ARTIGO ORIGINAL
Tempo até o Início do Tratamento Oncológico em Crianças e Adolescentes no Brasil
Time until the Beginning of Cancer Treatment in Children and Adolescents in Brazil
Tiempo hasta el Inicio del Tratamiento del Cáncer en Niños y Adolescentes en el Brasil
doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n2.3938
1,2,3,4Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Medicina. Lagarto (SE), Brasil. E-mails: daayketlyn27@gmail.com; mariaeduardaped@academico.ufs.br; yuriyba@gmail.com; karolinealvesalm@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9312-4891; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9267-9417; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1724-3637; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-3078-5465
5UFS, Departamento de Enfermagem. Lagarto (SE), Brasil.
E-mail: wany2485@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2695-4227
6UFS, Departamento de Educação em Saúde. Lagarto (SE), Brasil. E-mail: simonekameo@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0035-2415
Endereço para correspondência: Dayane Ketlyn da Cunha Santos. Avenida Governador Marcelo Déda, 13 – Jardim Campo Novo. Lagarto (SE), Brasil. CEP 494000-000. E-mail: daayketlyn27@gmail.com
RESUMO
Introdução: O câncer infantojuvenil é a principal causa de morte por doença nessa faixa etária no Brasil com elevadas taxas de incidência, sendo o tempo até o início do tratamento crucial para o prognóstico. Objetivo: Investigar os fatores associados à instituição do tratamento do câncer infantojuvenil no Brasil nos primeiros 30 dias após o diagnóstico. Método: Estudo transversal, analítico e quantitativo, realizado com a população de 0 a 19 anos que iniciou o tratamento oncológico de 2017 a 2021 no Brasil. Os dados foram coletados com base no PAINEL-Oncologia e analisados utilizando frequências absolutas e relativas. Além disso, foram calculadas as razões de prevalência entre o tempo de diagnóstico e tratamento por Região Geográfica, grupos de neoplasias e faixa etária. Resultados: Aproximadamente 80% iniciaram o tratamento em até 30 dias e os fatores associados a essa maior prevalência são: menor idade, cirurgia como modalidade terapêutica inicial e diagnóstico nas Regiões Sul e Centro-Oeste. As neoplasias in situ e de comportamento incerto foram o grupo com maior frequência quando comparado aos outros tipos analisados. Destaca-se a diferença no tempo entre as Regiões, evidenciando heterogeneidade da distribuição dos serviços de referência em Oncologia. Não houve diferenças significativas em relação ao sexo. Conclusão: Notou-se a heterogeneidade do tempo oportuno de tratamento nas Regiões, sobretudo no acesso às unidades de tratamento, e na complexidade do quadro oncológico. Mais estudos sobre o percurso até a instituição terapêutica em todas as Regiões são necessários.
Palavras-chave: neoplasias; tempo para o tratamento; pediatria; acesso aos serviços de saúde.
ABSTRACT
Introduction: Cancer in children and adolescents is the main cause of death by disease in this age range in Brazil, with high incidence rates, and the time until the beginning of the treatment is crucial for the prognosis. Objective: To investigate factors associated with the implementation of childhood cancer treatment in Brazil in the first 30 days after the diagnosis. Method: Cross-sectional, analytical and quantitative study carried out with the population aged 0 to 19 years in Brazil who initiated cancer treatment between 2017 and 2021. Data were collected based on PAINEL-Oncologia and analyzed utilizing absolute and relative frequencies and calculating the prevalence ratios between the time of diagnosis and treatment by Geographic Region, neoplasm groups and age group. Results: Approximately 80% initiated treatment within 30 days, and the factors associated with this higher prevalence ratio were: younger age, surgery as the initial therapeutic modality and diagnosis in the South and Midwest Regions. The neoplasms in situ and of uncertain behavior were the group with higher frequency when compared to other types analyzed. The difference in time found in the Regions stands out, showing heterogeneity of the distribution of oncology reference services. No significant difference was found in relation to sex. Conclusion: The heterogeneity of the timely time of treatment in the Regions was noticed, especially in terms of access to treatment centers and the complexity of the oncological condition. Therefore, it is important to carry out studies addressing the pathway to access the therapeutic institution in all Regions.
Key words: neoplasms; time for treatment; pediatrics; access to health services.
