REVISÃO DA LITERATURA

 

Jogos de Realidade Virtual na Reabilitação de Pacientes Oncológicos: Revisão Sistemática da Literatura

Virtual Reality Games in the Rehabilitation of Cancer Patients: Systematic Literature Review

Juegos de Realidad Virtual en la Rehabilitación de Pacientes con Cáncer: Revisión Sistemática de la Literatura

 

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n1.3166

 

Matheus Renyer Queiroz Vitor1; Amanda Souza Araújo2; Camille Maria de Holanda Angelim Alves3; Juliana Ramiro Luna Castro4; Vanessa Ximenes Farias5

 

1-5Faculdade Rodolfo Teófilo. Fortaleza (CE), Brasil.

5Hospital Universitário Walter Cantídio. Fortaleza (CE), Brasil.

1E-mail: matheusrenyer@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0972-123X

2E-mail: amanda.araujo@frt.edu.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-0129-8980

3E-mail: camille.holanda@frt.edu.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7967-4128

4E-mail: juliana.ramiro@frt.edu.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0105-6378

5E-mail: vanxfarias@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9631-6576

 

Endereço para correspondência: Vanessa Ximenes Farias. Rua dos Amigos, 100, Torre 2, Apto. 1001 – Cambeba. Fortaleza (CE), Brasil. CEP 60822-168. E-mail: vanxfarias@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: A fisioterapia mostra-se benéfica na reabilitação de pacientes oncológicos. Todavia, por se tratar de uma atividade monótona para muitos pacientes, vem perdendo seu espaço para novas técnicas como a gameterapia, que utiliza jogos eletrônicos de realidade virtual como instrumento reabilitador e preventivo. Objetivo: Investigar os efeitos da gameterapia em pacientes oncológicos. Método: Revisão sistemática da literatura seguindo o guia PRISMA. A busca dos artigos foi realizada nas bases PubMed, LILACS, MEDLINE e PEDro, utilizando os descritores neoplasm, cancer, virtual reality, rehabilitation e physiotherapy. Foram considerados elegíveis ensaios clínicos controlados e estudos prospectivos publicados nas línguas portuguesa, inglesa ou espanhola nos últimos 12 anos (julho de 2010 a julho de 2022). Resultados: Foram identificados 94 estudos, sendo nove considerados elegíveis para compor a amostra final. Dos ensaios clínicos selecionados, cinco utilizaram Nintendo Wii, dois utilizaram Xbox e um usou óculos de realidade virtual. Os estudos mostram que a gameterapia promoveu redução dos sintomas de ansiedade, fadiga e depressão, melhorou a coordenação motora fina e geral, e diminuiu o medo de se movimentar. Entretanto, não foi tão eficaz quanto a terapia tradicional para diminuir a dor crônica. Conclusão: A gameterapia exerce efeitos positivos sobre variáveis pertinentes à saúde em pacientes oncológicos, destacando-se a diminuição da fadiga relacionada ao câncer. Além disso, favorece a redução do tempo de internação de pacientes hospitalizados e aumenta a adesão dos pacientes ao tratamento.

Palavras-chave: reabilitação; realidade virtual; modalidades de fisioterapia; neoplasias.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Physiotherapy is beneficial for the rehabilitation of cancer patients. However, as this is a monotonous activity for many patients, it has been losing its space to new techniques such as gametherapy, which uses virtual reality videogames as a rehabilitative and preventive instrument. Objective: To investigate the effects of gametherapy on cancer patients. Method: Systematic literature review following the PRISMA guide. The search for articles was performed in PubMed, LILACS, MEDLINE and PEDro databases, using the descriptors neoplasm, cancer, virtual reality rehabilitation and physiotherapy. Controlled clinical trials and prospective studies published in Portuguese, English or Spanish were eligible in the last 12 years (July 2010 to July 2022). Results: There were 94 studies identified, and nine were included in the final sample. Of the selected clinical trials, five used Nintendo Wii, two used Xbox and one used virtual reality glasses. The studies showed that gametherapy reduced symptoms of anxiety, fatigue and depression, improved fine and gross motor skills, and reduced fear of moving. However, it was not as effective as traditional therapy in decreasing chronic pain. Conclusion: Gametherapy has positive effects on health-related variables in cancer patients, standing out the decrease in cancer-related fatigue. In addition, it favors a reduction in the length of stay of hospitalized patients and increases patient adherence to treatment.

