REVISÃO DA LITERATURA

 

Gengibre (Zingiber officinale) no Manejo de Náuseas e Vômitos Induzidos por Quimioterapia em Pacientes com Câncer: Revisão Integrativa da Literatura

Ginger (Zingiber officinale) in the Management of Chemotherapy-Induced Nausea and Vomiting in Cancer Patients: Integrative Literature Review

Jengibre (Zingiber officinale) en el Tratamiento de las Náuseas y los Vómitos Inducidos por la Quimioterapia en Pacientes con Cáncer: Revisión Integradora de la Literatura

 

 

doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n2.3592

 

Wagner Andrade Ferreira1; Vivian dos Santos Neves2; Maria Angélica Fiut3; Emília Delesderrier Franco4; Cláudia dos Santos Cople Rodrigues5

 

1,2Instituto Nacional de Câncer (INCA). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mails: wagnerandradenutri@gmail.com; nevesvivian96@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6816-9633; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1145-6981

3Associação Brasileira de Fitoterapia (Abfit). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: angelicafiut@bol.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1935-6341

4,5Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mails: emiliadeles@gmail.com; claudiacople@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-5787-867X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9497-556X

 

Endereço para correspondência: Wagner Andrade Ferreira. Praça Cruz Vermelha, 23 – Centro. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 20230-130. E-mail: wagnerandradenutri@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: Náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia (NVIQ) são importantes efeitos colaterais dos tratamentos antineoplásicos. Algumas plantas medicinais vêm sendo estudadas no manejo desses efeitos, como o gengibre (Zingiber officinale). Objetivo: Realizar uma revisão acerca do uso via oral do gengibre no manejo de NVIQ em pacientes com câncer. Método: Revisão integrativa da literatura realizada na base de dados MEDLINE, em setembro de 2022, adotando a combinação das palavras-chave “Zingiber officinale” e “Cancer”. Foram também aplicados filtros na seleção para incluir ensaios clínicos aleatórios publicados entre 2012 e 2022. Resultados: Ao todo, foram analisados nove estudos. O gengibre apresenta potencial de reduzir NVIQ em pacientes com câncer, refletindo positivamente na qualidade de vida e na melhora do apetite e da fadiga. Os estudos não observaram efeitos adversos da administração do gengibre. Conclusão: O uso por via oral do gengibre demonstra ser uma estratégia segura para o manejo de NVIQ em pacientes com câncer, na dose de 1 g/dia do gengibre em pó, podendo ser utilizado como terapia complementar juntamente com regimes antieméticos padrões.

Palavras-chave: neoplasias/tratamento farmacológico; gengibre/efeitos adversos; plantas medicinais; fitoterapia.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Chemotherapy-induced nausea and vomiting (CINV) are important side effects of antineoplastic treatments. Some medicinal plants have been studied in the management of these effects, such as ginger (Zingiber officinale). Objective: Review the oral use of ginger in the management of CINV in cancer patients. Method: Integrative literature review carried out at the MEDLINE database, in September 2022, utilizing the combination of the keywords “Zingiber officinale” and “Cancer”, filters were also applied to include randomized clinical trials published between 2012 and 2022. Results: In all, nine studies were analyzed. Ginger has the potential to reduce CINV in cancer patients, reflecting positively on quality-of-life, improved appetite and fatigue. The studies have not found any adverse effect after administering ginger. Conclusion: The oral use of ginger proves to be an effective strategy for the management of CINV in cancer patients, in the dosage regimen of 1 g/day of powdered ginger, and can be used as a complementary therapy along with standard antiemetic regimens.

Key words: neoplasms/drug therapy; ginger/adverse effects; plants, medicinal; phytotherapy.

