REVISÃO DA LITERATURA

 

Qualidade de Vida de Sobreviventes de Câncer Onco-Hematológico Submetidos ao Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas: Revisão Integrativa da Literatura

Quality of Life of Oncohematologic Cancer Survivors Undergoing Hematopoietic Stem Cell Transplantation: Integrative Review Literature

Calidad de Vida de Sobrevivientes de Cáncer Oncohematológico Sometidos a Trasplante de Células Madre Hematopoyéticas: Revisión Integradora de la Literatura

 

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n4.2708

 

Michele Eugênio da Silva Vigarinho1; Edvane Birelo Lopes De Domenico2; Maria das Graças Silva Matsubara3

 

1Faculdade de Educação em Saúde Oswaldo Cruz. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: michele_2020@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6899-0002

2Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Enfermagem, Grupo de Estudo em Prática e Educação Baseadas em Evidências (Unifesp-EPE-GEPEBE). Programa de Extensão Universitária Acolhe-Onco. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: domenico.edvane@unifesp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7455-1727

3Unifesp-EPE-GEPEBE. A. C. Camargo Cancer Center. São Paulo (SP), Brasil. E-mail: maria.matsubara@accamargo.org.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9943-6722

 

Endereço para correspondência: Maria das Graças Silva Matsubara. Rua Paracatu, 553, apto. 124 – Parque Imperial. São Paulo (SP), Brasil. CEP 04002-021. E-mail: maria.matsubara@accamargo.org.br

 

 

RESUMO

Introdução: Os avanços no tratamento relacionado ao câncer onco-hematológico têm resultado em um crescente número de pacientes submetidos ao transplante de células tronco-hematopoiéticas (TCTH) com êxito terapêutico, o que exige maior atenção com a qualidade de vida (QV) dos sobreviventes. Objetivo: Identificar a QV dos sobreviventes onco-hematológicos submetidos ao TCTH. Método: Revisão integrativa, entre 2011 a 2021, com busca nas bases de dados LILACS, MEDLINE, IBECS, SciELO e Biblioteca Cochrane. Utilizou-se a estratégia SPIDER para responder às questões norteadoras; e o nível de evidência foi classificado segundo o Instituto Joanna Briggs. Resultados: Vinte e seis artigos foram incluídos. Os instrumentos mais utilizados para medir a QV foram o Quality of Life QuestionnareCore 30 e o Functional Assessment Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation. Variáveis biopsicossociais, educacionais e clínicas, como comorbidades, antecedentes, condições epidemiológicas e tipo de condicionamento não influenciaram significativamente a QV dos sobreviventes onco-hematológico submetidos ao TCTH. A QV apresentou comprometimento na vigência de problemas físicos crônicos, reinternações, encargos financeiros, doença do enxerto contra o hospedeiro, fadiga, sintomas psicológicos, infecções recorrentes, disfunções no funcionamento sexual e fértil, neoplasias secundárias e sintomas físicos como dor e distúrbios do sono. Conclusão: O sobrevivente do TCTH mantém demandas de cuidados biopsicossociais que influenciam negativamente a QV, evidenciando a necessidade de cuidado multidimensional.

Palavras-chave: qualidade de vida; transplante de células-tronco hematopoéticas; hematologia; sobreviventes de câncer; neoplasias.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Advances onco-hematological cancer-related treatment have resulted in an increasing number of patients undergoing Hematopoietic Stem Cell Transplantation (HSCT) with therapeutic success, which requires more attention to the quality-of-life (QoL) of survivors. Objective: To identify the QoL of onco-hematologic survivors undergoing HSCT. Method: Integrative review, from 2011 to 2021 with search in the databases LILACS, MEDLINE, IBECS, SciELO and the Cochrane Library. The SPIDER strategy was used to answer the guiding questions; and the level of evidence was classified according to the Joanna Briggs Institute. Results: Twenty-six articles were included. The most used instruments to measure QoL were Quality of Life Questionnaire – Core 30 and Functional Assessment Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation. Biopsychosocial, educational and clinical variables, such as comorbidities, history, epidemiological conditions and type of conditioning did not significantly influence the QoL of onco-hematological survivors undergoing HSCT. Quality-of-life was impaired by chronic physical problems, readmissions, financial burdens, graft-versus-host disease, fatigue, psychological symptoms, recurrent infections, dysfunctions in sexual and fertile functioning, secondary neoplasms and physical symptoms such as pain and sleep disorders. Conclusion: The HSCT survivor has continuous demands for biopsychosocial care which negatively impact the QoL and require multidimensional attention.

Key words: quality of life; hematopoietic stem cell transplantation; hematology; cancer survivors; neoplasms.