Key words: rehabilitation; virtual reality; physical therapy modalities; neoplasms.

 

 

RESUMEN

Introducción: La fisioterapia es beneficiosa en la rehabilitación de pacientes oncológicos. Sin embargo, por ser una actividad monótona para muchos pacientes, ha ido perdiendo su espacio para nuevas técnicas como la gameterapia, que utiliza videojuegos de realidad virtual como instrumento rehabilitador y preventivo. Objetivo: Investigar los efectos de la gameterapia en pacientes con cáncer. Método: Revisión sistemática de la literatura siguiendo la guía PRISMA. La búsqueda de artículos se realizó en PubMed, LILACS, MEDLINE y PEDro, utilizando los descriptores neoplasia, cáncer, realidad virtual, rehabilitación y fisioterapia. Se consideraron elegibles los ensayos clínicos controlados y los estudios prospectivos publicados en portugués, inglés o español en los últimos 12 años (julio de 2010 a julio de 2022). Resultados: Se identificaron 94 estudios, de los cuales nueve fueron considerados elegibles para componer la muestra final. De los ensayos clínicos seleccionados, cinco usaron Nintendo Wii, dos usaron Xbox y uno usó gafas de realidad virtual. Los estudios muestran que la terapia de juego redujo los síntomas de ansiedad, fatiga y depresión, mejoró la coordinación motora fina y general y disminuyó el miedo a moverse. Sin embargo, no fue tan eficaz como la terapia tradicional para disminuir el dolor crónico. Conclusión: La terapia de juego tiene efectos positivos en variables relacionadas con la salud en pacientes con cáncer, destacando la disminución de la fatiga relacionada con el cáncer. Además, favorece la reducción del tiempo de hospitalización de los pacientes hospitalizados y aumenta la adherencia del paciente al tratamiento.

Palabras clave: rehabilitación; realidad virtual; modalidades de fisioterapia; neoplasias.

 

 

INTRODUÇÃO

No mundo, o câncer é o principal problema de saúde pública e já está entre as quatro principais causas de morte antes dos 70 anos de idade na maioria dos países. Hábitos de vida e outros fatores associados a melhores condições socioeconômicas e ao processo de urbanização têm sido destacados como determinantes no aumento da incidência e mortalidade por câncer. O envelhecimento e crescimento populacional também têm contribuído para esse aumento1.

 

A quimioterapia é uma das abordagens utilizadas no tratamento do câncer e consiste em uma terapia sistêmica que usa medicamentos para interromper o crescimento das células cancerosas, matando-as ou impedindo que se dividam2. Tais medicamentos são denominados quimioterápicos ou antineoplásicos, administrados em intervalos regulares, e os protocolos de administração desses medicamentos variam de acordo com os esquemas terapêuticos3. Todavia, a quimioterapia pode apresentar efeitos adversos importantes que incluem sintomas como náuseas, vômitos, diarreia, além de disfunções renais, reprodutivas, hematológicas, alterações psicológicas como depressão e ansiedade, e outros problemas que afetam demasiadamente a qualidade de vida do paciente, a fadiga debilitante4, por exemplo.

 

Outro importante componente fisiológico que se apresenta diminuído em pacientes oncológicos submetidos à quimioterapia é a funcionalidade5,6. Esta pode ser compreendida como a capacidade do indivíduo de efetuar determinadas atividades ou funções que influenciam nos comportamentos simples e complexos exigidos em seu dia a dia, e o seu comprometimento pode tornar esses pacientes incapazes de realizar tarefas básicas, como o autocuidado, de maneira independente7.