 

 

RESUMEN

Introducción: Las náuseas y los vómitos inducidos por la quimioterapia (NVIQ) son efectos secundarios importantes de los tratamientos antineoplásicos. Se han estudiado algunas plantas medicinales en el manejo de estos efectos, como el jengibre (Zingiber officinale). Objetivo: Realizar una revisión integradora de la literatura sobre el uso oral del jengibre en el manejo de las NVIQ en pacientes oncológicos. Método: Revisión integradora de la literatura realizada en la base de datos MEDLINE, en septiembre de 2022, adoptando la combinación de las palabras clave “Zingiber officinale” y “Cancer”. También se aplicaron filtros en la selección para incluir ensayos clínicos aleatorizados publicados entre 2012 y 2022. Resultados: En total, se analizaron nueve estudios. El jengibre tiene el potencial de reducir las NVIQ en pacientes con cáncer, lo que se refleja positivamente en la mejora de la calidad de vida, apetito y fatiga. Los estudios no han observado ningún efecto adverso por la administración del jengibre. Conclusión: El uso del jengibre por vía oral demuestra ser una estrategia segura para el manejo de NVIQ en pacientes con cáncer, usando una dosis de 1 g/día de jengibre en polvo, y puede usarse como terapia complementaria junto con los regímenes antieméticos estándar.

Palabras clave: neoplasias/tratamiento farmacológico; jengibre/efectos adversos; plantas medicinales; fitoterapia.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer é um termo que abrange um conjunto de mais de 100 diferentes tipos de doenças malignas cujo ponto em comum é o crescimento desordenado de células com potencial de invasão tecidual e de atingir órgãos a distância1. A International Agency for Research on Cancer estimou em 18,1 milhões de novos casos de câncer em todo o mundo no ano de 2020, excluindo câncer de pele não melanoma2. No Brasil, foi estimado que, para cada ano do triênio 2023-2025, ocorrerão 704 mil casos novos de câncer3.

 

Indivíduos com câncer podem apresentar desnutrição proteico-calórica, desencadeada pelo próprio tratamento antineoplásico. Existem diversas terapêuticas para o câncer, entre elas: quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e cirurgia4. A quimioterapia é caracterizada pelo uso de agentes químicos que levam à morte das células em rápida divisão, sejam elas cancerígenas ou não5.

 

A manutenção e/ou recuperação do estado nutricional desempenha papel fundamental na qualidade de vida e no bem-estar do paciente em quimioterapia, visto que a toxicidade promovida pelo tratamento está associada com o surgimento de efeitos adversos, como as náuseas e os vômitos. A presença desses sintomas compromete a ingestão alimentar e, consequentemente, a eficácia do tratamento e a sobrevida subsequente6.

 

As náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia (NVIQ) são um dos principais efeitos colaterais dos tratamentos antineoplásicos. Por isso, é necessário o controle desses sintomas para promover o melhor tratamento sob o menor impacto na qualidade de vida dos pacientes em quimioterapia, principalmente para os que recebem drogas de alto potencial emetogênico6.

 

Algumas plantas medicinais vêm sendo estudadas no manejo das náuseas e dos vômitos, como o gengibre (Zingiber officinale), pois apresenta os compostos fenólicos, gingeróis e shogaóis, que agem no trato digestivo, estimulando o peristaltismo e o tônus intestinal7. O uso de plantas medicinais na prática clínica vem ganhando reconhecimento desde a implementação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) que reforçou a utilização da fitoterapia8.

 

Acredita-se que o gengibre possa ser uma intervenção capaz de melhorar as náuseas e os vômitos das pessoas em tratamento quimioterápico, como descrito em estudos recentes, mas ainda há uma lacuna a respeito das posologias ideais que permitam sua prescrição juntamente com regimes antieméticos6,9. Assim, o presente estudo teve por objetivo realizar uma revisão integrativa da literatura sobre o uso via oral do gengibre (Zingiber officinale) no manejo de NVIQ em pacientes com câncer.

 

MÉTODO

Foi realizada uma revisão integrativa da literatura científica, incluindo ensaios clínicos randomizados publicados nos últimos dez anos. Para a realização deste estudo, seguiram-se as etapas: definição da pergunta norteadora; elaboração dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos para realização da busca na literatura; extração das evidências dos artigos; análise crítica dos estudos incluídos; discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa10.