 

 

RESUMEN

Introducción: Los avances en el tratamiento relacionado con el cáncer oncohematológico han dado como resultado un número creciente de pacientes sometidos a trasplante de células progenitoras hematopoyéticas (TPH) con éxito terapéutico, lo que requiere una mayor atención a la calidad de vida (CV) de los sobrevivientes. Objetivo: Identificar la CV de sobrevivientes oncohematológicos sometidos a TPH. Método: Revisión integradora, entre 2011 y 2021 con búsqueda en las bases de datos LILACS, MEDLINE, IBECS, SciElo y Cochrane Library. Se utilizó la estrategia SPIDER para responder las preguntas orientadoras; y el nivel de evidencia se clasificó según el Instituto Joanna Briggs. Resultados: Se incluyeron veintiséis artículos. Los instrumentos más utilizados para medir la CV fueron Quality of Life Questionnare – Core 30 y Functional Assessment Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation. Variables biopsicosociales, educativas y clínicas, como comorbilidades, antecedentes, condiciones epidemiológicas y tipo de condicionamiento no influyeron significativamente en la CV de los sobrevivientes oncohematológicos sometidos a TPH. La calidad de vida se vio afectada en presencia de: problemas físicos crónicos, reingresos, cargas financieras, enfermedad de injerto contra huésped, fatiga, síntomas psicológicos, infecciones recurrentes, disfunciones en el funcionamiento sexual y fértil, neoplasias secundarias y síntomas físicos como dolor y trastornos del sueño. Conclusión: El sobreviviente del TPH mantiene demandas de atención biopsicosocial que influyen negativamente en la CV, evidenciando la necesidad de atención multidimensional.

Palabras clave: calidad de vida; trasplante de células madre hematopoyéticas; hematología; supervivientes de cáncer; neoplasias.

 

 

INTRODUÇÃO

Qualidade de vida (QV) é um conceito dinâmico relacionado ao funcionamento físico, cognitivo, emocional, social e ao bem-estar. As maiores preocupações de sobreviventes de câncer envolvem quesitos relacionados à QV1.

 

Atualmente, os tratamentos oncológicos aprimoraram-se tanto na capacidade de combater as células neoplásicas quanto na maior capacidade de evitar e ou manejar os efeitos adversos. Entre os tratamentos que expandiram-se está o transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), que consiste na utilização de altas doses de quimioterapia antineoplásica e ou radioterapia, com posterior infusão de células-tronco hematopoiéticas da medula óssea, obtidas do tecido como um todo ou de células selecionadas do próprio paciente ou de doador compatível, aparentado ou não. A complexidade das intercorrências que poderão acontecer durante e após a terapia é dependente do tipo de TCTH, podendo ser autólogo, alogênico aparentado ou não aparentado, mieloablativo ou não mieloablativo2.

 

O TCTH é uma intervenção terapêutica complexa com risco de vida e alta mortalidade relacionada ao tratamento. Quando exitoso, aproximadamente 90% dos sobreviventes de TCTH alogênico podem apresentar pelo menos um sério efeito adverso tardio relacionado ao procedimento. Os múltiplos efeitos tardios, especificamente a doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH) crônica, possui grande impacto na QV do sobrevivente do TCTH3.

 

Apesar da alta complexidade, essa terapêutica tem sido aprimorada e, cada vez mais, sugerida ao paciente como promotora de cura da doença onco-hematológica ou, pelo menos, o seu controle em longo prazo. Aproximadamente 50 mil indivíduos são submetidos ao TCTH em todo o mundo a cada ano4. No Brasil, a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO)2 apresenta os dados sobre o número de TCTH no primeiro trimestre de 2019, entre os quais 480 são do tipo autólogo e 262 do tipo alogênico2. Esses avanços têm resultado em um crescente número de sobreviventes submetidos ao TCTH, o que exige maior atenção com a QV e cuidados de sobrevivência em longo prazo5.

 

A sobrevivência do câncer é um processo que começa no momento do diagnóstico e continua por toda a vida, pois traz consigo uma série de desafios adicionais de saúde, como o aumento do risco para recorrência ou um novo câncer, comorbidades, problemas psicológicos, econômicos, além, das toxicidades relacionadas ao tratamento, que envolvem as alterações físicas5.

 

A partir dessa compreensão, conhecer as necessidades dos pacientes é de extrema importância para o desenvolvimento de programas de apoio, obtendo melhores resultados que impactem a QV, pois esse processo pode se fazer presente ao longo da vida, e requer, entre outras necessidades, o suporte da equipe de saúde3. Considerando que indivíduos submetidos ao TCTH possam desenvolver complicações tardias relacionadas às exposições pré, peri e pós-transplante, resultando em morbidade, o que afeta negativamente o bem-estar e contribui para mortalidade tardia4, a presente investigação justifica-se pela necessidade de avaliar criticamente a produção científica existente sobre o tema-problema QV no sobrevivente de TCTH para subsidiar a prática assistencial, bem como nortear novas perguntas de estudo. Assim, objetivou-se identificar a QV dos sobreviventes onco-hematológicos submetidos ao TCTH.