 

Estudos apontam que a atividade física é uma intervenção eficaz para minimizar os efeitos deletérios da quimioterapia, melhorando tanto funções fisiológicas quanto psicológicas em todas as fases do tratamento oncológico8,9. Nesse sentido, jogos de realidade virtual (RV) têm se mostrado uma tecnologia potencialmente útil no tratamento de pacientes oncológicos, uma vez que a prática de atividade física exerce efeitos positivos sobre a funcionalidade, componentes psicológicos e nível de fadiga relacionados ao câncer e pode ser realizada mesmo com pacientes mais debilitados, além de se mostrar mais agradável do que a fisioterapia convencional10,11.

 

A RV pode ser definida como uma abordagem tridimensional gerada por computador, que tem a capacidade de simular um ambiente real vivido pelo usuário por meio da estimulação dos canais sensoriais, utilizando-se de hardwares e softwares específicos12,13. Essa tecnologia foi introduzida na área de cuidados médicos ao final dos anos 1990, momento em que houve uma melhora significativa nas ferramentas de programação com o avanço da tecnologia da computação12.

 

A utilização de jogos eletrônicos como um recurso terapêutico é também conhecida como gameterapia, a qual tem a capacidade de otimizar o processo de estimulação motora e/ou cognitiva14. A atividade pode viabilizar melhorias em aptidões perceptuais, concentração, memória, organização visuoespacial, funções executivas, entre outras habilidades cognitivas, desenvolvidas pelo aprendizado de habilidades e aquisição de conhecimento no contexto do jogo, o que facilita a realização de novas tarefas em outros contextos15.

 

Diversos benefícios do uso da gameterapia como um recurso terapêutico na reabilitação de pacientes com diferentes patologias são relatados. Destacam-se a melhoria, de forma lúdica e interativa, de capacidades como coordenação motora, agilidade, deslocamento e descarga de peso, ajustes posturais, equilíbrio, rotação de tronco, e força muscular de membros inferiores16.

 

Como ferramenta terapêutica, a gameterapia tem sido mais amplamente estudada quando voltada para reabilitação de distúrbios neurológicos tanto em adultos quanto em crianças, para tratar déficits funcionais em idosos, e na reabilitação de distúrbios osteomioarticulares17,18. Entretanto, ainda são escassas pesquisas que avaliem os efeitos da gameterapia como terapêutica adjuvante ao tratamento oncológico. O presente estudo pretende investigar os efeitos da gameterapia sobre a funcionalidade, o nível de fadiga e os aspectos relacionados à qualidade de vida como dor, ansiedade e depressão em pacientes oncológicos.

 

MÉTODO

Trata-se de uma revisão sistemática, previamente cadastrada no Registro Prospectivo Internacional de Revisões Sistemáticas (PROSPERO) com número de registro CRD42021236623 e conduzida seguindo as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)19.

 

A estratégia PICO, isto é, P – population (população), I – intervention (intervenção), C – comparison (comparação), O – outcomes (desfechos), guiou a elaboração da pergunta norteadora: “A gameterapia como um recurso fisioterapêutico contribui para melhorar a funcionalidade, nível de fadiga e aspectos relacionados à qualidade de vida como dor, ansiedade e depressão de pacientes oncológicos adultos?”

