ARTIGO ORIGINAL

 

Correlação entre Capacidade Funcional e Qualidade de Vida em Pacientes Oncológicos em Cuidados Paliativos

Correlation between Functional Capacity and Quality-of-life in Cancer Patients in Palliative Care

Correlación entre Capacidad Funcional y Calidad de Vida en Pacientes Oncológicos en Cuidados Paliativos

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n3.3912

 

Laiane Lima dos Santos1; Vinício dos Santos Barros2; Adelzir Malheiros e Silva Carvalho Barbosa Haidar3; César Leonardo Ribeiro Guedes4; Laíla Silva Linhares5; Bruno Sousa Lopes6; Almir Vieira Dibai-Filho7; Daniela Bassi-Dibai8

 

1-3Centro Universitário Dom Bosco. São Luís (MA), Brasil. E-mails: laianelima240@gmail.com; viniciosantosbarros@gmail.com; adelzir.haidar@undb.edu.br. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0009-5373-9355; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8322-5824; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1852-5919

4Hospital do Câncer do Maranhão. São Luís (MA), Brasil. E-mail: leonardoguedes10@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9017-6672

5Hospital Universitário Presidente Dutra. São Luís (MA), Brasil. E-mail: laila.linhares@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4512-2154

6Secretaria Estadual de Saúde do Distrito Federal. Brasília (DF), Brasil. E-mail: brunolopesfisio@gmail.com. https://orcid.org/0000-0002-0662-2826

7Universidade Federal do Maranhão. São Luís (MA), Brasil. E-mail: almir.dibai@ufma.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5403-8248

8Universidade Ceuma. São Luís (MA), Brasil. E-mail: danielabassifisio@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6140-0177

 

Endereço para correspondência: Laiane Lima dos Santos. Alameda dois, Bloco B – Bequimão. São Luís (MA), Brasil. CEP 65061-480. E-mail: laianelima240@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: Cuidados paliativos são descritos como um conjunto de terapêuticas que visam minimizar as implicações negativas das doenças graves que ameaçam a vida e o bem-estar do indivíduo acometido. A progressão da doença e a sintomatologia provocam uma deterioração gradual e generalizada do estado do doente, e os sintomas físicos ocasionam a perda progressiva da capacidade funcional que, associados às manifestações emocionais pelo momento em que o paciente se encontra, impactam a sua qualidade de vida. Objetivo: Correlacionar a capacidade funcional com a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos. Método: Estudo transversal de abordagem quantitativa com 225 indivíduos. Os dados foram coletados por meio de questionário sociodemográfico, do índice de Barthel e do European Organization for Research in the Treatment of Cancer Questionnaire Palliative (EORTC QLQ-C15-PAL). Resultados: Dos 225 indivíduos elegíveis, observou-se homogeneidade entre a porcentagem de homens e mulheres, com média de 55,73±15,14 anos de idade. A análise estatística demonstrou associação positiva entre o escore do índice de Barthel e o escore de qualidade de vida do EORTC QLQ-C15-PAL com coeficiente de 0,74 e nível significância de p<0,05, bem como correlação negativa para as subescalas funcional e de sintomas com coeficiente de -0,702 e -0,544, respectivamente. Conclusão: Há uma correlação significativa entre a capacidade funcional e a qualidade de vida em pacientes oncológicos em cuidados paliativos.

Palavras-chave: cuidados paliativos; capacidade residual funcional; qualidade de vida.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Palliative care is described as a set of therapies that aim to minimize the negative implications of severe life-threatening illnesses on the well-being of the individual affected. The progression of the disease and the symptomatology cause a gradual and generalized deterioration of the patient's condition and the physical symptoms cause the progressive loss of the functional capacity which, associated with emotional manifestations due to the moment the patient is living through, impact its quality-of-life. Objective: To correlate the functional capacity with the quality-of-life of cancer patients in palliative care. Method: Quantitative investigation with 225 individuals whose data were collected through sociodemographic questionnaire, Barthel Index and the European Organization for Research in the Treatment of Cancer Questionnaire Palliative (EORTC QLQ-C15-PAL) Results: The sample of 225 eligible individuals consisted in men and women evenly distributed with mean age of 55.73±15.14 years. Statistical analysis showed a positive association of 0.74 between the Barthel Index and the EORTC QLQ-C15-PAL quality-of-life with level of significance of p<0.05, as well as a negative correlation of -0.702 and -0.544 for the subscales functional and symptoms, respectively. Conclusion: There is a significant correlation between functional capacity and quality of life in cancer patients undergoing palliative care.

