EDITORIAL

 

Ciência, Tecnologia e Inovações em Oncologia

Science, Technology and Innovations in Oncology

Ciencia, Tecnología e Innovaciones en Oncología

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n2.2809

 

Alessandra de Sá Earp Siqueira1; Amanda Nogueira Brum Fontes2; Graziella Santana Feitosa Figueiredo3; Helena Ipê Pinheiro Guimarães4; Julianna Peixoto Treptow5; Max Nóbrega de Menezes Costa6; Priscilla Azevedo Souza7; Rodrigo Theodoro Rocha8

 

1-8Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS). Brasília (DF), Brasil.

 

1E-mail: alessandra.siqueira@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-3852-7580

2E-mail: amanda.fontes@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-3472-7684

3E-mail: graziella.figueiredo@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4416-0183

4E-mail: helena.guimaraes@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7878-0084

5E-mail: julianna.treptow@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9400-2303

6E-mail: max.costa@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2338-7768

7E-mail: priscilla.souza@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-3618-9509

8E-mail: rodrigo.theodoro@saude.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5624-8644

 

Endereço para correspondência: Helena Ipê Pinheiro Guimarães. Decit/SCTIE/MS. SCN, Quadra 02, Projeção C, Sala 105. Brasília (DF), Brasil. CEP 70712-902. E-mail: Helena.guimaraes@saude.gov.br

 

 

A medicina genômica e a saúde de precisão deram seu primeiro grande passo no início dos anos 2000. O Projeto Genoma Humano (HGP, do inglês Human Genome Project), iniciado em 1990 e finalizado em 2003, não apenas impactou de forma significativa a nossa compreensão sobre a arquitetura do genoma humano e a correlação deste com diferentes doenças, como também gerou uma revolução tecnológica multidisciplinar1. Vinte anos depois, ainda são consideradas inovações em todo mundo, uma vez que sua implementação pelos sistemas de saúde não é simples, requerendo uma gama de ações e iniciativas complexas2. Os rápidos avanços nos métodos de diagnóstico molecular, terapias avançadas e medicina de precisão enfatizam a necessidade da tradução desses conhecimentos para otimizar a aplicabilidade nos serviços de saúde da população3.

 

Por serem a segunda principal causa de óbitos em países desenvolvidos e em desenvolvimento, as doenças oncológicas4-6 têm sido prioridade nas iniciativas dos países, no que diz respeito à medicina genômica e à saúde de precisão. De acordo com o estudo Global Cancer Statistics6, conduzido a partir da análise de dados de 185 países, estima-se um aumento global de quase 50% nos novos casos de câncer entre 2020 e 20406. Segundo o levantamento, esse aumento é reflexo do crescimento e envelhecimento populacional associado à prevalência de fatores de risco.

 

Na medicina tradicional, um paciente oncológico é diagnosticado por meio de exames laboratoriais, histopatológicos e biópsias, sendo encaminhado a uma consulta médica padrão para o tratamento cirúrgico, quimioterápico e/ou radioterápico. A saúde de precisão, também denominada de medicina de precisão ou personalizada, consiste em uma abordagem emergente que une os dados já utilizados para diagnóstico e tratamento (sinais, sintomas, histórico pessoal e familiar, e exames complementares) ao perfil genético do indivíduo. Por meio dessa abordagem, possibilita-se: a maior acurácia no diagnóstico; a capacidade de predição, antevendo o surgimento de enfermidades de caráter genético e hereditário; e a customização do tratamento7.

 

A identificação de genes associados à predisposição de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) foi impulsionada pelo desenvolvimento de técnicas de sequenciamento de nova geração (NGS). De acordo com o National Health Institute (NIH)8, o custo do sequenciamento do genoma humano está abaixo de US$1.000 por pessoa, em contraste ao custo de US$ 100.000.000 estimado em 2001. A utilização dessa técnica para uma nova abordagem no cuidado à saúde permite a adoção de práticas clínicas mais seguras e eficazes, além de promover a melhoria na qualidade de vida e proporcionar o uso racional dos recursos da saúde. Vários países ‒ como o Reino Unido9 (100.000 Genomes), Estados Unidos10 (All of Us), Singapura11 (Singapore 10K Genome Project) e Austrália12 (Australian Genomics Health Alliance) ‒ já desenvolveram e implementaram iniciativas em saúde de precisão, as quais indicam elevado potencial para a melhoria dos sistemas de saúde.