 

Dois pesquisadores realizaram a busca de maneira independente nas bases de dados PubMed, LILACS, MEDLINE e PEDro. A busca incluiu estudos publicados nas línguas inglesa e portuguesa nos últimos 12 anos (julho de 2010 a julho de 2022). Termos controlados, extraídos dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e do Medical Subject Headings (MeSH), foram combinados por meio dos operadores booleanos OR e AND da seguinte forma – em português: fisioterapia OR especialidade em fisioterapia OR reabilitação AND oncologia OR neoplasia OR câncer AND realidade virtual OR terapia de exposição à realidade virtual AND exercícios OR terapia por exercício; e em inglês: physiotherapy OR physical therapy specialty OR physical therapy OR rehabilitation AND oncology OR neoplasm OU cancer AND virtual reality OR virtual reality exposure therapy AND exercises OR exercise therapy.

 

Foram selecionados ensaios clínicos controlados e estudos prospectivos. A estratégia PICO foi aplicada para seleção dos artigos: pacientes adultos (maiores de 18 anos) com diagnóstico de câncer (população), terapia por gameterapia (intervenção), terapia mediante exercícios/fisioterapia (comparação), melhorar funcionalidade, nível de fadiga, dor, ansiedade e depressão (desfechos). Foram considerados elegíveis para inclusão artigos publicados nos idiomas inglês, português e espanhol, textos completos e disponíveis eletronicamente na íntegra.

 

Foram excluídos os estudos que não apresentaram resumo on-line na íntegra para análise, estudos que foram realizados com crianças e adolescentes e estudos que não tivessem relação com o tema.

 

A busca pelos artigos e a aplicação dos critérios de inclusão foram feitas por dois pesquisadores, de forma independente, utilizando-se um protocolo padronizado. Os pesquisadores realizaram a leitura dos títulos dos artigos inicialmente identificados e, em seguida, dos resumos e textos completos, aplicando os critérios de inclusão para selecionar os artigos que compuseram a amostra, conforme apresentado na Figura 1. O instrumento adaptado de Ursi20 foi aplicado e os seguintes dados foram extraídos dos artigos selecionados: identificação do artigo (título, autor(es), periódico, ano de publicação, país/idioma do estudo); local (instituição sede do estudo); características metodológicas (objetivos, delineamento, tamanho da amostra; critérios de inclusão e exclusão); descrição das intervenções nos grupos de acompanhamento (linha de tratamento, número de sessões, duração do tratamento), tratamento dos dados (software estatístico), desfechos e métodos de avaliação; principais resultados; e conclusões.

 

A qualidade metodológica dos ensaios clínicos controlados randomizados ou quase-randomizados incluídos foi medida utilizando-se a escala PEDro, com o objetivo de classificar os estudos que avaliaram as intervenções de prática clínica do fisioterapeuta. A análise da qualidade metodológica foi feita por dois autores de forma independente e, em casos de discordância, foi consultado um terceiro avaliador.

 

RESULTADOS

Dos 94 estudos identificados pelas buscas nas quatro bases de dados, 11 foram elegíveis para a revisão sistemática e, destes, nove foram incluídos na revisão após leitura na íntegra. A Figura 1 mostra o processo de busca dos artigos.

 

Figura 1. Fluxograma da estratégia de busca nas bases de dados baseado no modelo proposto pelo checklist PRISMA

 

 

As características dos estudos incluídos encontram-se na Tabela 1. Dos nove escolhidos, quatro eram ensaios clínicos controlados randomizados, quatro eram estudos pré-pós intervenção (prospectivos) de único braço e um era ensaio clínico controlado com amostra de conveniência. Os estudos selecionados incluíram um total de 207 pacientes. Todos os participantes eram adultos maiores de 18 anos com diagnóstico de câncer ou sobreviventes. As intervenções com RV incluíram formatos imersivos e não imersivos e a duração das intervenções variou de três a dez semanas. Os principais desfechos analisados pelos estudos foram ansiedade, depressão, fadiga, capacidade funcional, diminuição da dor e adesão ao tratamento.

 

A análise da qualidade metodológica dos ensaios clínicos controlados randomizados ou quase-randomizados incluídos no estudo, segundo a escala PEDro, demonstrou que dois dos cinco estudos apresentaram 5 pontos de 10, dois tiveram escala 6/10 e um apresentou escala 7/10.