 

A pergunta norteadora da pesquisa foi “O gengibre pode ser utilizado como uma estratégia para o manejo de NVIQ em pacientes com câncer?”. Adotou-se o método PICOT para delimitação dos critérios de inclusão e de exclusão dos estudos, em que a população (P) são os pacientes com câncer, a intervenção (I) diz respeito ao uso do gengibre, a comparação (C) entre um grupo que recebeu gengibre e outro placebo (controle), os desfechos (O) referem-se à melhora na náuseas e vômitos, e o tipo de estudo (T) trata dos ensaios clínicos randomizados.

 

A busca dos artigos foi realizada na base de dados MEDLINE, em setembro de 2022, adotando a combinação das palavras-chave “Zingiber officinale” e “Cancer”, por meio do operador booleano AND, formando o seguinte conjunto de busca: “Zingiber officinale AND Cancer”. Foram aplicados também os filtros para seleção de somente ensaios clínicos randomizados publicados no período entre os anos de 2012 a 2022.

 

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: ensaios clínicos randomizados disponíveis na íntegra com intervenção por via oral do gengibre para o manejo de náuseas e de vômitos em pessoas com câncer em quimioterapia. Foram excluídos os estudos não disponíveis na íntegra, intervenções feitas por meio de outras práticas integrativas e complementares em saúde (PICS) que não a fitoterapia, os publicados em outro idioma que não fosse o inglês e o português e as pesquisas em andamento. Após a exclusão, os artigos foram analisados por dois avaliadores independentes, que incluíram, na amostra final, apenas os artigos que respondiam integralmente à pergunta norteadora.

 

Dos artigos, foram extraídos os seguintes itens: autores, ano, desenho do estudo, população, intervenção, duração e desfecho. Na fase de análise e síntese, foi realizada a etapa de leitura crítica, selecionando os dados que atendessem ao objetivo da revisão. O presente estudo reuniu e sintetizou os ensaios clínicos randomizados de forma organizada para apresentação em forma de quadro e a interpretação dos principais resultados encontrados.

 

RESULTADOS

Foram encontrados 30 artigos no levantamento inicial. Após as etapas de seleção e de elegibilidade, a amostra final foi constituída por nove trabalhos (Figura 1). Quanto ao ano de publicação, destaca-se que, em 2016 e 2017, houve duas e quatro publicações respectivamente, enquanto nos anos de 2015, 2018 e 2020 só teve um trabalho publicado em cada ano.

 

Figura 1. Fluxograma da estratégia de busca proposto pelo checklist PRISMA

 

Em relação ao idioma, todos os estudos foram publicados na língua inglesa. Encontraram-se quatro trabalhos com pacientes com câncer de mama, dois com pacientes com tumores sólidos, um com pacientes com câncer de pulmão, um com câncer ginecológico e um com diferentes tipos de tumores submetidos à quimioterapia moderada ou altamente emetogênica. Destaca-se o sexo feminino nos estudos selecionados, dado os tipos de neoplasias encontradas, como o câncer de mama e os tumores ginecológicos.

 

No Quadro 111-19, estão sintetizadas as informações dos estudos incluídos (autores, ano, desenho do estudo, população, tipo de intervenção, duração da intervenção e principais resultados encontrados).

