ARTIGO ORIGINAL

 

Perfis Social e Previdenciário: Influência na Qualidade de Vida dos Pacientes submetidos à Radioterapia

Social and Social Security Profile: Influence on the Quality of Life of Patients Undergoing Radiotherapy

Perfil Social y de Seguridad Social: Influencia en la Calidad de Vida de los Pacientes Sometidos a Radioterapia

 

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n4.2716

 

Stella Grigolette Rodrigues1; Lilian Chessa Dias2; Marielza Regina Ismael Martins3

 

1-2Instituto do Câncer do Hospital de Base de São José do Rio Preto. São José do Rio Preto (SP), Brasil. E-mails: stella.grigolette@gmail.com; lilian.dias@ambulatoriohb.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5869-9887; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-0250-9647

3Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), Departamento de Ciências Neurológicas. São José do Rio Preto (SP), Brasil. E-mail: marielzamartins@famerp.br. OrcidiD: https://orcid.org/0000-0002-1140-7581

 

Endereço para correspondência: Marielza Regina Ismael Martins. Famerp. Departamento de Ciências Neurológicas. Avenida Brigadeiro Faria Lima, 5416 − Vila São Pedro. São José do Rio Preto (SP), Brasil. CEP 15090-000. E-mail: marielzamartins@famerp.br

 

 

RESUMO

Introdução: O câncer está sendo diagnosticado cada vez com mais frequência em todo o mundo, e os avanços no tratamento radioterápico estão estendendo o tempo de sobrevivência para os pacientes acometidos, contudo, pouca atenção é dada à qualidade de vida e ao gerenciamento das emoções desencadeadas por sua condição social. Objetivo: Analisar os perfis social e previdenciário dos pacientes em tratamento radioterápico no Hospital de Base de São José do Rio Preto e correlacioná-los à sua qualidade de vida. Método: Estudo exploratório, descritivo, com abordagem quantitativa, realizado com 60 pacientes com diagnóstico de câncer em tratamento radioterápico. Foram utilizados dois questionários avaliativos, o de perfil socioeconômico e previdenciário da Graciano & Lehfeld e o genérico de qualidade de vida Whoqol-bref. Resultados: Durante o tratamento, houve um efeito negativo significativo na qualidade de vida, nos domínios físico e psicológico, impactando as correlações positivas entre escolaridade versus qualidade de vida, e aposentadoria versus qualidade de vida, revelando que as questões sociais e previdenciárias têm consideráveis influências nessas especificações. Conclusão: A importância do comportamento comunicativo da equipe multidisciplinar, realizado por meio de acolhimento, escuta qualificada e humanizada, e um atendimento abrangente avaliando a qualidade de vida podem minimizar os fatores que afetam o cotidiano e encorajá-los à adesão correta do tratamento.

Palavras-chave: neoplasias/radioterapia; condições sociais; aposentadoria; qualidade de vida.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Cancer is being diagnosed more and more frequently all over the world, and advances in radiotherapy treatment are extending the survival time for affected patients, however, little attention is given to the quality-of-life and the management of emotions triggered by their social condition. Objective: To analyze the social and social security profile of patients undergoing radiotherapy treatment at Hospital de Base de São José do Rio Preto and to correlate them with their quality-of-life. Method: Descriptive exploratory study, with a quantitative approach, with 60 patients diagnosed with cancer in radiotherapy. Two evaluation questionnaires, one socioeconomic and social security of Graciano & Lehfeld and the Whoqol-bref, generic of quality-of-life. Results: During treatment there was a negative effect on quality-of-life, in the physical and psychological domains, impacting the positive correlations between education versus quality-of-life and retirement versus quality-of-life, revealing that social and social security issues have considerable influence on these specificities. Conclusion: The importance of the communicative behavior of the multidisciplinary team, through well-coming, qualified and humanized listening, and a comprehensive consultation evaluating the quality-of-life can minimize the factors affecting daily life and encourage them to proper adherence to treatment.