Key words: palliative care; functional residual capacity; quality of life.

 

 

RESUMEN

Introducción: Cuidados paliativos se describen como un conjunto de terapias que tienen como objetivo minimizar las implicaciones negativas de enfermedades graves que amenazan la vida y el bienestar del individuo afectado. La progresión de la enfermedad y la sintomatología provocan un deterioro paulatino y generalizado del estado del paciente, los síntomas físicos provocan la pérdida progresiva de la capacidad funcional, asociados a manifestaciones emocionales debido al momento en el que se encuentra el paciente, impactando en la calidad de vida del paciente. Objetivo: Correlacionar la capacidad funcional con la calidad de vida de pacientes oncológicos en cuidados paliativos. Método: Estudio transversal con un enfoque cuantitativo en el que participaron 225 individuos. Los datos se recogieron mediante un cuestionario sociodemográfico, el índice de Barthel y el European Organisation for Research in the Treatment of Cancer Questionnaire Palliative (EORTC QLQ-C15-PAL). Resultados: De los 225 individuos elegibles, se observó homogeneidad de género, con una edad promedio de 55,73±15,14 años. El análisis estadístico mostró una asociación positiva entre la puntuación del índice de Barthel y la puntuación de calidad de vida de la EORTC QLQ-C15-PAL con un coeficiente de 0,74, adoptando una significancia de p<0,05, así como una correlación negativa para las subescalas funcional y de síntomas con un coeficiente de -0,702 y -0,544, respectivamente. Conclusión: Existe una correlación significativa entre la capacidad funcional y la calidad de vida en pacientes oncológicos en cuidados paliativos.

Palabras clave: cuidados paliativos; capacidad residual funcional; calidad de vida.

 

 

INTRODUÇÃO

O perfil epidemiológico dos países vem se modificando no decorrer das décadas. Atualmente, o grupo denominado doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), composto por doenças cardiovasculares, crônicas respiratórias, diabetes, câncer, entre outras, tem prevalência global, sendo indicado como problema de saúde pública e uma das principais causas de morte em todo o mundo1.

 

Entre as doenças mais predominantes, encontra-se o câncer, caracterizado pela multiplicação desorganizada de células anormais de um determinado tecido, com capacidade de propagar-se para outros tecidos e órgãos. Essa caracterização abrange um grupo de mais de 100 doenças e possui origem multifatorial2.

 

A evolução da ciência tem possibilitado a descoberta e aplicação de diferentes recursos e tratamentos para essa enfermidade, como a cirurgia, terapia sistêmica, quimioterapia, imunoterapia e radioterapia. Por se tratarem de terapêuticas clínicas de mecanismo de ação celular, podem gerar complicações aos indivíduos submetidos ao tratamento de câncer, entre estas, encontra-se a fraqueza muscular. Essa complicação tem potencial para provocar maiores períodos de internação e diminuição da sobrevida3.

 

Quando o câncer está em estádio avançado e com metástases, não havendo perspectiva terapêutica de cura, o indivíduo pode ser encaminhado para receber assistência em cuidados paliativos. Nesse momento, o foco recai sobre medidas que têm em vista a identificação, avaliação e terapêutica apropriada para os sintomas físicos, psicossociais e espirituais que repercutem na qualidade de vida do indivíduo4.

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados paliativos consistem na assistência realizada por uma equipe multiprofissional com o intuito de melhorar a qualidade de vida do paciente e de seus familiares perante uma doença que ameaça a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce, perfeita avaliação, tratamento de dor e sintomas físicos, psicológicos, sociais e espirituais5.