 

Quadro 1. Características gerais dos ensaios clínicos randomizados incluídos na revisão

Autor/ano

Desenho do estudo

População (n)

Intervenção

Duração

Desfecho (p)

Uthaipaisanwong et al., 202011

Ensaio clínico, cruzado, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo

Pacientes do sexo feminino, com câncer ginecológico, recebendo QT com carboplatina e paclitaxel

(n=47)

Grupo intervenção (n=23): 2 g ao dia de gengibre em pó em cápsulas; e grupo controle (n=24): cápsulas com amido de milho

1º ao 5º dia após passar por cada ciclo de carboplatina e paclitaxel

Na fase aguda da náusea, o grupo intervenção reduziu significativamente o escore médio de náusea em comparação ao grupo controle (p=0,03) e nenhum efeito adverso grave foi demonstrado (p>0,05)

Li et al., 201812

Ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo

Pacientes com câncer de pulmão recebendo regimes à base de cisplatina (n=146)

Grupo intervenção (n=73): 500 mg/dia de ES de gengibre padronizado em 5% de gingeróis, 2 cápsulas de 250 mg a cada 12 horas; e grupo controle (n=73): 250 mg de amido de milho

5 dias a partir do primeiro dia de QT, até o último ciclo

Não foi observada diferença significativa entre os grupos gengibre e controle na redução da incidência e gravidade de náuseas e vômitos (p>0,05)

Bossi et al., 201713

Ensaio clínico, multicêntrico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo

Pacientes com tumores sólidos e virgens de QT com planos de receber 2 ciclos de QT altamente emetogênica com cisplatina (n=244)

Grupo intervenção (n=121): 160 mg/dia de ES padronizado em 16 mg de gingeróis e 1,12 mg de shogaol; e grupo controle (n=123): 110 mg de óleo vegetal

42 a 56 dias de acordo com os diferentes esquemas de QT

A incidência de náusea tardia, interciclo e antecipatória não diferiu entre os dois grupos no 1º e no 2º ciclo, mas houve benefício do grupo intervenção em relação ao grupo controle na pontuação de náusea e de êmese em mulheres (p=0,048) e pacientes com câncer de cabeça e pescoço (p=0,038)

Konmun et al., 201714

Estudo multicêntrico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo

Pacientes de ambos os sexos, ECOG entre 0 e 2,

diagnóstico de tumores sólidos ressecados cirurgicamente e com proposta de QT adjuvante, curativa e com potencial de êmese moderado a alto (n=81)

Grupo intervenção (n=40): cápsulas de 10 mg contendo extrato de gengibre, padronizado em 6-gingerol – 5 mg (1,4% peso/peso de extrato de gengibre), duas vezes ao dia; e grupo controle (n=41): 1 cápsula com celulose microcristalina e espessante

A oferta iniciou 3 dias antes da QT e continuou por mais 12 semanas após o término da QT

A taxa geral de resposta completa foi significativamente maior no grupo intervenção em comparação ao grupo controle (77 vs. 32%; p<0,001). A diferença nas médias do escore de apetite foi significativa (p=0,001) e mais perceptível ao longo do tempo. A qualidade de vida foi significativamente maior (86,21) no grupo intervenção aos 64 dias em relação ao grupo controle (72,36) (p<0,001) e os pacientes que receberam 6-gingerol relataram significativamente menos fadiga grau 3 (2 vs. 20%; p=0,020)

Marx et al., 201715

Ensaio clínico, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo

Pacientes com câncer de mama, cólon, linfoma e outros tipos de tumores submetidos à QT moderada ou altamente emetogênica (n=246)

Grupo intervenção (n=123): 4 cápsulas ao dia com 300 mg de um ES padronizado em 5% de gingeróis cada, contendo 15 mg de ingrediente ativo por cápsula; e grupo controle (n=123): placebo

1 cápsula 4 vezes ao dia com refeição, durante 5 dias por ciclo de QT, começando no dia da QT

A qualidade de vida relacionada a NVIQ (p=0,043), a qualidade de vida global (p=0,015) e a diminuição da fadiga (p=0,006) foram melhores no grupo intervenção em relação ao controle

Thamlikitkul et al., 201716

Estudo cruzado, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo

Pacientes do sexo feminino com câncer de mama que receberam um primeiro ciclo de QT com adriamicina-ciclofosfamida e que apresentaram vômitos ou náusea moderada a grave (n=34)

Grupo intervenção (n=19): uma cápsula de 500 mg/dia de pó de gengibre; e grupo controle (n=15): ingredientes inativos da cápsula de gengibre