 

MÉTODO

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura. Para favorecer e qualificar a busca na literatura, as perguntas de estudo foram convertidas no acrônimo SPIDER6 conforme o Quadro 1.

 

Quadro 1. Perguntas convertidas no acrônimo SPIDER

S

SAMPLE ou amostra

Pacientes sobreviventes de TCTH

PI

Phenomenon of interest ou fenômeno de interesse

Principais resultados sobre a QV quanto aos domínios comprometidos e variáveis de maior interferência

D

Design/Desenho

Pesquisas de avaliação de QV

Estudos que avaliaram a QV dos sobreviventes de câncer hematológico adultos submetidos a TCTH, publicados entre 2011 a 2021, em periódicos nacionais e internacionais (português, inglês e espanhol)

E

Evaluation ou avaliação

Resultados que caracterizam os fenômenos estudados: domínios de QV se mostraram alterados, variáveis biopsicossociais, educacionais e clínicas

R

Research type ou tipos de pesquisas

Métodos quantitativos ou mistos

 

 

Com base na estruturação das questões e análise dos estudos, encaminharam-se as etapas subsequentes com a elaboração do Quadro 2. A partir dessa clareza intencional, procedeu-se às etapas subsequentes. A escolha dos descritores foi realizada a partir da definição e análise da pertinência em relação ao tema da investigação, com base no Medical Subject Headings (MeSH) e nos descritores em Ciências da Saúde (DeCS), isolados e combinados: quality of life; hematopoietic stem cell transplantation; hematology, cancer survivors; medical oncology, nas bases de dados e ou bibliotecas eletrônicas LILACS, MEDLINE (PubMed), IBECS, SciELO e Biblioteca Cochrane.

 

Os critérios de inclusão de artigos foram: período de publicação entre 2011 a 2021, em periódicos nacionais e internacionais (português, inglês e espanhol); abordar o tema QV de sobreviventes de câncer hematológico, sem limite de tempo pós-tratamento, submetidos a TCTH halogênico e autólogo, com idade acima de 18 anos.

 

Não houve limitações em relação ao tipo de estudo, porém, preocupou-se em classificar o nível de evidência, utilizando-se, para tal, o classificador disponibilizado pelo Instituto Joanna Briggs7. Inicialmente, obtiveram-se os resumos dos artigos a partir dos descritores e procedeu-se à análise da adequação para responder às perguntas de estudo, considerando a opinião de dois pesquisadores que realizaram a leitura de forma independente.

 

RESULTADOS

Foram identificados, inicialmente, 86 artigos que atendiam ao tema proposto, porém, após aplicação dos critérios de elegibilidade, 26 artigos foram eleitos, publicados nos últimos dez anos; destes, 94,9%, na língua inglesa. A Figura 1 exemplifica o processo de seleção dos artigos, a revisão de literatura e o estudo de caso.

 

Figura 1. Fluxograma de seleção dos artigos

 

 

Os artigos selecionados foram analisados e os conteúdos de interesse estão sintetizados no Quadro 2. Observou-se o predomínio de estudos com níveis de evidências 3 e 4, sendo apenas um deles de intervenção, logo, nível 2. Em sua maioria, os artigos foram publicados a partir de 2015 (81,4%). O conjunto das variáveis investigadas foi amplo, oferecendo uma vasta possibilidade de análise sobre os fatores intervenientes na QV de pacientes pós-TCTH.

 

Quadro 2. Artigos selecionados após pesquisa em base de dados

Autor/ano

Objetivos

Método/nível de evidência (NE)

Principais achados

Mo et al., 20128

Investigar a QVRS de pacientes que receberam TCTH alogênico de doadores HLA haploidênticos/parcialmente compatíveis, e comparar esse valor com o de pacientes que receberam alo-TCTH de doadores irmãos HLA idênticos

Estudo longitudinal

observacional

NE: 3

DECH afetou negativamente todas as subescalas de QV, incluindo o físico, mental e social, com maior impacto para dor e questões sexuais. Idade no transplante, disparidade HLA e status marital. Problemas com a pele, pulmão, fígado, trato gastrointestinal e ocular influenciaram de forma negativa a QV.

