REVISÃO DA LITERATURA
Qualidade de Vida de Sobreviventes de Câncer Onco-Hematológico Submetidos ao Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas: Revisão Integrativa da Literatura
Quality of Life of Oncohematologic Cancer Survivors Undergoing Hematopoietic Stem Cell Transplantation: Integrative Review Literature
Calidad de Vida de Sobrevivientes de Cáncer Oncohematológico Sometidos a Trasplante de Células Madre Hematopoyéticas: Revisión Integradora de la Literatura
doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n4.2708
1Faculdade de Educação em Saúde Oswaldo Cruz. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: michele_2020@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6899-0002
2Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Enfermagem, Grupo de Estudo em Prática e Educação Baseadas em Evidências (Unifesp-EPE-GEPEBE). Programa de Extensão Universitária Acolhe-Onco. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: domenico.edvane@unifesp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7455-1727
3Unifesp-EPE-GEPEBE. A. C. Camargo Cancer Center. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: maria.matsubara@accamargo.org.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9943-6722
Endereço para correspondência: Maria das Graças Silva Matsubara. Rua Paracatu, 553, apto. 124 – Parque Imperial. São Paulo (SP), Brasil. CEP 04002-021. E-mail: maria.matsubara@accamargo.org.br
RESUMO
Introdução: Os avanços no tratamento relacionado ao câncer onco-hematológico têm resultado em um crescente número de pacientes submetidos ao transplante de células tronco-hematopoiéticas (TCTH) com êxito terapêutico, o que exige maior atenção com a qualidade de vida (QV) dos sobreviventes. Objetivo: Identificar a QV dos sobreviventes onco-hematológicos submetidos ao TCTH. Método: Revisão integrativa, entre 2011 a 2021, com busca nas bases de dados LILACS, MEDLINE, IBECS, SciELO e Biblioteca Cochrane. Utilizou-se a estratégia SPIDER para responder às questões norteadoras; e o nível de evidência foi classificado segundo o Instituto Joanna Briggs. Resultados: Vinte e seis artigos foram incluídos. Os instrumentos mais utilizados para medir a QV foram o Quality of Life Questionnare – Core 30 e o Functional Assessment Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation. Variáveis biopsicossociais, educacionais e clínicas, como comorbidades, antecedentes, condições epidemiológicas e tipo de condicionamento não influenciaram significativamente a QV dos sobreviventes onco-hematológico submetidos ao TCTH. A QV apresentou comprometimento na vigência de problemas físicos crônicos, reinternações, encargos financeiros, doença do enxerto contra o hospedeiro, fadiga, sintomas psicológicos, infecções recorrentes, disfunções no funcionamento sexual e fértil, neoplasias secundárias e sintomas físicos como dor e distúrbios do sono. Conclusão: O sobrevivente do TCTH mantém demandas de cuidados biopsicossociais que influenciam negativamente a QV, evidenciando a necessidade de cuidado multidimensional.
Palavras-chave: qualidade de vida; transplante de células-tronco hematopoéticas; hematologia; sobreviventes de câncer; neoplasias.
ABSTRACT
Introduction: Advances onco-hematological cancer-related treatment have resulted in an increasing number of patients undergoing Hematopoietic Stem Cell Transplantation (HSCT) with therapeutic success, which requires more attention to the quality-of-life (QoL) of survivors. Objective: To identify the QoL of onco-hematologic survivors undergoing HSCT. Method: Integrative review, from 2011 to 2021 with search in the databases LILACS, MEDLINE, IBECS, SciELO and the Cochrane Library. The SPIDER strategy was used to answer the guiding questions; and the level of evidence was classified according to the Joanna Briggs Institute. Results: Twenty-six articles were included. The most used instruments to measure QoL were Quality of Life Questionnaire – Core 30 and Functional Assessment Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation. Biopsychosocial, educational and clinical variables, such as comorbidities, history, epidemiological conditions and type of conditioning did not significantly influence the QoL of onco-hematological survivors undergoing HSCT. Quality-of-life was impaired by chronic physical problems, readmissions, financial burdens, graft-versus-host disease, fatigue, psychological symptoms, recurrent infections, dysfunctions in sexual and fertile functioning, secondary neoplasms and physical symptoms such as pain and sleep disorders. Conclusion: The HSCT survivor has continuous demands for biopsychosocial care which negatively impact the QoL and require multidimensional attention.
