ARTIGO ORIGINAL

 

Conhecimento de Enfermeiros sobre o Manejo da Dor Oncológica

Nurses’ Knowledge about Cancer Pain Management

Conocimiento de Enfermeros sobre el Manejo del Dolor Oncológico

 

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n4.2552

 

Beatriz Uchoa Silva1; Eliane Muta Yoshioka2; Marina de Góes Salvetti3

 

1Fundação Antônio Prudente, Programa Multiprofissional em Oncologia. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: be.uchoasilva@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2843-8891

2A. C. Camargo Cancer Center, Educação Continuada. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: eliyoshiok@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-5542-4586

3Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: mgsalvetti@usp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4274-8709

 

Endereço para correspondência: Marina de Góes Salvetti. Avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 419 – Cerqueira César. São Paulo (SP), Brasil. CEP 05403-000. E-mail: mgsalvetti@usp.br

 

 

RESUMO

Introdução: A dor oncológica pode afetar o bem-estar físico, emocional e espiritual dos pacientes. O enfermeiro tem papel fundamental no controle desse sintoma, e a falta de conhecimento desse profissional pode ser uma barreira para o manejo adequado da dor. Objetivo: Avaliar o conhecimento de enfermeiros sobre manejo da dor oncológica e sua relação com variáveis sociodemográficas e de formação profissional. Método: Estudo descritivo transversal, realizado com enfermeiros de um Centro Oncológico no Estado de São Paulo. Os enfermeiros foram avaliados por meio de dois instrumentos para caracterização sociodemográfica/profissional e avaliação do conhecimento sobre manejo da dor no câncer, entre julho e setembro de 2019. Aplicaram-se os testes exato de Fisher e qui-quadrado de Pearson para avaliar a associação entre as variáveis. Resultados: Participaram do estudo 93 enfermeiros, predominantemente do sexo feminino (81,7%), católicos (36,6%), com média de seis anos de atuação profissional. Houve 50,5% de conhecimento inadequado sobre o manejo da dor oncológica e não se encontrou associação entre o conhecimento, as variáveis sociodemográficas e de formação profissional. Conclusão: Metade dos enfermeiros tem conhecimento inadequado sobre manejo da dor oncológica, e a falta de conhecimento não esteve associada às variáveis analisadas. Há necessidade de realizar intervenções educativas para melhorar o conhecimento dos enfermeiros e possivelmente aprimorar a assistência aos pacientes com dor oncológica.

Palavras-chave: dor do câncer; manejo da dor; enfermagem oncológica; cuidados de enfermagem.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Cancer pain can affect physical, emotional and spiritual well-being of patients. The nurse has a fundamental role in controlling this symptom and the lack of knowledge of this professional can be a barrier to an adequate pain management. Objective: To evaluate nurses' knowledge about cancer pain management and its relationship with sociodemographic and professional training variables. Method: Cross-sectional study conducted with nurses from an Oncology Clinic in São Paulo State who were assessed with two instruments for sociodemographic/professional characterization and knowledge about cancer pain management, between July and September 2019. Fisher's exact test and Pearson's chi-square test were used to assess the association between variables. Results: The study included 93 nurses, predominantly females (81.7%), Catholic (36.6%), with an average of six years of experience as a professional. There was 50.5% of inadequate knowledge about cancer pain management and no association was found between knowledge, sociodemographic and professional training variables. Conclusion: Half of the nurses have inadequate knowledge about cancer pain management and the lack of knowledge was not associated with the variables analyzed. It is necessary to carry out educational interventions to improve nurses’ knowledge and possibly the care to patients with cancer pain.

Key words: cancer pain; pain management; oncology nursing; nursing care.