 

Em geral, os pacientes que necessitam de ações paliativas possuem alto grau de dependência, provocado pela redução da capacidade funcional em decorrência do quadro em que se encontram e dos sintomas e tratamentos, implicando ainda as perspectivas em relação à qualidade de vida6.

 

A capacidade funcional do indivíduo é definida como a capacidade de gerenciar a própria vida, atribuída ao grau de independência e autonomia. Envolve o funcionamento harmonioso e abrangente das atividades de vida diária, em comum com o humor, comunicação, mobilidade e cognição, aspectos que permitem analisar a situação do paciente para enfrentamento da doença7.

 

A qualidade de vida diz respeito ao grau de satisfação encontrado na vida, que engloba diversos âmbitos como ambiente social, a própria estética existencial, vida familiar, emocional, aptidão para realizar tarefas, entre outros, de maneira singular e subjetiva8.

 

Levando em consideração as repercussões físicas dos cuidados paliativos e as dimensões psicológicas que essa condição causa ao indivíduo, esta pesquisa tem como objetivo correlacionar a capacidade funcional com a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos, além dos seguintes objetivos específicos: contextualizar o câncer e sua condição clínica; verificar a capacidade funcional; e avaliar a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos.

 

Embora a temática abordada seja de grande relevância, os estudos relacionando as variáveis capacidade funcional e qualidade de vida nessa população ainda são escassos, justifica-se, assim, a relevância na produção desta pesquisa. Entende-se ainda que a realização deste trabalho irá contribuir para a geração de novos conhecimentos acerca das repercussões físicas do câncer na qualidade de vida dos pacientes, provocando um olhar para o papel da fisioterapia nessa área. O aprofundamento do conhecimento acerca desses aspectos poderá auxiliar a equipe de saúde a elaborar estratégias para melhorar a assistência aos pacientes em cuidados paliativos.

 

MÉTODO

Estudo transversal de abordagem quantitativa, realizado no Hospital de Câncer do Maranhão Dr. Tarquínio Lopes Filho, em São Luís, MA, Brasil. A população foi constituída por pacientes oncológicos que recebiam tratamento no hospital. Esta pesquisa seguiu a amostra de conveniência, sendo realizada no período de outubro de 2021 a outubro de 2022. Foram incluídos na pesquisa indivíduos maiores de 18 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico de câncer confirmado por biópsia, capazes de ler e compreender o português, conscientes do diagnóstico de câncer, e que se encontravam em cuidados paliativos. Foram excluídos do estudo pacientes hemodinamicamente instáveis, que não completaram ou que se recusaram a responder algum item dos questionários.

 

A pesquisa iniciou-se a partir da concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os instrumentos para coleta de dados foram um questionário para obtenção dos dados sociodemográficos, o índice de Barthel9,10 para verificação da capacidade funcional, e o European Organization for Research in the Treatment of Cancer Questionnaire Palliative11 (EORTC QLQ-C15-PAL) para a investigação sobre a qualidade de vida.

 

O índice de Barthel é um instrumento que avalia o nível de independência funcional do indivíduo em dez atividades básicas de vida, que são: alimentação, banho, atividades rotineiras, vestir-se, controle dos esfíncteres urinário e retal, uso do banheiro, transferências de cadeira-cama-cadeira, mobilidade em superfícies planas e subir e descer escadas. A pontuação da escala varia de 0 a 100, em que 0 corresponde à dependência máxima do indivíduo, e 100, à independência total para realização das atividades de vida diária9. Essa escala possui validação para pacientes oncológicos em cuidados paliativos10.

 

O EORTC QLQ-C15-PAL é um instrumento que avalia a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos, validado para o português brasileiro. É constituído por 15 itens, apresentados em três domínios, que são: estado dos sintomas (nove itens), escala funcional (cinco itens) e o estado global de saúde (um item). Os dois primeiros domínios supracitados devem ser pontuados pelos pacientes em escala Likert de quatro pontos, na qual 1 corresponde a nada e 4 a muito, enquanto o estado de saúde global em uma escala de 0 (o pior possível) a 7 (excelente)11.