Key words: quality of life; hematopoietic stem cell transplantation; hematology; cancer survivors; neoplasms.
RESUMEN
Introducción: Los avances en el tratamiento relacionado con el cáncer oncohematológico han dado como resultado un número creciente de pacientes sometidos a trasplante de células progenitoras hematopoyéticas (TPH) con éxito terapéutico, lo que requiere una mayor atención a la calidad de vida (CV) de los sobrevivientes. Objetivo: Identificar la CV de sobrevivientes oncohematológicos sometidos a TPH. Método: Revisión integradora, entre 2011 y 2021 con búsqueda en las bases de datos LILACS, MEDLINE, IBECS, SciElo y Cochrane Library. Se utilizó la estrategia SPIDER para responder las preguntas orientadoras; y el nivel de evidencia se clasificó según el Instituto Joanna Briggs. Resultados: Se incluyeron veintiséis artículos. Los instrumentos más utilizados para medir la CV fueron Quality of Life Questionnare – Core 30 y Functional Assessment Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation. Variables biopsicosociales, educativas y clínicas, como comorbilidades, antecedentes, condiciones epidemiológicas y tipo de condicionamiento no influyeron significativamente en la CV de los sobrevivientes oncohematológicos sometidos a TPH. La calidad de vida se vio afectada en presencia de: problemas físicos crónicos, reingresos, cargas financieras, enfermedad de injerto contra huésped, fatiga, síntomas psicológicos, infecciones recurrentes, disfunciones en el funcionamiento sexual y fértil, neoplasias secundarias y síntomas físicos como dolor y trastornos del sueño. Conclusión: El sobreviviente del TPH mantiene demandas de atención biopsicosocial que influyen negativamente en la CV, evidenciando la necesidad de atención multidimensional.
Palabras clave: calidad de vida; trasplante de células madre hematopoyéticas; hematología; supervivientes de cáncer; neoplasias.
INTRODUÇÃO
Qualidade de vida (QV) é um conceito dinâmico relacionado ao funcionamento físico, cognitivo, emocional, social e ao bem-estar. As maiores preocupações de sobreviventes de câncer envolvem quesitos relacionados à QV1.
Atualmente, os tratamentos oncológicos aprimoraram-se tanto na capacidade de combater as células neoplásicas quanto na maior capacidade de evitar e ou manejar os efeitos adversos. Entre os tratamentos que expandiram-se está o transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), que consiste na utilização de altas doses de quimioterapia antineoplásica e ou radioterapia, com posterior infusão de células-tronco hematopoiéticas da medula óssea, obtidas do tecido como um todo ou de células selecionadas do próprio paciente ou de doador compatível, aparentado ou não. A complexidade das intercorrências que poderão acontecer durante e após a terapia é dependente do tipo de TCTH, podendo ser autólogo, alogênico aparentado ou não aparentado, mieloablativo ou não mieloablativo2.
O TCTH é uma intervenção terapêutica complexa com risco de vida e alta mortalidade relacionada ao tratamento. Quando exitoso, aproximadamente 90% dos sobreviventes de TCTH alogênico podem apresentar pelo menos um sério efeito adverso tardio relacionado ao procedimento. Os múltiplos efeitos tardios, especificamente a doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) crônica, possui grande impacto na QV do sobrevivente do TCTH3.
Apesar da alta complexidade, essa terapêutica tem sido aprimorada e, cada vez mais, sugerida ao paciente como promotora de cura da doença onco-hematológica ou, pelo menos, o seu controle em longo prazo. Aproximadamente 50 mil indivíduos são submetidos ao TCTH em todo o mundo a cada ano4. No Brasil, a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO)2 apresenta os dados sobre o número de TCTH no primeiro trimestre de 2019, entre os quais 480 são do tipo autólogo e 262 do tipo alogênico2. Esses avanços têm resultado em um crescente número de sobreviventes submetidos ao TCTH, o que exige maior atenção com a QV e cuidados de sobrevivência em longo prazo5.
A sobrevivência do câncer é um processo que começa no momento do diagnóstico e continua por toda a vida, pois traz consigo uma série de desafios adicionais de saúde, como o aumento do risco para recorrência ou um novo câncer, comorbidades, problemas psicológicos, econômicos, além, das toxicidades relacionadas ao tratamento, que envolvem as alterações físicas5.
