada apresentaram índices menores de estresse pós-traumático na escala total (p=0,002), subescalas intrusão (p=0,001) e hiperestimulação (p=0,003), mostrando ter uma menor probabilidade de apresentarem estresse pós-traumático.

 

É importante salientar que, no grupo de risco de covid-19, há as pessoas com 60 anos ou mais, portadores de doenças crônicas e imunodeprimidos, ou seja, aqueles que possuem câncer. Além de estarem vulneráveis por causa de doença preexistente, que deprime o sistema imunológico, podem também desenvolver complicações graves em razão da evolução clínica da covid-1921.

 

De acordo com dois estudos, as comorbidades mais prevalentes em mulheres com câncer de mama são: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, obesidade e agravos psicológicos22. A presença de comorbidades associadas com o câncer de mama estão diretamente relacionadas com a qualidade de vida desses pacientes, pois algumas doenças e agravos estão frequentemente mais presentes23. Como exemplo de doenças que podem gerar agravos em pacientes oncológicos, tem-se a covid-19.

 

O advento da pandemia de covid-19 causou grandes desafios para a sociedade em virtude da forma de prevenção e contenção da doença, gerando impactos políticos, econômicos e sociais que, consequentemente, causaram danos à saúde mental da população24.

 

O sofrimento psicológico pode ser um estado que comumente ocorre após situações estressantes. Na maioria das vezes, é temporário, mas, às vezes, pode durar mais do que algumas semanas. Quando isso acontece, a pessoa pode correr o risco de desenvolver outras doenças mentais, como depressão, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático25.

 

Os estressores da pandemia de covid-19 estão relacionados ao distanciamento social, quarentena duradoura, acúmulo de afazeres e frustração, dificuldades econômicas, realização de tarefas a distância, que eram feitas fora de casa, medo e preocupação com a doença e riscos ao sair da casa. Além disso, acarretam incertezas quanto ao futuro, desestabilizam rotinas e ameaçam a vida24.

 

Apesar dos inúmeros impactos e eventos estressores que a população-alvo deste estudo vivencia diariamente, foi possível identificar que as entrevistadas não apresentaram estresse pós-traumático por conta da pandemia de covid-19. Isso pode estar relacionado com o apoio físico, emocional, espiritual e psicossocial que recebem do núcleo de reabilitação, o qual manteve os atendimentos de forma on-line, respeitando o distanciamento social imposto para impedir a propagação do vírus.

 

A importância do apoio social à população com câncer também foi observada em um estudo desenvolvido por Sette e Capitão26, que avaliaram o suporte social e a qualidade de vida em pacientes oncológicos, sendo possível concluir que o apoio oferecido por ONGs aos pacientes com câncer proporcionou condições de melhor bem-estar e maior estabilidade de humor. Dessa forma, concluíram que o apoio dos profissionais das ONGs e de outros pacientes auxilia o indivíduo a ter uma melhor percepção de sua saúde geral26.

 

Destaca-se que, quando comparados os escores total e das três subescalas (evitação, intrusão e hiperestimulação) da IES-R e os grupos das variáveis dos medicamentos em uso (anti-hipertensivo, antidepressivo, antidiabético, para dislipidemia e outros medicamentos) com a aplicação do teste de Mann-Whitney (teste não paramétrico, uma vez que as variáveis não apresentam distribuição normal) e do teste Shapiro-Wilk, houve diferença no que se refere à variável “medicação antidepressiva” para a escala total (p=0,032) e para as subescalas intrusão (p=0,026) e hiperestimulação (p=0,030). No entanto, isso não ocorreu na subescala evitação (p=0,145) e para as demais classes de medicamentos.

 

Constatou-se, no entanto, que aquelas que fazem uso de medicamentos da classe antidepressiva demonstram um nível de estresse mais elevado quando comparadas com aquelas que não fazem uso dessa classe farmacológica.

 

Nesse sentido, cabe destacar que os antidepressivos são usados no tratamento de transtornos de humor, especialmente a depressão, a qual possui sintomas emocionais e biológicos. Os sintomas emocionais envolvem humor depressivo, pensamento negativo excessivo, infelicidade, pessimismo, sentimento de culpa, autoestima baixa, perda da motivação e da sensação de recompensa e anedonia; os sintomas biológicos incluem a perda da libido e do apetite, retardo no pensamento e na ação, e distúrbios do sono27.

 

No caso das mulheres aqui pesquisadas, que fazem uso de fármacos antidepressivos e apresentaram escores que indicam um maior nível de estresse por causa da pandemia de covid-19, acredita-se que essa ocorrência se deva às patologias preexistentes relacionadas à saúde mental dessas mulheres, que, como consequência, provocam pensamentos pessimistas e desmotivadores.

 

Além disso, os estressores da pandemia de covid-19 já causam por si só sentimento de frustração, preocupações e incertezas, ou seja, quando se associam esses sentimentos com os sintomas emocionais daquelas que fazem uso de antidepressivos, é possível compreender o escore que se aproxima daquele que indica estresse pós-traumático.

