ARTIGO ORIGINAL

 

Como Deve Ser um Material Educativo? Percepção dos Familiares de Crianças com Leucemia

How an Educational Material Would Be Like? Perceptions of Relatives of Children with Leukemia

¿Cómo Debe Ser un Material Educativo? Percepciones de los Familiares de Niños con Leucemia

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n3.4026

 

Gabriella Soeiro1; Sandra Teixeira de Araújo Pacheco2; Cicero Ivan Alcântara Costa3; Michelle Darezzo Rodrigues Nunes4; Liliane Faria da Silva5; Barbara Bertolossi Marta de Araujo6

 

1Universidade Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Faculdade de Enfermagem. Instituto Estadual de Hematologia Arthur Siqueira Cavalcanti (Hemorio). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Área Materno-Infantil. Macaé (RJ), Brasil. E-mail: gabriellasoeiro@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2684-7376

2,3,4,6Uerj, Faculdade de Enfermagem. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mails: stapacheco@yahoo.com.br; ciceroivanac@hotmail.com; mid13@hotmail.com; betabertolossi@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4612-889X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9797-9459; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7685-342X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9421-0161

5Universidade Federal Fluminense (UFF), Faculdade de Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa. Niterói (RJ), Brasil. E-mail: lili.05@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9125-1053

 

Endereço para correspondência: Gabriella Soeiro. Estrada do Barro Vermelho, 484, Bloco 1, Apto. 1005 – Rocha Miranda. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 21540-500. E-mail:gabriellasoeiro@yahoo.com.br

 

 

RESUMO

Introdução: A criança com leucemia, quando no domicílio, requer cuidados especiais. Nesse contexto, os familiares deparam-se com demandas de cuidados que precisam ser aprendidas em função da condição clínica de sua criança. Este artigo é um recorte da pesquisa “As demandas de aprendizagem dos familiares de crianças com leucemia para o cuidado domiciliar”. Objetivo: Conhecer as percepções de familiares de crianças com leucemia sobre a proposta de construção de materiais educativos para o cuidado domiciliar e descrever os temas que os familiares julgarem significativos na composição desses materiais. Método: Estudo participativo desenvolvido em uma enfermaria de hematologia infantil no Rio de Janeiro. A teoria utilizada para fundamentar o estudo foi a educação problematizadora de Paulo Freire. Os dados foram coletados por meio de três círculos de discussão e, posteriormente, examinados a partir da análise de conteúdo de Bardin. Resultados: Oito familiares de crianças com leucemia participaram do estudo. Duas categorias emergiram: “a proposta de construção de materiais educativos para o cuidado domiciliar” e “temas relevantes para compor os materiais educativos”. Conclusão: Considerar a percepção dos familiares na construção de material educativo pode contribuir de maneira assertiva na escolha de conteúdos e na forma de abordá-los, e ser uma estratégia mais eficaz nesse processo contínuo da educação em saúde dos familiares das crianças com leucemias.

Palavras-chave: materiais educativos e de divulgação; criança; leucemia; enfermagem pediátrica.

 

 

ABSTRACT

Introduction: The child with leukemia, when at home, requires special care. In this context, family members are faced with care-related demands that need to be learned due to their child´s clinical condition. This article is part of the research “The learning demands of family members of children with leukemia for home care”. Objective: To know the perceptions of family members of children with leukemia about the proposal to build education materials for home care and describe the themes that family members considered significant in the composition of these materials. Method: Participatory study developed in a children’s hematology ward in Rio de Janeiro. Paulo Freire´s problematizing education was the theory utilized to support the study. Data were collected through three discussion circles, and subsequently examined using Bardin´s content analysis. Results: Eight family members of children with leukemia participated in the study. Two categories emerged: The proposal for the construction of education materials for home care and relevant themes to compose the educational materials. Conclusion: Considering the perception of family members in the construction of educational material can make an assertive contribution in choosing content, and how to approach them, and be a more effective strategy in this continuous process of health education for relatives of children with leukemias.

Key words: educational and promotional materials; child; leukemia; pediatric nursing.

 

 

RESUMEN

Introducción: El niño con leucemia, cuando está en casa, requiere cuidados especiales. En este contexto, los familiares se enfrentan a demandas de cuidado que necesitan ser aprendidas debido a la condición clínica de su hijo. Este artículo forma parte de la investigación “Las demandas de aprendizaje de los familiares de niños con leucemia para el cuidado domiciliario”. Objetivo: Conocer las percepciones de los familiares de niños con leucemia sobre la propuesta de elaboración de materiales educativos para el cuidado domiciliario y describir los temas que los familiares consideraron significativos en la composición de materiales educativos. Método: Estudio participativo desarrollado en una sala de hematología infantil de Río de Janeiro, teniendo como base la teoría de la educación problematizadora de Paulo Freire. Los datos fueron recolectados a través de tres círculos de discusión y, posteriormente, analizados mediante el análisis de contenido de Bardin. Resultados: Participaron del estudio ocho familiares de niños con leucemia. Emergieron dos categorías: La propuesta de construcción de materiales educativos para la atencíon domiciliaria y temas relevantes para componer los materiales educativos. Conclusión: Considerar la percepción de los familiares en la construcción del material educativo puede contribuir asertivamente en la elección de los contenidos, en la forma de abordarlos, y ser una estrategia más efectiva en este proceso continuo de educación en salud para los familiares de niños con leucemia.

