ARTIGO DE OPINIÃO

 

 

Contribuições de Documentos Orientadores para a Promoção da Atividade Física no Sistema Único de Saúde na Prevenção e no Controle de Câncer

Contributions of Guiding Documents for the Promotion of Physical Activity in the National Health System for Cancer Prevention and Control

Aportes de Documentos Orientadores para la Promoción de la Actividad Física en el Sistema Único de Salud en la Prevención y Control del Cáncer

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n3.2664

 

Fabio Fortunato Brasil de Carvalho1; Bruna Pitasi Arguelhes2; Luciana Grucci Maya Moreira3; Ronaldo Correa Ferreira da Silva4; Thainá Alves Malhão5; Maria Eduarda Leão Diogenes Melo6

 

1-6Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), Coordenação de Prevenção e Vigilância (Conprev), Área Técnica de Alimentação, Nutrição, Atividade Física e Câncer. Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

1E-mail: fabio.carvalho@inca.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2979-6359

2E-mail: bruna.pitasi@inca.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0359-1905

3E-mail: luciana.maya@inca.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1454-1732

4E-mail: rsilva@inca.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1017-2426

5E-mail: tmalhao@inca.gov.br. Orcid iD: http://orcid.org/0000-0002-5644-1089

6E-mail: maria.melo@inca.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4134-5860

 

Endereço para correspondência: Fabio Fortunato Brasil de Carvalho. Rua Marquês de Pombal 125 – Centro. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 20530-540. E-mail: fabio.carvalho@inca.gov.br

 

 

INTRODUÇÃO

A prevenção e o controle do câncer são prioridades globais na saúde1. No Brasil, estimam-se 625 mil novos casos para cada ano do triênio 2020-2022 em adultos2, e foram registrados 235 mil óbitos em 2019, representando a segunda causa mais frequente de morte3. Agravando esse cenário, entre 2020 e 2040, haverá um incremento de 66% no número de casos novos de câncer e 81% das mortes por câncer no nosso país4.

 

Um diagnóstico de câncer impacta não somente o indivíduo como também seus familiares e a sociedade em geral. Trata-se de uma doença que habitualmente demanda diversos procedimentos ao longo do tempo, gerando um alto custo para o sistema de saúde. Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA)5 estimou que, em 2018, foram gastos aproximadamente R$ 3,5 bilhões de recursos federais com procedimentos hospitalares e ambulatoriais no Sistema Único de Saúde (SUS) em pacientes oncológicos com 30 anos ou mais de idade; e projetou gastos federais de R$ 5,9 bilhões e R$ 7,8 bilhões em 2030 e 2040, respectivamente, mantendo-se a tendência de aumento de casos5, o que reforça a importância da implementação de ações de controle do câncer. Portanto, tais ações são essenciais para reduzir a carga da doença e o impacto econômico do câncer no Brasil.

 

A prevenção primária tem grande potencial de diminuir tanto os casos novos quanto as mortes por câncer, sendo a estratégia com melhor custo-benefício em longo prazo6. Entre as ações de prevenção primária, a atividade física (AF) tem sido ressaltada por diferentes instituições como importante aliada para a prevenção e o controle do câncer. As evidências apontam o potencial de prevenir até nove tipos de câncer ‒ mama, cólon, endométrio, esôfago (adenocarcinoma), estômago, rim, bexiga, fígado e pulmão7-14 ‒, os quais estão entre os mais incidentes em homens e mulheres na população brasileira2. Também há evidências de benefícios relacionados à redução de sintomas e efeitos colaterais durante o tratamento e ao aumento da sobrevida7-15. Entretanto, no Brasil, quase metade da população acima de 18 anos é insuficientemente ativa16,17, ou seja, não atinge as recomendações de duração e intensidade de AF.

 

Para reverter esse cenário, deve-se investir em um conjunto abrangente de ações integradas que incluem ambientes promotores de saúde (por exemplo, planejamento urbano saudável, ações comunitárias, criação de ambientes seguros e saudáveis), comunicação para mudança de comportamento (tais como: ações de educação em saúde, aconselhamento nos serviços de saúde, campanhas informativas) e mudança dos sistemas (por exemplo, ações integradas intersetoriais)8,12,18.