 

Testes genéticos baseados em análises genômicas podem ajudar na identificação de síndromes genéticas de câncer em indivíduos que apresentam histórico de doença oncológica na família, indicando a predisposição a diferentes tipos de tumores. No câncer de mama hereditário (CMH), que representa cerca de 10% do total de casos de câncer de mama, a intervenção preventiva pode diminuir significativamente o risco de desenvolvimento da doença em portadores de mutações em genes a esta relacionados13. Por meio do sequenciamento de nova geração, é possível identificar variações em genes com potencial para o desenvolvimento de células cancerígenas14 e biomarcadores específicos associados aos tumores, permitindo a adoção de terapias de antígenos do próprio tecido tumoral15. Ainda, permite o desenvolvimento de terapias personalizadas que se baseiem nas informações genéticas específicas de um indivíduo ou grupo de indivíduos.

 

Estudos indicam que as frequências de marcadores relacionados a determinada doença podem variar amplamente entre populações, de modo que os achados para certo grupo não se apliquem a outros indivíduos etnicamente distintos16,17. A maior parte dos dados genômicos, atualmente disponíveis em bancos de dados, é proveniente de populações de baixa heterogeneidade genética. Assim, uma grande limitação para a expansão e a consolidação da saúde de precisão no Brasil consiste na carência de dados genômicos representativos de uma população multiétnica que apresenta uma das maiores taxas de miscigenação do mundo, como a brasileira18,19.

 

Nesse contexto, o Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS) lançou, no dia 4 de agosto de 2020, o Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão ‒ Genomas Brasil por meio da Portaria n.º 1.94920. O Genomas Brasil é um programa de ciência, tecnologia e inovação que pretende viabilizar o acesso da população brasileira a produtos e serviços de saúde de precisão. Uma de suas principais estratégias é a criação de um Banco Nacional de Dados Genômicos e de Saúde – GenBR database – que abrigará sequências do genoma e de dados de saúde de 100 mil brasileiros nos próximos anos. Esse banco de dados possibilitará que novas pesquisas identifiquem as principais características genéticas da população brasileira para prever e prevenir doenças, bem como para desenvolver novos tratamentos, terapias e novas estratégias de cuidado à saúde.

 

Os participantes da pesquisa, cujos genomas serão sequenciados, serão recrutados diretamente dos serviços de atenção primária e especializada, tendo também acesso a um diagnóstico genético contínuo e preciso e a aconselhamentos genéticos conforme necessários. Para tanto, o Genomas Brasil visa a estimular e a fortalecer a pesquisa, a inovação e a capacitação da força de trabalho em saúde nacional na área da saúde de precisão. Com isso, planejam-se sólidos avanços no prognóstico e no tratamento do câncer no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir do apoio a projetos para a identificação de potenciais biomarcadores e a análise de correlação entre o perfil genômico, epidemiológico, clínico e familiar como estratégia na terapia da doença.

 

O Genomas Brasil apresenta uma prova de conceito que fornecerá dados importantes para a demonstração do valor da saúde de precisão para o SUS, subsidiando a futura tomada de decisão em relação à implementação, à projeção e ao escalonamento para o sistema de saúde público. O programa é fundamental para a transição adequada para um sistema de saúde baseado em saúde de precisão, etapa crítica para a adequação de estratégias, metodologias e protocolos e para o gerenciamento de riscos e potenciais obstáculos a serem enfrentados. Além disso, pretende iniciar uma revolução no SUS por meio do uso de estratégias de fronteira do conhecimento para fornecer o mais preciso e moderno cuidado à saúde à população brasileira, trazendo grandes transformações para a força de trabalho em saúde, para o avanço do conhecimento científico e para a indústria de saúde nacional.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Collins FS, Fink L. The human genome project. Alcohol Health Res World [Internet]. 1995 [cited 2022 May 27];19(3):190-5. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6875757/pdf/arhw-19-3-190.pdf

2. Bertier G, Carrot-Zhang J, Ragoussis V, et al. Integrating precision cancer medicine into healthcare-policy, practice, and research challenges. Genome Med. 2016;8(1):108. doi: https://doi.org/10.1186/s13073-016-0362-4