RESUMEN
Introducción: El cáncer en niños y adolescentes es la principal causa de muerte por enfermedad en este grupo de edad en el Brasil, con altas tasas de incidencia, y el tiempo hasta el inicio del tratamiento es crucial para el pronóstico. Objetivo: Estudiar los factores asociados a la institución del tratamiento del cáncer infantil en Brasil en los primeros 30 días después del diagnóstico de 2017 a 2021. Método: Estudio transversal, analítico y cuantitativo, realizado con la población de 0 a 19 años en el Brasil que iniciaron el tratamiento del cáncer entre 2017 y 2021. Los datos fueron recolectados con base en los datos de PAINEL-Oncología y analizados utilizando frecuencias absolutas y relativas, y calculando las razones de prevalencia entre el momento del diagnóstico y el tratamiento por Región Geográfica, grupos de neoplasia y grupo de edad. Resultados: Aproximadamente el 80% inició tratamiento dentro de los 30 días, y los factores asociados a esta mayor razón de prevalencia fueron: menor edad, cirugía como modalidad terapéutica inicial y diagnóstico en las Regiones Sur y Centro Oeste, siendo las neoplasias in situ y de comportamiento incierto el grupo con mayor frecuencia en comparación con los otros tipos analizados. Destaca la diferencia en el tiempo entre Regiones, evidenciando la heterogeneidad de la distribución de los servicios de referencia en Oncología. El sexo del paciente no presenta interferencia significativa. Conclusión: Se notó la heterogeneidad del momento oportuno del tratamiento en las Regiones, especialmente en cuanto al acceso a las unidades de tratamiento y la complejidad de la condición oncológica. Por lo tanto, es importante realizar más estudios sobre el camino a la institución terapéutica en todas las Regiones.
Palabras clave: neoplasias; tiempo para el tratamiento; pediatría; acceso a los servicios de salud.
INTRODUÇÃO
O câncer é uma doença com grande potencial de morbimortalidade em todas as Regiões do mundo1. Quando diagnosticado na infância ou na adolescência, provoca impactos de cunho físico, social, econômico e emocional na vida do indivíduo, da sua rede de apoio e da sociedade, uma vez que, quando não curado, pode representar uma perda de aproximadamente 70 anos de vida2,3.
O câncer infantojuvenil é considerado uma doença crônica incapacitante, sobretudo por conta da complexidade do tratamento, o qual pode provocar efeitos colaterais e a necessidade de interrupção da rotina escolar e social4. No Brasil, no dia oito de março de 2022, foi aprovada a Lei n.º 14.3085, que institui a Política Nacional de Atenção à Oncologia Pediátrica, a qual visa aumentar a sobrevida, reduzir a mortalidade e o abandono ao tratamento, e proporcionar qualidade de vida às crianças e adolescentes acometidos pela doença.
Um fator de grande impacto para o prognóstico é o tempo até o início do tratamento, uma vez que o câncer costuma ser mais agressivo nessa faixa etária e pode ser fatal quando não tratado adequadamente ou em tempo hábil6,7. A Lei n.º 12.732/128, conhecida como a Lei dos 60 dias, que entrou em vigor em maio de 2013, garante que os pacientes com neoplasias malignas tenham acesso gratuito ao tratamento em até 60 dias. Entretanto, no que diz respeito às neoplasias pediátricas, seria de grande valia a redução no tempo até o início do tratamento em virtude do caráter agressivo da doença9.
A organização da Rede de Atenção à Saúde (RAS) precisa garantir o início do tratamento oncológico assim que realizado o diagnóstico e, para isso, necessita identificar possíveis entraves no percurso, o que torna o PAINEL-Oncologia uma ferramenta de extrema importância a respeito da análise do tempo do primeiro tratamento oncológico, pois reúne dados importantes acerca desse monitoramento10.
Um estudo anterior, que analisou o tempo até a instituição terapêutica oncológica em crianças e adolescentes entre 2013 e 2019, apontou que não há grande necessidade de redução no tempo, mas que isso seria crucial para melhores desfechos no câncer infantojuvenil11. Este estudo teve como objetivo analisar os fatores associados à instituição do tratamento do câncer infantojuvenil no Brasil nos primeiros 30 dias após o diagnóstico, entre os anos de 2017 a 2021, a fim de apresentar o panorama de fatores relacionados à instituição terapêutica em até 30 dias.