 

 

RESUMEN

Introducción: El dolor por cáncer puede afectar el bienestar físico, emocional y espiritual de los pacientes. El enfermero tiene un papel fundamental en el control de este síntoma y el desconocimiento de este profesional puede ser una barrera para el adecuado manejo del dolor. Objetivo: Evaluar el conocimiento de los enfermeros sobre el manejo del dolor por cáncer y su relación con las variables sociodemográficas y de capacitación profesional. Método: Estudio transversal, realizado con enfermeros de un Centro de Oncología en el Estado de São Paulo que fueron evaluados utilizando dos instrumentos para la caracterización sociodemográfica/profesional y el conocimiento sobre el manejo del dolor por cáncer, entre julio y septiembre de 2019. Se aplicó la prueba exacta de Fisher y la prueba de chi-cuadrado de Pearson para evaluar la asociación entre variables. Resultados: El estudio incluyó a 93 enfermeros, predominantemente mujeres (81,7%), católicas (36,6%), con un promedio de seis años de experiencia profesional. Hubo un 50,5% de conocimiento inadecuado sobre el manejo del dolor por cáncer y no se encontró asociación entre el conocimiento y las variables sociodemográficas y de capacitación profesional. Conclusión: La mitad de las enfermeras tienen un conocimiento inadecuado sobre el manejo del dolor por cáncer y la falta de conocimiento no se asoció con las variables analizadas. Es necesario realizar intervenciones educativas para mejorar los conocimientos de las enfermeras y posiblemente mejorar la atención a los pacientes con dolor por cáncer.

Palabras clave: dolor en cáncer; manejo del dolor; enfermería oncológica; atención de enfermería.

 

 

INTRODUÇÃO

A dor é definida como “uma experiência sensorial e emocional desagradável associada ou semelhante àquela associada a dano real ou potencial ao tecido”1. Ou seja, é um fenômeno complexo e multidimensional, que pode ou não estar relacionado a danos teciduais reais, e é sempre uma experiência pessoal.

 

A dor relacionada ao câncer pode ocorrer em virtude de um tumor primário, metástases, radioterapia, quimioterapia e cirurgias2. Sua prevalência em nível mundial é alta, estima-se que 55% dos pacientes em tratamento antineoplásico tenham dor, 39,3% sintam dor após tratamento, e esse número aumenta para 66,4% na doença avançada, metastática ou terminal. Além disso, com relação à intensidade da dor, 38% dos pacientes queixam-se de dor moderada a grave3, representando impacto significativo na vida do indivíduo.

 

Além de ser muito frequente na doença oncológica, a dor gera custos com cuidados4, é um dos sintomas mais aterrorizantes para os pacientes e tem ação debilitante, pois pode afetar o bem-estar físico, emocional e espiritual, contribuindo para a redução da capacidade funcional, aumento de dependência, alterações de humor, distúrbio do sono, entre outros5.

 

Considerando que, em 80% a 90% dos casos, a dor no câncer pode ser aliviada com estratégias baseadas em evidências6 e que, como citado anteriormente, tem impacto negativo em diversos domínios (físico, emocional, psicológico e social), é extremamente importante intervir para o manejo adequado da dor.

 

O manejo da dor no câncer é uma das mais importantes dimensões do cuidado dos pacientes com câncer, em todos os estágios da doença7. A equipe de enfermagem é fundamental para o manejo e controle da dor oncológica e é geralmente a responsável por identificar, avaliar e notificar a dor. Além disso, o enfermeiro é quem organiza a terapêutica farmacológica, prescreve as intervenções não farmacológicas e avalia seus efeitos8.

 

A falta de conhecimento do profissional de saúde com relação à dor no câncer pode ser uma barreira importante para o manejo adequado da dor, contribuindo para ampliar o sofrimento e a angústia dos pacientes9. Assim, é importante avaliar o conhecimento dos enfermeiros sobre o manejo da dor, para identificar lacunas e oferecer subsídios para estratégias de educação sobre dor, que podem impactar positivamente a qualidade de vida do paciente com câncer, por meio do manejo efetivo da dor10,11.

 

Diante desse cenário, será que enfermeiros que atuam em unidades de internação de um Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) apresentam conhecimento adequado sobre o manejo da dor oncológica?