5 dias, começando no primeiro dia do segundo ciclo de QT e no terceiro ciclo os pacientes foram transferidos para outro tratamento (ou seja, de gengibre para placebo ou vice-versa)

Sem diferenças significativas entre gengibre e placebo em termos de incidência e gravidade de vômitos (p=0,5)

Ansari et al., 201617

Ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo

Pacientes do sexo feminino, com diagnóstico de câncer de mama não metastático que receberam no mínimo 3 ciclos de QT à base de doxorrubicina

(n=119)

Grupo intervenção (n=57): 2 cápsulas contendo 250 mg de gengibre em pó (500 mg a cada 12 horas ou 1 g por dia); grupo controle (n=62): cápsulas contendo amido e mesmas orientações para tomada

2 cápsulas a cada 12 horas durante 3 dias

a partir da QT

Em todas as sessões, o gengibre diminuiu a gravidade do vômito de 1,4 (±1,04) para 0,71 (±0,86). Ainda, no grupo intervenção que recebeu doxorrubicina e ciclofosfamida, o vômito foi menos intenso em comparação com aqueles que receberam placebo (p<0,05)

Sanaati et al., 201618

Ensaio clínico randomizado, duplo-cego

Pacientes do sexo feminino com câncer de mama em QT (n=45)

Grupo intervenção (n=15): 500 mg de gengibre em pó, 2 vezes ao dia e DMA; grupo camomila (n=15): 500 mg de extrato de Matricaria chamomilla e DMA; grupo controle (n=15): antieméticos padrão

5 dias antes e 5 dias após a QT

Gengibre e a camomila foram ineficazes na intensidade da náusea (p=0,238), mas ambos foram eficazes na frequência de vômitos (p<0,0001) e o gengibre afetou a frequência de náuseas (p=0,006)

Arslan e Ozdemir, 201519

Ensaio clínico, randomizado e controlado por placebo

Pacientes do sexo feminino com câncer de mama estágio II ou III que receberam tratamento cirúrgico prévio e estavam em QT com antraciclina adjuvante

(n=60)

Grupo intervenção (n=30): 500 mg de gengibre em pó, 2 vezes ao dia; grupo controle (n=30): nenhuma intervenção foi realizada além do padrão de atendimento prestado no hospital

30 minutos antes da administração da QT no dia 1 e por 5 dias após a QT

A gravidade da náusea nos dias 2-5 e o número de episódios de vômitos/ânsia de vômito diminuíram nos dias 2, 3 e 5 nos pacientes do grupo intervenção quando comparado ao grupo controle (p<0,05), além disso, a gravidade da náusea aguda e tardia no grupo intervenção diminuiu significativamente (p<0,001)

Legendas: DMA = dexametasona, metoclopramida e aprepitant; QT = quimioterapia; ES = extrato seco; ECOG = performance status scale; NVIQ = náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia.

 

Os nove artigos investigaram ao todo 1.022 pessoas, concentradas nos diferentes tipos de câncer de mama, ginecológico e tumores sólidos. A posologia ofertada variou de 10 mg a 2.000 mg, sendo administrada na forma de planta medicinal em pó (500 mg a 2.000 mg) ou extrato seco padronizado (10 mg a 500 mg). A duração dos estudos teve grande variabilidade, por exemplo, de um a cinco dias antes da quimioterapia até três dias a 12 semanas após a quimioterapia, destacando-se cinco dias de duração da intervenção após o ciclo de quimioterapia.

 

O uso do gengibre via oral, apesar de apresentar potencial de reduzir NVIQ em pacientes com câncer, ainda apresenta resultados conflitantes variando de acordo com o tipo de câncer e do quimioterápico utilizado. Contudo, os estudos afirmam que não foram observados efeitos adversos da sua administração.