 

Tabela 1. Características dos estudos incluídos

 

Autor

 

Tipo de estudo

Amostra

Idade

Intervenção

 

Resultados/Conclusões

 

Escala PEDro

Hoffman et al.21

Estudo prospectivo – braço único – amostragem por conveniência

7 indivíduos com CA do tipo NSCLC

64,6 anos (53-73)

Gameterapia (Walking e Balance exercise no Nintendo Wii Fit Plus), 1x/dia, durante 6 semanas. Intensidade leve (3 MET) equivalente às AVD. Caminhada, aumentando 5 minutos de duração a cada semana

 

Os pacientes foram impactados positivamente pela intervenção domiciliar, melhorando a FRC, equilíbrio e adesão ao tratamento

 

 

 

NA

Hoffman et al.22

Estudo prospectivo – braço único – amostragem por conveniência

7 indivíduos com CA de NSCLC pós-toracotomia

65 anos

Caminhada em Nintendo Wii com duração de 30 minutos/dia, 5 dias por semana durante 6 semanas. Aumento de tempo progressivo conforme tolerado pelo paciente.

Exercícios de equilíbrio do Nintendo Wii Fit Plus 5 dias por semana durante 6 semanas

A intervenção se demonstrou viável, segura, bem tolerada e altamente aceitável. Houve melhora significativa da FRC

 

 

 

NA

Yoon et al.23

Ensaio clínico controlado randomizado

40 indivíduos com tumor cerebral estável

Grupo intervenção: 48,6 anos (±11,3); grupo controle: 50 anos (±17,5)

 

Grupo intervenção: Programas de RV, 30 minutos/dia, 3x/semana + terapia ocupacional convencional, 30 minutos/dia, 2x/semana, durante 3 semanas.
Grupo controle: terapia ocupacional convencional 30 minutos/dia, 5x/semana, por 3 semanas

 

Os pacientes do grupo intervenção apresentaram maior incremento da função do ombro/cotovelo/antebraço e também maior eficácia na melhora da função motora fina e coordenação geral que o grupo controle (p<0,01)

 

 

 

 

5

Tsuda et al.24

Estudo prospectivo – braço único – amostragem por conveniência

9 indivíduos com neoplasias hematológicas recebendo quimioterapia

63,5 anos (61-76)

Gameterapia (Wii Balance Board), 1x/dia, 5x/semana, do início da quimioterapia até o dia da alta hospitalar, aproximadamente 20 minutos cada sessão

Os pacientes submetidos ao estudo apresentaram manutenção da aptidão física e no funcionamento biopsicossocial, além da técnica se mostrar eficaz e prazerosa

 

 

 

 

NA

House et al.25

Estudo prospectivo – braço único – amostragem por conveniência

12 mulheres com dor crônica pós-cirurgia de câncer de mama

 

57,8 anos (20,4)

Gameterapia por BrightArm Duo, progredindo de 20 para 50 minutos, 2x/semana durante 8 semanas. Cada sessão consistia em jogar uma série de jogos personalizados

Os resultados da intervenção terapêutica indicam melhora na cognição, amplitude de ombro, força, função e depressão (p<0,05)

 

 

 

 

NA

Schumacher et al.26

Ensaio clínico controlado randomizado

42 indivíduos submetidos ao TCTH

Grupo intervenção: 56 anos (21-65);

grupo controle – Fisioterapia: 56,5 anos (23-69)

Grupo intervenção: Nintendo Wii (Wii Sports, Wii Fit e Wii Balance Board)

Grupo controle: Exercícios excêntricos e concêntricos,

caminhada, alongamento e treinamento de força usando elástico

faixas de resistência (TheraBand), ambos 30 min por dia, 5x/semana

A terapia utilizando do Nintendo Wii se mostrou eficaz e agradável, pelos pacientes, além da melhora da fadiga e problemas biopsicossociais. Nenhum paciente com complicação

relacionado ao tratamento

 