Idade mais baixa no aloidêntico, sexo masculino e retorno ao trabalho/escola foram associados ao impacto positivo em pelo menos uma subescala

Hamilton et al., 20139

Investigar estressores econômicos de

sobrevivência e sua associação com a QVRS

Estudo transversal

NE:4

 

Estresse financeiro/emprego: pior desempenho físico, funcional e específico; disparidades de riqueza: piora na saúde; despesas residuais não cobertas pelo convênio: maior estresse e piora na QV

Janicsák et al., 201310

Examinar a influência do status somático,

características sociais e sintomas psicológicos na QV

Estudo transversal NE:4

Comorbidade psiquiátrica pré-transplante como fator de risco potencial para pior QV pós-transplante; sexo feminino: problemas em lidar com dificuldades específica do transplante. QV influenciada por depressão, ansiedade, comorbidade psiquiátrica, status de emprego e sexo. Primeiros 3 anos: estado físico e emocional. Tardio: funcionamento social e de papel

Gifford et al., 201411

Identificar problemas de saúde em sobreviventes de longo prazo do TCTH alogênico

Estudo retrospectivo

NE:4

 

Acometimentos crônicos após o transplante influenciaram a QV: renais, cardiovasculares, oftalmológicos, ósseo, respiratório e ou malignidades.

Sofrimento psicológico; depressão; a maioria dos pacientes conseguiu retornar à sua vocação

Bevans et al., 201412

Examinar o estado de saúde e a QVRS dos sobreviventes do TCTH. Caracterizar

subgrupos que

apresentam efeitos adversos

Estudo longitudinal

prospectivo

NE:3

 

Mais velhos e não hispânicos possuem níveis baixos de saúde física.

Comorbidades pós-transplante; efeitos tardios/colaterais da imunossupresssão; DECH. 3 anos ou mais após o TCTH: saúde física, mental e a QV se recuperam para valores normativos e permanecem estáveis; angústia: efeito tardio do TCTH; estresse físico

González-Ramírez et al., 20151

Analisar a QV de

pacientes com

leucemia submetidos a TCTH

(condicionamento de

intensidade reduzida)

Estudo restropectivo

NE:4

 

Sobreviventes de leucemia mieloide aguda têm uma QV menor que a maioria da população e dos pacientes submetidos ao TCTH. Toxicidade orgânica; osteoporose; infecções; catarata; cânceres secundários e infertilidade

Autor e ano

Objetivos

Método/nível de evidência (NE)

Principais achados

Kurosawa et al., 201513

Comparar a QV após quimioterapia isolada e TCTH alogênico;

elucidar os fatores

associados à QV após o tratamento

Estudo transversal

NE:4

Sintomas de DECH; terapia imunossupressora; fadiga; distúrbios do sono. Incapacidade de retornar ao trabalho

Kenzik et al., 201514

Avaliar sintomas depressivos em relação aos físicos e a QVRS em sobreviventes de TCTH

Estudo transversal

NE: 4

 

Otimismo aumentou a QV com melhora de sintomas físicos de forma significativa; sintomas físicos associados à QV; sintomas depressivos e fatores psicossociais afetam mais a QV mental

Rosenberg et al., 201515

Explorar correlações

entre resiliência e sofrimento psicológico, crescimento pós-

traumático e QV

Estudo transversal

NE:4

 

Baixa resiliência resulta em menor QV e está associada ao DECH; escores baixos de resiliência, maiores chances de sofrimento psíquico e baixa QV

Rocha et al., 201616

Avaliar o comprometimento dos domínios sociais e emocionais de pacientes internados submetidos ao TCTH

Estudo longitudinal observacional

NE:3

 

Apoio familiar; dificuldade financeira: vulnerabilidade. Bem-estar social e familiar afetados

Proença et al., 201617

Avaliar a QV de pacientes adultos com câncer hematológico nos 100 dias do TCTH e verificar se a variável DECH é preditiva

de piores resultados

Estudo observacional

correlacional

quantitativo

NE:3

 

Idade avançada: QV e sobrevida igual à de jovens. Toxicidade da quimioterapia: náuseas, vômitos, inapetência, dor, alterações na pele, na imagem corporal e função sexual prejudicada; alterações decorrentes do diagnostico; DECH crônica: depressão e ansiedade.

Depressão; ansiedade; descontrole emocional; medo; sensação de incerteza quanto ao futuro; diagnóstico de câncer

Gifford et al., 201618

Documentar complicações tardias associadas à saúde e ao estado funcional, limitações na literatura atual e lacunas existentes no cuidado

Estudo transversal

NE:4

 

DECH; disfunção sexual. Impacto psicossocial: perda de emprego e

renda reduzida; disfunção psicológica e social; vulnerabilidade ocupacional

Clavert et al., 201719

Identificar complicações tardias e QV em longo prazo, em sobreviventes de transplante alogênico com condicionamento de intensidade reduzida

Estudo retrospectivo unicêntrico

NE: 4

 

Idade avançada, tipo de condicionamento; malignidades secundárias. DECH: fadiga, dor, diarreia.