 

DISCUSSÃO

As informações coletadas na presente revisão não foram suficientes para identificar a posologia nem a forma de apresentação ideal que poderiam contribuir no manejo de NVIQ. Nos estudos analisados, observou-se que doses inferiores a 500 mg/dia de gengibre, na forma de pó de planta ou extrato seco padronizado, não foram suficientes para reduzir a gravidade e frequência de NVIQ em diferentes tipos de tumores e regimes de quimioterapia. Em intervenções com doses superiores a 500 mg/dia e inferiores a 2 g/dia do gengibre em pó, houve redução da gravidade e da frequência das NVIQ. Esses resultados apresentam baixa confiança em razão da heterogeneidade dos estudos.

 

O gengibre tem sido estudado em pacientes com câncer de mama durante a quimioterapia. Na presente revisão, foram identificados quatro trabalhos nessa população. O trabalho de Thamlikitkul et al.16 evidenciou segurança do uso de gengibre em pó na posologia de 500 mg duas vezes ao dia. Porém, o seu uso não demonstrou benefício na redução da gravidade da náusea em mulheres recebendo adriamicina-ciclofosfamida, mesmo que uma dose similar tenha controlado efetivamente a náusea aguda20.

 

Os estudos parecem demonstrar que o efeito do gengibre varia de acordo com o tipo de câncer e esquema de quimioterapia estudada. Ansari et al.17 observaram que as pacientes com câncer de mama que receberam gengibre durante os ciclos de doxorrubicina-ciclofosfamida tiveram menos vômitos, mas tal efeito não foi significativo para outros regimes de quimioterapia. Tais achados também foram observados por Sanaati et al.18, com resultados positivos na frequência de vômitos, quando foram utilizados gengibre e camomila, mas destacaram o gengibre (1 g/dia) na redução da frequência de náuseas.

 

O estudo de Arslan e Ozdemir19 demonstrou a eficácia do gengibre (1 g/dia) nos primeiros três dias de quimioterapia, na promoção da redução da gravidade de náuseas em mulheres com câncer de mama que receberam antraciclina. Por outro lado, quando se trata de tumores ginecológicos, a literatura científica ainda é escassa, mas estudos estão em andamento, como o ensaio clínico de Silva et al.21 com pacientes brasileiras diagnosticadas com câncer do colo uterino tratadas com cisplatina associada à radioterapia e que usaram gengibre para NVIQ.

 

A adição do gengibre em pó na terapia antiemética padrão de pacientes com câncer ginecológico em regime de quimioterapia com carboplatina e paclitaxel foi eficiente no manejo da náusea aguda11. Tal efeito também foi observado quando se utilizou a decocção de gengibre em conjunto com o regime antiemético padrão em mulheres com câncer ginecológico recebendo regimes à base de cisplatina22.

 

Tian et al.23, em um estudo experimental com modelos animais com náuseas e vômitos induzidos por cisplatina, em que foi ofertado gingerol em doses baixas, médias e altas, observaram efeito benéfico e dose-dependente do gingerol na melhora dos sintomas. No entanto, ressalta-se que, nesse trabalho, foi ofertado o princípio ativo isolado e não o fitoterápico.

 

Já em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado, realizado com pacientes com diferentes tipos de tumores não sólido, sólido, de pulmão, entre outros, recebendo cisplatina em combinação com outros agentes quimioterápicos, o uso do gengibre não foi capaz de reduzir as náuseas e vômitos ao ser adicionado (1 g/dia de gengibre em pó) ao tratamento antiemético padrão24. De forma semelhante, os ensaios clínicos de Li et al.12 e Bossi et al.13, que utilizaram o rizoma do gengibre na forma de extrato seco padronizado, também não observaram benefícios quando utilizado concomitantemente ao tratamento com cisplatina.

