EDITORIAL
Novos Rumos da Política de Controle do Câncer no Brasil
New Trends of the Cancer Control Policy in Brazil
Nuevas Direcciones de la Política de Control del Cáncer en Brasil
doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n1.2668
Mario Jorge Sobreira da Silva1; Anke Bergmann2
1-2Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), Revista Brasileira de Cancerologia (RBC). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: mario.silva@inca.gov.br; abergmann@inca.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0477-8595; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
Endereço para correspondência: Mario Jorge Sobreira da Silva. Rua Marquês de Pombal, 125, 2º andar – Centro. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 22230-240. E-mail: mario.silva@inca.gov.br
As últimas estimativas mundiais de incidência e mortalidade relacionadas ao câncer apontam para a necessidade de adoção de medidas sustentáveis de prevenção e controle do câncer, especialmente nos países com baixo nível de desenvolvimento econômico e naqueles em desenvolvimento, onde se inclui o Brasil1. Essas estratégias perpassam, necessariamente, pela adoção e fortalecimento de políticas públicas que apoiem o planejamento e a priorização de medidas de controle do câncer2.
Desde a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil tem publicado um conjunto de normativas no intuito de garantir o acesso das pessoas ao cuidado integral, com o objetivo de reduzir a mortalidade e as incapacidades causadas pelo câncer, diminuir a incidência de alguns tipos de neoplasias e contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos sobreviventes dessa doença3. Entretanto, os esforços realizados parecem contribuir de forma parcial para o alcance de resultados efetivos, uma vez que as estimativas nacionais de incidência e dados de mortalidade do país ainda continuam crescentes. Diante dos fatos, é fundamental repensar os rumos vigentes e adotar outras estratégias que possam favorecer o alcance dos objetivos e metas.
Pela necessidade de redirecionar e fortalecer as ações de controle, entre novembro de 2021 e março de 2022, foram publicadas novas normativas relativas à atenção ao câncer.
A Lei nº. 14.238, de 19 de novembro de 2021, que instituiu o estatuto da pessoa com câncer4, parece preencher uma lacuna importante no arcabouço regulatório nacional, pois, além de funcionar como uma ferramenta adicional de garantia de direito constitucional à saúde, torna-se um instrumento estratégico para o controle social5. Segundo Jacobson et al.6, todos os países devem desenvolver suas declarações de direitos das pessoas com câncer, incluindo os seguintes aspectos: garantia de educação para reduzir os riscos do câncer; acesso ao diagnóstico em tempo oportuno; tratamento planejado e acompanhado por equipe multidisciplinar especializada; informação atualizada e acesso ao tratamento; segunda opinião a qualquer momento; gerenciamento do cuidado; compreensão da comunicação existente entre os profissionais; acesso aos cuidados de suporte e demais serviços de apoio relacionados ao tratamento; proteção de privacidade; e seguimento do cuidado após a terapia. O conteúdo da legislação brasileira parece atender a todos esses princípios, além de fortalecer os direitos sociais já previstos em outras normativas vigentes.
Outro importante documento publicado recentemente foi a Portaria SAES nº. 2, de 3 de janeiro de 20227, que incluiu o campo “Medicamentos Antineoplásicos Informados” na tela de dados complementares de quimioterapia da Autorização de Procedimentos Ambulatoriais (APAC) para seleção de medicamentos antineoplásicos utilizados no tratamento de pacientes com câncer. A adoção dessa estratégia, além de garantir celeridade e fidedignidade no processo de registro da APAC pelos serviços de saúde, irá facilitar o processo de auditoria clínica e administrativa dos órgãos de controle, e ainda possibilitar o monitoramento do uso das tecnologias incorporadas no SUS e a avaliação dos desfechos de efetividade e segurança do tratamento de pacientes com câncer.
O terceiro documento que merece destaque é a Lei nº. 14.308, de 8 de março de 20228, que instituiu a Política Nacional de Atenção à Oncologia Pediátrica. Em que pese os avanços históricos realizados para estruturar a atenção ao câncer infantojuvenil no Brasil, melhorias ainda se faziam necessárias com o intuito de promover aumento da sobrevida, da efetividade do cuidado e da qualidade de vida desses pacientes9. Essa normativa busca favorecer a implementação de mecanismos que visam a ampliar o acesso precoce ao diagnóstico e ao tratamento e, com isso, possibilitar a obtenção de prognóstico favorável aos pacientes com câncer na infância e na adolescência.
Os contornos do controle do câncer, redesenhados com as recentes normativas publicadas no Brasil, ao passo que serão empregados como balizadores dos novos rumos da política pública, também servirão como importantes instrumentos para o desenvolvimento de estudos que possam evidenciar efeitos ou impactos na vida das pessoas com câncer.
A Revista Brasileira de Cancerologia (RBC), com seus quase 80 anos de existência, se orgulha de estar sendo um importante canal de publicação de evidências científicas, que têm sido empregadas como subsídios para aperfeiçoar a política de controle do câncer no Brasil e em outros países. Espera-se que pesquisadores, estudantes e trabalhadores da área da Oncologia continuem monitorando e avaliando a implementação e o desempenho dessas políticas e seus resultados na atenção ao câncer.
REFERÊNCIAS
1. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, et al. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2021;71(3):209-49. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21660
2. Ferlay J, Colombet M, Soerjomataram I, et al. Cancer statistics for the year 2020: an overview. Int J Cancer. 2021;149(4):778-89. doi: https://doi.org/10.1002/ijc.33588
3. Silva MJS, Lima FLT, O'Dwyer G, et al. Política de atenção ao câncer no Brasil após a criação do Sistema Único de Saúde. Rev Bras Cancerol. 2017;63(3):177-87. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2017v63n3.133
4. Presidência da República (BR). Lei nº 14.238, de 19 de novembro de 2021. Institui o Estatuto da Pessoa com Câncer; e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. 2021 nov 22 [acesso 2022 mar 15]; Edição 218; Seção 1:2. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.238-de-19-de-novembro-de-2021-360895776
5. Silva MJS, Osorio-de-Castro CGS. Estratégias adotadas para a garantia dos direitos da pessoa com câncer no âmbito Sistema Único de Saúde. Cienc Saude Colet. 2022;27(1):399-408. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232022271.39502020
6. Jacobson JO, Berry LL, Spears PA, et al. Proposing a bill of rights for patients with cancer. JCO Oncol Pract. 2020;16(3):121-3. doi: https://doi.org/10.1200/JOP.19.00705
7. Ministério da Sáude (BR), Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Portaria nº 2, de 3 de janeiro de 2022. Inclui o campo “Medicamentos Antineoplásicos Informados” na tela de dados complementares de quimioterapia da Autorização de Procedimentos Ambulatoriais (APAC), para seleção dos medicamentos antineoplásicos utilizados no tratamento de pacientes com câncer [Internet]. Diário Oficial da União. 2022 jan 4 [acesso 2022 mar 15]; Edição 2; Seção 1:62. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/saes/2022/prt0002_04_01_2022.html
8. Presidência da República (BR). Lei nº 14.308, de 8 de março de 2022. Institui a Política Nacional de Atenção à Oncologia Pediátrica [Internet]. Diário Oficial da União. 2022 mar 9 [acesso 2022 mar 15]; Edição 46; Seção 1:1. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.308-de-8-de-marco-de-2022-384520885
9. Magalhães IQ, Gadelha MIP, Macedo CD, et al. A oncologia pediátrica no Brasil: por que há poucos avanços? Rev Bras Cancerol. 2016;62(4):337-41. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2016v62n4.214
Recebido em 23/3/2022
Aprovado em 23/3/2022
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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