Infecções, complicações cardiovasculares, pulmonares e insuficiência renal. Depressão

Marques et al., 201720

Avaliar a QV dos

pacientes adultos com câncer hematológico

submetidos ao TCTH, nos primeiros seis meses e comparar entre as modalidades

de transplante

Estudo longitudinal

observacional

NE: 3

 

Escolaridade favorece o autocuidado e

entendimento. Complicações por DECH; fadiga maior TCTH autólogo); insônia; perda de apetite; dor; apoio familiar, prática de atividade física regular, melhora do convívio social após a hospitalização; pior QV: diagnóstico e reinternações frequentes

King et al., 201721

Descrever conflitos religiosos e espirituais em sobreviventes e associá-los à depressão e à QV

Estudo transversal

NE: 4

 

Jovens; raças não brancas, autoidentificação com a religião; transplante alogênico: níveis maiores de depressão.

Conflitos religiosos e espirituais: depressão, pior QV; apoio social. Dor

 

Autor/ano

Objetivos

Método/nível de evidência (NE)

Principais achados

Brice et al., 20173

Compreender o

impacto do TCTH na QV em longo prazo

Estudo transversal

NE:4

 

Toxicidade e imunossupressão; DECH; complicações do transplante influenciando no funcionamento sexual e fértil; alterações cognitivas: déficits de memória, diminuição da concentração e atenção, fadiga mental e reação reduzida.

Oportunidades/mudança de vida pós-TCTH; redução do funcionamento emocional e social; apreço pela vida pós-TCTH; mudanças de humor: raiva, frustação, ansiedade, depressão e medo

El-Jawahri et al., 201822

Avaliar a viabilidade e eficácia preliminar de uma intervenção multimodal para tratar da disfunção sexual em sobreviventes alogênicos de TCTH

Estudo de intervenção

NE:2

 

DECH crônica e disfunção sexual.

Problemas psicológicos; mulheres: dor na relação sexual, perda de libido, preocupações psicológicas e com intimidade, dificuldade com excitação e preocupações com a imagem corporal; melhora do humor, depressão e ansiedade após intervenção para resolver problemas de saúde sexual

King et al., 201823

Descrever a prevalência de lutas religiosas e/ou espirituais em sobreviventes adultos jovens de longa data após o TCTH, bem como preocupações existenciais, apoio social e informações demográficas

Estudo descritivo

NE:4

 

 

 

62% tratados para leucemia. 50% espiritual e religioso e 1/3 só espiritual. 14% depressão moderada a grave. Lutas religiosas e ou espirituais foram associadas a piores pontuações de enfrentamento existencial e suporte à QV

Devins et al., 201824

Examinar sintomas, efeitos colaterais, angústia e problemas físicos e sociais de pessoas com câncer hematológico ou anemia aplásica submetidas ao TCTH

Estudo de coorte

NE: 3

 

50% estavam desempregados ou em licença por invalidez. Intromissão da doença na vida pessoal. Aumento de sintomas depressivos e diminuição da autoestima: melhora após 1 ano de alta.

Angústia e outros sintomas psicológicos

Shaw et al., 201825

Relatar o desempenho das medidas do Sistema de Informação de Medição de Resultados Reportados ao Paciente Sobrevivente de TCTH em comparação com o Short Form 36

Estudo transversal

NE: 3

 

Piores escores físicos: receptores alogênicos com idade avançada e menos tempo desde o transplante.

Receptores autológos mais jovens relataram pior saúde mental. Funcionamento físico geral menor do que a população geral, mas o funcionamento mental foi semelhante. DECH crônica e comorbidades associadas a um funcionamento físico e mental significativamente pior. Recidiva foi associada à pior função física em pacientes autólogos, mas não alogênicos

Solh et al., 201826

Examinar os resultados em longo prazo de pacientes que sobreviveram pelo menos um ano após o TCH alogênico sem evidência de recaída

Estudo retrospectivo

NE: 3

Pós-TCTH alogênico e pacientes mais jovens têm um impacto significativo nos escores mentais. Condições crônicas autorreferidas (doenças pulmonares, necrose vascular, insuficiência adrenal e diabetes ou DECH crônica), piora da função física, ansiedade e depressão

Autor e ano

Objetivos

Método/nível de evidência (NE)

Principais achados

Park et al., 201927

Examinar o ajuste social à doença e identificar fatores relacionados ao ajuste social em sobreviventes de TCTH alogênico

Estudo de intervenção

NE:3

 