Palabras clave: materiales educativos y de divulgacíon; niño; leucemia; enfermería pediátrica.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer pediátrico (leucemias e linfomas) é a principal causa de óbito na infância1. A criança com leucemia, quando no domicílio, requer cuidados especiais. Nesse contexto, os familiares diante dessa doença crônica deparam-se com mudanças alimentares, presença de cateter venoso (semi-implantado ou totalmente implantado), medicamentos de uso contínuo que precisam ser administrados para a sua sobrevivência e cuidados habituais modificados. Esses cuidados precisam ser aprendidos pelos familiares e a enfermagem pode auxiliar na fase de transição do hospital para a casa.

 

Portanto, nesse contexto, torna-se importante a equipe de enfermagem utilizar estratégias de educação em saúde para melhor instrumentalizar essas famílias, de modo a prepará-las para a realização desses cuidados no domicílio. Essa instrumentalização pode ocorrer de diferentes formas, entre elas, por meio da implementação de tecnologias educacionais de saúde.

 

Essas tecnologias vêm sendo cada vez mais utilizadas no ensino e na prática de enfermagem como um recurso facilitador ao processo de aprendizagem. Porém, assim como o material educativo, elas são excelentes recursos quando adotados como uma ferramenta complementar às ações educativas em saúde e não apenas como uma peça isolada do processo2.

 

Neste estudo, foram utilizadas as concepções de Paulo Freire, cujos objetivos são a transformação social, a troca de experiências, o questionamento, a individualização e a humanização3. O envolvimento da clientela nas ações educativas, pelos profissionais de saúde, por meio da empatia e escuta ativa, é de grande valia para que ela se sinta importante no processo de cuidado. Além disso, torna-se relevante haver uma relação de confiança entre enfermeiros e familiares, permitindo troca de experiências e aprendizado mútuo. Ou seja, tanto o profissional quanto o usuário podem ensinar e ambos aprendem3.

 

Desse modo, entendendo que, na construção de uma tecnologia educacional, devem ser levadas em conta as necessidades e as demandas de cuidados dos indivíduos, neste estudo, foi dada voz aos familiares de crianças com leucemia que vivenciam seu cuidar no âmbito hospitalar e/ou domiciliar. Assim, buscou-se expressar quais eram as demandas de aprendizagem para realização no cuidado domiciliar, com vistas a futuras construções de materiais educativos.

 

Baseado nesse contexto, percebe-se que a tecnologia educativa pode ser um dos melhores caminhos para nortear a família da criança com leucemia que precisa receber orientações sobre os melhores cuidados a serem realizados com a criança nas diferentes fases do seu tratamento.

 

Ressalta-se que as crianças com leucemia apresentam necessidades especiais de saúde, requerendo acompanhamento multidisciplinar e, muitas vezes, dependem de cuidados habituais modificados (dependência de tecnologias adaptativas nos cuidados diários para se locomover, se alimentar ou outros), tecnológicos (uso de cateteres semi-implantados ou totalmente implantados) e medicamentosos, cujos saberes precisam ser ensinados aos familiares durante a internação, para estes continuarem suprindo as demandas no domicílio4.

 

Assim, quando a criança inicia o tratamento, os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros nas unidades hospitalares, devem orientar os familiares quanto aos cuidados que precisarão ter no decorrer do processo terapêutico, preparando-os para a transição do ambiente hospitalar para o domiciliar5.

 

Este artigo é um recorte da pesquisa “As demandas de aprendizagem dos familiares de crianças com leucemia para o cuidado domiciliar” a qual visa dar voz aos familiares de crianças com leucemia, tendo como objetivo conhecer as percepções desses familiares sobre a proposta de construção de materiais educativos para o cuidado de suas crianças no domicílio e descrever os temas que os familiares julgaram significativos na composição de materiais educativos.

 

O conhecimento das percepções dos familiares proporcionará a construção de materiais mais adequados aos seus questionamentos. Espera-se que isso permita uma segurança maior no cuidado domiciliar da criança com leucemia.

 

MÉTODO

O presente artigo é um recorte da pesquisa “As demandas de aprendizagem dos familiares de crianças com leucemia para o cuidado domiciliar”.

 

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do tipo participante, realizado em uma enfermaria de hematologia infantil de um hospital federal de referência em doenças oncológicas e hematológicas do Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

 

As concepções de educação de Paulo Freire (educação problematizadora) foram utilizadas para fundamentar este estudo. De acordo com os pressupostos pedagógicos do autor3, a educação é uma atividade mediadora entre o indivíduo e a sociedade, entre a teoria e a prática que se constrói na relação do diálogo. Portanto, a educação tem o papel de desenvolver sujeitos ativos e participantes da transformação social.