 

O objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento de enfermeiros sobre manejo da dor oncológica e sua relação com variáveis sociodemográficas e de formação profissional.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo transversal com abordagem quantitativa, realizado em unidades de internação destinadas a adultos em um Cacon no Estado de São Paulo, que presta assistência tanto para pacientes provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto para o sistema de saúde privado.

 

Foram incluídos enfermeiros que atuavam na assistência em unidades de internação por no mínimo três meses e excluídos os enfermeiros afastados de suas atividades por alguma licença (maternidade, paternidade ou auxílio doença) durante o período da coleta de dados. A população em estudo contava com 119 enfermeiros e todos foram convidados para participar.

 

A coleta de dados ocorreu de julho a setembro de 2019, os participantes foram convidados pela pesquisadora no próprio setor onde atuava e, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), receberam os instrumentos de forma impressa para respondê-los individualmente, sem a interferência dos pesquisadores. A identidade dos participantes foi preservada e apenas os pesquisadores puderam acessar esses registros.

 

Foram utilizados dois instrumentos: Questionário de caracterização, composto por questões de caracterização sociodemográfica e profissional do participante; e Questionário para avaliar o conhecimento do Enfermeiro sobre o manejo da dor no câncer, denominado “Conhecimento do enfermeiro sobre o manejo da dor no câncer – OMS”. Esse instrumento foi desenvolvido em uma dissertação de mestrado12 a partir das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para controle da dor no câncer13, que visam a melhorar a qualidade de vida dos pacientes com essa dor.

 

O Questionário utilizado para avaliar o conhecimento dos enfermeiros é de autorrelato, composto por 24 itens de escala tipo Likert, distribuídos em três domínios (avaliação da dor, estratégias de controle e cuidado contínuo). Cada domínio possui oito itens e cada item é pontuado conforme segue: sempre = 4,16 pontos; às vezes =1,04 pontos e nunca = 0. As questões presentes em cada domínio foram formadas com base nas seguintes recomendações da OMS13 para uma avaliação adequada da dor e seu manejo: acreditar na queixa de dor do paciente, avaliar a gravidade da dor, avaliar o estado psicológico do paciente, fazer um histórico detalhado da queixa de dor, fazer um exame físico cuidadoso, analisar todos os itens necessários para investigação diagnóstica, considerar métodos alternativos de controle da dor, avaliar o nível de controle da dor após o início do tratamento, determinar a dose do analgésico individualmente, saber que o uso de medicação oral é preferível e que as drogas adjuvantes são necessárias em alguns pacientes, tratar a insônia e os efeitos colaterais, monitorar o progresso do paciente, assegurar o bem-estar total do paciente e sua família (fisicamente, psicologicamente, espiritualmente e socialmente), cuidar do paciente desde o diagnóstico até os estágios finais da doença, promover um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viver o mais ativamente possível.

 

As pontuações dos domínios variam entre 0 e 33,28 pontos e a pontuação total varia entre 0 e 100 pontos. O ponto de corte para a pontuação total é de 67 pontos, sendo 22,4 pontos para os domínios avaliação da dor e cuidado contínuo e 22 pontos para o domínio estratégias de controle da dor, ou seja, valores menores que estes são considerados conhecimento inadequado.

 

As variáveis do estudo foram: dados sociodemográficos e profissionais (idade, sexo, religião, formação profissional e experiência profissional), conhecimento sobre manejo da dor, além de fatores que podem influenciar o conhecimento da dor (fontes de informação sobre a dor oncológica e opinião sobre o seu tratamento com uso de analgésicos opioides).

 

Os dados, obtidos por meio dos dois instrumentos mencionados, foram armazenados na plataforma REDCap14 para maior segurança dos dados e sua posterior exportação para o software de análise estatística.