A partir dessa compreensão, conhecer as necessidades dos pacientes é de extrema importância para o desenvolvimento de programas de apoio, obtendo melhores resultados que impactem a QV, pois esse processo pode se fazer presente ao longo da vida, e requer, entre outras necessidades, o suporte da equipe de saúde3. Considerando que indivíduos submetidos ao TCTH possam desenvolver complicações tardias relacionadas às exposições pré, peri e pós-transplante, resultando em morbidade, o que afeta negativamente o bem-estar e contribui para mortalidade tardia4, a presente investigação justifica-se pela necessidade de avaliar criticamente a produção científica existente sobre o tema-problema QV no sobrevivente de TCTH para subsidiar a prática assistencial, bem como nortear novas perguntas de estudo. Assim, objetivou-se identificar a QV dos sobreviventes onco-hematológicos submetidos ao TCTH.
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Para favorecer e qualificar a busca na literatura, as perguntas de estudo foram convertidas no acrônimo SPIDER6 conforme o Quadro 1.
Quadro 1. Perguntas convertidas no acrônimo SPIDER |
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Com base na estruturação das questões e análise dos estudos, encaminharam-se as etapas subsequentes com a elaboração do Quadro 2. A partir dessa clareza intencional, procedeu-se às etapas subsequentes. A escolha dos descritores foi realizada a partir da definição e análise da pertinência em relação ao tema da investigação, com base no Medical Subject Headings (MeSH) e nos descritores em Ciências da Saúde (DeCS), isolados e combinados: quality of life; hematopoietic stem cell transplantation; hematology, cancer survivors; medical oncology, nas bases de dados e ou bibliotecas eletrônicas LILACS, MEDLINE (PubMed), IBECS, SciELO e Biblioteca Cochrane.
Os critérios de inclusão de artigos foram: período de publicação entre 2011 a 2021, em periódicos nacionais e internacionais (português, inglês e espanhol); abordar o tema QV de sobreviventes de câncer hematológico, sem limite de tempo pós-tratamento, submetidos a TCTH halogênico e autólogo, com idade acima de 18 anos.
Não houve limitações em relação ao tipo de estudo, porém, preocupou-se em classificar o nível de evidência, utilizando-se, para tal, o classificador disponibilizado pelo Instituto Joanna Briggs7. Inicialmente, obtiveram-se os resumos dos artigos a partir dos descritores e procedeu-se à análise da adequação para responder às perguntas de estudo, considerando a opinião de dois pesquisadores que realizaram a leitura de forma independente.
Foram identificados, inicialmente, 86 artigos que atendiam ao tema proposto, porém, após aplicação dos critérios de elegibilidade, 26 artigos foram eleitos, publicados nos últimos dez anos; destes, 94,9%, na língua inglesa. A Figura 1 exemplifica o processo de seleção dos artigos, a revisão de literatura e o estudo de caso.
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Figura 1. Fluxograma de seleção dos artigos |
Os artigos selecionados foram analisados e os conteúdos de interesse estão sintetizados no Quadro 2. Observou-se o predomínio de estudos com níveis de evidências 3 e 4, sendo apenas um deles de intervenção, logo, nível 2. Em sua maioria, os artigos foram publicados a partir de 2015 (81,4%). O conjunto das variáveis investigadas foi amplo, oferecendo uma vasta possibilidade de análise sobre os fatores intervenientes na QV de pacientes pós-TCTH.
Quadro 2. Artigos selecionados após pesquisa em base de dados |
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Legendas: QV = qualidade de vida; QVRS = qualidade de vida relacionada à saúde; DECH = doença do enxerto contra o hospedeiro; TCTH = transplante de células-tronco hematopoiéticas; HLA = antígeno leucocitário humano; FACT-BMT = Functional Assessment of Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation.
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De acordo com os artigos selecionados, uma pesquisa mostra que a comorbidade psiquiátrica pré-transplante pode ser um fator de risco potencial para pior QV no pós-procedimento10. Nos demais, não houve ampla abordagem de comorbidades, antecedentes ou artefatos clínicos (próteses, procedimentos permanentes como estomas, cateteres, sondas) que influenciaram significativamente a QV dos sobreviventes submetidos ao TCTH, denotando a oportunidade de novos estudos mais detalhados sobre essa população para que esses dados fossem correlacionados.
Uma pesquisa22 também mostrou que pacientes do sexo feminino apresentam dificuldades em lidar com os efeitos relacionados ao transplante e mais problemas com a saúde sexual, porém limitações metodológicas, como desenho transversal e tamanho pequeno da amostra, impediram explorar a causalidade das correlações.