 

Desse modo, o objetivo do presente artigo de opinião é destacar a importância de documentos orientadores para a promoção da AF no SUS e suas contribuições para o controle do câncer no Brasil. Ainda que se reconheça a importância da atuação de outros setores, como o Esporte e Lazer, Educação, Assistência Social, nas políticas e ações de promoção da AF, o presente texto abordará somente as iniciativas do setor Saúde por meio do SUS.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

Documentos orientadores

Recentemente, foram lançados quatro documentos orientadores: (1) Guia de atividade física para a população brasileira12; (2) Guia de atividade física para a população brasileira: recomendações para gestores e profissionais de saúde19; (3) Dieta, nutrição, atividade física e câncer: uma perspectiva global – um resumo do terceiro relatório de especialistas com uma perspectiva brasileira8; (4) Atividade Física e Câncer: recomendações para prevenção e controle13. Ainda que o Guia de atividade física12 seja para a população, sua interpretação e utilização passarão, em grande parte, pela atuação de profissionais de saúde, sendo, assim, é possível afirmar que ele também engloba esse público. Ou seja, os quatro documentos citados têm os gestores e profissionais de saúde como público-alvo.

 

O Guia de atividade física para a população brasileira apresenta diversas maneiras de a população incluir a AF no seu cotidiano, enquanto o Guia de atividade física para a população brasileira: recomendações para gestores e profissionais de saúde orienta como esses atores podem abordar essa temática na sua prática profissional. Essas duas publicações são o resultado da avaliação de políticas e ações já desenvolvidas no SUS, incluem a prevenção de câncer como um dos benefícios para a saúde e reforçam a importância da AF para o desenvolvimento humano, independente das fases da vida. Salientam ainda a importância do setor Saúde na promoção da AF, mas que são essenciais iniciativas intersetoriais para a mudança do atual cenário brasileiro12,19.

 

Especificamente sobre a relação entre AF e câncer, o documento Dieta, nutrição, atividade física e câncer: uma perspectiva global – um resumo do terceiro relatório de especialistas com uma perspectiva brasileira8 é uma tradução e adaptação das recomendações de prevenção de câncer por meio da AF, alimentação e nutrição para o contexto brasileiro com o intuito de fornecer subsídios técnicos para implementação de intervenções individuais e coletivas promotoras de AF e de alimentação saudável. Nesse documento, é ressaltado que a prática de AF, independentemente do peso corporal, diminui o risco de câncer. Além disso, traz a recomendação de que as pessoas sejam fisicamente ativas como parte da rotina diária, em diferentes momentos como no lazer e nos deslocamentos, buscando atividades que deem prazer. Afirma ainda que essas recomendações também são aplicáveis aos sobreviventes, que são considerados pessoas a partir do diagnóstico de câncer8.

 

Já o documento Atividade física e câncer: recomendações para prevenção e controle13, além de reunir um conjunto de evidências que apontam um efeito protetor da AF contra o surgimento de diferentes tipos de câncer, destaca o efeito da AF no aumento da sobrevida de pacientes com câncer de cólon e reto, mama e próstata. Assim, ressalta a AF como fundamental para a prevenção e o controle do câncer e a necessidade de considerar preferências, disponibilidade de tempo e local apropriado para a prática. Contribui, dessa forma, para mudar o paradigma de que pacientes oncológicos devem descansar e evitar esforços físicos ao promover a AF como um hábito que seja incorporado na rotina das pessoas, inclusive durante o tratamento de câncer13.

 

A relevância desses documentos para a promoção da AF no SUS está relacionada a serem publicações governamentais e de sociedades de especialistas, elaborados a partir de evidências científicas, que poderão subsidiar o aumento de conhecimentos e práticas de gestores e profissionais de saúde, inclusive com abordagem específica sobre o câncer, com vistas ao fortalecimento de iniciativas para a ampliação de acesso à AF pela população. Nesse sentido, podem ser compreendidos como documentos norteadores de políticas e ações de promoção da AF no SUS e que incluem informações relevantes sobre a relação com o câncer.

 

Considerando que há um baixo grau de conhecimentos sobre a relação da AF e prevenção e controle de câncer20, vislumbra-se relevante potencial dos referidos documentos orientadores, desde os mais gerais até os específicos que abordam o câncer, para subsidiar a atuação de gestores e profissionais de saúde. Entretanto, para isso, devem-se considerar os desafios da implementação de documentos orientadores como guias e recomendações que incluem o desenvolvimento de estratégias de comunicação efetivas, a disseminação das informações em larga escala, e a análise (a posteriori) das estratégias de disseminação e implementação, entre outros10,21.

 

Desafios para efetivação dos documentos orientadores

Para além da importância de documentos que busquem subsidiar a atuação de gestores e profissionais de saúde na prevenção e no controle de câncer, há a necessidade da oferta de políticas e ações. Certamente, outros elementos estão relacionados à materialização das informações e recomendações presentes nos documentos citados; contudo, optou-se por dar enfoque aos programas que ofertam AF em âmbito populacional, já que, no SUS, é por meio deles que as recomendações podem ser efetivadas.

