ARTIGO ORIGINAL

 

Análise dos Critérios Imunofenotípicos por Citometria de Fluxo para Definição das Doenças Linfoproliferativas Crônicas de Células B

Analysis of Immunophenotypic Criteria by Flow Cytometry to Define B-Cell Chronic Lymphoproliferative Diseases

Análisis de Criterios Inmunofenotípicos por Citometría de Flujo para Definir Enfermedades Linfoproliferativas Crónicas de Células B

 

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n1.2734

 

Lacy Cardoso de Brito Junior1; Maria Beatriz da Silva Fonseca2; Ana Paula Silveira Paixão3; Nilmara Suellen Lopes Castro Mendes4; Jessica Sabrina Cordeiro Parente5; Matheus Holanda Nascimento (in memoriam)6

 

1Universidade Federal do Pará (UFPA), Instituto de Ciências Biológicas, Laboratório de Patologia Geral – Imunopatologia e Citologia. Belém (PA), Brasil. E-mail: lcdbrito2@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9102-5817

2Pesquisador Autônomo. Belém (PA), Brasil. E-mail: mabifonseca8@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7307-1721

3,4Laboratório de Patologia Clínica Dr. Paulo C. Azevedo. Belém (PA), Brasil. E-mails: apsp17@gmail.com; nilmaraslclpa@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-3827-507X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6170-8289

5Fundação Centro de Hemoterapia e Hematologia do Pará (Hemopa). Belém (PA), Brasil. E-mail: sabrinacparent@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4706-4103

6UFPA. Laboratório de Patologia Clínica Dr. Paulo C. Azevedo. Belém (PA), Brasil. E-mail: matheushn97@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9351-2918

 

Endereço para correspondência: Lacy Cardoso de Brito Júnior. UFPA, Instituto de Ciências Biológicas; Laboratório de Patologia Geral – Imunopatologia e Citologia. Av. Augusto Corrêa, 1 – Guamá. Belém (PA), Brasil. CEP 66075-900. E-mails: lcdbrito@ufpa.br; lcdbrito2@gmail.br

 

 

RESUMO

Introdução: A citometria de fluxo é uma metodologia importante para o diagnóstico das doenças linfoproliferativas crônicas de células B (DLPCB), contudo, por vezes, o citometrista não encontra subsídios suficientes para a definição exata da entidade patológica envolvida. Objetivo: Analisar os laudos emitidos a pacientes com doenças linfoproliferativas crônicas (DLPC) atendidos em um laboratório particular de Belém-PA, segundo os critérios de classificação estabelecidos pelos estudos de Matutes et al. e Craig e Foon. Método: Estudo retrospectivo com laudos de pacientes que realizaram imunofenotipagem por citometria de fluxo para diagnóstico de DLPCB no período entre setembro de 2015 a dezembro de 2019. Resultados: Depois de aplicados os critérios de Matutes et al. e Craig e Foon para os laudos analisados, observou-se concordância em: 45,24% casos de leucemia linfoide crônica de células B/linfoma linfocítico de pequenas células B; 14,29% casos de linfoma folicular; 4,76% casos de leucemia de células pilosas; e 21,43% de casos definidos como “outras DLPCB não classificáveis por citometria de fluxo”. Entretanto, o teste de hipóteses de Hotelling (p=0,0409) mostrou haver diferença estatística para a definição das DLPCB segundo os critérios aplicados. Conclusão: Os resultados ressaltam que, mesmo sendo a citometria de fluxo importante para a caracterização das DLPCB, por vezes, o citometrista necessita incluir no laudo a categoria “outras doenças linfoproliferativas crônicas de células B não classificadas por citometria de fluxo” para induzir o prescritor a solicitar mais exames complementares.

Palavras-chave: transtornos linfoproliferativos/diagnóstico; imunofenotipagem; citometria de fluxo.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Flow cytometry is an important methodology for the diagnosis of chronic B-cell lymphoproliferative diseases (CBCLPD), however, sometimes the cytometrist does not find sufficient elements for the exact definition of the pathological entity involved. Objective: To analyze the reports issued to patients with chronic lymphoproliferative diseases (CLPD) tested at a private laboratory in Belém-PA, according to the classification criteria established by the studies by Matutes et al. and Craig and Foon. Method: Retrospective study with reports of patients who underwent immunophenotyping by flow cytometry for the diagnosis of CBCLPD from September 2015 to December 2019. Results: After applying the criteria by Matutes et al. and Craig and Foon to the reports analyzed, agreement was reached for 45.24% of the cases of chronic b-cell lymphocytic leukemia/small B-cell lymphocytic lymphoma, 14.29% of the cases of follicular lymphoma, 4.76% of the cases of hairy cell leukemia and 21.43% of the cases defined as “other CBCLPDs not classifiable by flow cytometry”. However, Hotelling's hypothesis test (p=0.0409) showed a statistical difference for the definition of CBCLPD according to the criteria adopted. Conclusion: The results emphasize that even though flow cytometry is important for the characterization of CBCLPD, sometimes the cytometrist needs to include the category “other chronic B-cell lymphoproliferative diseases not classified by flow cytometry” in the report to induce the prescriber to request additional complementary exams.