 

A análise descritiva das variáveis foi apresentada por meio de frequência absoluta e relativa, média, desvio-padrão, mediana, valores mínimo e máximo. Para avaliar a associação entre variáveis qualitativas e as variáveis do questionário de conhecimento do enfermeiro, foi utilizado o teste exato de Fisher ou o teste qui-quadrado de Pearson. As análises estatísticas foram realizadas por meio do software IBM SPSS® versão 25. Foram considerados significativos valores de p<0,05.

 

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital onde foi realizado o estudo sob o número de Parecer 2735/19 (CAAE: 14972719.6.0000.5432).

 

RESULTADOS

Participaram do estudo 93 enfermeiros, com predomínio do sexo feminino (81,7%), e idade média de 34,4 anos (Tabela 1).

 

Tabela 1. Características sociodemográficas e profissionais dos enfermeiros. São Paulo, SP, 2019

Variáveis

N (%)

Média (Desvio-padrão)

Sexo

 

 

Feminino

76 (81,7)

Masculino

17 (18,3)

Idade (anos)

 

 

20 a 29

29 (31,2)

34,4 (7,3)

30 a 39

39 (41,9)

40 a 49

23 (24,7)

50 a 59

2 (2,2)

Religião

 

 

Catolicismo

34 (36,6)

Protestantismo

26 (28,0)

Espiritismo

12 (12,9)

Não tem religião

10 (10,8)

Outros

11 (11,8)

Graduação

 

 

Universidade privada

92 (98,9)

---

Universidade pública

1 (1,1)

---

Tempo de Formado(a)

 

 

Até 7 anos

52 (55,9)

87,72 (55,2)

Mais do que 7 anos

41 (44,1)

Tempo de atuação profissional

 

 

Até 6 anos

48 (51,6)

76,2 (55,9)

Mais que 6 anos

45 (48,4)

Tempo de atuação como enfermeiro em uma unidade de internação adulto dessa Instituição

 

 

Até 5 anos

52 (55,9)

63,3 (51,5)

Mais de 5 anos

41 (44,1)

Pós-graduação

 

 

 

Concluída

64 (68,8)

 

Em andamento

20 (21,5)

 

Sem pós-graduação

9 (9,7)

 

 

 

Em relação às áreas de pós-graduação mais frequentes, os enfermeiros relataram oncologia (69,1%), seguida de gestão em saúde (14,3%) e urgência e emergência (13,1%).

 

Quanto aos treinamentos realizados, a maioria dos enfermeiros (94,6%) afirmou ter participado de treinamentos recentes sobre manejo de dor oncológica. Em relação ao tratamento da dor oncológica, 98,9% afirmaram acreditar na possibilidade de controlar a dor e 98,9% foram favoráveis à administração de analgésicos opioides, quando necessário.

 

A análise do conhecimento sobre o manejo da dor no câncer entre os enfermeiros mostrou 50,5% de conhecimento inadequado ou insuficiente (Tabela 2).

 

Tabela 2. Conhecimento dos enfermeiros sobre o manejo da dor no câncer, segundo os escores obtidos. São Paulo, SP, 2019

Conhecimento sobre manejo da dor oncológica

n (%)

Média (desvio-padrão)

Mediana

Mínimo

Máximo

Adequado (>=66,6)

46 (49,5)

76,5 (6,6)

75,4

67,6

89,4

Inadequado (<66,6)

47 (50,5)

56,4 (8,9)

59,3

34,3

66,5

 

 

 

Os enfermeiros que apresentaram conhecimento adequado sobre manejo da dor tiveram média de conhecimento superior não só no escore geral, mas também em todos os domínios (avaliação da dor, estratégias de controle e cuidado contínuo), se comparados aos que apresentaram conhecimento inadequado (p<0,05).

 

A Tabela 3 mostra que não se observou associação entre as características sociodemográficas e conhecimento sobre manejo da dor.