 

Na educação problematizadora, a relação entre os educadores (enfermeiros) e os educandos (familiares de crianças com leucemia) não pode ser baseada no isolamento, mas na solidariedade entre ambos. Dessa forma, é impossível ocorrer relações antagônicas, em que os primeiros seriam os opressores e os segundos, os oprimidos.

 

O embasamento da educação problematizadora tem se mostrado adequado no desenvolvimento da educação em saúde ao possibilitar ações relacionadas à participação do indivíduo na construção de seus conhecimentos de forma crítica e reflexiva.

 

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição proponente sob o número de parecer 2.549.848 e da coparticipante, número 2.627.369 (CAAE: 818858817.4.0000.5282), e foram respeitados todos os aspectos contidos na Resolução n.º 466/20126 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. Após a aprovação do CEP, os enfermeiros com experiência em pediatria, pesquisadores 1 e 3, os quais, no momento da coleta de dados, eram mestrandos na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) – um do sexo feminino e o outro do sexo masculino –, realizaram contato com a chefia médica e de enfermagem para explicar os objetivos e a metodologia da pesquisa. Em seguida, houve uma leitura prévia dos prontuários eletrônicos para identificação das crianças com leucemia e de seus familiares cuidadores.

 

Os critérios de inclusão foram familiares responsáveis pelo cuidado da criança com leucemia internada. Foram excluídos familiares que visitavam a criança internada, ou não participavam ativamente do cuidado dela.

 

Posteriormente, realizaram o convite aos familiares para participarem da pesquisa na sala de acolhimento, explicando-lhes os objetivos da pesquisa, assim como os aspectos contidos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

Foram convidados 12 familiares, oito aceitaram participar e quatro se recusaram em razão de a criança estar apresentando, no momento da coleta de dados, reações aos quimioterápicos ou por ela estar sendo submetida a algum procedimento. O aceite foi formalizado com a assinatura do TCLE.

 

A coleta de dados ocorreu entre os meses de maio a junho de 2018 por meio de três círculos de discussão com duração aproximada de 60 minutos, os quais foram realizados em uma sala reservada no hospital para preservar a privacidade dos participantes e pesquisadores. Cada um participou uma vez do círculo de discussão.

 

O primeiro e o segundo círculos foram realizados com três familiares e o terceiro, com dois. Nesse espaço de discussão, eles foram solicitados a expressar sua opinião quanto à proposta de desenvolver materiais educativos que os ajudassem a cuidar de sua criança com leucemia após a alta hospitalar, ou seja, quando estivessem no domicílio.

 

Além disso, foi solicitado aos familiares que expressassem sua opinião sobre o que consideravam importante em um material educativo para realizarem os cuidados à criança com leucemia no domicílio.

 

Os círculos de discussão são práticas em que os participantes, por meio do diálogo, constroem relacionamentos e podem ser realizados em vários ambientes, como em serviços de saúde e escolas, reconhecendo suas dificuldades e desenvolvendo novas habilidades que possibilitem vencer obstáculos e desafiá-los para a construção de um mundo melhor7.

 

Nesse espaço de discussão, foi apresentada a proposta pelos pesquisadores treinados a familiares diferentes, não foram estabelecidos mínimo e máximo de participantes, e foi realizada a leitura do TCLE.

 

Na prática, os círculos de discussão ocorreram da seguinte forma: houve um momento de apresentação da proposta da pesquisa, dos participantes e da operacionalização do círculo, seguindo-se da leitura, esclarecimento e assinatura do TCLE. Posteriormente, os familiares foram convidados a sentarem em círculos. No centro do círculo, foi colocada uma cesta com diferentes imagens de alimentos, de crianças com cateteres semi-implantado e implantado, de paciente com sangramento nasal, de medicamentos, alopecia (queda de cabelo) e de crianças com febre. Em seguida, lançaram-se as perguntas para discussão: “o que vocês acham da ideia de se desenvolver materiais educativos que os ajudem a cuidar de sua criança com leucemia após a alta hospitalar? E o que vocês consideram importante conter nesse material educativo?”

 

Estabeleceu-se uma ordem de debate (objeto da palavra), que era por meio da retirada de uma imagem da cesta, respeitando a fala de cada um dos participantes.

 

Ao término de todos os círculos, houve uma cerimônia de encerramento com o agradecimento às participantes.

 

Em cada círculo, foi utilizada a mesma temática e, após a autorização dos familiares, as falas foram gravadas com uso de gravador de voz, do tipo MP3, e, posteriormente, transcritas na íntegra para análise. Não houve necessidade de devolver as transcrições às participantes para correções porque o áudio das gravações estava em ótima qualidade.

 

O critério para o encerramento do trabalho de campo foi a saturação (redundância ou repetição), que ocorreu após a transcrição das falas dos familiares dos círculos de discussão, conferência de materialidade linguística e leitura exaustiva do material empírico gerado.

 

Após a coleta de dados e transcrição dos diálogos, foi realizada a análise do material, pelo método da análise de conteúdo proposto por Bardin8 na modalidade temática, em três etapas: pré-análise: etapa da leitura flutuante em que o pesquisador se impressiona com a temática; exploração do material ou codificação: os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades; e tratamento dos resultados: inferência e interpretação à luz da literatura científica sobre a temática estudada8.