 

No período de pandemia, o tédio e o isolamento poderão causar angústia; desse modo, é importante que as pessoas recebam orientações e conselhos práticos sobre técnicas de enfrentamento e controle do estresse; ter um telefone móvel agora é uma necessidade, não um luxo. Contar com uma linha de apoio telefônico, com equipe de enfermeiras psiquiátricas, criada especificamente para aqueles em quarentena, poderia ser eficaz em termos de fornecer-lhes uma rede social25.

 

Embora não tenha sido alvo dessa investigação estudar as técnicas utilizadas para o enfrentamento do estresse, identificou-se que o fato de as pesquisadas participarem de um núcleo de reabilitação pode ter contribuído para o alívio do estresse nesse momento. Desde o início da pandemia, o núcleo busca fortalecer entre elas o uso das redes sociais (todas as atividades estão sendo realizadas de forma remota). Dessa forma, disponibiliza um número de telefone para que elas possam entrar em contato com a enfermeira do serviço sempre que precisarem. Além disso, como já comentado, elas podem ter acesso aos exercícios físicos, destinados à prevenção e ao controle de complicações do câncer de mama, em transmissões ao vivo, e a uma reunião pelo Google Meet com os profissionais do núcleo, ambos uma vez por semana.

 

Um estudo28 buscou identificar como a Psicologia Positiva pode contribuir para a redução de sintomas psicopatológicos (por exemplo, depressão, ansiedade e estresse) e o aumento do bem-estar durante o período de isolamento social causado pela dispersão da covid-19, a partir da combinação de estratégias para promover autocompaixão, criatividade, otimismo e bem-estar (por meio de práticas de meditação mindfulness, por exemplo). Ainda afirma que essas estratégias podem subsidiar intervenções nos mais diversos contextos, como no contexto clínico, separadamente, com pacientes, caso se perceba a importância de trabalhar uma ou duas delas com mais profundidade. Ademais, o público em geral pode recorrer a essas práticas como forma de manter a saúde mental e o bem-estar durante o isolamento social, uma vez que são de baixo custo, podem ser facilmente implementadas e por haver relativo desconhecimento de efeitos adversos28.

 

Uma pesquisa realizada em hospitais do Institut Curie em Paris demonstrou uma taxa de mortalidade pequena, mas não desprezível de 6,7% dos estudados (quatro indivíduos entre os 59 pacientes), os quais testaram positivo para o Sars-CoV-2 e possuíam diagnóstico de câncer de mama29. Essa taxa pode estar associada ao cumprimento dos procedimentos e cuidados quanto ao distanciamento social pelos pacientes com câncer, já que estes se enquadram no grupo de risco da covid-19.

 

Nesse sentido, o presente estudo foi realizado com 50 mulheres que são assistidas em um núcleo de reabilitação de uma universidade do interior do Estado de São Paulo. O núcleo oferece uma assistência integral de reabilitação emocional, física, espiritual e social de mulheres mastectomizadas, além de promover atividades de prevenção elaboradas por uma equipe multiprofissional.

 

Em indivíduos com câncer, uma rede de apoio formada por uma equipe multiprofissional e outros pacientes torna-se muito importante em momentos de crise e pode proporcionar melhora da autoestima e aumento da qualidade de vida, assim como ocorre com as participantes deste estudo no núcleo de reabilitação em que estão inseridas30,31.

 

O estudo foi realizado com um grupo de mulheres atendidas por um núcleo que presta assistência integral às acometidas pelo câncer de mama, logo, entende-se que há necessidade de estudar esse fenômeno em outros grupos ou abordar mulheres com câncer de mama que não fazem parte de nenhum grupo de reabilitação. O número de participantes também deve ser ampliado. O fato de o estudo ter sido realizado no início da pandemia pode ter um resultado diferente do que se teria em um período posterior.

 

 

CONCLUSÃO

Entre as mulheres aqui pesquisadas, os escores indicaram que não houve estresse pós-traumático decorrente do isolamento social exigido para a contenção da covid-19. Acredita-se que essa ocorrência seja em razão de já frequentarem um núcleo que objetiva oferecer-lhes reabilitação do câncer de mama nas esferas física, emocional, espiritual e psicossocial. Além disso, mesmo com o atendimento presencial interrompido, foi mantido o atendimento on-line, buscando apoiá-las por intermédio de uma equipe multiprofissional e de outras mulheres que pertencem ao núcleo, o qual proporciona continuidade de atividades, que antes eram promovidas presencialmente, em reuniões virtuais regulares.

 

Os resultados apontam alguns detalhes que merecem maior atenção, como é o caso das mulheres mais jovens e daquelas que fazem uso de antidepressivos. Desse modo, os serviços que prestam assistência integral às mulheres devem buscar estratégias de alívio de estresse para esse público-alvo.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

AGRADECIMENTOS

À enfermeira Dra. Miyeko Hayashida, que colaborou nas análises estatísticas.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Código de Financiamento 001.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 13/8/2021

Aprovado em 29/9/2021

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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