 

Sua interpretação deve ser realizada de forma separada para cada domínio, havendo necessidade de transformar os escores brutos em pontuações que vão de 0 a 100. Para a subescala funcional e de estado de saúde global, uma pontuação mais alta indica melhor condição do indivíduo, ao passo que, no domínio de sintomas, uma pontuação mais alta aponta maior comprometimento12.

 

Os dados obtidos no decorrer da coleta foram tabulados na ferramenta Microsoft Excel. As variáveis qualitativas foram descritas em tabelas contendo frequências absolutas e relativas, e as variáveis quantitativas em média, desvio-padrão, mediana, diferença interquartil e amplitude. Para análise de consistência da pesquisa e processamento da correlação, utilizou-se o software estatístico STATA, versão 16.0, adotando um nível de significância de 5%. Em seguida, aplicou-se o teste Shapiro Wilk para verificação da normalidade dos dados e, a partir deste, o emprego do coeficiente de correlação de Spearman, que estabeleceu a magnitude de correlação entre a capacidade funcional e a qualidade de vida dos pacientes oncológicos em cuidados paliativos.

 

Esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Maranhão e aprovada sob o número de parecer consubstanciado 4.711.612 (CAAE: 44064821.5.0000.5087), com base na Resolução n.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde13.

 

Este estudo possui riscos de vazamentos de informações que podem causar o constrangimento do indivíduo. Assim, foi assegurado pelos pesquisadores o máximo de precaução para que isso fosse evitado. Os benefícios são indiretos aos participantes deste estudo. Espera-se que a oferta de conhecimentos acerca da temática abordada possa contribuir para a comunidade científica bem como para a população.

 

RESULTADOS

Estudo realizado com 225 participantes, sendo observado homogeneidade entre os gêneros, com 49,78% feminino e 50,22% masculino, e média de 55,73±15,14 anos de idade.

 

Na Tabela 1, estão apresentados os dados envolvendo as informações sociodemográficas e clínicas dos participantes, sendo a maioria de baixa escolaridade, cujo maior grau de instrução formal foi dividido em ensino primário (32%) e ensino fundamental (35,56%). Quanto ao estado civil, o maior número da amostra foi composto por indivíduos casados (n=119).

 

Destaca-se ainda que a maior parte realizava tratamento medicamentoso (n=122), em que 64% continuam trabalhando ativamente. A presença de metástase encontra-se em 57,33% dos participantes.

 

Tabela 1. Características sociodemográficas e clínicas de pacientes oncológicos. São Luís, MA, 2022 (n=255)

Variáveis

N

%

Gênero

 

 

Feminino

112

49,78

Masculino

113

50,22

Idade (anos)

 

 

Média ± desvio-padrão

55,73±15,14

Amplitude (maior-menor valor)

(86-18)

Estado civil

 

 

Casado

119

52,89

Divorciado

22

9,78

Solteiro

50

22,22

Viúvo

34

15,11

Escolaridade

 

 

Primário

72

32,00

Ensino fundamental

80

35,56

Ensino médio

66

29,33

Educação superior

7

3,11

Situação de trabalho

 

 

Ativo

144

64,00

Inativo

81

36,00

Tratamento atual

 

 

Cirúrgico

23

10,22

Medicamentoso

122

54,22

Quimioterapia

69

30,67

Radioterapia

11

4,89

Presença de metástase

 

 

Não

96

42,67

Sim

129

57,33

 

 

 

A Tabela 2 descreve os resultados em escores brutos do EORTC QLQ C-15 PAL e do índice de Barthel. A respeito do índice de Barthel, a média encontrada foi de 72,39±19,92, sendo observada uma amplitude de 100 a 25, indicando que a maioria dos participantes necessita eventualmente de algum auxílio para realização de atividades de vida diária.

 

Com relação ao EORTC QLQ C-15 PAL, a subescala funcional obteve média de 44,44±25,27, o que sugere alguma diminuição na funcionalidade dos participantes; o escore de sintomas apresentou média de 36,88±20,33, demonstrando que eles possuíam certa carga de sintomas. Já a média da subescala de qualidade de vida foi de 55,33±28,80, o que indica que os indivíduos estudados percebem sua qualidade de vida como insatisfatória.