Key words: lymphoproliferative disorders/diagnosis; immunophenotyping; flow cytometry.

 

 

RESUMEN

Introducción. La citometría de flujo es una metodología importante para el diagnóstico de enfermedades linfoproliferativas crónicas de células B (ELPCB), sin embargo, en ocasiones el citometrista no encuentra suficientes subsidios para la definición exacta de la entidad patológica involucrada. Objetivo: Analizar los informes emitidos a pacientes con enfermedades linfoproliferativas crónicas (ELPC) tratados en un laboratorio privado en Belém-PA, de acuerdo con los criterios de clasificación establecidos por los estudios de Matutes et al. y Craig y Foon. Método: Retrospectivo con relatos de pacientes que se sometieron a inmunofenotipificación por citometría de flujo para el diagnóstico de ELPC de septiembre de 2015 a diciembre de 2019. Resultados: Tras aplicar los criterios de Matutes et al. y Craig y Foon a los informes analizados, se observó concordancia en: 45,24% de los casos de leucemia linfocítica crónica de células B/linfoma linfocítico de células B pequeñas; 14,29% casos de linfoma folicular; 4,76% casos de leucemia de células peludas; y 21,43% de los casos definidos como “otros ELPCB no clasificables por citometría de flujo”. Sin embargo, la prueba de hipótesis de Hotelling (p=0,0409) mostró diferencia estadística para la definición de ELPCB según los criterios aplicados. Conclusión: Nuestros resultados enfatizan que si bien la citometría de flujo es importante para la caracterización de ELPCB, en ocasiones el citometrista necesita incluir en el informe la categoría “otras enfermedades linfoproliferativas crónicas de células B no clasificadas por citometría de flujo” para inducir al prescriptor a solicitar más exámenes complementarios.

Palabras clave: trastornos linfoproliferativos/diagnóstico; inmunofenotipificación; citometría de flujo.

 

 

INTRODUÇÃO

As doenças linfoproliferativas crônicas (DLPC) formam um grupo heterogêneo de neoplasias malignas linfoides de células B, T ou NK com comportamentos clínicos, fatores patológicos e características epidemiológicas1,2 bastante diferentes entre si. Entre elas, as DLPC de células B (DLPCB) são as mais frequentes e têm seus diagnósticos iniciais realizados por citometria de fluxo, com amostras de sangue periférico, sendo principalmente: leucemia linfoide crônica de células B/linfoma de pequenas células B (LLC/LLPCB); leucemia de células pilosas (LCP), também chamada de tricoleucemia; linfoma de células do manto (MCL); linfoma folicular (LF) e leucemia prolinfocítica (LPL)1-4.

 

Segundo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS)1,2, o diagnóstico de DLPCB, com repercussão no sangue periférico, é feito em pacientes que apresentam linfocitose persistente, mais do que 5 x 109 linfócitos/mL de aspecto maduro no hemograma, acompanhada ou não de infiltração da medula óssea, adenomegalia e hepatoesplenomegalia. A partir desses achados, diversos métodos diagnósticos devem ser aplicados nessa investigação, como, por exemplo, biópsia e imuno-histoquímica da massa tumoral quando existente; citogenética clássica ou molecular; e, principalmente, a avaliação imunofenotípica por citometria de fluxo dos linfócitos do sangue periférico ou da medula óssea do paciente. Porém, mesmo sendo essa metodologia simples, rápida, eficiente, menos invasiva por usar amostras de sangue periférico e permitir a classificação primária da entidade patológica envolvida segundo a ontogenia celular, o estágio de maturação e a expressão de antígenos aberrantes3-9, ainda assim, por vezes, o citometrista não encontra subsídios suficientes para a definição exata da entidade patológica envolvida.

