RELATO DE CASO
Tumor Fibroso Solitário Primário em Região Pélvica: Relato de Caso
Primary Solitary Fibrous Tumor in Pelvic Region: Case Report
Tumor Fibroso Solitario Primario en la Región Pélvica: Relato de Caso
doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n4.2560
Artur Lício Rocha Bezerra1; Tobias Mosart Sobrinho2
1,2Universidade de Pernambuco. Recife (PE), Brasil.
1E-mail: artur.licio@terra.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9822-3007
2E-mail: tobias.mosart@upe.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-4405-5989
Endereço para correspondência: Tobias Mosart Sobrinho. Rua Cel. Urbano Ribeiro Sena, 990, Torres do Capibaribe 1, apto. 410, bloco Baobá – Campina do Barreto. Recife (PE), Brasil. CEP 52121-015. E-mail: tobias.mosart@upe.br
RESUMO
Introdução: O tumor fibroso solitário é uma neoplasia mesenquimal rara, originada de células intersticiais dendríticas CD34 positivas e composta pela justaposição de células fusiformes. Os casos iniciais foram primariamente descritos na região torácica, e o principal sítio, a pleura visceral. Raramente são descritos casos de tumor fibroso solitário extrapleural em região pélvica, demonstrando a possibilidade de múltiplas sítios primários. Relato do caso: Paciente de 38 anos, sexo feminino, previamente saudável e assintomática, procurou orientação médica após uma ultrassonografia pélvica de rotina evidenciar uma imagem heterogênea na região anexial direita, paraovariana, sendo submetida à ressecção cirúrgica da lesão, com diagnóstico de tumor fibroso solitário confirmado por imuno-histoquímica. Discutem-se os aspectos do diagnóstico imuno-histoquímico e do tratamento cirúrgico. Conclusão: Os casos de tumor fibroso solitário em região pélvica podem ser descobertos por meio de ultrassonografia pélvica de rotina. O tratamento cirúrgico, com ressecção ampliada e margens negativas, deve ser o principal objetivo nos casos de tumor fibroso solitário em região pélvica. A obtenção de amostras para análise imuno-histoquímica é recomendada, e a positividade para CD34 e STAT6 aponta o diagnóstico. Recidivas podem ocorrer em até uma década de seguimento, sendo recomendado período longo de acompanhamento pós-cirúrgico.
Palavras-chave: tumores fibrosos solitários; neoplasias pélvicas; relatos de casos.
ABSTRACT
Introduction: Solitary fibrous tumor is a rare mesenchymal neoplasm, originated from CD34-positive interstitial dendritic cells and composed by the juxtaposition of spindle cells. Initial cases were primarily described in the thoracic region, the main site being the visceral pleura. However, cases of solitary extra-pleural fibrous tumors have already been described in the pelvic region demonstrating the possibility of multiple primary sites. Case report: A 38-year-old female patient, previously healthy and asymptomatic, seeks medical advice after a routine pelvic ultrasound that showed a heterogeneous image in the right adnexal region, paraovarian, being submitted to surgical resection of the lesion with a diagnosis of solitary fibrous tumor confirmed by immunohistochemistry. Aspects of immunohistochemical diagnosis and surgical treatment were discussed. Conclusion: Cases of solitary fibrous tumor in the pelvic region can be discovered through routine pelvic ultrasound. Surgical treatment, with extended resection and negative margins, should be the main objective in cases of solitary fibrous tumor in the pelvic region. Obtaining samples for immunohistochemical analysis is recommended and positivity for CD34 and STAT6 discloses the diagnosis. Relapses can occur in up to a decade of follow-up, and a long period of post-surgical follow-up is recommended.
Key words: solitary fibrous tumors; pelvic neoplasms; case reports.