Solteiros desempregados e fadiga elevada: dificuldade de ajuste vocacional; nível de escolaridade, envelhecimento, mulheres com fadiga: impacto na relação sexual, raça/etnia, idade, sexo, tempo desde o transplante, fadiga: significativo nas relações familiares estendidas; hispânicos: dificuldades no relacionamento familiar; fadiga elevada: pessoas mais velhas, problemas de ajuste nos relacionamentos familiares e ambiente social. Mais dificuldades de ajuste, no que diz respeito às relações familiares estendidas, ambiente de trabalho e relações sexuais; maior desajuste social para relações familiares ampliadas

Lemieux et al., 202028

Relatar o impacto do TCTH autólogo na QV de pacientes idosos com linfoma não Hodgkin

Estudo de coorte

NE:3

 

Dor e recidiva dificultam a QV. Bem-estar físico e emocional tiveram maiores pontuações no FACT-BMT; ansiedade,depressão e transtorno de estresse traumático afetam a QV

Brice et al., 202029

Quantificar a prevalência do medo de recorrência do câncer em pacientes com uma neoplasia hematológica prévia sobrevivendo mais de um ano após o transplante alogênico de TCTH e identificar as características demográficas, médicas e fatores psicológicos associados à recorrência do câncer

Estudo observacional

NE: 4

Medo da recorrência associado ao desemprego, desemprego, menor tempo (anos) pós-transplante, não comparecimento à triagem de saúde, diagnóstico secundário de câncer de pele, idade mais jovem, encaminhamento ao psiquiatra e uso de medicação psicotrópica. 

Depressão, ansiedade, estresse estavam associados ao medo da recorrência e consequentemente à QV

Georges et al., 202030

Avaliar os principais problemas médicos e de QV enfrentados por pacientes com diagnóstico de linfoma sobreviventes de longo prazo após TCTH

Estudo de coorte

NE: 3

 

As condições médicas mais relatadas (>10% de incidência) foram preditores para alterações funcionais: história de herpes-zóster, catarata, osteoporose ou osteopenia, câncer de pele e fratura espontânea. O uso de medicação atual foi mais frequente nos pacientes com mieloma múltiplo para prevenção/tratamento de infecção. O hipotireoidismo tratado foi mais comum em pacientes com linfoma. Pior funcionamento físico para ambos foi associado à idade avançada, menor intervalo desde o transplante, comorbidades, recidiva e tratamento para depressão e ou dor. Pior funcionamento mental foi associado com idade mais jovem e tratamento para ansiedade, depressão ou dor. Disfunção sexual, ansiedade e depressão. Estresse pós-traumático

 

Autor e ano

Objetivos

Método/nível de evidência (NE)

Principais achados

Harrison et al., 202131

Fornecer uma visão geral do procedimento de TCTH, descrever as alterações cognitivas e os fatores de risco associados relatados nessa população, explicar os possíveis mecanismos subjacentes de alterações cognitivas

Revisão narrativa de literatura

NE: 4

 

Fatores de risco para alteração cognitiva: alteração cognitiva pré-transplante, certas terapêuticas comuns usadas em muitos regimes padrão, incluindo metotrexato, citarabina, ciclosporina, irradiação total do corpo/craniana, corticosteroides, imunossupressores, idade mais avançada, status de minoria, formação educacional, número de ciclos de indução, histórico de irradiação craniana profilática, histórico de trauma cranioencefálico, quimioterapia intratecal, regimes de quimioterapia anteriores, tipo de transplante, relação do doador, tempo de internação hospitalar e dias até o enxerto. Impacto sustentado e amplo na saúde do cérebro, causando disfunção cognitiva, fadiga, humor e distúrbio do sono. Nos pacientes afetados, a autonomia, o retorno ao trabalho, os relacionamentos e a QV podem ser afetados

Legendas: QV = qualidade de vida; QVRS = qualidade de vida relacionada à saúde; DECH = doença do enxerto contra o hospedeiro; TCTH = transplante de células-tronco hematopoiéticas; HLA = antígeno leucocitário humano; FACT-BMT = Functional Assessment of Cancer Therapy-Bone Marrow Transplantation.

 

 

 

DISCUSSÃO

De acordo com os artigos selecionados, uma pesquisa mostra que a comorbidade psiquiátrica pré-transplante pode ser um fator de risco potencial para pior QV no pós-procedimento10. Nos demais, não houve ampla abordagem de comorbidades, antecedentes ou artefatos clínicos (próteses, procedimentos permanentes como estomas, cateteres, sondas) que influenciaram significativamente a QV dos sobreviventes submetidos ao TCTH, denotando a oportunidade de novos estudos mais detalhados sobre essa população para que esses dados fossem correlacionados.