Key words: neoplasms/radiotherapy; social conditions; retirement; quality of life.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer se diagnostica cada vez con más frecuencia en todo el mundo, y los avances en el tratamiento de radioterapia están ampliando el tiempo de supervivencia de los pacientes afectados, sin embargo, se presta poca atención a la calidad de vida y a la gestión de las emociones desencadenadas por su condición social. Objetivo: Analizar el perfil social y de seguridad social de los pacientes en tratamiento de radioterapia en el Hospital de Base de São José do Rio Preto y correlacionarlos con su calidad de vida. Método: Estudio descriptivo exploratorio, con abordaje integral, realizado con 60 pacientes diagnosticados de cáncer en radioterapia. Se utilizaron dos cuestionarios económicos, el perfil socioeconómico y el previsional de Graciano & Lehfeld y el valor genérico de calidad de vida Whoqol-bref. Resultados: Durante el tratamiento hubo un efecto negativo en la calidad de vida, en los dominios físico y psicológico, impactando con correlaciones positivas entre educación versus calidad de vida y jubilación versus calidad de vida, revelando que las cuestiones sociales y de seguridad social tienen influencias considerables en estas especificaciones. Conclusión: La importancia del comportamiento comunicativo del equipo multidisciplinario, respetado y adecuado al tratamiento, y un servicio integral que evalúe la calidad del comportamiento humano pueden minimizar los factores de la calidad de vida diaria y incentivar la correcta adherencia al tratamiento.

Palabras clave: neoplasias/radioterapia; condiciones sociales; jubilación; calidad de vida.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer está sendo diagnosticado cada vez com mais frequência em todo o mundo, e os avanços no tratamento estão estendendo o tempo de sobrevivência para os pacientes acometidos1.

 

Um estudo recente com base no Reino Unido indica que os sobreviventes do câncer parecem ter problemas de saúde contínuos, pior saúde geral e bem-estar físico, aumento da dor, maiores preocupações financeiras e capacidade reduzida para o trabalho, comparados aos indivíduos sem diagnóstico de câncer2. Compreender as consequências do diagnóstico e do tratamento torna-se cada vez mais importante para otimizar o suporte ao paciente e minimizar o impacto na vida diária3.

 

Com relação aos tratamentos, a radioterapia é uma das modalidades básicas e a mais comumente estratégia de tratamento usada, com aproximadamente 60% dos pacientes com tumores sólidos recebendo irradiação curativa ou paliativa como parte de sua terapêutica4. Técnicas de alta precisão estão disponíveis atualmente, tornando-se um procedimento mais seguro e eficaz, poupando tecido normal adjacente4,5.

 

Nas últimas duas décadas, houve uma melhora substancial na sobrevida do paciente com câncer, como resultado da detecção precoce, avanços técnicos cirúrgicos, melhor programação e planejamento da radioterapia5.

 

Nos últimos 30 anos, os pesquisadores do câncer têm usado vários métodos para avaliar a eficácia das intervenções terapêuticas com base em seus impactos na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS). Esses esforços levaram a uma mudança relativamente recente no que diz respeito aos tratamentos contra o câncer, não somente prolongando a vida, mas também mantendo a qualidade de vida (QV) pelo maior tempo possível6.

 

A QV de um paciente com câncer antes e depois do tratamento é uma questão importante, especialmente para os sobreviventes do câncer, seus familiares e os prestadores de cuidados7. Na perspectiva do câncer, a QV pode ser definida como uma sensação de bem-estar, com um aspecto multidimensional que inclui dimensões: física, psicológica, social e espiritual, assim, mudanças em uma delas podem influenciar percepções em outras dimensões também8. Estudos atuais relatam que pacientes com câncer devem exigir informações relacionadas aos efeitos adversos do tratamento e ações a serem tomadas para reduzi-los, realizando o fornecimento de informações suficientes antes do início do procedimento independentemente do tipo de tratamento8,9.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)10, a QV não se limita à ausência de doença ou enfermidade, mas engloba a capacidade de um indivíduo viver de forma produtiva e agradável, tornando importante o apoio da equipe médica, multidisciplinar e dos familiares, proporcionando maior tranquilidade e assistência e, consequentemente, reduzindo a ansiedade.

 

Pacientes com câncer devem receber informações suficientes antes de iniciar qualquer procedimento/tratamento, sendo integrados mais ao tratamento e gerando maior segurança e autonomia11.

 

Pereira et al.12 referem que a análise da QVRS dos pacientes oncológicos representa uma forma de quantificar, em termos cientificamente analisáveis, as consequências das doenças e de tratamentos, sob uma percepção subjetiva dos pacientes. Sendo assim, a avaliação da QVRS ganhou relevância como medida de avaliação da eficácia, eficiência e impacto de determinados tratamentos, pois, além de manter o caráter multidimensional e geral da QV, é uma medida que dá ênfase aos sintomas, incapacidades e limitações ocasionadas por enfermidades12.