 

Tabela 2. Resultados do EORTC QLQ-C15 e do índice de Barthel de pacientes oncológicos. São Luís, MA, 2022 (n=255)

Escalas

Barthel – Escore total

 

Média ± desvio-padrão

72,39±19,92

Mediana (quartil 3-quartil 1)

70,00 (90-55)

Amplitude (maior-menor valor)

(100-25)

EORTC QLQ-C15 PAL

 

Escore Funcional

 

Média ± desvio-padrão

44,44±25,27

Mediana (quartil 3-quartil 1)

40 (66,67-26,66)

Amplitude (maior-menor valor)

(100-0)

Escore Sintomas

 

Média ± desvio-padrão

36,88±20,33

Mediana (quartil 3-quartil 1)

37,03 (55,55-18,52)

Amplitude (maior-menor valor)

(85,19-0)

Escore Qualidade de Vida

 

Média ± desvio-padrão

55,33±28,80

Mediana (quartil 3-quartil 1)

50,00 (83,33-33,33)

Amplitude (maior-menor valor)

(100-0)

 

 

 

Neste estudo, foi correlacionado o índice de Barthel com cada subescala do EORTC QLQ-15 PAL. Na Tabela 3, estão expostos os resultados encontrados, os quais demonstram que o índice de Barthel foi associado aos domínios do EORTC QLQ C-15 PAL, sendo uma associação positiva para o escore de qualidade de vida, com coeficiente de 0,74, e associação negativa para os domínios funcional e de sintomas, com coeficiente de -0,702 e -0,544, respectivamente.

 

Tabela 3. Correlação entre o EORTC QLQ-C15 e o índice de Barthel de pacientes oncológicos. São Luís, MA, 2022 (n=255)

Domínios EORTC QLQ-C15 PAL

Índice de Barthel

Coeficiente

p-valor*

Escore Funcional

-0,702

<0,001

Escore Sintomas

-0,544

<0,001

Escore Qualidade de Vida

0,749

<0,001

(*) Coeficiente de correlação de Spearman.

 

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo apontam que o gênero dos participantes foi praticamente homogêneo, com uma média de idade de 55,73±15,14 anos, a maioria era de casados e ainda exercendo sua atividade laboral ativamente. Similarmente a este, um estudo que verificou o perfil sociodemográfico de pacientes em cuidados paliativos obteve resultados semelhantes quanto à faixa etária (50 e 61 anos) e ao estado civil, em que 67% possuíam parceiro fixo e baixa escolaridade. Em contrapartida, teve prevalência do sexo feminino (77%), e a maioria dos participantes não exercia atividade laboral14.

 

Tratando-se da faixa etária encontrada na pesquisa, estudos apontam que a idade avançada dos participantes pode estar relacionada ao aumento da expectativa de vida indicada pelas estimativas demográficas do envelhecimento populacional. Assim, as doenças crônico-degenerativas têm de ser encaradas como prioridade na assistência à saúde15.

 

De acordo com alguns estudos, a baixa escolaridade está associada à possibilidade de menor compreensão pelos pacientes sobre as informações, orientações e recomendações em relação ao cuidado com a saúde em geral. A demora na procura por serviços de saúde é comumente observada nessa população, podendo levar a uma maior possibilidade de sofrimento16,17.

 

Com relação à presença de metástase, os dados encontrados neste estudo corroboram um estudo no qual a maioria dos indivíduos apresentava tumores metastáticos, já em estádios avançados da doença18. Além disso, autores relatam que a finalidade paliativa está direcionada para esses casos, visto que a presença de metástases limita o uso de protocolos terapêuticos curativos19.