 

Uma pesquisa22 também mostrou que pacientes do sexo feminino apresentam dificuldades em lidar com os efeitos relacionados ao transplante e mais problemas com a saúde sexual, porém limitações metodológicas, como desenho transversal e tamanho pequeno da amostra, impediram explorar a causalidade das correlações.

 

Foram relatados piores escores físicos para receptores alogênicos com idade avançada. O tempo transcorrido desde o término do TCTH também foi importante para a ocorrência de maior sintomatologia, indicando que efeitos podem ser minimizados com o transcorrer do tempo. Pacientes mais jovens apresentam pior saúde mental, para ambos os tipos de transplante. Esses dados sinalizam a necessidade de maior suporte direcionado para públicos de faixas etárias distintas26.

 

A variável nível educacional dos transplantados foi analisada em um único estudo longitutinal observacional, com 55 participantes, acompanhados nas etapas pré-transplante, pós-100 e 180 dias, em um hospital referência no Brasil. O resultados indicaram que a escolaridade favorece o autocuidado e entendimento, inserindo-o na condição de participante ativo na busca pelo melhor resultado no curso do tratamento e da reabilitação20.

 

Quanto às condiçoes clínicas, uma única pesquisa de 20173 questionou se o tipo de condicionamento influenciou a QV dos sobreviventes e, pelo fato de a amostra ser reduzida, os dados não tiveram tanta relevância. Porém, espera-se que os pacientes com condicionamento de dose reduzida desfrutem de uma boa QV no período inicial pós-transplante, em razão da menor toxicidade relacionada com o regime e pior no período pós- transplante tardio em função das altas taxas de DECH3. Um estudo de 20139, prospectivo e observacional, concluiu que os desfechos clínicos e a QV em pacientes com neoplasias mieloides submetidos a condicionamento de intensidade reduzida (RIC) não são inferiores ao condicionamento mieloablativo (MAC) em um ano.

 

Ao analisar os eventos adversos relacionados às variáveis clínicas e biopsicossociais, observa-se que a DECH e a fadiga possuem maior prevalência. A DECH é um importante efeito adverso abordado na literatura, seja aguda ou crônica. Trata-se de uma síndrome que afeta os pacientes submetidos ao TCTH e que recebem linfócitos imunocompetentes32. A influência na QV dos sobreviventes tem expressividade na DECH crônica, que pode afetar uma série de órgãos e até necessitar do uso de imunossupressão prolongada, o que influencia diretamente o retorno à normalidade diária após o transplante. Além disso, alguns autores3,19 mostraram que a DECH resultou em depressão e ansiedade, que foram sintomas diretamente relacionados à piora da QV.

 

O sintoma fadiga interferiu nas funções físicas, emocionais, cognitivas e sociais8. No caso dos pacientes com tratamento prévio para linfomas, a fadiga pode estar relacionada à cardiotoxicidade, decorrente da utilização de alguns fármacos citotóxicos como os antracíclicos (doxorrubicina, daunorrubicina, epirrubicina e idarrubicina) que, por múltiplas ações, podem provocar danos nas células miocárdicas33.

 

Adicionalmente, outros efeitos adversos como infecções recorrentes, disfunções no funcionamento sexual e fértil, neoplasias secundárias e sintomas físicos como dor, distúrbios do sono e alterações cognitivas demonstraram influenciar negativamente no bem-estar, além de poderem estar relacionadas a reinternações hospitalares, procura constante por atendimento médico e aumento do estresse, ansiedade e medo, postergando o retorno à rotina diária31,34.

 

Esses efeitos tardios estão relacionados com a piora da QV e do estado funcional dos sobreviventes, que requer um período de recuperação de três a cinco anos9.

 

No entanto, apesar de os dados mostrarem maiores complicações para os receptores alogênicos, é importante salientar que receptores autólogos correm risco de apresentar as mesmas complicações tardias, com toxicidade rara ou comprometimento imunológico após o transplante, colocando-os em risco similar a receptores alogênicos, tendo, como exemplo, exposição a corticosteroides prolongados ou a outros medicamentos que podem causar linfopenia prolongada após o transplante4. Portanto, os profissionais de saúde devem permanecer atentos para complicações independentemente do tipo de procedimento4.

 

Em relação aos domínios físico, emocional e social de maior impacto na QV, as publicações apontaram depressão, ansiedade, medo e incertezas como influenciadores e problemas para atingir plena QV15. Um estudo transversal10, com 121 pacientes portadores de diversas doenças onco-hematológicas, mostra que as variáveis psicológicas são determinantes mais fortes da QV do sobrevivente de TCTH. Isso demonstra que acompanhamento psicológico, terapia ou outras modalidades de tratamento e acompanhamento são intervenções psicossociais necessárias para esse grupo de pacientes14.