RESUMEN
Introducción: El tumor fibroso solitario es una neoplasia mesenquimatosa rara, originada a partir de células dendríticas intersticiales CD34 positivas y compuesta por la yuxtaposición de células fusiformes. Los casos iniciales se describieron principalmente en región torácica, siendo el sitio principal la pleura visceral. Sin embargo, ya se han descrito los casos de tumores fibrosos extrapleurales solitarios, como en la región pélvica. Relato del caso: Paciente femenina de 38 años, previamente sana y asintomática, acude al médico luego de una ecografía pélvica de rutina que mostró una imagen heterogénea en región anexial derecha, para ovárica. La paciente fue tratada con resección quirúrgica de la lesión y tuvo el diagnóstico de tumor fibroso solitario confirmado por inmunohistoquímica. Se discuten aspectos del diagnóstico inmunohistoquímico y del tratamiento quirúrgico. Conclusión: Los casos de tumor fibroso solitario en la región pélvica se pueden descubrir mediante una ecografía pélvica de rutina. El tratamiento quirúrgico, con resección ampliada y márgenes negativos, debe ser el principal objetivo en los casos de tumor fibroso solitario en la región pélvica. Se recomienda obtener muestras para análisis inmunohistoquímico y la positividad para CD34 y STAT6 apunta al diagnóstico. Las recaídas pueden ocurrir hasta en una década de seguimiento, y se recomienda un largo período de seguimiento posquirúrgico.
Palabras clave: tumores fibrosos solitarios; neoplasias pélvicas; informes de casos.
INTRODUÇÃO
Os tumores fibrosos solitários (TFS) são neoplasias mesenquimais raras, originadas de células intersticiais dendríticas CD34 positivas e compostas pela justaposição de células fusiformes, e apresentam densa angiogênese1.
Embora em sua maioria os TFS sejam benignos, 15% podem ter histologia maligna, caracterizada por hipercelularidade, >4 mitoses por campo, pleomorfismo celular e necrose. São mais comuns entre a quinta e sexta décadas de vida, mas podem acometer pessoas de qualquer idade1.
Os TFS foram primariamente descritos na pleura visceral2. No entanto, já foram descritos casos de TFS extrapleurais em regiões de meninge3, pélvis4, ossos5, vesícula seminal6, entre outros. Os TFS que ocorrem na pélvis parecem ter um comportamento clínico mais agressivo do que aqueles originados na pleura, são associados a maiores dimensões, e o risco de malignidade é relativamente maior, principalmente nos tumores maiores do que 10 cm7,8.
De modo geral, é uma neoplasia de incidência similar em ambos os sexos e a maioria dos pacientes encontra-se na faixa etária ampla de 20 a 70 anos de idade, sendo o tratamento de escolha a ressecção cirúrgica2.
Em uma análise retrospectiva em um grande centro de tratamento oncológico brasileiro, no período de 1971 a 2017, foram descritos 87 casos de pacientes com diagnóstico de TFS; destes, 10% de sítio primário em região pélvica9. Ao realizar busca na literatura por meio do PubMed com os termos solitary fibrous tumor e case report, de 2017 a 2022, foram descritos 20 trabalhos relatando casos de TFS em região pélvica em países europeus, asiáticos e norte-americanos, sendo a investigação geralmente iniciada a partir de um achado incidental após ultrassonografia ou tomografia de região pélvica e o diagnóstico estabelecido após análise imuno-histoquímica da peça cirúrgica ressecada1,2,4,5.
Este relato descreve um caso brasileiro de uma paciente do sexo feminino, de 38 anos, saudável e assintomática, que procura orientação médica após uma ultrassonografia pélvica de rotina evidenciar uma imagem heterogênea na região anexial direita, paraovariana, sendo submetida à ressecção cirúrgica da lesão e confirmação imuno-histoquímica de TFS. Com isso, objetiva-se demonstrar o quadro clínico inicial, o diagnóstico e o tratamento da paciente, da suspeita ao diagnóstico do TFS ressecável em região pélvica, contribuindo para o manejo adequado dessa neoplasia rara.
RELATO DO CASO
Paciente de 38 anos, sexo feminino, previamente hígida, buscou consulta médica após realizar ultrassonografia pélvica de rotina que mostrou imagem heterogênea complexa na região anexial direita, paraovariana, sólido-cística, limites regulares e bem definidos, medindo cerca de 4,1x3,2x2,7 cm. Útero e ovários normais.
O exame físico, incluindo toque vaginal e retal, evidenciava tumoração palpável na escavação pélvica à direita, a 1/3 superior da vagina, limites precisos, pouco móvel. Não havia infiltração de parede vaginal.