Foram relatados piores escores físicos para receptores alogênicos com idade avançada. O tempo transcorrido desde o término do TCTH também foi importante para a ocorrência de maior sintomatologia, indicando que efeitos podem ser minimizados com o transcorrer do tempo. Pacientes mais jovens apresentam pior saúde mental, para ambos os tipos de transplante. Esses dados sinalizam a necessidade de maior suporte direcionado para públicos de faixas etárias distintas26.
A variável nível educacional dos transplantados foi analisada em um único estudo longitutinal observacional, com 55 participantes, acompanhados nas etapas pré-transplante, pós-100 e 180 dias, em um hospital referência no Brasil. O resultados indicaram que a escolaridade favorece o autocuidado e entendimento, inserindo-o na condição de participante ativo na busca pelo melhor resultado no curso do tratamento e da reabilitação20.
Quanto às condiçoes clínicas, uma única pesquisa de 20173 questionou se o tipo de condicionamento influenciou a QV dos sobreviventes e, pelo fato de a amostra ser reduzida, os dados não tiveram tanta relevância. Porém, espera-se que os pacientes com condicionamento de dose reduzida desfrutem de uma boa QV no período inicial pós-transplante, em razão da menor toxicidade relacionada com o regime e pior no período pós- transplante tardio em função das altas taxas de DECH3. Um estudo de 20139, prospectivo e observacional, concluiu que os desfechos clínicos e a QV em pacientes com neoplasias mieloides submetidos a condicionamento de intensidade reduzida (RIC) não são inferiores ao condicionamento mieloablativo (MAC) em um ano.
Ao analisar os eventos adversos relacionados às variáveis clínicas e biopsicossociais, observa-se que a DECH e a fadiga possuem maior prevalência. A DECH é um importante efeito adverso abordado na literatura, seja aguda ou crônica. Trata-se de uma síndrome que afeta os pacientes submetidos ao TCTH e que recebem linfócitos imunocompetentes32. A influência na QV dos sobreviventes tem expressividade na DECH crônica, que pode afetar uma série de órgãos e até necessitar do uso de imunossupressão prolongada, o que influencia diretamente o retorno à normalidade diária após o transplante. Além disso, alguns autores3,19 mostraram que a DECH resultou em depressão e ansiedade, que foram sintomas diretamente relacionados à piora da QV.
O sintoma fadiga interferiu nas funções físicas, emocionais, cognitivas e sociais8. No caso dos pacientes com tratamento prévio para linfomas, a fadiga pode estar relacionada à cardiotoxicidade, decorrente da utilização de alguns fármacos citotóxicos como os antracíclicos (doxorrubicina, daunorrubicina, epirrubicina e idarrubicina) que, por múltiplas ações, podem provocar danos nas células miocárdicas33.
Adicionalmente, outros efeitos adversos como infecções recorrentes, disfunções no funcionamento sexual e fértil, neoplasias secundárias e sintomas físicos como dor, distúrbios do sono e alterações cognitivas demonstraram influenciar negativamente no bem-estar, além de poderem estar relacionadas a reinternações hospitalares, procura constante por atendimento médico e aumento do estresse, ansiedade e medo, postergando o retorno à rotina diária31,34.
Esses efeitos tardios estão relacionados com a piora da QV e do estado funcional dos sobreviventes, que requer um período de recuperação de três a cinco anos9.
No entanto, apesar de os dados mostrarem maiores complicações para os receptores alogênicos, é importante salientar que receptores autólogos correm risco de apresentar as mesmas complicações tardias, com toxicidade rara ou comprometimento imunológico após o transplante, colocando-os em risco similar a receptores alogênicos, tendo, como exemplo, exposição a corticosteroides prolongados ou a outros medicamentos que podem causar linfopenia prolongada após o transplante4. Portanto, os profissionais de saúde devem permanecer atentos para complicações independentemente do tipo de procedimento4.
Em relação aos domínios físico, emocional e social de maior impacto na QV, as publicações apontaram depressão, ansiedade, medo e incertezas como influenciadores e problemas para atingir plena QV15. Um estudo transversal10, com 121 pacientes portadores de diversas doenças onco-hematológicas, mostra que as variáveis psicológicas são determinantes mais fortes da QV do sobrevivente de TCTH. Isso demonstra que acompanhamento psicológico, terapia ou outras modalidades de tratamento e acompanhamento são intervenções psicossociais necessárias para esse grupo de pacientes14.