 

Ainda neste contexto, problemas financeiros decorrentes do transplante, sejam encargos hospitalares ou dificuldade de retornar ao mercado de trabalho e sua vocação profissional, apareceram em mais de um artigo influenciando a QV. Os sobreviventes normalmente têm um tempo de internação hospitalar prolongado em decorrência do tratamento e, mesmo no contexto público, alguns exames ou medicamentos utilizados durante as internações ou no acompanhamento ambulatorial geram despesas para as famílias e isso causa ansiedade ou preocupação e consequentemente piora na QV9. Esse tempo pode mudar de acordo com o tipo de transplante e complicações no período pós-procedimento, variando de 5 a 106 dias, com média de 38,535. Estudo realizado em 201825 com 88 pacientes submetidos ao TCTH autólogo e alogênico, tendo metade dos participantes sobreviventes portadores de leucemias agudas, mostra que 50% estavam desempregados ou em licença por invalidez, e um quinto relatou baixo rendimento.

 

Entretanto, o retorno à rotina diária, prática de atividade física regular, convívio social e familiar têm influência positiva na QV dos sobreviventes e em sua reinserção social15,16,19,21. Em contrapartida, problemas físicos crônicos, reinternações, questões relacionadas ao trabalho, problemas psicossociais, conflitos religiosos, baixa resiliência e encargos financeiros atrapalham a QV20. O sobrevivente também percebe a oportunidade de mudança de vida pós-procedimento, apreço pela vida e melhora do humor, depressão e ansiedade após intervenção para resolver problemas de saúde sexual3.

 

As limitações da presente pesquisa consistiram na dificuldade que os desenhos selecionados apresentaram para estruturar as variáveis que influenciaram a QV dos sobreviventes do TCTH e, além disso, há urgência na necessidade de acompanhamento e documentação de todos aqueles que são submetidos e sobrevivem a essa modalidade terapêutica.

 

CONCLUSÃO

Variáveis biopsicossociais e clínicas, como comorbidades, antecedentes, artefatos e tipo de condicionamento não influenciaram significativamente a QV dos sobreviventes onco-hematológicos submetidos ao TCTH.

 

Efeitos adversos físicos, emocionais e sociais, envolvendo DECH, fadiga, depressão, ansiedade, medo, incertezas e problemas financeiros influenciam a QV dessa população, tendo a maior escolaridade como um potencializador do autocuidado e da participação ativa como essecial para a tomada de decisões no processo de adoecimento.

 

A QV percebida pelos sobreviventes de câncer onco-hematológico submetidos ao TCTH aponta como variáveis os problemas psicológicos, tendo a depresssão e a ansiedade como principais fatores que impactam na saúde mental. No domínio socioecológico, observam-se disfunção social quanto à vulnerabilidade ocupacional, renda reduzida, problemas sexuais e relações familiares ampliadas. Nas questões relacionadas a sintomas fisicos, o estresse financeiro, condições crônicas autorreferidas, como doenças pulmonares, necrose vascular, insuficiência adrenal ou DECH crônica são fatores que impactam de forma negativa nessa alçada. Porém, lembrando que essas condições físicas e psicológicas são demandas que surgiram como consequência do tratamento, o TCTH.

 

A presente revisão desenhou um cenário de muitas demandas do sobrevivente de TCTH. O plano de cuidados do sobrevivente deve ser interdisciplinar, capaz de realizar uma avaliaçao multidimensional. O aspecto biológico, incluindo a recidiva da doença, e outras complicações advindas do tratamento, são importantes. Assim, assistir para a minimização ou resolução de sinais e sintomas tardios, bem como educar os pacientes para a autoeficácia e autogestão deve ser uma preocupação. Entretanto, os cuidados psicossocial e espiritual não podem ser excluídos. Os sobreviventes apresentam manifestações emocionais e dificuldades de relacionamentos, conjugal, familiar, complicações laborais e perdas finaceiras, que impactam negativamente a QV. Os resultados devem permear um reolhar sobre as consultas restritamente realizadas pelos médicos, com tempo restrito, por considerar esse paciente menos carente de cuidados quando comparado ao paciente no diagnóstico ou tratamento ativo.

 

CONTRIBUIÇÕES

Michele Eugênio da Silva Vigarinho e Maria das Graças Silva Matsubara contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica. Edvane Birelo Lopes De Domenico contribuiu substancialmente na redação e revisão crítica. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) n.º 306687/2018-6.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 17/5/2022

Aprovado em 12/9/2022

 

Editor-associado: Fernando Lopes Tavares de Lima. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8618-7608

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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