 

Os familiares foram identificados durante o estudo com o código F1, F2, F3, F4, F5, F6, F7 e F8 com o intuito de preservar o anonimato dos participantes.

 

RESULTADOS

No primeiro momento, realizou-se a caracterização das crianças e dos familiares. Quanto à criança, buscou-se saber a idade, o diagnóstico e o tempo de tratamento. Quanto aos familiares: o grau de parentesco, a escolaridade, a idade e sua procedência.

 

Dos oito familiares cuidadores participantes, todos eram do sexo feminino, sendo sete mães e uma avó. F1 é mãe de um menino de 8 anos, com diagnóstico de leucemia linfoide aguda (LLA), com tempo de tratamento de cinco meses; F2 é mãe de uma menina de 2 anos, com diagnóstico de LLA, com tempo de tratamento de dois meses; F3 é mãe de um menino de 9 anos, com diagnóstico de LLA, com tempo de tratamento de três meses; F4 é mãe de uma menina de 9 anos, com diagnóstico de LLA, com tempo de tratamento de quatro anos; F5 é mãe de uma menina de 5 anos, com diagnóstico de LLA, com tempo de tratamento de dois meses; F6 é avó de um menino de 10 anos, com diagnóstico de LLA, com tempo de tratamento de quatro meses; F7 é mãe de um menino de 5 anos, com diagnóstico de LLA, com sete meses de tratamento, e F8 é mãe de um menino de 10 anos, com tempo de tratamento de três anos e com diagnóstico de leucemia mieloide crônica (LMA). Nota-se que a maioria é do sexo masculino, com diagnóstico de LLA, e iniciaram o tratamento há pouco tempo, variando de dois a cinco meses, com idade menor de 9 anos.

 

Todas as crianças eram dependentes de quimioterápicos, apresentavam demanda de cuidado habitual modificado e dependência tecnológica. Dessa forma, as crianças, ao iniciar o tratamento da leucemia, tornam-se dependentes dos cuidados exercidos pelos profissionais de saúde e por sua família.

 

Quanto à caracterização dos familiares: F1 tem 30 anos, ensino médio e mora em São Gonçalo; F2 tem 22 anos, ensino fundamental 1 e mora em São Gonçalo; F3 tem 29 anos, ensino fundamental 2 e mora em São João de Meriti; F4 tem 34 anos, ensino superior e mora em Boa Vista; F5 tem 22 anos, ensino médio e mora em São João de Meriti; F6 tem 61 anos, é analfabeta e mora em Duque de Caxias; F7 tem 28 anos, ensino fundamental 2 incompleto e mora em Campo de Goytacazes e F8 tem 40 anos, ensino superior e mora no Rio de Janeiro. Percebe-se que a maioria pertence ao grupo materno, na faixa etária de 22 a 30 anos, e é procedente de municípios do Rio de Janeiro; além disso, todas são do sexo feminino.

 

Em seguida à efetivação dos círculos de discussão, executou-se a transcrição das falas. Terminado esse momento, realizaram-se leituras exaustivas, o que permitiu a codificação, o desdobramento, o agrupamento e a síntese dos depoimentos, resultando em duas categorias: a proposta de construção de materiais educativos para o cuidado domiciliar e temas relevantes para compor os materiais educativos. Não foi usado software para analisar os dados e os pesquisadores forneceram os resultados do estudo às participantes.

 

Categoria 1: A proposta de construção de materiais educativos para o cuidado domiciliar

Ao falar da proposta de criar um material educativo com vistas ao cuidado da criança no domicílio, os familiares relataram:

 

Eu acho legal porque aqui a gente não é 100% instruído como é e como não é em casa com a criança [...] Eu acho muito positivo. [...] É verdade, porque a gente sai daqui com muito pouca instrução. [...] Mas a gente não sabe. Assim, chega em casa, a gente não sabe o que fazer (F1).

 

Muito bom. Porque a gente vai olhar o que precisa e o que não precisa. O que está pegando mais é isso. Se ficar com outra pessoa que não entendesse ia ver (F2).

 

Importantíssimo. Tem muitas mães que são leigas. [...] Nem sempre a gente tem esse conhecimento. [...] Eu acho importante esse material pra quem tá começando agora tem muita dúvida. Eu já estou com minha filha tratando há quatro anos e estou cheia de dúvida, ainda mais quem tá começando agora (F4).

 

Outro aspecto apontado pelo familiar foi a importância do material educativo como um instrumento que poderá possibilitar a avaliação das necessidades da criança em casa e, com isso, reduzir as despesas com o deslocamento desnecessário para a instituição hospitalar.

 

É interessante porque tem que saber o que fazer dentro de casa, porque qualquer coisinha que a criança tem a gente acha que é uma coisa de emergência. Aí, se a gente puder fazer em casa não precisa trazer para o hospital. Porque pode ser uma coisa pequena que a gente pode resolver em casa, não precisa vir (ao hospital). Gastar um dinheirão para trazer para o hospital (F6).

 

Já a participante F7 acredita que a confecção do material educativo a permitirá ficar mais tempo em casa com os filhos:

Para mim, seria bem melhor. Para cuidar em casa porque a gente teria mais tempo de ficar em casa com nossos filhos (F7).