 

O gengibre apresenta alguns óleos essenciais entre seus constituintes químicos, sendo os gingeróis e shogaóis os principais. O provável mecanismo de ação para os efeitos benéficos encontrados por Tian et al.23 é a supressão dos níveis de substâncias P e receptores neurocinina-1 (NK1) na área postrema e do íleo. Além disso, o 6-, o 8- e o 10-gingerol e o 6-shogaol exercem sua ação antiemética por meio de antagonismo no receptor 5HT3 do sistema nervoso central que, quando ativado, induz náuseas e vômitos25,26.

 

Reconhece-se que as náuseas e vômitos pioram a qualidade de vida do paciente com câncer em quimioterapia, por isso, o seu manejo com plantas medicinais se torna relevante na prática clínica6. Desse modo, Bossi et al.13 observaram benefício do uso do gengibre nas atividades de vida diária em mulheres e em pessoas com câncer de cabeça e pescoço, que são consideradas os grupos mais vulneráveis para o desenvolvimento de náuseas e vômitos.

 

Em três artigos13-15 incluídos na presente revisão, foi investigada a associação entre a suplementação de gengibre e a melhora da fadiga. Enquanto Bossi et al.13 não acharam diferença no questionário Brief Fatigue Inventory (BFI) com o uso do gengibre, Konmun et al.14 e Marx et al.15 encontraram melhora da fadiga com o uso do extrato seco de gengibre. Um ensaio clínico com 162 pacientes em tratamento quimioterápico e randomizados para receber o placebo vs. 1 g ou 2 g de extrato seco de gengibre padronizado em 5% de gingeróis diariamente obteve menos queixas de fadiga nos grupos tratados com gengibre27.

 

Os trabalhos feitos com extrato seco padronizado com doses de até 300 mg/dia foram efetivos na melhora da qualidade de vida, do apetite e da fadiga, provavelmente em razão dos efeitos anti-inflamatórios do gengibre. No entanto, nenhum dos estudos que avaliou a fadiga e o apetite fez o mesmo para os marcadores inflamatórios. Nos estudos com gengibre em pó e em extrato seco padronizado, sugerem-se maiores investigações relacionadas à meia-vida de eliminação dessas formas farmacêuticas, visto que tal fato provavelmente está influenciando no manejo de NVIQ. Esses estudos não descreveram o fracionamento mais indicado, contudo, a maioria deles ofereceu duas vezes ao dia.

 

O presente estudo apresenta algumas limitações, como a dificuldade de comparação do tempo de duração da intervenção entre os estudos e heterogeneidade quanto à posologia e à forma de apresentação do gengibre ofertado, bem como a duração da intervenção nos artigos inseridos. Entre as fontes de heterogeneidade clínica, destacam-se também os diferentes esquemas antieméticos, bem como tipos de câncer e, consequentemente, tipos de protocolos de quimioterapia, além de protocolos de intervenção distintos entre si (dose, tempo e forma farmacêutica).

 

CONCLUSÃO

O uso do gengibre por via oral demonstrou ser uma estratégia segura para o manejo de NVIQ em pacientes com câncer na posologia de 1 g/dia do gengibre em pó, podendo ser utilizado como uma terapia complementar juntamente com regimes antieméticos padrões. Ainda são necessários mais ensaios clínicos randomizados com homogeneidade de dose, do tempo de administração e da forma farmacêutica para fomentar a recomendação de uso do gengibre em diferentes tipos de câncer e de protocolos de quimioterapia, bem como determinar a eficácia dessa intervenção e realizar revisões sistemáticas com metanálise que avaliem separadamente a indicação do gengibre em cada tipo de câncer.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na análise e/ou interpretação dos dados; na redação e/ou revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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6. Crichton M, Marshall S, Marx W, et al. Efficacy of ginger (Zingiber officinale) in ameliorating chemotherapy-induced nausea and vomiting and chemotherapy-related outcomes: a systematic review update and meta-analysis. J Acad Nutr Diet. 2019;119(12):2055-68. doi: https://doi.org/10.1016/j.jand.2019.06.009

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Recebido em 20/12/2022

Aprovado em 28/2/2023

 

Editor-associado: Fernando Lopes Tavares de Lima. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8618-7608

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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