MÉTODO
Estudo transversal, quantitativo, do tipo analítico, realizado com base nos dados do PAINEL-Oncologia12. A população estudada foi a infantojuvenil (de 0 a 19 anos) do Brasil que iniciou o tratamento oncológico entre os anos de 2017 a 2021. A amostra final foi constituída de todos os casos com informações a respeito do tempo até o início do tratamento.
Foram incluídos na pesquisa todos os casos com informações sobre o tempo até o início do tratamento, excluindo os diagnosticados com as duas exceções que constam na Lei n.º 12.732/128 – outras neoplasias malignas de pele (C44) e neoplasia maligna da glândula tireoide (C73).
A coleta de dados ocorreu no período de maio a junho de 2022 por meio da plataforma PAINEL-Oncologia. As informações dos casos foram extraídas mediante acesso à base sem identificação, a qual é gerida pelo Ministério da Saúde e processada pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)12.
A combinação do Cartão Nacional de Saúde (CNS) com a décima Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) resultou na definição de caso13. Ou seja, um mesmo cartão com mais de uma CID representa casos diferentes na plataforma12,14.
Foram selecionadas as variáveis disponibilizadas a seguir: a) Sexo: feminino, masculino; b) Tempo de tratamento: intervalo entre o diagnóstico e o início do primeiro tratamento oncológico. Essa foi a variável desfecho do estudo e o intervalo de tempo considerado oportuno foi de até 30 dias. Tal escolha foi baseada em estudos nacionais e internacionais que encontraram intervalos semelhantes entre o diagnóstico e o tratamento15-17. Aliado a isso, uma metanálise publicada em 202018 apontou que o atraso de quatro semanas no tratamento oncológico está associado a um aumento no risco de morte que varia de 6% a 13%, o que torna o intervalo oportuno como o realizado 30 dias antes do prazo máximo estipulado pela Lei n.º 12.732/128; c) Unidade Federativa (UF) do diagnóstico: permite selecionar os casos segundo o estabelecimento em que o indivíduo realizou o diagnóstico, os quais foram agrupados por Regiões Geográficas e comparados com a realidade nacional. A Região Norte foi selecionada como variável de comparação para o estudo da razão de prevalência, haja vista ter sido a Região com menor prevalência de instituir o tratamento em até 30 dias, conforme o PAINEL-Oncologia12; d) UF de residência: permite selecionar os casos segundo o Estado onde o indivíduo reside, agrupados por Regiões Geográficas e comparados com a realidade nacional; e) Faixa etária: categoriza a população do estudo em lactentes e neonatos (<2 anos), pré-escolares (2 a 4 anos), escolares (5 a 10 anos), adolescentes (11 a 19 anos) e jovens (0 a 19 anos); f) Diagnóstico: refere-se à neoplasia (CID-10) informada no exame de diagnóstico, agrupada em três categorias: “Neoplasias Malignas”, que reúnem os códigos de neoplasia maligna (C00-C97) excluindo as duas exceções que constam na Lei n.º 12.732/128 (códigos C44 e C73); “Neoplasias in situ”, que reúnem os códigos D00-D09, e “Neoplasias de comportamento incerto ou desconhecido”, que reúnem os códigos D37-D48, compuseram a categoria “Outras neoplasias”. Além disso, foi realizada a categorização topográfica das neoplasias malignas, as quais tiveram como referência para a análise da razão de prevalência as neoplasias não malignas in situ e de comportamento incerto; g) Modalidade terapêutica: refere-se ao procedimento do primeiro tratamento, podendo ser cirurgia, quimioterapia, radioterapia e ambas (quimioterapia + radioterapia com a mesma data de tratamento). Dessa forma, a modalidade terapêutica foi agrupada como “cirúrgica” e “não cirúrgica”.
Essas variáveis serão analisadas por grupo de neoplasias no presente estudo, a fim de permitir conhecer a prevalência do início oportuno de tratamento entre elas, e se há divergências significativas entre o intervalo de diagnóstico e o tratamento.
O trabalho respeitou os preceitos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 466/1219 a respeito da pesquisa com seres humanos, já que todas as informações foram obtidas em bancos de dados fidedignos e de livre acesso, o que justifica a ausência do parecer de um Comitê de Ética em Pesquisa.