 

Nesse sentido, vários estudos na literatura5,7,9,10-12 têm sugerido que os painéis para essa identificação das células B clonais maduras devem conter uma grande quantidade de combinações de anticorpos monoclonais, como, por exemplo, os anticorpos CD19, CD20, CD22, CD79a, CD79b, CD43, Bcl2, Bcl6, CD10, CD5, CD38, CD25, CD23, IgM, CD200, CD103, CD11c, além de anticorpos para as cadeias leves kappa e lambda da imunoglobulina, contudo, somente após aplicados critérios de classificação imunofenotípicas para as DLPCB, como os estabelecidos pelos estudos de Matutes et al.13 e Craig e Foon14, é possível uma definição mais segura da doença em questão.

 

Os critérios de classificação das DLPCB estabelecidos por Matutes et al.13, por exemplo, levam em consideração que a LLC/LLPCB é a DLPCB de maior frequência em amostra de sangue periférico e, como tal, esses autores avaliam a expressão de cinco marcadores imunofenotípicos (CD5, CD23, FMC7, CD22 ou CD79b) para o diagnóstico diferencial entre a LLC/LLPCB e as demais DLPCB. Para tanto, esses autores atribuem pontos de 0 a 1 conforme a intensidade e a expressão ou não desses antígenos em células B. Eles também consideram que pode tratar-se de: LLC/LLPCB típica quando a pontuação fica entre 4 e 5 pontos; LLC/LLPCB atípica quando a pontuação fica em 3 pontos; e que se trata de outro tipo de DLPCB quando a pontuação fica entre 0 e 2 pontos.

 

Segundo Craig e Foon14, os critérios que devem ser utilizados para classificar imunofenotipicamente as DLPCB levam em consideração a variação na expressão dos antígenos CD5 e CD10 em células B maduras, isto é, CD5+CD10-, CD5-CD10+, CD5+CD10+ ou CD5-CD10-, em associação com outros marcadores citogenéticos e moleculares.

 

Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar os laudos emitidos a pacientes com DLPCB atendidos em um laboratório particular de Belém-PA, segundo os critérios de classificação estabelecidos por Matutes et al.13 e Craig e Foon14.

 

MÉTODO

Estudo retrospectivo e analítico com dados de laudos de pacientes provenientes de demanda espontânea ou após atendimento em um dos diversos hospitais oncológicos, públicos e privados, das cidades de Belém e Santarém, e que realizaram exame de imunofenotipagem por citometria de fluxo para diagnóstico inicial de DLPCB em um laboratório particular que é referência no diagnóstico de leucemias agudas e DLPC em Belém-PA, no período de setembro de 2015 a dezembro de 2019.

 

Por se tratar de estudo sem contato direto dos pesquisadores com os sujeitos da pesquisa e sem uso de dados pessoais além de sexo e idade, os pesquisadores comprometeram-se com a guarda e o sigilo dos dados obtidos mediante assinatura de Termo de Responsabilidade de Uso, Sigilo e Guarda de Dados junto à instituição responsável pela concessão dos dados. Situação prevista na Resolução CNS n.º 466/201215.

 

Foram incluídos neste estudo laudos de pacientes para diagnóstico inicial de DLPCB. Além disso, foram excluídos os laudos de pacientes com diagnóstico de DLPC de células T e/ou submetidos à pesquisa de doença residual mínima para DLPCB.

 

Para a classificação, definição e emissão dos laudos das DLPCB no referido laboratório, foram utilizados os anticorpos CD19, CD10, CD20, CD5, CD23, CD79b, CD22, CD38, FMC7, CD103, CD25, CD200, CD43, IgM, antikappa e antilambda, e os critérios estabelecidos por Matutes et al.13. E, posteriormente, esses laudos foram reclassificados segundo os critérios estabelecidos por Craig e Foon14.

 

Foi realizada estatística descritiva para a determinação da frequência de casos, e, ainda, o teste de hipótese de Hotelling para análise comparativa dos dados. Tendo sido adotada a hipótese nula (H0) quando os critérios de definição fossem capazes classificar as doenças de forma igual, e a hipótese alternativa (H1) quando os critérios de definição não fossem capazes de classificar as doenças de forma igual. Sendo considerados significativos resultados de p<0,05.

 

RESULTADOS

No período estabelecido para este estudo, foram encontrados 54 laudos de DLPC diagnosticadas utilizando-se imunofenotipagem por citometria de fluxo dos linfócitos presentes em amostra de sangue periférico. Destes, 12 laudos (22,2%) foram excluídos por tratarem de amostras de pacientes em acompanhamento clínico para DLPCB ou em diagnóstico de DLPC de células T. Sendo incluídos apenas 42 laudos (77,8%) de DLPCB diagnosticadas segundo os critérios de Matutes et al.13.