 

Contudo, além dos efeitos da radioterapia que afetam diretamente a questão física, deve-se levar em consideração os aspectos e as repercussões socioemocionais, como medo, estresse, ansiedade, alteração da imagem corporal, sinais de alerta para angústias e até mesmo a depressão13. Logo, o conhecimento e a valorização da singularidade possibilitam que os profissionais de saúde conduzam suas ações para além das questões técnicas, ampliando seu campo de visão, para cuidar de modo abrangente e assertivo11.

 

Nesse contexto, estudos14,15 apontam fatores socioeconômicos e demográficos interferindo de forma incisiva na QVRS de pacientes oncológicos e analisam como essas variáveis associadas aos perfis sociodemográfico e previdenciário, inseridos em diversos cenários, objetivam minimizar os impactos negativos gerados pelo tratamento.

 

Diante disso, verifica-se que o tratamento do câncer está passando de um gerenciamento focado na doença para uma abordagem personalizada centrada no paciente, e a atuação da equipe multidisciplinar é o que define estratégias individuais por meio da tomada de decisão compartilhada entre os profissionais da saúde e o paciente16.

 

Não foram identificados, na literatura científica da área, estudos que avaliam o impacto dos perfis social e previdenciário de pacientes com câncer na QV em tratamento radioterápico, contudo, Pereira et al.12 relatam, em sua pesquisa, que o crescente aumento da incidência e da prevalência do câncer tornaram-no um problema de saúde pública, demandando novas exigências aos serviços de saúde. Os autores citam que o tratamento, por colocar limite ao exercício da atividade laborativa, estabelece a necessidade do acesso à proteção social.

 

Diante desse contexto, esta pesquisa buscou analisar os perfis social e previdenciário de pacientes diagnosticados com câncer, submetidos ao tratamento radioterápico, e avaliar a QV, observando que essa lacuna no conhecimento mobilizou o interesse por desenvolver o estudo.

 

MÉTODO

Estudo observacional, transversal, quantitativo e analítico desenvolvido na unidade ambulatorial de Radioterapia, localizada no subsolo do Hospital de Base de São José do Rio Preto, SP, de março a julho de 2021. Foram incluídos todos os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que receberam diagnóstico de câncer e iniciaram tratamento na Radioterapia da Instituição, maiores de 18 anos, de ambos os sexos, conscientes, lúcidos e com capacidade de verbalização para responder aos itens dos instrumentos propostos para o estudo. Excluíram-se os pacientes que apresentaram intercorrências clínicas (respiratória, cardíaca ou neurológica) no período da coleta de dados, não apresentaram condições cognitivas mínimas para participar, identificados pelas respostas aos questionamentos que abrangera: onde se encontrava naquele momento, ano de nascimento, procedência, qual o mês e dia da semana. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), sob o número de protocolo 3.922.130 (CAAE: 28218620.0.0000.5415). Para avaliar a QV, foi utilizado o questionário genérico Whoqol-bref16, composto pelos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente, e o perfil social por meio do questionário de perfis socioeconômico e previdenciário de Graciano et al.17, que compreende os seguintes indicadores: situação socioeconômica, número de membros da família, escolaridade, ocupação e habitação, sistematizados em uma tabela, denominada “Instrumental de avaliação socioeconômica”. Para apreensão do material empírico, foi feito um contato prévio com o paciente selecionado, para informar-lhe sobre o estudo e obter anuência para participação. Os dados foram obtidos, durante atendimento, por meio dos instrumentos aplicados a cada participante em um único encontro.

 

O tamanho da amostra baseou-se na fórmula:

 

n0=1/E2 e n=(N.n0)/(N+n0)

 

Onde n0 é uma aproximação inicial (da população) e n é o número final da amostra, com erro amostral (E) de 5%, obtendo-se um n de 60 (aproximadamente 80% do total).

 

A seleção da amostra foi realizada a partir do processo de amostragem não probabilística, consecutiva, caracterizada por ser composta por indivíduos arrolados consecutivamente, que estivessem acessíveis em um período de tempo e que atendessem aos critérios de inclusão. Os dados foram digitados em planilha Excel, e os testes estatísticos foram realizados pelo Statistical Package for the Social Science (SPSS). Utilizaram-se, como teste estatístico, frequência e porcentagem para caracterização da amostra; média e desvio-padrão para análise das respostas dos instrumentos; e os testes de correlação de Pearson e Spearman para comparar as respostas entre os dois instrumentos. O instrumento de QV Whoqol-bref foi calculado de acordo com o seu manual de instruções.