Os resultados serão apresentados aos devidos órgãos públicos e à Universidade Federal de Sergipe, o que permitirá uma noção sobre o tempo até o início do tratamento oncológico pediátrico no país nos últimos anos.
Os dados foram tabulados no Microsoft Excel® 2016. Posteriormente, foi realizada uma análise descritiva desses dados por meio da distribuição das variáveis da população de estudo. Por se tratar de variáveis categóricas, foram calculadas proporções, sendo a comparação entre os grupos realizada pelo teste do qui-quadrado de Pearson, e considerado o nível de significância de 5% para o referido teste. Adicionalmente, foram estimadas as razões de prevalência (RP) univariada, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Todas as análises foram realizadas com uso do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 26.0.
RESULTADOS
No período estudado, foram disponibilizados no PAINEL-Oncologia 29.650 casos de câncer infantojuvenil com informações sobre o tempo até o início do tratamento.
A análise da razão de prevalência indicou que não há diferença significativa quanto ao sexo (IC 95%:0,985-1,009) no início oportuno do tratamento. Entretanto, evidenciou elevação gradativa da razão de prevalência em 3% (IC 95%:1,021-1,051) entre escolares, 6% entre pré-escolares (IC 95%: 1,052-1,085) e 9% (IC 95%:1,070-1,110) entre lactentes, quando comparados aos adolescentes, os quais foram escolhidos como parâmetro de comparação, uma vez que apresentaram uma prevalência menor na instituição oportuna do tratamento.
As neoplasias malignas apresentaram uma menor razão de prevalência de iniciar o tratamento nos primeiros 30 dias após o diagnóstico (IC 95%:0,824-0,845) em relação às neoplasias in situ e/ou de comportamento incerto. Quanto à modalidade terapêutica, as neoplasias que tiveram a cirurgia como tratamento inicial – quando comparada às modalidades não cirúrgicas – apresentaram elevação da prevalência em 35% (IC 95%:1,340-1,368) de terem seu tratamento iniciado oportunamente.
Foi visto o aumento da razão de prevalência de iniciar a terapêutica em tempo oportuno de forma gradativa para os Estados da Região Sudeste (IC 95%:1,169-1,254), Nordeste (IC 95%:1,171-1,258), Centro-Oeste (IC 95%:1,207-1,305) e Sul (IC 95%:1,255-1,348). Achados semelhantes foram encontrados considerando variável a Região de residência dos indivíduos, merecendo destaque as variações no número dos que residem e são diagnosticados nas diferentes Regiões, conforme exposto na Tabela 1.
A Tabela 1 apresenta os dados das variáveis sociodemográficas, diagnósticas e terapêuticas do câncer na população infantojuvenil e sua associação com a instituição do tratamento em tempo oportuno.
Tabela 1. Prevalência e razões de prevalência entre as variáveis demográficas, diagnósticas e terapêuticas do câncer na população infantojuvenil e a instituição do tratamento em tempo oportuno. Brasil, 2017-2021 |
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Fonte: PAINEL-Oncologia12. Legendas: RP = Razão de prevalência; IC 95% = Intervalo de confiança de 95%. |
No que diz respeito aos diagnósticos topográficos das neoplasias infantojuvenis malignas, destaca-se o percentual mais baixo de tratamento oportuno para neoplasias malignas dos olhos, do encéfalo e de outras partes do sistema nervoso central (SNC), quando menos de 60% conseguem realizar o tratamento em até 30 dias após o diagnóstico. Além disso, o percentual de instituição terapêutica oportuna foi alto para as neoplasias malignas da mama e dos órgãos digestivos. A Tabela 2 apresenta os diagnósticos específicos das neoplasias infantojuvenis e a prevalência do tratamento em tempo oportuno.
Tabela 2. Prevalência e razões de prevalência dos diagnósticos específicos das neoplasias infantojuvenis e a instituição terapêutica em tempo oportuno. Brasil, 2017-2021 |
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Fonte: PAINEL-Oncologia12. Legendas: RP = Razão de prevalência; IC 95% = Intervalo de confiança de 95%. |
DISCUSSÃO
Mais de três-quartos dos participantes desta pesquisa realizaram o tratamento em até 30 dias após o diagnóstico, achado semelhante a estudos nacionais e internacionais15-17 que encontraram intervalos inferiores ao recomendado pela Lei dos 60 dias10. Contudo, cabe salientar que uma vez que o câncer infantojuvenil pode ser altamente curável a depender da agilidade diagnóstica e terapêutica, é de suma importância tornar esse intervalo o mais curto possível20.