 

Outro ponto relevante citado por F8 diz respeito ao material educativo como meio de proporcionar segurança na prestação de cuidado à criança:

 

Eu acho interessantíssimo. Eu acho fundamental. Eu acho que é um apoio a mais. Uma segurança a mais. [...] É uma boa ideia esta de vocês (F8).

 

Os familiares elucidaram, pelos depoimentos, a necessidade de conter imagens ou ilustrações e textos nos materiais educativos para que se sintam estimulados à leitura:

 

Eu acho que com imagens dá mais leveza. Acho que fica mais acessível para certos pais, para certas famílias, e fica mais leve [...] do que você pegar um material cheio de letra que você acaba no dia a dia engavetando. Não olhando, ou deixando pra depois e acaba não vendo. Eu acho que o desenho é mais atrativo e infelizmente, hoje em dia, as pessoas preferem (F8).

 

Assim, poderia ser com textos ou imagens (F3).

 

Além disso, o familiar F4 mencionou a dificuldade em compreender o vocabulário dos profissionais de saúde, ressaltando que se a linguagem fosse simples facilitaria o entendimento de todos os familiares, uma vez que muitos são leigos.

 

Tem muita gente leiga. Com o vocabulário de vocês totalmente diferente da gente. É muito complicado. [...] O vocabulário de vocês do hospital é um e o nosso é outro. É complicado se fosse assim mais fácil até no vocabulário eu acho que ficaria melhor pra gente (F4).

 

Ao término do círculo de discussão, houve uma cerimônia de encerramento com o agradecimento às participantes.

 

Categoria 2: Temas relevantes para compor os materiais educativos

Essa categoria expressa os temas que os familiares gostariam que contivessem nos materiais educativos. Foram citados: dúvidas sobre a alimentação; os cuidados com os cateteres; e as dificuldades de compreensão das receitas médicas.

No que se refere às questões ligadas à alimentação, foram expressadas dúvidas sobre o que oferecer à criança durante o tratamento oncológico quando estão no domicílio.

 

Principalmente em relação à alimentação que a gente fica muito na dúvida de certas coisas. [...] A alimentação dele é uma coisa que geralmente me preocupa porque eu não sei o que pode e o que não pode, se pode tudo, se não pode tudo igual (F1).

 

A alimentação. Eu também (tenho dúvidas com a alimentação). Em casa eu não sei o que dá. Eu não sei se pode ou não pode. Aí tá ficando difícil pra mim. Entende? Ela chia. Aí tá ficando complicado, eu não sei se pode, se não pode, é só a comida ou sobre o que ele beber, essas coisas. A minha gosta muito de fruta (F2).

 

E ainda, durante as falas, as participantes associaram suas preocupações diante da baixa imunidade da criança e da alimentação dela.

 

Eu sinto quando ela vai pra casa que a imunidade dela cai muito rápido. Eu não sei o que comer. O que me pega é isso [...] A alimentação gera muitas dúvidas, principalmente as frutas, o tipo da comida (F2).

 

O meu gosta muito de uma salada de alface. Daí você fica: meu Deus, será que ele vai poder comer? Será que a imunidade dele está boa? Será que não está? Você fica meio perdido (F3).

 

Uma das participantes revelou ter dúvidas sobre como alimentar sua criança já em período de remissão e, por isso, acreditava ser fundamental que essas orientações constassem no material educativo.

 

A alimentação também a gente fica perdido. Na verdade, a gente passa na nutricionista, mas mesmo assim tem uma hora que ele tem uma festinha. Daí, poxa, será que pode uma hora comer um brigadeiro? Pode comer um bolo? [...] Essa questão como que fica a vida pós-tratamento na verdade, mesmo em remissão. Mesmo a gente conversando com a nutricionista fica aquilo. Ele não vai poder levar uma vida normal? Será que ele vai ficar o resto da vida com essas restrições, essas limitações, porque para criança é sempre mais difícil. A gente pode ir numa festa, comer um brigadeiro, tomar um refrigerante. Entendeu? Eu acho que isso é fundamental dar uma reforçada (F8).

 

Os participantes também apontaram os cuidados referentes ao uso do cateter como aspectos importantes para constarem nos materiais educativos.

 

E o cateter porque ele tá ali fazendo a manutenção toda semana, porque já aconteceu de uma vez ele molhar e eu não saber o que fazer. Se eu vinha pra emergência com ele, ou se trocava a atadura em casa? De que forma eu deveria trocar? Se eu podia trocar ou se eu não podia trocar, entendeu? E eu sempre fiquei insegura em relação a isso. Ele teve uma alergia. Ficou sem o filme. Daí eu tive de fazer de dois em dois dias em casa os cuidados com o cateter, a limpeza e tudo. Eu fiquei bem insegura em relação a isso. Fico com medo de infecção, do contágio e tudo (F8).

 

E a parte do cateter também. É... O semi-implantado é mais fácil, não é? Não, mais difícil. Na hora do banho, tem que enrolar e o totalmente não, é mais fácil, não precisa botar nenhum plástico. É preciso ter muito cuidado, o semi é mais difícil (F7).