3. Levit LA, Kim ES, McAneny BL, et al. Implementing precision medicine in community-based oncology programs: three models. J Oncol Pract. 2019;15(6):325-9. doi: https://doi.org/10.1200/JOP.18.00661

4. Bray F, Ferlay J, Soerjomataram I, et al. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21492

5. Siegel RL, Miller KD, Fuchs HE, et al. Cancer statistics, 2021. CA Cancer J Clin. 2021;71(1):7-33. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21654

6. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, et al. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2021;71(3):209-49. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21660

7. De Maria Marchiano R, Di Sante G, Piro G, et al. Translational research in the era of precision medicine: where we are and where we will go. J Pers Med. 2021;11(3):216. doi: https://doi.org/10.3390/jpm11030216

8. Wetterstrand KA. DNA sequencing costs: data from the NHGRI Genome Sequencing Program (GSP) [Internet]. Bethesda (MD): National Human Genome Research Institute; [last updated 2021 Nov 1; 2022 May 27]. Available from: https://www.genome.gov/about-genomics/fact-sheets/DNA-Sequencing-Costs-Data

9. Trotman J, Armstrong R, Firth H, et al. The NHS England 100,000 Genomes Project: feasibility and utility of centralised genome sequencing for children with cancer. Br J Cancer. 2022. doi: https://doi.org/10.1038/s41416-022-01788-5

10. Ramirez AH, Sulieman L, Schlueter DJ, et al. The All of Us Research Program: data quality, utility, and diversity. MedRxiv [Preprint]. 2020 June 3. doi: https://doi.org/10.1101/2020.05.29.20116905

11. Vimal M, Devi WP, McGonigle I. GenomeAsia100K: Singapore builds national science with Asian DNA. East Asian Sci Technol Soc. 2021;15(2):238-59. doi: https://doi.org/10.1080/18752160.2021.1896138

12. Stark Z, Boughtwood T, Phillips P, et al. Australian genomics: a federated model for integrating genomics into healthcare. Am J Hum Genet. 2019;105(1):7-14. doi: https://doi.org/10.1016/j.ajhg.2019.06.003

13. Kuchenbaecker KB, Hopper JL, Barnes DR, et al. Risks of breast, ovarian, and contralateral breast cancer for BRCA1 and BRCA2 mutation carriers. JAMA. 2017;317(23):2402-16. doi: https://doi.org/10.1001/jama.2017.7112

14. Schrader KA, Cheng DT, Joseph V, et al. Germline variants in targeted tumor sequencing using matched normal DNA. JAMA Oncol. 2016;2(1):104-11. doi: https://doi.org/10.1001/jamaoncol.2015.5208

15. Sanmamed MF, Chen L. A paradigm shift in cancer immunotherapy: from enhancement to normalization. Cell. 2018;175(2):313-26. doi: https://doi.org/10.1016/j.cell.2018.09.035

16. Hindorff LA, Bonham VL, Brody LC, et al. Prioritizing diversity in human genomics research. Nat Rev Genet. 2018;19(3):175-85. doi: https://doi.org/10.1038/nrg.2017.89

17. Martin AR, Kanai M, Kamatani Y, et al. Clinical use of current polygenic risk scores may exacerbate health disparities. Nat Genet. 2019;51:584-91. doi: https://doi.org/10.1038/s41588-019-0379-x

18. Bentley AR, Callier S, Rotimi CN. Diversity and inclusion in genomic research: why the uneven progress? J Community Genet. 2017;8(4):255-66. doi: https://doi.org/10.1007/s12687-017-0316-6

19. Marrero AR, Leite FPN, Carvalho BA, et al. Heterogeneity of the genome ancestry of individuals classified as White in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. Am J Hum Biol. 2005;17(4):496-506. doi: https://doi.org/10.1002/ajhb.20404

20. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 1.949, de 4 de agosto de 2020. Altera a Portaria de Consolidação nº 5/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para instituir o Programa Nacional de Genômica e Saúde de Precisão - Genomas Brasil e o Conselho Deliberativo do Programa Genomas Brasil [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2020 ago 5 [acesso 2022 maio 27]; Seção 1:87. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2020/prt1949_05_08_2020.html

 

 

Recebido em 9/6/2022

Aprovado em 9/6/2022

 

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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