 

Programas comunitários de AF na Atenção Primária à Saúde são intervenções efetivas em oportunizar acesso à população18,22, e sua importância, como componente do cuidado, é reconhecida pelo plano governamental brasileiro de ações estratégicas para enfrentamento de doenças crônicas, entre elas o câncer23. No entanto, a implementação de políticas e a ampliação de intervenções eficazes de AF têm sido insuficientes e desiguais (em âmbito global)24.

 

Nessa perspectiva, das políticas públicas já implementadas no Brasil, destaca-se o Programa Academia da Saúde25, atualmente a principal oferta em âmbito nacional. Criado em 2011 a partir de experiências municipais exitosas em ampliar o acesso à AF, tem o objetivo de contribuir para a promoção da saúde e de modos de vida saudáveis para a população. É importante salientar que o programa tem maior adesão por parte das populações que praticam menos AF como mulheres e pessoas com menor nível socioeconômico, evidenciando ser uma forma importante de reduzir iniquidades e ampliar o acesso, impactando positivamente nos indicadores de saúde dos usuários e contribuindo para o aumento de AF no lazer16,25,26.

 

Todavia, apesar do avanço na implementação do programa no país, ainda há alguns desafios como a limitação de recursos (federais, estaduais e municipais) para construção e custeio de novas unidades, o que pode acarretar na falta de continuidade e sustentabilidade do programa em longo prazo, além de potencializar o aumento das desigualdades sociais e piorar os indicadores de saúde. Tais desafios evidenciam um contraste entre o amplo reconhecimento discursivo que a AF possui e a baixa institucionalização na gestão tripartite do SUS25-31. Diante desse cenário, a cobertura dos programas comunitários de AF ainda é pequena16,27, com participação de apenas 2,7% da população brasileira16, o que reforça a necessidade de fortalecimento dessa ação. No momento da revisão do presente texto, foi lançado o incentivo financeiro federal de custeio destinado à implementação de ações de AF na Atenção Primária à Saúde, contudo não fez parte do escopo de análise, já que está em estágio inicial de implementação.

 

Na atenção especializada ambulatorial e hospitalar, a partir do diagnóstico de câncer, há escassez de programas especializados, em geral restritos a projetos de pesquisa em Universidades, Hospitais Universitários e entidades filantrópicas20. Desse modo, serviços de saúde da atenção especializada ambulatorial e hospitalar são relevantes para a ampliação da oferta de AF com vistas ao controle de câncer.

 

Assim, a ampliação da oferta de AF por meio do fortalecimento de políticas e ações, tanto para a população em geral quanto para as pessoas a partir do diagnóstico de câncer, pode contribuir substancialmente para o controle do câncer no Brasil, uma vez que reduziria o número de casos, óbitos e gastos com o tratamento oncológico5,32. Por exemplo, se, no ano de 2030, ocorrer a diminuição de 10% na prevalência de AF insuficiente no lazer observada em 2019, estima-se que haveria uma economia de R$ 20,4 milhões com o tratamento de câncer no SUS em 20405. Essa economia de recurso poderia ser investida em políticas e ações de saúde no SUS, entre elas a promoção da AF.

 

 

CONCLUSÃO

Acredita-se que os documentos citados são importantes instrumentos dado o potencial de ampliar conhecimentos e práticas de gestores e profissionais de saúde sobre a relação entre AF e prevenção e controle de câncer, em especial ao estarem incluídos em processos formativos que subsidiem a atuação na Atenção Primária à Saúde não apenas com enfoque na prevenção mas também de pessoas a partir do diagnóstico, ou seja, em tratamento de câncer e após. Na atenção especializada, os referidos documentos podem contribuir para a mudança do paradigma vigente e favorecer o incremento da prática de AF durante e após o tratamento do câncer. Avaliações futuras serão necessárias para compreender se e como os documentos foram apropriados na atuação de gestores e profissionais de saúde, em especial se contribuíram para a indução de políticas e ações que favoreçam a prática de AF. Entre essas políticas, no que tange ao setor Saúde, os programas comunitários, especialmente o Academia da Saúde, precisam ser fortalecidos para o pleno funcionamento e necessária expansão. Além disso, urge a necessidade de implementação de programas que promovam a AF na atenção especializada, a partir do diagnóstico de câncer.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados, assim como na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 6/4/2022

Aprovado em 6/4/2022

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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