 

RESULTADOS

Durante o período de coleta de dados, 60 pacientes foram elegíveis para participar do estudo, sendo 65% (n=39) pacientes do sexo masculino e 35% (n=21) do sexo feminino, com maior percentual de casados (81,6%; n=49), e 51,6% (n=31) relataram ser acompanhados e cuidados pelo cônjuge, tendo um bom relacionamento familiar (96,8%; n=58), e a maioria (63,3%; n=38) havia estudado até o ensino fundamental. Observou-se que, em média, estavam realizando a décima sessão de radioterapia, e que a maioria residia em zona urbana e em imóvel próprio, entre 50km a 100km de distância do município de origem e o hospital, vindo, em sua maioria, 70% (n=42) em transporte municipal para o Hospital de Base, onde fica localizado o tratamento radioterápico. De acordo com a questão previdenciária, a maioria (51,6%; n=31) estava aposentada por tempo de contribuição, seguida de 23,3% (n=14) aposentados por invalidez. Com relação aos hábitos, 33,4% (n=20) ingeriam bebida alcoólica e 50% (n=30) eram tabagistas.

 

De acordo com a Tabela 1, pôde se estabelecer um perfil social característico de pacientes com baixa escolaridade, católicos, trabalhadores rurais, casados e que não trabalhavam.

 

Tabela 1. Caracterização dos pacientes (n=60) segundo profissão, trabalho e situação previdenciária

Variável

n

%

Profissão

 

 

Trabalhador rural

17

28,3

Serviços gerais/doméstica

15

25

Metalúrgico/operador de máquina

6

10

Motorista

5

8,3

Costureira

3

5

Pedreiro

3

5

Comerciante

2

3,4

Representante comercial

2

3,4

Outros

7

11,6

Trabalhou durante o tratamento

 

 

Sim

10

16,7

Não

50

83,3

Situação previdenciária

 

 

Aposentado

31

51,6

Auxílio doença

6

10

Aposentado por invalidez

14

23,3

Salário

4

6,6

Outros

5

8,3

 

 

Tabela 2. Caracterização dos pacientes (n=60) quanto aos aspectos clínicos

Tipos de câncer

n

%

Próstata

11

18,3

Cabeça/pescoço

13

21,6

Brônquios/pulmões

9

15

Mama

8

13,3

Reto

6

10

Colo de útero

5

8,3

Esôfago

2

3,3

Encéfalo

2

3,3

Bexiga

1

1,7

Pele

1

1,7

Mieloma

1

1,7

Canal anal

1

1,7

Tratamento oncológico

 

 

Cirurgia e radioterapia

4

6,6

Cirurgia/quimioterapia/radioterapia

22

36,6

Quimioterapia/radioterapia

34

56,8

 

 

O tipo de neoplasia maligna mais frequente foi o câncer de cabeça e pescoço (21,6%; n=13), seguido pelo câncer de próstata (18,3 %; n=11). Observou-se que a maioria dos pacientes da amostra foi submetida à quimioterapia e à radioterapia, sendo indicadas concomitantemente, pois isso dependia do estadiamento clínico e do tipo histológico de cada paciente.

 

Com a finalidade de detectar quais aspectos da QV dos pacientes não eram satisfatórios durante o tratamento radioterápico, foram calculados a média e o desvio-padrão das respostas dos indivíduos em cada domínio do questionário genérico Whoqol-bref16 (Tabela 3).

 

A consistência interna do instrumento foi verificada por meio do coeficiente de fidedignidade Alpha de Cronbach quanto aos domínios (0,73), facetas (0,91) e cada domínio separadamente – físico (0,88), psicológico (0,74), relações sociais (0,73) e meio ambiente (0,60) –, resultados considerados satisfatórios para atestar a consistência interna do instrumento para este estudo.

 

Tabela 3. Escores obtidos no Whoqol-bref de pacientes em radioterapia (n=60) no período de março a julho 2021

Domínios

Média

Desvio-padrão

Coeficiente de variação

Mínimo

Máximo

Amplitude

Físico

54,4

3,00

23,60

6,29

17,71

11,43

Psicológico

61,1

2,75

19,93

8,00

18,67

10,67

Relações sociais

67,6

2,92

19,67

6,67

20,00

13,33

Meio ambiente

67,8

2,00

13,58

10,50

19,00

8,50

Qualidade de vida geral

61,4

4,04

31,40

4,00

20,00

16,00

 

 

Conforme se observa, os aspectos físico (54,4) e psicológico (61,1) foram os mais comprometidos, impactando negativamente a QV geral (61,4).