Em razão dos avanços no arsenal terapêutico oncológico nos últimos anos, grande parte das neoplasias malignas é tratada com mais de uma modalidade terapêutica, sendo as principais: cirurgia, radioterapia e quimioterapia21. Além disso, é imperioso que o tratamento seja realizado em centros especializados20. No estudo de Gatta et al.22, com crianças e adolescentes oriundos de alguns países europeus diagnosticados entre 2000 e 2007 e acompanhados até o final de 2017, o prognóstico foi melhor quando o tratamento se deu em hospitais de alto volume para os principais tumores.
O presente estudo apontou que as neoplasias com intervenção inicial cirúrgica apresentaram uma maior razão de prevalência de iniciar o tratamento em menos tempo. Tal achado pode estar associado à facilidade e à distribuição heterogênea dos procedimentos cirúrgicos ao redor do país quando comparado às outras modalidades terapêuticas. Associação parecida foi vista no estudo de Grabois et al.23, o qual destacou que a quimioterapia e a radioterapia apresentaram um padrão mais concentrado geograficamente do que os procedimentos oncológicos clínicos e cirúrgicos, uma vez que estes não são necessariamente realizados em hospitais de alta complexidade.
Com o intuito de evitar atrasos no processo entre a suspeição diagnóstica e a instituição terapêutica, recomenda-se que o paciente seja encaminhado ao serviço de referência na iminência da suspeita a fim de realizar o diagnóstico e, logo em seguida, iniciar o tratamento na mesma instituição, pois estudos apontaram que a necessidade de transferência após o diagnóstico se correlaciona com a extensão do tempo até o tratamento15,16,20,24. Tal achado pode ser em razão da demora no encaminhamento e da necessidade de percorrer maiores distâncias até a instituição que fornecerá o tratamento, o que pode implicar custos durante o deslocamento e estada do paciente e seu responsável, além da possível necessidade de este se ausentar temporariamente de suas atividades laborais, gerando impactos em todo o seio familiar. Nesse ínterim, destaca-se a necessidade de suporte estrutural para os pacientes e seus responsáveis, como a facilitação no transporte até o centro de tratamento e residências de apoio durante o tratamento oncológico. Um estudo analisou os fluxos de viagens realizados por crianças e adolescentes com câncer atendidos pelo SUS entre os anos de 2003 a 2007 e mostrou que boa parte dos atendimentos (48,3%) ocorre nas maiores metrópoles e contempla a estrutura da rede urbana do país23. Entretanto, aproximadamente 10% das viagens ocorrem fora desse fluxo23, o que aponta para a necessidade de distribuição dos serviços a depender da demanda populacional.
O presente estudo demonstrou que a Região Norte apresentou uma menor prevalência em iniciar o tratamento em até 30 dias, o que corrobora os achados de um estudo que apontou para a necessidade de percorrer grandes distâncias nessa Região, principalmente para a realização de quimioterapia e radioterapia, uma vez que aproximadamente 25% das crianças e adolescentes tiveram que deixar sua Região para obter acesso ao tratamento23. Outro estudo realizado em um hospital público localizado na Região Norte do Brasil com crianças e adolescentes que receberam o diagnóstico de câncer no período de 2008 a 2014 apontou que somente 24,4% destes residiam na mesma cidade do estabelecimento de tratamento25.
O mesmo estudo aponta, em relação à Região Sudeste, que aproximadamente 60% das redes de saúde da Região estão localizadas no Estado de São Paulo23. Esse fato pode implicar a necessidade de moradores de outros Estados percorrerem maiores distâncias até o acesso ao tratamento. Ademais, essa Região demonstrou, também, apresentar um registro de dados satisfatório, o que pode potencializar tal achado26.