 

 

 

 

 

5

Oliveira et al.27

Ensaio clínico controlado randomizado

38 indivíduos com variados tipos de câncer

Grupo controle: 57,62 anos (±7,57);

grupo câncer: 61,46 anos (±8,79)

Gameterapia por Xbox 360 Kinect, duração de acordo com tolerância, máx./50 min, 2-3x/semana para uma duração total do estudo de 8-10 semanas

A gameterapia por meio do Xbox foi eficaz para reduzir os sintomas relatados de fadiga, com aumento da percepção, da qualidade de vida e melhora do padrão de contração do músculo deltoide em pacientes com câncer (p<0,05)

 

 

 

6

Feyzioğlu et al.28

Ensaio clínico controlado randomizado

40 mulheres com CA de mama com dissecção axilar

Grupo intervenção: 50,84 anos (8,53);

grupo controle: 51 anos (7,06)

Grupo intervenção: gameterapia (por Xbox 360 Kinect), sessões de 45 minutos (35 min jogos + 5 min massagem + 5 min mobilização passiva), 2x/semana durante 6 semanas

Grupo controle: terapia convencional 45 minutos/sessão, 2x/semana por 6 semanas

Pacientes apresentaram melhora do equilíbrio, do medo de se posicionar em bipedestação, além de haver ganho de ADM e força muscular (p<0,01) em ambos os grupos, sem diferença significativa no ganho entre os grupos. O grupo intervenção apresentou maior redução do medo de se movimentar (p<0,05) enquanto o grupo controle foi mais efetivo na melhora da funcionalidade

 

 

 

7

Garrett et al.29

Ensaio clínico controlado randomizado

12 indivíduos com quadro álgico crônico associado ao câncer

Grupo intervenção – RV: 59 anos (37-62); grupo controle – não RV: 58 anos (45-73)

Foram realizadas quatro intervenções (duas baseadas em engajamento cognitivo e duas baseadas em meditação), cada intervenção com duração de 30min/dia 6 dias/semana

No geral, os usuários relataram resultados mistos com o uso de RV para dor crônica, alguns a consideraram extremamente eficaz no alívio da dor durante o período de uso. O principal mecanismo de ação pareceu ser a distração ocasionada

 

 

 

6

Legendas: CA = câncer; NSCLC = non-small cell lung cancer; MET = múltiplos equivalentes metabólicos; AVD = atividades de vida diária; FRC = fadiga relacionada ao câncer; TCTH = transplante de células-tronco hematopoiéticas; ADM = amplitude de movimento; RV = realidade virtual; NA = não se aplica.

 

 

DISCUSSÃO

Esta revisão sistemática demonstrou que a gameterapia tem efeitos positivos em diversos sintomas físicos de pacientes oncológicos. Os estudos selecionados sugerem que essa modalidade de terapia pode ser incorporada melhorando desfechos como fadiga, níveis de ansiedade e depressão, funcionalidade e dor.

 

A fadiga relacionada ao câncer (FRC) apresenta-se como um sintoma persistente, uma sensação subjetiva de cansaço físico, emocional e cognitivo ou exaustão relacionada ao câncer ou ao seu tratamento e que é desproporcional à atividade física realizada30. Trata-se de um distúrbio complexo e multifatorial que está relacionado com a diminuição da qualidade de vida do paciente. Para alguns, a capacidade física é tão prejudicada que afeta a realização das atividades de vida diária como, por exemplo, tomar banho, vestir-se e alimentar-se31.

 

A FRC foi um sintoma analisado em três estudos incluídos nesta revisão. Hoffman et al.21 pesquisaram os efeitos da intervenção da gameterapia com Nintendo Wii Fit Plus durante seis semanas sobre a FRC em pacientes com câncer de pulmão submetidos à toracotomia. Os autores observaram diminução da FRC e aumento da percepção da eficácia quanto ao automanejo da fadiga. Na continuidade da intervenção por mais dez semanas, foi ratificado o resultado verificado no estudo inicial.