 

Outrossim, nesta pesquisa, também foi apontada a importância das explicações sobre a prescrição dos medicamentos que a criança deverá tomar em casa.

 

[...] Na saída daqui do hospital, me incomodavam as receitas. Aquele monte de remédio, o horário praticamente igual, um monte de comprimido tudo naquele horário, em relação a algum medicamento, tem que ser em jejum, mas como tem que ser em jejum se já jantou? Entendeu? As receitas nem sempre vêm bem explicada, é complicado, o granulokine a gente fica perdido. Quem não trabalha na área não sabe (F4).

 

Ademais, outro familiar também referiu, ainda que nas receitas médicas, as dosagens dos medicamentos estão em miligrama, o que dificultou o entendimento da dose a ser administrada, fazendo-a retornar à instituição hospitalar para que outro médico transcrevesse a receita.

 

Eles colocam lá miligrama, não colocam o que tem que aspirar com a seringa. Eu já voltei várias vezes na emergência pra pedir pra consertar porque eu não sabia. Eu faço, mas não tenho que calcular aquilo ali. Não é serviço meu. Quanto mais mastigado melhor. [...] Nesse dia, a gente debateu sobre isso na casa Ronald. Era 0,2 ml (medicamento) e a menina estava dizendo que era 20 ml (medicamento) lá. Daí fica aquela dúvida, mais mastigado seria melhor pra gente. Tem umas pessoas que entendem, tem outras que têm um grau de dificuldade menor. Outras, maior (F4).

 

No fim de cada círculo de discussão, houve uma cerimônia de encerramento com agradecimento às participantes.

 

DISCUSSÃO

Os familiares expressaram, em suas falas, a importância da construção de um material educativo como um recurso que auxiliará a cuidar da criança no domicílio. Nesse sentido, citam a relevância do material como instrumento de aprendizagem e de esclarecimento de dúvidas.

 

Semelhantes aos achados deste estudo, uma pesquisa que tratou sobre a produção de tecnologia educacional para pacientes com HIV∕aids serviu para esclarecimento de dúvidas, troca de saberes e experiências para quem convive com HIV∕aids e seu círculo familiar sobre os questionamentos em relação à doença9.

 

Vale ressaltar que a relação entre os educadores (enfermeiros) e os educandos (familiares de crianças com leucemia) não deve ser baseada no isolamento, mas sim na solidariedade entre as partes. Portanto, a presença de uma nova ferramenta seria para melhorar a troca de saberes entre ambos3.

 

Além disso, é por meio do diálogo que os homens reconhecem o outro e reconhecem a si mesmo, e podem transformar o meio em que vivem2. Assim, os profissionais de saúde devem considerar os familiares como iguais, valorizando os seus saberes, uma vez que não existem “consciências vazias”3.

 

Entretanto, os educadores (enfermeiros e outros profissionais de saúde) devem reconhecer a realidade em que os familiares estão inseridos, escutá-los ativamente e incentivá-los a compreender a sua história e não apenas transmitir informações3.

 

Assim, o material educativo pode ter impacto positivo na educação em saúde para os cuidadores familiares de crianças com leucemia, de modo a ajudá-las a responder às perguntas que possam ocorrer quando suas crianças não estiverem mais hospitalizadas.

 

As participantes enxergaram o material educativo como forma de sanar as poucas informações recebidas por elas durante a hospitalização de suas crianças. Portanto, para essas cuidadoras, o material educativo pode possibilitar entender e enriquecer seu frágil conhecimento sobre como cuidar de sua criança no domicílio.

 

Sabe-se que cuidar de uma criança com necessidades especiais de saúde no contexto domiciliar constitui desafios para os familiares/cuidadores. Essa é uma clientela que convive com inúmeras dificuldades referentes aos serviços de saúde, a relação distante com os profissionais e o desconhecimento sobre os direitos das crianças10.

 

Dessa forma, o enfermeiro deve discutir com os familiares suas dúvidas quanto aos cuidados com sua criança de forma a esclarecê-las. Nesse processo de educação em saúde, quando os materiais didáticos e instrucionais impressos são capazes de motivar a leitura, despertar o interesse do público-alvo e sanar as suas dúvidas quanto ao procedimento que será feito, valor é agregado à prática clínica do enfermeiro pediatra, promovendo um cuidado sem traumas para a criança, qualificado, seguro e respeitoso no hospital2.

 

Quanto à importância do material educativo como um instrumento que poderá possibilitar a avaliação da criança no domicílio, o reconhecimento precoce dos sinais de alerta no estado de saúde da criança com leucemia, como febre, sangramento persistente, falta de ar, dor e aparecimento de manchas escuras no corpo (equimoses), surgimento de manchas no local da aplicação da quimioterapia com dor e queimação, e dor na barriga ou diarreia, são particularmente relevantes no contexto de cuidados domiciliares11.

 

Diante disso, os materiais educativos devem possibilitar ao familiar detectar precocemente sinais de agravo e serem aliados nas orientações de cuidado domiciliar dos familiares das crianças com leucemia, mas os profissionais de saúde devem enfatizar no processo de educação em saúde os sinais e sintomas que indiquem a necessidade de buscar atendimento de um serviço de saúde.