 

Tabela 3. Comparação do conhecimento dos enfermeiros sobre o manejo da dor, segundo características sociodemográficas. São Paulo, SP, 2019

Variáveis

Conhecimento adequado

Conhecimento inadequado

Total

Valor de p

n (%)

n (%)

n (%)

Sexo

 

 

 

 

Feminino

39 (84,8)

37 (78,7)

76 (81,7)

0,626

Masculino

7 (15,2)

10 (21,3)

17 (18,3)

Faixa etária

 

 

 

 

20 a 29

10 (21,7)

19 (40,4)

29 (31,2)

0,086

30 a 39

23 (50)

16 (34)

39 (41,9)

40 a 49

13 (28,3)

10 (21,3)

23 (24,7)

50 a 59

0 (0)

2 (4,2)

2 (2,2)

Religião

 

 

 

 

Catolicismo

20 (43,5)

14 (29,8)

34 (36,6)

0,576

Protestantismo

12 (26,1)

14 (29,8)

26 (28)

Espiritismo

6 (13)

6 (12,8)

12 (12,9)

Não tenho religião

3 (6,5)

7 (14,9)

10 (10,8)

Outros

5 (10,9)

6 (12,8)

11 (11,8)

 

 

 

A Tabela 4 mostra que também não houve associação entre o conhecimento sobre manejo da dor oncológica e as variáveis de formação e experiência profissional.

 

Tabela 4. Comparação do conhecimento dos enfermeiros sobre o manejo da dor, segundo características profissionais. São Paulo, SP, 2019

Variáveis

Conhecimento adequado

Conhecimento inadequado

Total

Valor de p

n (%)

n (%)

n (%)

Graduação

 

 

 

 

Universidade pública

0 (0)

1 (2,1)

1 (1,1)

1

Universidade privada

46 (100)

46 (97,9)

92 (98,9)

Pós-graduação

 

 

 

 

Concluída

30 (65,2)

34 (72,3)

64 (68,8)

0,223

Em andamento

13 (28,3)

7 (14,9)

20 (21,5)

Sem pós-graduação

3 (6,5)

6 (12,8)

9 (9,7)

Área pós-graduação*

 

 

 

 

Oncologia

31 (53,4)

27 (46,6)

58 (100)

0,438

Urgência e emergência

4 (36,4)

7 (63,6)

11 (100)

0,546

Terapia intensiva

2 (50)

2 (50)

4 (100)

1

Outros

19 (59,4)

13 (40,6)

32 (100)

0,243

Tempo de formado

 

 

 

 

Até 7 anos

23 (50)

29 (61,7)

52 (55,9)

0,354

Mais que 7 anos

23 (50)

18 (38,3)

41 (44,1)

Tempo de atuação profissional

 

 

 

 

Até 6 anos

23 (50)

25 (53,2)

48 (51,6)

0,920

Mais que 6 anos

23 (50)

22 (46,8)

45 (48,4)

Tempo de atuação como enfermeiro em uma unidade de internação dessa Instituição

 

 

 

 

Até 5 anos

26 (56,2)

26 (55,3)

52 (55,9)

1

Mais de 5 anos

20 (43,5)

21 (44,7)

41 (44,1)

(*) Pode haver mais de uma resposta para o mesmo participante.

 

 

Analisou-se também a possível relação entre conhecimento do manejo da dor e o treinamento institucional, fontes de informação e opinião dos participantes a respeito do uso de opioides para tratamento da dor. Não se observou, no entanto, associação significativa entre essas variáveis, conforme a Tabela 5.

 

Tabela 5. Conhecimento do enfermeiro sobre manejo da dor, segundo treinamento institucional, fontes de informação e opinião acerca da dor oncológica e seu tratamento. São Paulo, SP, 2019

Variáveis

Conhecimento adequado

Conhecimento inadequado

Total

Valor de p

n (%)

n (%)

n (%)

Treinamento sobre manejo de dor oncológica na Instituição?

 

 

 

 

Sim

45 (97,8)

43 (91,5)

88 (94,6)

0,361

Não

1 (2,2)

4 (8,5)

5 (5,4)

Há quanto tempo?