 

A partir dos resultados obtidos, buscou-se identificar as facetas mais influentes negativamente para QV em cada um dos domínios e, avaliando os escores dos pacientes em tratamento radioterápico, pode-se observar na Figura 1 que a dor, o desconforto e a dependência a medicações ou tratamentos, que fazem parte do domínio físico, além dos sentimentos negativos, pertencentes ao domínio psicológico, foram os mais comprometidos (<50).

 

Figura 1. Resultados encontrados em cada faceta dos domínios do Whoqol-bref de pacientes em radioterapia (n=60)

 

 

Cabe ressaltar que, neste estudo, as facetas da capacidade para o trabalho, pertencentes ao domínio físico, sentimentos positivos do domínio psicológico e recursos financeiros relativos ao meio ambiente também obtiveram baixos escores, o que impacta negativamente a QV (<50). Com relação à atividade sexual, houve a ausência de três entrevistados, gerando um total de 57 respondentes dessa questão, porém, isso não comprometeu a estatística geral, contudo, cabe salientar que, inserida no domínio de relações sociais, também apresentou um escore prejudicado (50).

 

Foram realizadas, por meio dos testes de Pearson (r) e Spearman (p), as correlações entre as variáveis escolaridade versus QV, sendo a correlação positiva r=0,78 e p≤0,01; isto é, quanto menor a escolaridade menor a QV, e aposentadoria versus QV (r=0,96 e p≤0,01) correlacionadas positivamente, sugerindo que quanto maior a aposentadoria melhor a QV.

 

Observam-se, nos resultados, consideráveis características específicas e lineares entre os pacientes participantes do estudo e o quanto é relevante relacionar os domínios do Whoqol-bref com os perfis social e previdenciário dos pacientes.

 

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que os participantes deste estudo possuíram como características sociodemográficas predominantes o sexo masculino (65%), a faixa etária de 36 a 82 anos (média 61 anos), maior percentual de casados (81,6%), baixa escolaridade/fundamental incompleto (63,3%), aposentados (51,6%), que consomem álcool (33,4%) e tabaco (50%), o que justifica os dados estimados do Instituto Nacional de Câncer (INCA)18 em relação ao tipo de câncer mais frequente durante esta pesquisa (21,6%), que são os tumores de cabeça e pescoço, mais comuns em homens na faixa dos 60 anos de idade, sendo os fatores de risco o tabagismo e o consumo excessivo de álcool.

 

A maioria julga ter como religião o catolicismo (46%), salientando que, no Brasil, é a religião predominante desde o século XVI e, em acordo com as pesquisas da Fundação Getúlio Vargas, que afirma que, no Estado de São Paulo, mais de 66% da população se denominam católica. Esses achados corroboram também os já apresentados na literatura sobre pacientes em tratamento radioterápico, que revelam o sexo masculino o mais prevalente, assim como a faixa etária acima dos 40 anos, além da baixa escolaridade e do uso regular de álcool e cigarro19.

 

Cabe refletir quanto à influência da pandemia mundial da covid-19 na aplicação e nos resultados dos instrumentos de avaliação da QV, já que toda a população teve um declínio significativo nos domínios, por conta das mudanças, ansiedades, medos, isolamento social entre outros20,21.

 

Com relação à QV, este estudo apresenta o domínio físico que contempla capacidade para o trabalho, dor e desconforto com baixos escores (≤50), demonstrando o impacto na QV.

 

O estudo de Beamer e Grant22, que avaliou 40 mulheres submetidas à radioterapia, indicou uma piora na QV no domínio físico, corroborando o presente estudo e associando esse sintoma a um declínio da QV global, preocupação social, bem-estar psicológico e físico.

 

Rim et al.23, em um estudo prospectivo de QV após a radioterapia em 1.156 mulheres com cirurgia de mama e submetidas à cirurgia e à radioterapia, relatam as categorias dor/desconforto e autocuidado escores mais baixos.

 

Outras categorias do domínio psicológico (sentimentos positivos) e meio ambiente (recursos financeiros) também revelaram pior QV(≤50). Yucel et al.2, avaliando pacientes durante a última semana de radioterapia, mostraram que as dimensões psicológicas estavam afetadas, causando QV alterada.

 

Quanto à categoria que considera os recursos financeiros afetando a QV, o estudo de Silva et al.24 aponta que o dano financeiro às famílias é uma das consequências pouco debatidas após o diagnóstico, mesmo com o tratamento gratuito do SUS no Brasil, que vem tratando de pacientes com dificuldades financeiras e poucos recursos, os quais enfrentam uma longa espera por consultas, exames e pelo tratamento contra a doença.