Foi solicitada ressonância magnética pélvica com identificação de lesão cística multisseptada bem delimitada no lado direito do assoalho pélvico, em íntimo contato com a parede posterolateral direita da bexiga, sem sinais de comprometimento dessa estrutura. Os septos eram espessos e irregulares, exibindo realce pelo contraste paramagnético. A lesão media cerca de 4,2x3,2x3,1 cm (vol.: 21,6 cm³). Exibiu hipossinal no T1 e hipersinal no T2-C1 e difusão sem componente de gordura ou conteúdo hemático (Figura 1A, B, C). Ultrassonografia de abdômen superior não demonstrou alterações, assim como exames laboratoriais.
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Figura 1. (A) Ressonância magnética nuclear de região pélvica – corte coronal; (B) Ressonância magnética nuclear de região pélvica – corte axial; (C) Ressonância magnética nuclear de região pélvica – corte sagital |
Nota: Identificou-se, em cortes coronal (a), axial (b) e sagital (c), lesão cística multisseptada bem delimitada no lado direito do assoalho pélvico, em íntimo contato com a parede posterolateral direita da bexiga, sem sinais de comprometimento dessa estrutura. |
A paciente foi submetida à laparotomia exploradora com abordagem do espaço retrovesical e paravesical à direita onde foi identificada e ressecada tumoração sólida, cerca de 4x4 cm, facilmente sangrante, que foi dissecada em toda a sua extensão e que não infiltrava parede vesical (Figura 2). Foi realizado exame histopatológico por congelação que sugeriu benignidade, mas foi inconclusivo sobre a histogênese. A paciente evoluiu sem intercorrências no pós-operatório.
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Figura 2. Tumor paravesical
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A análise histológica evidenciou uma neoplasia mesenquimal de células fusiformes, curtas e epitelioides com predominância de agrupamentos sólidos hipercelulares focalmente associados a um estroma colagênico e a um componente vascular com canais ectásicos arredondados ou angulados. Foram evidenciadas, também, aberturas estromais pseudoangiomatosas de aspecto cístico, duas mitoses em dez campos de grande aumento (CGA), e não foram encontradas áreas de necrose.
A imuno-histoquímica (Quadro 1) revelou que as células tumorais eram reativas para CD34 (Figura 3) e STAT6 (Figura 4); positivas com intensidade variável para receptor de estrogênio; e positivas difusamente para receptores de progesterona. Como conclusão, a neoplasia apresenta características morfológicas sobreponíveis entre diferentes entidades de histogênese fibroblástica CD34 reagente. No entanto, o encontro de expressão nuclear forte e extensa de STAT6 é um fator conclusivo entre o diagnóstico diferencial, indicando a classificação de TFS benigno, visto que não foram observados critérios de malignidade na amostra. A expressão de receptores hormonais é inespecífica nesse contexto.
Quadro 1. Imuno-histoquímica – Marcadores versus expressão |
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(*) Não houve controle interno positivo ou validação do resultado posteriormente.
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Figura 3. Análise imuno-histoquímica para CD34 |
Nota: As células tumorais foram positivas difusamente para CD34. |
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Figura 4. Análise imuno-histoquímica para STAT6 |
Nota: As células tumorais foram positivas difusamente para STAT6. |
O estudo encontra-se em conformidade com as resoluções vigentes (Resolução n.º 466/1210, Norma Operacional n.º 001/13 CNS-MS11), e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos do Hospital Universitário Oswaldo Cruz/Pronto-Socorro Cardiológico Universitário de Pernambuco – Professor Luiz Tavares (Procape), sob o número de parecer 5.198.756 (CAAE: 54115721.9.0000.5192). Também foi obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pela paciente.
DISCUSSÃO
O TFS é uma neoplasia rara, primeiramente descrita por Klemperer e Robin8 em 1931. Embora os TFS tenham sido inicialmente limitados à cavidade pleural, hoje existem relatos dessas lesões em cabeça e pescoço, extremidades, mediastino, cavidade abdominal e pélvica1-3.
Os TFS são usualmente observados em pessoas de ambos os sexos, entre 20 e 70 anos, com pico de incidência na quinta e sexta décadas de vida3,4.
A maioria dos TFS é benigna, mas pode haver um comportamento maligno, agressivo em cerca de 10% a 15% dos casos. É caracterizado como neoplasia de partes moles, de origem fibroblástica ou miofibroblástica, com comportamento biológico intermediário, raramente metastático; por isso, se justifica sempre a ressecção cirúrgica adequada e boa análise histopatológica e imuno-histoquímica1.