 

 

 

 

<2 meses

23 (52,3)

17 (42,5)

40 (47,6)

0,498

>2 meses

21 (47,7)

23 (57,5)

44 (52,4)

Fontes de informação sobre dor oncológica*

 

 

 

 

Curso de graduação

17 (54,8)

14 (45,2)

31 (100)

0,608

Curso de pós-graduação

24 (53,3)

21 (46,7)

45 (100)

0,606

Treinamento de manejo de dor

43 (50)

43 (50)

86 (100)

1

Curso de atualização em eventos

12 (63,2)

7 (36,8)

19 (100)

0,28

Prática profissional

35 (46,7)

40 (53,3)

75 (100)

0,402

Tratamento da dor oncológica

 

 

 

 

A dor oncológica é intratável

0 (0)

1 (2,1)

1 (1,1)

1

É possível controlar a dor oncológica

46 (100)

46 (97,9)

92 (98,9)

Uso de opioide para alívio da dor no câncer

 

 

 

 

Os opioides, quando prescritos, devem ser utilizados

46 (100)

46 (97,9)

92 (98,9)

1

Os opioides devem ser evitados ao máximo

0 (0)

1 (2,1)

1(1,1)

(*) Pode haver mais de uma resposta para o mesmo participante.

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo investigou o conhecimento de enfermeiros sobre manejo da dor oncológica e analisou sua relação com variáveis sociodemográficas e de formação profissional. Observou-se predomínio de enfermeiros formados em universidades particulares e com pós-graduação, principalmente na área da oncologia. A maior parte dos enfermeiros referiu ter participado de treinamento sobre manejo da dor oncológica. Apesar disso, metade dos enfermeiros apresentou conhecimento inadequado sobre o manejo da dor oncológica, segundo o instrumento “Conhecimento do enfermeiro sobre o manejo da dor no câncer – OMS”12.

 

O nível de conhecimento dos enfermeiros desta pesquisa foi discretamente melhor ao observado em um estudo realizado com enfermeiros-residentes15, que utilizou o mesmo instrumento de avaliação e mostrou conhecimento inadequado em 68,2% dos participantes, e que esteve associado ao tempo de formação profissional.

 

Por outro lado, o nível de conhecimento dos participantes do presente estudo foi pouco inferior ao dos enfermeiros de um Cacon no Estado do Rio de Janeiro, em que a maioria (54%) apresentou conhecimento adequado e esteve associado ao tempo de experiência profissional e idade16.

 

Quando comparados a estudos internacionais, nota-se que o instrumento mais utilizado para avaliar o conhecimento do enfermeiro sobre manejo da dor é o Knowledge and Attitudes Survey Regarding Pain (KASRP)17, ainda não validado no Brasil, que tem seu conteúdo derivado também de recomendações e guidelines da OMS (além da American Pain Society e do National Comprehensive Cancer Network) e avalia o conhecimento e atitudes dos profissionais em relação à dor. Apesar de não haver uniformidade de instrumentos utilizados para essa finalidade, uma revisão sistemática10 enfatizou que, na maioria dos estudos, os enfermeiros apresentaram conhecimento baixo ou moderado sobre o manejo da dor no câncer, o que demonstra que o conhecimento desse profissional, em diferentes contextos, ainda é deficiente e precisa ser aprimorado.

 

Tendo em vista essa falta de conhecimento, muitos estudos apontam que as iniciativas educativas podem melhorar o conhecimento do enfermeiro sobre manejo da dor, o que deve refletir em melhores práticas de controle da dor18,19.

 

Com relação ao tratamento da dor oncológica, 98,9% dos participantes do presente estudo acreditam que é possível controlar a dor oncológica e que os opioides devem ser administrados quando prescritos. Esse é um resultado favorável, visto que uma das barreiras relacionadas ao enfermeiro para o manejo adequado da dor é o medo do vício, da tolerância e/ou efeitos colaterais dos opioides, o que, muitas vezes, provoca relutância em administrá-los20.