Ainda neste contexto, problemas financeiros decorrentes do transplante, sejam encargos hospitalares ou dificuldade de retornar ao mercado de trabalho e sua vocação profissional, apareceram em mais de um artigo influenciando a QV. Os sobreviventes normalmente têm um tempo de internação hospitalar prolongado em decorrência do tratamento e, mesmo no contexto público, alguns exames ou medicamentos utilizados durante as internações ou no acompanhamento ambulatorial geram despesas para as famílias e isso causa ansiedade ou preocupação e consequentemente piora na QV9. Esse tempo pode mudar de acordo com o tipo de transplante e complicações no período pós-procedimento, variando de 5 a 106 dias, com média de 38,535. Estudo realizado em 201825 com 88 pacientes submetidos ao TCTH autólogo e alogênico, tendo metade dos participantes sobreviventes portadores de leucemias agudas, mostra que 50% estavam desempregados ou em licença por invalidez, e um quinto relatou baixo rendimento.
Entretanto, o retorno à rotina diária, prática de atividade física regular, convívio social e familiar têm influência positiva na QV dos sobreviventes e em sua reinserção social15,16,19,21. Em contrapartida, problemas físicos crônicos, reinternações, questões relacionadas ao trabalho, problemas psicossociais, conflitos religiosos, baixa resiliência e encargos financeiros atrapalham a QV20. O sobrevivente também percebe a oportunidade de mudança de vida pós-procedimento, apreço pela vida e melhora do humor, depressão e ansiedade após intervenção para resolver problemas de saúde sexual3.
As limitações da presente pesquisa consistiram na dificuldade que os desenhos selecionados apresentaram para estruturar as variáveis que influenciaram a QV dos sobreviventes do TCTH e, além disso, há urgência na necessidade de acompanhamento e documentação de todos aqueles que são submetidos e sobrevivem a essa modalidade terapêutica.
Efeitos adversos físicos, emocionais e sociais, envolvendo DECH, fadiga, depressão, ansiedade, medo, incertezas e problemas financeiros influenciam a QV dessa população, tendo a maior escolaridade como um potencializador do autocuidado e da participação ativa como essecial para a tomada de decisões no processo de adoecimento.
A QV percebida pelos sobreviventes de câncer onco-hematológico submetidos ao TCTH aponta como variáveis os problemas psicológicos, tendo a depresssão e a ansiedade como principais fatores que impactam na saúde mental. No domínio socioecológico, observam-se disfunção social quanto à vulnerabilidade ocupacional, renda reduzida, problemas sexuais e relações familiares ampliadas. Nas questões relacionadas a sintomas fisicos, o estresse financeiro, condições crônicas autorreferidas, como doenças pulmonares, necrose vascular, insuficiência adrenal ou DECH crônica são fatores que impactam de forma negativa nessa alçada. Porém, lembrando que essas condições físicas e psicológicas são demandas que surgiram como consequência do tratamento, o TCTH.
A presente revisão desenhou um cenário de muitas demandas do sobrevivente de TCTH. O plano de cuidados do sobrevivente deve ser interdisciplinar, capaz de realizar uma avaliaçao multidimensional. O aspecto biológico, incluindo a recidiva da doença, e outras complicações advindas do tratamento, são importantes. Assim, assistir para a minimização ou resolução de sinais e sintomas tardios, bem como educar os pacientes para a autoeficácia e autogestão deve ser uma preocupação. Entretanto, os cuidados psicossocial e espiritual não podem ser excluídos. Os sobreviventes apresentam manifestações emocionais e dificuldades de relacionamentos, conjugal, familiar, complicações laborais e perdas finaceiras, que impactam negativamente a QV. Os resultados devem permear um reolhar sobre as consultas restritamente realizadas pelos médicos, com tempo restrito, por considerar esse paciente menos carente de cuidados quando comparado ao paciente no diagnóstico ou tratamento ativo.
CONTRIBUIÇÕES
Michele Eugênio da Silva Vigarinho e Maria das Graças Silva Matsubara contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica. Edvane Birelo Lopes De Domenico contribuiu substancialmente na redação e revisão crítica. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) n.º 306687/2018-6.
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Recebido em 17/5/2022
Aprovado em 12/9/2022
Editor-associado: Fernando Lopes Tavares de Lima. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8618-7608
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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