 

Um ensaio clínico controlado randomizado com 38 indivíduos com variados tipos de câncer realizado por Oliveira et al.27 demonstrou que a intervenção pelo Xbox 360 melhorou a percepção da fadiga e da qualidade de vida. Corroborando tais achados, uma recente metanálise verificou a eficácia de intervenções baseadas em RV no manejo dos sintomas relacionados ao câncer e observou diminuição significativa na FRC após as intervenções32.

 

A dor é um sintoma altamente prevalente e angustiante em pacientes com câncer. Segundo van den Beuken-van Everdingen et al.33, a incidência de dor varia de 24% a 60% e se aproxima de 58% a 69% em pacientes com câncer em tratamento ativo e em estágio avançado da doença respectivamente. O sintoma também se apresenta em cerca de 30% dos pacientes após terapia curativa.

 

House et al.25 observaram os efeitos da intervenção com RV em pacientes com dor crônica pós-cirurgia de câncer de mama, os quais demonstraram que o tratamento com BrightArm Duo durante oito semanas reduziu em torno de 20% a intensidade da dor.

 

Dois ensaios clínicos controlados randomizados que compuseram a amostra desta revisão observaram efeito semelhante28,29. Em pacientes com câncer de mama pós-mastectomia, foi observada uma diminuição significativa da intensidade da dor, avaliada pela escala visual analógica para dor, após seis semanas de tratamento usando o Xbox 360 Kinect28.

 

Hoffman et al.21 demonstraram em seu estudo que o uso do Nintendo Wii Fit Plus durante seis semanas na reabilitação de pacientes oncológicos repercutiu positivamente melhorando a funcionalidade desses indivíduos. Esse fato foi verificado pelo aumento do número de passos contados por pedômetro e também pelo índice de Karnofsky. O estudo de seguimento desse mesmo grupo, realizado em 2014, ratificou o resultado ao analisar o efeito da continuidade na intervenção proposta e verificar o aumento de funcionalidade.

 

O estudo de Yoon et al.23 averiguou o efeito da intervenção por meio de RV com Immersive Rehabilitation Exercise (IREX) em pacientes com tumor cerebral após cirurgia, quimioterapia ou radioterapia sobre a função do membro superior, entre outras variáveis. Os pesquisadores observaram que a intervenção mediante IREX três vezes por semana associado à terapia ocupacional duas vezes por semana, durante três semanas, melhorou significativamente a função do membro superior, a qual foi constatada por meio de maior escore na escala Fugl-Meyer, do índice de Barthel modificado e pelo aumento da velocidade dos movimentos.

 

House et al.25 investigaram o efeito da intervenção com RV sobre a funcionalidade do membro superior de mulheres com dor crônica após cirurgia para câncer de mama. Nesse estudo, a intervenção de RV foi feita por meio do BrightArm Duo, duas vezes por semana, durante oito semanas, e demonstrou incremento, embora não significativo, da fucionalidade a qual foi analisada usando a escala Fugl-Meyer, Chedoke Arm and Hand Activity Inventory-9 (CAHAI-9) para tarefas bimanuais, e Jebsen Hand Function Test (JHFT) para função da mão. O nível de independência para realização das atividades de vida diária envolvendo o membro superior, por sua vez, mensurado pelo Upper Extremity Functional Index 20 (UEFI-20), apresentou aumento significativo ao final do tratamento25.

 

Pacientes onco-hematológicos internados para realização de quimioterapia foram submetidos à reabilitação usando Nintendo Wii Fit, cinco vezes por semana, durante o período de internação hospitalar, e apresentaram manutenção tanto da performance física quanto da social24.