 

Outro ponto relevante citado diz respeito ao material educativo como meio de proporcionar segurança na prestação de cuidado à criança. Em consonância com esse discurso, o material educativo, quando bem aplicado pelos profissionais de saúde, pode oferecer suporte para que pacientes e familiares realizem os cuidados de forma segura, seja em nível hospitalar, ambulatorial ou domiciliar12.

 

Também foi enfatizada pelos participantes a necessidade de conter imagens ou ilustrações e textos nos materiais educativos. Os relatos convergem na mesma perspectiva de outro que afirma que, quando a cartilha apresenta conteúdo apropriado às demandas do público-alvo, aliado ao texto compreensível, escrito de maneira atraente ao leitor, claro, objetivo e com sequência lógica, contribuirá para o aprendizado da criança e a forma com a qual lida com os procedimentos durante a hospitalização2.

 

Os desenhos são capazes de provocar emoções e interesse pela leitura, facilitando a aprendizagem. As imagens (fotos, desenhos, gráficos, tabelas entre outros) têm importância fundamental, desde que colocadas de forma didática no texto. Assim, devem focalizar a atenção do leitor, de modo a convidá-lo para a leitura, além de auxiliar na compreensão do texto lido, complementar conteúdos e contribuir para a leveza e motivação para ler13.

 

Outro estudo, destinado à produção de folders para idosos, demonstrou que o uso de figuras e ilustrações com as letras grandes facilitou a leitura para os idosos, além de estimular o conhecimento e motivá-los14.

 

Dessa forma, os recursos imagéticos e textuais são de suma importância para compreender os assuntos vislumbrados nos materiais educativos e fixar a atenção dos leitores. Já a respeito dos temas relevantes para compor os materiais educativos, emergiram os cuidados com a alimentação e com os cateteres, e as dificuldades de compreensão das receitas médicas.

 

Com relação à alimentação, os familiares manifestaram preocupação com o que oferecer a criança após a descoberta da leucemia, principalmente depois do início do tratamento. No entanto, desconheciam que mesmo alimentos considerados saudáveis como as frutas poderiam carregar microrganismos, ocasionando prejuízo à saúde da criança.

 

Nesse sentido, o preparo dos alimentos exige cuidados especiais em crianças em tratamento oncológico, a fim de evitar infecções decorrentes da neutropenia (diminuição dos neutrófilos)15.

 

Embora boa parte da literatura científica recomende a dieta restritiva, inclusive com frutas, legumes e verduras cozidas ou assadas16,17, essa dieta vem sendo contestada por não apresentar diferença na prevenção de infecções quando comparada à dieta geral bem higienizada. Além disso, ela tem uma perda significativa de nutrientes e vitaminas em razão da alta temperatura à qual os alimentos são submetidos18-20. Assim, passou-se a recomendar o consumo desses alimentos apenas bem higienizados conforme o novo consenso de nutrição oncológica21.

 

São cuidados habituais modificados que requerem orientações aos familiares para que consigam prestar o cuidado às suas crianças quando em casa. Portanto, é fundamental o diálogo entre os profissionais de saúde (nutricionistas, médicos e equipe de enfermagem) e os familiares para descobrir quais são as dificuldades de cuidados alimentares com suas crianças durante o tratamento quimioterápico.

 

Além disso, educadores (enfermeiros) e educandos (cuidadores) devem se ver como sujeitos no cuidado à criança com leucemia. Ou seja, ambos devem assumir a tarefa de cooperação, troca de conhecimentos, reflexão sobre a realidade inserida e transformá-la, visando à qualidade de vida da criança. Ao alcançarem o conhecimento da realidade, por meio da reflexão e ação comum, se transformam em “refazedores permanentes”3.

 

Outros participantes apontaram os cuidados referentes ao uso do cateter como aspectos importantes para conter nos materiais educativos. A manipulação de cateter é um procedimento estéril que deve ser realizado por profissionais de saúde treinados (médicos e enfermeiros) para que se evitem infecções. Na instituição onde foi realizada a coleta de dados, somente os enfermeiros realizam a manutenção dos cateteres no ambulatório e/ou internação.

 

Os cuidados com o cateter venoso central são: seleção do cateter, verificação do melhor local de inserção, uso de técnica para evitar o risco de complicações dependendo do tipo de duração da terapia que será administrada, antissepsia da pele e higiene das mãos, desinfecção da pele com antisséptico apropriado antes da inserção do cateter e trocas de curativos, manipulação do cateter com técnica estéril, notificação de sinais e sintomas de infecção, e educação do paciente e do seu cuidador17.

 

O curativo tem a função de proteger o sítio de punção, minimizar a possibilidade de infecção e fixar o dispositivo no local para prevenir a movimentação e danos ao vaso sanguíneo. Assim, durante as atividades de educação em saúde, os cuidadores devem ser orientados por enfermeiros a trocar o curativo do cateter a cada 48 horas quando for utilizada gaze estéril e a cada sete dias se utilizada cobertura transparente estéril. Também deve ser enfatizado o envolvimento dos cateteres, coberturas e conexões com plástico ou outro material impermeável durante o banho, e que qualquer tipo de cobertura deve ser trocada imediatamente se estiver suja, solta ou úmida22.