Outrossim, um estudo realizado no Brasil entre 2007 e 2011, com base em registros de câncer de base hospitalar, evidenciou, assim como este estudo, que não há diferença significativa no tempo de início do tratamento conforme o sexo24. Estudos internacionais que contemplam a mesma faixa etária corroboram os achados do estudo anteriormente citado27,28.
Notou-se, ainda, que os adolescentes demoraram mais para iniciar a terapêutica, o que corrobora os achados da literatura nacional e internacional17,24,27 que demonstraram uma associação entre a idade mais avançada e a necessidade de mais dias entre o diagnóstico e o tratamento. Assim, além da necessidade de um alto índice de suspeição29, é preciso atentar-se às necessidades desse grupo durante o manejo oncológico.
Quanto à classificação neoplásica, a maioria das pessoas com neoplasias malignas teve mais chances de iniciar o tratamento em tempo inoportuno quando comparados àquelas com neoplasias in situ ou de comportamento incerto. Essa diferença também foi encontrada no arsenal literário acerca do tema, o qual evidenciou que o tratamento deve ser individualizado conforme a classificação e a extensão do tumor, fatores estes que têm um efeito significativo no atraso terapêutico19,28. Cabe salientar, entretanto, que boa parte dos tumores é classificada como neoplasias não especificadas, o que pode afetar negativamente a especificidade do tratamento16. Assim, torna-se imperiosa a adoção de medidas para aumentar o diagnóstico específico, haja vista seu impacto direto na eficácia terapêutica.
O panorama da Oncologia pediátrica do Rio de Janeiro e um estudo realizado na Indonésia demonstraram que o intervalo entre o diagnóstico e o tratamento tende a ser maior para tumores do SNC e menor para leucemias e linfomas, assim como encontrado no presente estudo16,27. Isso pode estar aliado à menor dispersão do arsenal terapêutico dos tumores do SNC e também à maior difusão de conhecimentos para os leigos a respeito das neoplasias da linhagem linfo-hematopoiética. Por outro lado, o panorama realizado no Estado de São Paulo apontou a necessidade de mais dias para leucemias e linfomas do que para tumores do SNC30.
O presente estudo apresentou algumas limitações, como a carência literária nacional e internacional a respeito dessa temática, a ausência de informações sobre o tratamento em parte considerável dos casos disponibilizados na plataforma PAINEL-Oncologia – o que pode interferir nos resultados – e a análise da razão de prevalência univariada, que pode deixar aspectos importantes passarem despercebidos, uma vez que observa as variáveis isoladamente. Foi incluído no período de estudo o ano de 2017, porém, só a partir de 2018, foram implementadas críticas de obrigatoriedade da CID e do cartão SUS no procedimento anatomopatológico não específico dos cânceres do colo do útero e de mama, por meio da Portaria SAS n.º 64331. Cabe destacar que os casos das crianças incluídas no painel são apenas das que possuem CNS Master, demonstrando análise dessa parcela de casos. A opção por incluir as neoplasias in situ na categoria de referência somada à característica do sistema de incluir apenas casos de confirmação anatomopatológica pode ter gerado algum tipo de viés nos dados32. Por outra perspectiva, o alto grau de heterogeneidade da amostra pode contribuir para elucidar os principais fatores associados ao menor intervalo entre o diagnóstico e o tratamento.
CONCLUSÃO
Ao analisar o intervalo de dias entre o diagnóstico e o início do tratamento oncológico de crianças e adolescentes atendidos pelo SUS, evidenciou-se que mais de três-quartos da casuística final (79,29%) iniciaram o tratamento em até 30 dias. Entre os fatores que tiveram maior razão de prevalência em iniciar o tratamento nos primeiros 30 dias após o diagnóstico, destacam-se: menor idade, os que tiveram a cirurgia como modalidade terapêutica inicial, e os diagnosticados nas Regiões Sul e Centro-Oeste.
Espera-se que este estudo sirva de embasamento teórico para o fomento de estratégias, por parte da gestão em saúde, que visem reduzir cada vez mais o tempo de espera até a instituição terapêutica, ao mesmo tempo que incentive novos estudos científicos que consigam analisar a razão de prevalência multivariada e trazer à luz outros fatores determinantes.
CONTRIBUIÇÕES
Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Não há.
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Recebido em 1/4/2023
Aprovado em 2/6/2023
Editora-associada: Jeane Tomazelli. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2472-3444
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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