 

Do total amostral, 24 (57,14%) foram classificados como LLC/LLPCB, seis (14,29%) como LF e dez casos (23,81%) foram classificados como outras DLPCB excluindo LLC/LLPCB, sem especificar qual a DLPCB em questão (Tabela 1).

 

Tabela 1. Distribuição do total de casos de DLPCB diagnosticadas segundo os critérios de Matutes et al.13, de Craig e Foon14, ou segundo a concordância entre ambos, em um laboratório particular de Belém-PA, de setembro de 2015 a dezembro de 2019

Classificação/
Critérios

Matutes et al.

(A)

Craig e Foon (C)

Concordância entre os critérios (B)

TOTAL

(A + B)

TOTAL

(C + B)

LLC/LLPCB

4

0

20

24

20

LF

0

5

6

6

11

LCP

0

0

2

2

2

LDGCB

0

1

0

0

1

Outras DLPCB

10

8

0

10

8

TOTAL (A + B)

42

42

Legendas: LLC/LLPCB = leucemia linfoide crônica de células B/linfoma linfocítico de pequenas células B; LF = linfoma folicular; LCP = leucemia de células pilosas; LDGCB = linfoma difuso de grandes células B; Outras DLPCB = doença linfoproliferativa crônica de células B.

 

 

Diante dos resultados iniciais para os 42 casos de DLPCB definidas pelos critérios de Matutes et al.13, realizou-se então a análise para classificação das DLPCB segundo os critérios de Craig e Foon14 na qual observou-se concordância em: 19 casos (45,24%) de LLC/LLPCB; seis casos (14,29%) de LF; dois casos (4,76%) classificados de LCP e nove casos (21,43%) classificados como “outras DLPCB não classificáveis por citometria de fluxo”.

 

Em seguida, pelos critérios de Craig e Foon14, foram analisados os laudos de DLPCB definidas pelos critérios Matutes et al.13 (Tabela 2) segundo o total de 3 e 2 pontos (10 de 42) e que inicialmente foram classificadas como “outra DLPC de células B excluindo LLC/LLPCB”, sendo um reclassificado como linfoma difuso de grandes células B (LDGCB). Outros cinco casos inicialmente classificados como LLC/LLPCB atípica pelos critérios de Matutes et al.13, depois de aplicados os critérios de Craig e Foon14, foram reclassificados como LF.

 

Tabela 2. Distribuição dos casos de LLC/LLPC, LF e outras DLCP, segundo os critérios de Matutes et al.13, obtidos de um laboratório particular de Belém-PA, de setembro de 2015 a dezembro de 2019

Classificação/Critérios

Matutes et al.

4 - 5

Matutes et al.

2 - 3

LLC/LLPCB

19

5

LF

3

3

LCP

0

2

Outra DLPCB

0

10

Legendas: LLC/LLPCB = leucemia linfoide crônica de células B/linfoma linfocítico de pequenas células B; LF = linfoma folicular; LCP = leucemia de células pilosas; Outras DLPCB = doenças linfoproliferativas crônicas de células B.

 

 

Em seguida, ainda para os dados da Tabela 1, foi realizado o teste de hipóteses de Hotelling (T2) que mostrou haver diferença estatística (p=0,0409) para a definição das DLPCB quando são aplicados os critérios de Matutes et al.13 e Craig e Foon14, isto é, isoladamente esses critérios não são capazes de classificar as várias entidades que compõem as DLPCB de forma igual.

 

DISCUSSÃO

Segundo a OMS1,2, o diagnóstico de DLPCB com repercussão no sangue periférico deve ser estabelecido pela conjunção de dados clínicos, morfológicos, imunofenotípicos ou imuno-histoquímicos, moleculares e citogenéticos do paciente. Contudo, por vezes, diante da suspeita inicial de DLPC, o primeiro exame a ser realizado para confirmação diagnóstica é a imunofenotipagem por citometria de fluxo dos linfócitos do sangue periférico7,8,10-12.

 

Para tanto, muitos avanços tecnológicos, como a construção de novos citômetros de fluxo e a inclusão de novos anticorpos para compor os painéis de definição imunofenotípica das DLPCB, têm sido implantados nos últimos anos com o objetivo de aumentar a acuracidade do diagnóstico dessas doenças. Ainda assim, por vezes, o citometrista não encontra subsídios suficientes nesse estágio do diagnóstico para a definição exata de todas as DLPCB.