 

Outrossim, nesta pesquisa, também foi apontada a importância das explicações sobre a prescrição dos medicamentos que a criança deverá tomar em casa, porém, existe um processo de medicação antes do medicamento chegar à criança. Esse processo inicia-se na produção, segue com a prescrição e dispensação, e, por último, a administração. A administração compreende todo o processo de checagem, diluição, preparação e administração no paciente. A enfermagem é a área profissional responsável pela administração dos medicamentos, portanto, é fundamental a sua atuação na prevenção de erros dessa natureza23. Os erros de medicação podem estar nas prescrições e são considerados eventos evitáveis. É importante que os pacientes e familiares solicitem ao médico informações sobre a diluição dos medicamentos, os efeitos colaterais e as reações adversas, o tempo de uso, as interações com outros medicamentos e os exames laboratoriais, e verifiquem se compreendem a letra do profissional caso esteja escrito à mão, isso ajudará na prevenção, contribuindo para o uso seguro dos medicamentos24.

 

Um estudo realizado na clínica médica também constatou que metade das prescrições analisadas não continha informações suficientes, apresentando dados ilegíveis e incompletos, comprometendo assim a administração de medicamentos e, consequentemente, os princípios de segurança do paciente. Nessa pesquisa, os principais erros foram no registro da apresentação farmacêutica (90,04%), na dose (90,77%), na via de administração (96,31%), na diluição (83,39%) e no intervalo entre as doses (95,57%)25. A esse respeito, vale ressaltar que, se o familiar não entender uma única instrução de um único medicamento, isso já seria suficiente para trazer sérios problemas de saúde à sua criança.

 

Ademais, outra familiar também referiu que, nas receitas médicas, as dosagens dos medicamentos estão em miligrama, o que dificultou o entendimento da dose a ser administrada, fazendo-a retornar à instituição hospitalar para que outro médico transcrevesse a receita. A esse respeito, a literatura demonstra que os principais erros que ocorrem estão vinculados à via e à dose de administração de medicamentos, preparo da medicação, horários, entre outros26.

 

Assim, é necessário que os profissionais de saúde, especialmente médicos e enfermeiros, dialoguem com os familiares e perguntem se as informações contidas nas receitas estão claras, evitando erros na administração dos medicamentos no domicílio, para que as crianças não fiquem vulneráveis em função da administração de doses elevadas e/ou subdoses dos medicamentos.

 

Além disso, a metodologia utilizada neste estudo permitiu que os profissionais de saúde reconhecessem que as dúvidas e dificuldades dos familiares são tão importantes quanto as deles e que não são as mesmas. Por exemplo, um profissional entendeu com facilidade as prescrições e agiu de forma apropriada porque permitiu aos familiares dialogarem e serem vistos como iguais em relação aos profissionais e não em posição inferior, ou seja, como recebedores de conhecimento. No entanto, se o método fosse realizado em outra unidade oncológica, é possível que outras dúvidas surgissem. Assim, entre as limitações do estudo, destaca-se a realização em apenas uma unidade oncológica do Brasil.

 

Dessa forma, os resultados deste estudo contribuem para a construção de materiais educativos mais apropriados ao público-alvo e auxiliam a entender como as equipes de saúde que trabalham com oncologia podem auxiliar as famílias e crianças com leucemia no processo de educação em saúde no âmbito hospitalar, preparando essas famílias para a alta da criança.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo permitiu identificar as percepções de familiares de crianças com leucemia sobre a proposta de construção de materiais educativos para o cuidado domiciliar e conhecer os temas relevantes para compor os materiais educativos apontados por eles.

 

Os principais resultados indicam que os familiares foram favoráveis à proposta de criação de material educativo para o cuidado domiciliar da criança com leucemia, alegando que ele pode proporcionar segurança na prestação dos cuidados à criança e servir como importante instrumento no auxílio ao reconhecimento precoce dos sinais de alerta no estado de saúde da criança, e da necessidade de se buscar ou não o atendimento hospitalar.

 

Além disso, apontaram temas relevantes para compor os materiais educativos como os cuidados com a alimentação, os cuidados com os cateteres e as dificuldades de compreensão das receitas médicas. Outros pontos citados foram a necessidade de o material conter ilustrações e textos para estimular a leitura e de apresentar uma linguagem simples para facilitar a compreensão dos membros familiares.

 

Por fim, salienta-se que considerar a percepção dos familiares na construção de material educativo pode contribuir de forma assertiva na escolha de conteúdos e na forma de abordá-los, uma vez que essa construção seria feita com base na vivência, tornando a estratégia mais eficaz nesse processo contínuo da educação em saúde dos familiares das crianças com leucemias ou com outras necessidades especiais de saúde.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 26/5/2023

Aprovado em 4/9/2023

 

Editor-associado: Mario Jorge Sobreira da Silva. Orcid iD: https://orcid.org//0000-0002-0477-8595

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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