A fusão das proteínas NAB2 e STAT6 é usada como marcador biológico do TFS, além de se relacionar com a iniciação tumoral. O tratamento desses tumores envolve ressecção cirúrgica, quando possível, ou administração de inibidores de tirosina quinase, como o PDGFR e o VEGFR12.
Em revisão de literatura, Magro et al.13 encontraram 87 casos de TFS pélvicos, sendo 63 benignos (72,4%) e 24 (27,6%) malignos. Os tumores com comportamento agressivo podem apresentar recidiva local ou metástases a distância muitos anos após o tratamento inicial. Os principais sítios de metástases são pulmões, fígado e ossos. Tumores grandes (maiores do que 10 cm) e margens cirúrgicas comprometidas são fatores prognósticos desfavoráveis1.
O presente caso relata um TFS na cavidade pélvica, o que é ainda mais raro. Os sintomas nas lesões pélvicas, quando existem, geralmente são secundários à compressão da bexiga e/ou reto. A paciente, no entanto, não apresentava quaisquer sintomas e foi investigada após ultrassonografia de rotina evidenciar massa paravesical. Conforme demonstrado por Chick et al.14, os achados radiológicos dos TFS em tomografia computadorizada são inespecíficos, frequentemente evidenciando massas nodulares com bordos bem circunscritos.
Embora o diagnóstico pré-operatório desses tumores seja desejável, pois permitiria diferenciá-los de outros tumores estromais, a realização de punções, principalmente com agulha fina, é bastante discutida em diversos tumores em virtude da amostra pequena de tecido15,16.
Em tumores ressecáveis, opta-se pela ressecção cirúrgica com obtenção de margens negativas17. A paciente deste estudo foi operada por laparotomia por meio de incisão transversa suprapúbica, com ressecção completa da lesão em margens negativas.
Os TFS são facilmente sangrantes, principalmente os de maior tamanho (5 a 10 cm), o que pode tornar a abordagem cirúrgica tecnicamente difícil18,19. Yokoyama et al.20 relatam o caso de um TFS gigante da pélvis tratado com sucesso após embolização pré-operatória de artérias nutridoras da lesão. No presente caso, embora se tenha notado um tumor vascularizado, com sangramento local ao toque, houve controle da hemostasia sem necessidade de embolização pré-operatória. A paciente evoluiu sem intercorrências e teve alta hospitalar no segundo dia pós-operatório.
A maioria dos TFS evolui de maneira indolente e não recidiva ou metastiza. Existem, no entanto, relatos de recidiva entre 10% a 25% dos tumores pleurais em até dez anos de seguimento1. As razões para um comportamento mais agressivo de certos TFS são desconhecidas, e o valor prognóstico de alguns biomarcadores como NAB2 e STAT6 está sendo estudado para auxílio da prática clínica, porém ainda não foi estabelecido valor prognóstico claro do seu uso21. Em razão da raridade e da ausência de ensaios clínicos randomizados, ainda não existe consenso global sobre o tratamento adjuvante com radioterapia e/ou quimioterapia para esses tumores9.
A paciente da presente investigação encontra-se assintomática após nove meses de acompanhamento, tempo de seguimento ainda breve em comparação com a literatura, que cita a possibilidade de recidivas tumorais em longo prazo1.
CONCLUSÃO
O caso demonstra que o TFS em região pélvica, por ser uma entidade rara, pode ser um achado incidental em ultrassonografia de rotina, e sua sintomatologia está relacionada com efeitos tumorais locais. A análise imuno-histoquímica foi o método mais específico para o diagnóstico tumoral, principalmente na vigência de positividade para CD34 e STAT6, sendo recomendada sua realização. O tratamento cirúrgico, com ressecção ampliada e margens negativas, foi exitoso para o caso e deve ser o principal objetivo para tratamento e diagnóstico histopatológico de pacientes com tumores ressecáveis. Embolização pré-operatória de artérias que nutrem o tumor já foi descrita, porém não foi necessária para o caso. A paciente evoluiu sem intercorrências, obtendo alta hospitalar no segundo dia pós-operatório, se mantendo sem recidiva tumoral em nove meses de seguimento. Porém, o seguimento contínuo desses pacientes faz-se necessário em virtude de relatos de ocorrência de recidivas em longo prazo em até dez anos após ressecção cirúrgica.
CONTRIBUIÇÕES
Ambos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Não há.
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Recebido em 7/2/2022
Aprovado em 24/8/2022
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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