 

Um ensaio clínico controlado randomizado realizado com 40 mulheres com câncer de mama pós-mastectomia avaliou os efeitos do uso do Xbox 360 Kinect como recurso fisioterapêutico sobre variáveis como dor, força de preensão e funcionalidade, e o comparou com a fisioterapia convencional28. Os autores verificaram, por meio do questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH), que houve incremento na funcionalidade do membro superior ao final do tratamento no grupo submetido às sessões com Xbox, embora não tenha sido verificada diferença significativa nesse parâmetro quando comparado ao grupo controle (fisioterapia padrão).

 

Depressão e ansiedade são disfunções psiquiátricas que frequentemente estão presentes em pacientes com câncer e costumam influenciar a qualidade de vida, a aderência ao tratamento e a sobrevida34. Segundo Mitchell et al.35, depressão e ansiedade afetam cerca de 20% e 10% dos pacientes com câncer, respectivamente, independentemente do estágio da doença.

 

Na presente revisão sistemática, observou-se que três estudos24-26 analisaram os efeitos da gameterapia sobre depressão e ansiedade em pacientes com câncer. Tsuda et al.24 demonstraram que a intervenção com Nintendo Wii Fit Plus em pacientes com neoplasias hematológicas sob internação hospitalar para realização de quimioterapia diminuiu significativamente a ansiedade e promoveu uma redução na depressão, ambos os sintomas mensurados por meio da Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS). O estudo realizado por Schumacher et al.26 com pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas também utilizou a escala HADS para avaliar os efeitos da gameterapia sobre a depressão usando Nintendo Wii Fit e verificou diminuição da ansiedade e depressão, e melhora do bem-estar emocional. Resultado semelhante foi observado em mulheres com dor crônica pós-mastectomia que foram submetidas à reabilitação por gameterapia, nas quais foi observada melhora da depressão, verificada por meio do inventário de depressão de Beck25.

 

Esta pesquisa apresenta algumas limitações. A maioria dos estudos de intervenção controlados incluídos, quando analisados metodologicamente pela escala PEDro, apresentou escore igual ou menor do que 6/10, o que remete a questionamentos quanto à confiabilidade dos resultados, e, consequentemente, à validade externa, visto que variáveis importantes de controle não foram consideradas. Outra limitação diz respeito à heterogeneidade dos tipos de jogos de RV utilizados nos diferentes estudos, dos diversos protocolos e tempos de seguimento realizados, assim como dos diferentes tipos de câncer abordados, o que inviabiliza avaliações quantitativas e prejudica a mensuração dos desfechos. Desse modo, ratifica-se a necessidade da realização de ensaios clínicos controlados randomizados, com delineamentos metodológicos bem definidos, tempos de seguimento mais prolongados, com amostras representativas da população e baixo risco de vieses para que os benefícios da gameterapia para pacientes oncológicos possam ser melhor analisados e forneçam resultados sólidos.

 

CONCLUSÃO

A intervenção por meio da gameterapia em pacientes oncológicos é um tema ainda pouco discutido. Embora exista vasta evidência científica da sua utilização em diversas patologias, especialmente as neurológicas, na prática clínica, a segurança do paciente oncológico e os objetivos pretendidos podem ser fatores limitantes para sua aplicabilidade nesse grupo. Nesta revisão sistemática, foi verificada uma escassez de estudos acerca desse assunto, e, contudo, foi possível elucidar que a realização da gameterapia por pacientes oncológicos tem impactos positivos ao diminuir a ansiedade, a depressão e o nível de fadiga, e ao aumentar a funcionalidade dos pacientes.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Matheus Renyer Queiroz Vitor, Amanda Souza Araújo, Camille Maria de Holanda Angelim Alves, Juliana Ramiro Luna Castro e Vanessa Ximenes Farias contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação e revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTE DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 29/8/2022

Aprovado em 21/12/2022

 

Editor-associado: Fernando Lopes Tavares de Lima. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8618-7608

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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