 

Analisando outros aspectos resultantes neste presente trabalho, os pacientes submetidos aos tratamentos de cirurgia e radioterapia apresentaram comprometimentos de aspectos físicos e psicológicos, mas o ponto relevante é que houve evidências de correlação entre o perfil social, representado pela escolaridade, e o perfil previdenciário por meio da categoria aposentadoria. Essas duas variáveis foram escolhidas por terem tido maior representatividade na frequência de respostas.

 

Não se obtiveram publicações que norteassem essas questões, porém verificou-se, no estudo de Cabral et al.25, que o intervalo entre o diagnóstico do câncer e o início do tratamento foi maior para pacientes com características sociais mais vulneráveis, entre elas a baixa escolaridade. Esse fato valida a correlação positiva entre escolaridade e QV dos pacientes oncológicos em tratamento radioterápico da presente pesquisa.

 

Yoo et al.26 detectaram em seu estudo que as desigualdades sociais dos pacientes com câncer, quando associadas a características individuais como escolaridade, renda, raça, entre outras, colocam alguns grupos em desvantagem em relação a outros, e podem se traduzir não apenas em piores condições de saúde, mas também em desigualdades no acesso e na utilização dos serviços e tratamentos.

 

Barata27 verificou em seu estudo que a utilização dos serviços de saúde é um complexo resultante da interação entre diversos fatores incluindo características socioeconômicas, demográficas, culturais e psíquicas, necessidades relacionadas à saúde, características dos serviços e dos profissionais de saúde, e a disponibilidade de acesso geográfico e social, entre outros. Continuam relatando que esses fatores podem ter diferentes impactos no acesso à saúde dependendo do tipo de atendimento (prevenção, cura ou reabilitação), serviço (internação, tratamentos como quimioterapia e radioterapia) e nível de complexidade (primário especializado ou alta complexidade envolvida).

Braz et al.6 relataram em seu trabalho que as equipes multidisciplinares de câncer são recomendadas como instrumento essencial de uma política eficaz de tratamento do câncer por muitas sociedades científicas. Assim, para oferecer um tratamento adequado ao paciente, é importante capturar o contexto de cada um, realizado por meio da comunicação e da assertividade16,17.

 

No trabalho de Liedke et al.28, perfis de menor escolaridade, raça/cor da pele parda ou preta, falta de acesso à saúde, sendo condições interligadas, podem refletir desigualdade na utilização de serviços oncológicos.

 

Diante desse contexto, a presente pesquisa buscou trazer para apreciação novas informações e relações para verificação e ampliação do conhecimento disponível sobre o assunto.

 

CONCLUSÃO

Os resultados revelam um perfil social composto, em sua maioria, por homens, idosos, casados, de baixa escolaridade e residentes em imóvel próprio com a condição da habitação regular. Tendo como principal característica de renda familiar e previdenciária a aposentadoria, em média de dois salários-mínimos, refletindo em questões sociais importantes.

 

Com relação à QV, o presente estudo, com as correlações evidenciadas, sugere um impacto negativo na QV dos pacientes, por inúmeros fatores e domínios.

 

Assim, destaca-se a necessidade da assistência à saúde na sua integralidade, respeitando as especificidades e complexidades e reconhecendo a influência das desigualdades sociais durante o acesso aos tratamentos oncológico e radioterápico contextualizados nesta pesquisa, a fim de desenvolver novas propostas, elaboração de estratégias para o tratamento mais humanizado e assertivo, voltado para o paciente como um todo, e as reais necessidades deles com intuito de controlar, contribuir e prevenir os fatores que afetam o cotidiano terapêutico e a QV dos pacientes.

 

Como limitação do estudo, existe o fato de ter sido realizado com uma população local de um serviço específico, não permitindo a generalização dos dados. Dessa forma, justifica-se a importância de que novas pesquisas sejam realizadas em relação a essa temática, de modo a contribuir para uma melhor compreensão das dificuldades enfrentadas pelos pacientes em radioterapia, considerando-se relevante pensar a sistematização do atendimento desses pacientes, utilizando os perfis social e previdenciário encontrados neste estudo.

 

Observa-se que pesquisas que traçam o perfil e buscam conhecer a QV de uma população podem ser utilizadas como indicadores de mudança social, por meio de humanização, trabalho em equipe multidisciplinar e implantação de políticas públicas e institucionais.

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 20/6/2022

Aprovado em 21/9/2022

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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