 

Tentando reduzir essas incertezas, Matutes et al.13, em 1994, foram os primeiros a propor um sistema de pontuação baseado na avaliação de cinco parâmetros de imunofenotipagem para o diagnóstico diferencial da LLC/LLPCB das demais DLPCB. Para tanto, esses autores usaram como base a intensidade de expressão em linfócitos B para os antígenos: CD5, CD23, FMC7, CD22 ou CD79b e a intensidade de marcação para cadeias leves de imunoglobulina. De modo que, para esses autores, as pontuações de 4 a 5 caracterizavam a LLC/LLPCB típica, até 3 pontos definiam as LLC/LLPCB atípicas, e entre 0 e 2 pontos excluiria o diagnóstico de LLC/LLPCB.

 

Essa classificação mostra-se satisfatória para a definição das LLC/LLPCB com escores de 4 e 5 pontos, contudo, os problemas de classificação desse método surgem para os casos em que a pontuação é 3 para células B que não expressam os antígenos IgM, CD5 e CD23, ou que apresentam expressão forte e/ou moderada para os antígenos CD20, CD22 e CD79b5-7,10,12. Assim, em 2008, Craig e Foon14 propuseram um novo sistema de classificação imunofenotípica para as várias DLPC de células B e T, em que, para as DLPCB, o critério a ser adotado baseava-se na variação de expressão dos antígenos CD5 e CD10 em células B maduras.

 

No presente estudo, observou-se que os critérios de Matutes et al.13 e Craig e Foon14 mostraram-se muito eficientes para a definição da LLC/LLPCB. Contudo, para as DLPCB com escore de 3 pontos pelos critérios de Matutes et al.13 e, em 21,43% dos casos (9 de 42) de DLPCB reclassificados pelos critérios de Craig e Foon14, essas classificações mostraram-se falhas ou com baixa precisão. Exigindo, assim, que o citometrista necessite de outros resultados complementares, como os exames de biologia molecular e citogenética, que nem sempre estão disponíveis no momento da confecção do laudo.

 

Böttcher et al.9 sugerem em seus estudos que, diante dessa dificuldade, é necessário que o citometrista inclua em seus laudos, quando necessário, a categoria DLPCB “não classificada” que é de grande utilidade clínica, pois informa ao prescritor sobre a necessidade de testes auxiliares de histologia, citogenética e/ou biologia molecular para o diagnóstico final da DLPCB em questão.

 

Bezerra et al.16 e Boyd et al.4, por sua vez, discutem que, em várias situações, é somente pela associação dos resultados da citometria de fluxo com os achados histopatológicos, imuno-histoquímicos e moleculares que é possível diagnosticar e diferenciar processos reacionais de neoplasias e, ainda, subclassificar as várias DLPCB.

 

Neste estudo, ficou evidente que o uso do termo “outras doenças linfoproliferativas crônicas excluindo leucemia linfoide crônica de células B/linfoma linfocítico de pequenas células B” nos laudos orientou o médico-assistente do paciente a solicitar exames laboratoriais complementares para o fechamento diagnóstico. E ainda que, para o diagnóstico da LLC/LLPCB, os critérios de Matutes et al.13 possam ser utilizados para os escores 4 e 5 pontos, contudo, para os escores iguais ou inferiores a 3 pontos, recomenda-se o uso dos critérios propostos por Craig e Foon14, conforme é sugerido na literatura atual3,8,9,17.

 

CONCLUSÃO

Os resultados ressaltam que mesmo sendo a citometria de fluxo uma metodologia importante para a caracterização imunofenotípica das DLPCB, ainda assim, não é suficiente para definir com precisão todas as entidades patológicas que caracterizam essas doenças. Portanto, sugere-se que o citometrista, sempre que necessário, inclua em seu laudo outra categoria diagnóstica assim descrita: “outras doenças linfoproliferativas crônicas de células B não classificadas por citometria de fluxo”.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Lacy Cardoso de Brito Junior contribuiu substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica. Maria Beatriz da Silva Fonseca, Ana Paula Silveira Paixão, Nilmara Suellen Lopes Castro Mendes, Jessica Sabrina Cordeiro Parente, Matheus Holanda Nascimento (in memoriam) contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

AGRADECIMENTOS

Aos Diretores do Laboratório de Patologia Clínica do Dr. Paulo C. Azevedo por terem autorizado a utilização dos dados para a elaboração deste estudo.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Universidade Federal do Pará.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 7/6/2022

Aprovado em 17/10/2022

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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