 

Os achados deste estudo não mostraram associação significativa entre o nível de conhecimento e as variáveis sociodemográficas e de formação profissional. Alguns estudos encontraram relação significativa entre o nível de conhecimento e as seguintes variáveis: trabalhar na equipe da dor, participar de cursos relacionados ao manejo da dor, maior tempo de experiência profissional, profissionais mais velhos e o local de trabalho16,21,22, divergindo dos resultados deste estudo.

 

Uma pesquisa desenvolvida nos Emirados Árabes Unidos23 corrobora os resultados deste estudo, uma vez que também não encontrou associação entre o nível de conhecimento e as variáveis sociodemográficas e de formação analisadas.

 

Apesar da taxa elevada de conhecimento inadequado ou insuficiente sobre manejo da dor observada nesta pesquisa, a maioria dos participantes relatou ter recebido treinamentos institucionais sobre o tema. Não se encontrou, no entanto, associação significativa entre a presença de treinamentos e o nível de conhecimento, reforçando a necessidade de abordagens educacionais mais eficazes para capacitar os enfermeiros sobre o manejo adequado da dor.

 

Os resultados indicaram importante déficit de conhecimento sobre manejo da dor oncológica entre enfermeiros que atuam em um Cacon, sugerindo a necessidade de intervenções educativas mais eficazes para aprimorar os conhecimentos e as estratégias usadas pelos enfermeiros para manejo da dor.

 

Como limitações do estudo, é importante destacar alguns aspectos: a amostra foi proveniente de apenas uma instituição e o instrumento utilizado para avaliar o conhecimento, apesar de ter sido submetido à validação de conteúdo por especialistas e utilizado em outros estudos nacionais para avaliação do conhecimento do enfermeiro sobre o manejo da dor, não teve suas propriedades psicométricas bem estabelecidas quando construído.

 

Em relação às contribuições do presente estudo, ressalta-se que identificar o nível de conhecimento do enfermeiro sobre o manejo da dor oncológica foi importante para indicar a necessidade de capacitá-los, objetivando posteriormente melhorar a assistência ao paciente com câncer, impactar positivamente a sua qualidade de vida, além de reduzir os custos com assistência à saúde.

 

CONCLUSÃO

Metade dos enfermeiros tem conhecimento inadequado sobre manejo da dor no câncer. A falta de conhecimento não esteve associada a variáveis sociodemográficas e de formação profissional analisadas.

 

Esses achados indicam a necessidade de realizar intervenções educativas direcionadas aos enfermeiros, para melhorar o conhecimento sobre manejo da dor e possivelmente aprimorar a assistência prestada ao paciente com dor oncológica.

 

Intervenções educativas direcionadas aos enfermeiros podem incluir atualizações periódicas no local de trabalho sobre a avaliação e o manejo da dor oncológica, simulações realísticas, aulas com metodologias ativas de ensino e avaliação pré e pós-teste, discussões de casos clínicos, entre outras.

 

Novos estudos devem investigar quais as melhores estratégias de intervenções educacionais para aprimorar o conhecimento e as práticas dos enfermeiros no manejo da dor oncológica.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Beatriz Uchoa Silva contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados, assim como na redação e revisão crítica. Eliane Muta Yoshioka contribuiu na redação e revisão crítica. Marina de Góes Salvetti contribuiu na interpretação dos dados, redação e revisão crítica. Todas as autoras aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

1. International Association for the Study of the Pain [Internet]. Washington: IASP; c2021. Terminology: pain terms and definitions; [cited 2021 Feb 10]; [about 2 screens]. Available from: https://www.iasp-pain.org/resources/terminology/#pain

2. Parravano D, Rodrigues ALL. Tipos de dor. In: Morete MA, Brandão E, organizadoras. Gerenciamento da dor e a enfermagem. São Paulo: Casa do Novo Autor; 2017. p. 58-63.

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Recebido em 26/1/2022

Aprovado em 21/6/2022

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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