 

Na pesquisa em questão, a capacidade funcional foi avaliada por meio do índice de Barthel, o qual indicou que a maior parte dos indivíduos necessitava de algum auxílio para realização de atividades básicas de vida. Em concordância, uma pesquisa que avaliou a capacidade funcional de indivíduos em cuidados paliativos, utilizando o índice de performance de Karnofsky (KPS)20, obteve uma média de 64,63±15,34 do escore total, indicando a necessidade de ajuda ocasional pelos participantes para realização de algumas atividades diárias.

 

No que diz respeito à qualidade de vida, os resultados da aplicação do EORTC QLQ C-15 PAL indicaram, em seus domínios, um certo grau de dependência funcional, carga de sintomas, e que os pacientes avaliaram como insatisfatória sua qualidade de vida. Concernente a este, uma revisão sistemática revelou que os indivíduos com câncer colorretal em cuidados paliativos relatam baixa qualidade de vida relacionada à saúde, e que existem múltiplas variáveis, como idade, gênero, escolaridade, depressão, tipo de tratamento realizado, que podem interferir nessa compreensão21.

 

Para alguns autores, a percepção dos indivíduos em relação à qualidade de vida é subjetiva e está atrelada a diversos fatores como o estado de saúde em que se encontram, presença de sintomas como dor e dificuldade para realizar atividades pessoais, impossibilidade de retornar ao trabalho, dificuldades financeiras, apoio dos familiares, entre outros. O processo saúde-doença está intimamente ligado a como o indivíduo enxerga a vida, influenciando de maneira direta na sua qualidade de vida22.

 

Em outro trabalho, que avaliou a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos, foram evidenciados resultados contrários, nos quais os indivíduos estudados consideraram a qualidade de vida como satisfatória com média maior do que 60 de saúde global. Isso indica que a manutenção da qualidade de vida vem ganhando destaque no tratamento dos pacientes oncológicos, sobretudo para aqueles que se encontram em cuidados paliativos23.

 

A qualidade de vida de pacientes com câncer em cuidados paliativos vem sendo cada vez mais acompanhada por profissionais de saúde envolvidos no tratamento e na reabilitação. O interesse por uma melhor qualidade de vida no momento de fim de vida, no Brasil, está envolvido a uma maior compreensão das características referentes à assistência nesse período final em que o indivíduo se encontra24.

 

Este estudo correlacionou a capacidade funcional à qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos, obtendo associação significativa entre o índice de Barthel e os domínios do EORTC QLQ C-15 PAL. Em concordância, uma pesquisa que utilizou o KPS para mensurar a capacidade funcional e o EORTC-QLQ-C30 para avaliar a qualidade de vida em 400 mulheres com diagnóstico de câncer de mama mostrou resultados que indicaram que a qualidade de vida esteve intimamente relacionada à capacidade funcional, principalmente nas escalas funcional, de sintomas e de saúde global25.

 

Um estudo realizado com 101 pacientes que possuíam diagnóstico de câncer em tratamento quimioterápico obteve resultados indicando que o status de saúde global e a qualidade de vida avaliada pelo EORTC-QLQ-C30 possuem associação direta com a capacidade funcional mensurada pelo KPS⁷. Dados que se assemelham aos encontrados na presente pesquisa.

 

Como limitações, pode-se considerar o fato de a amostra ser composta inteiramente por pacientes atendidos em serviço hospitalar, sem a inclusão daqueles assistidos em ambulatórios, clínicas ou domicílio. Dessa forma, os dados não são passíveis de generalização para outras realidades. A exclusão dos indivíduos que não completaram ou que se recusaram a responder algum item do questionário também pode ser destacada como limitação. Na literatura, existem poucos estudos de correlação entre a capacidade funcional e a qualidade de vida de pacientes oncológicos em cuidados paliativos, o que limita a discussão e a comparação deste trabalho com outros.

 

CONCLUSÃO

A capacidade funcional possui correlação significativa com a qualidade de vida em pacientes oncológicos em cuidados paliativos. Os resultados indicaram ainda que esses pacientes possuem uma diminuição da capacidade funcional, visto que a maioria dos participantes necessitava de auxílio para realizar atividades de vida diária e que essa qualidade de vida foi percebida por eles como insatisfatória.

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 3/4/2023

Aprovado em 21/8/2023

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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