ARTIGO ORIGINAL

 

Lei dos 60 Dias: Realidade do Tratamento Tempestivo na Análise de uma Série de Casos de Câncer Colorretal

The 60-Days Law: Reality of Timely Treatment in the Analysis of a Series of Colorectal Cancer Cases

Ley de 60 Días: Realidad del Tratamiento Oportuno en el Análisis de una Serie de Casos de Cáncer Colorrectal

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n4.4145

 

José Zago Pulido1; Sabina Bandeira Aleixo2; Luciana Carrupt Machado Sogame3

 

1Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim (HECI), Serviço de Oncologia. Faculdade Multivix. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam). Cachoeiro de Itapemirim (ES), Brasil. E-mail: jzpulido799@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0008-2853-8693

2HECI, Serviço de Oncologia. Faculdade Multivix. Cachoeiro de Itapemirim (ES), Brasil. E-mail: sbaleixo@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-0034-2716

3Emescam. Vitória (ES), Brasil. E-mail: luciana.sogame@emescam.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6913-5497

 

Endereço para correspondência: José Zago Pulido. Avenida Lacerda de Aguiar, 25 – Gilberto Machado. Cachoeiro de Itapemirim (ES), Brasil. CEP 29304-517. E-mail: jzpulido799@yahoo.com.br

 

 

RESUMO

Introdução: A Lei 12.732/12 determina que o primeiro tratamento oncológico ocorra em até 60 dias após o diagnóstico. Objetivo: Verificar o cumprimento da lei em pacientes com câncer colorretal (CCR) tratados no Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim (HECI). Método: Estudo transversal com coleta de dados retrospectivos do Sistema de Registro Hospitalar de Câncer (SisRHC HECI) no período de 2010 a 2017 para identificar o primeiro tratamento após diagnóstico. Foi realizada análise descritiva e utilizado o teste qui-quadrado para avaliar a diferença do tempo entre o diagnóstico, ≤ 60 dias ou > 60 dias, e o primeiro tratamento oncológico. Resultados: Foram identificados 585 casos de CCR, a maioria em homens (52,8%), classificados em estádios III e IV (60%), localizados no cólon (65%), com idade entre 51 e 80 anos (70,5%), e 71% receberam primeiro tratamento em até 60 dias. Na análise univariada, os casos com idade ≤ 50 anos e com tumores localizados no cólon tiveram maior probabilidade de receber o primeiro tratamento em até 60 dias (p < 0,05). O tempo médio entre a data do laudo histopatológico e a primeira consulta foi de 51,06 dias e o tempo médio entre a primeira consulta e o primeiro tratamento foi de 30,10 dias. Conclusão: Quase um terço dos pacientes não recebeu o primeiro tratamento conforme preconizado pela lei. Pacientes mais jovens e com tumor localizado no cólon tiveram probabilidade maior de receber o primeiro tratamento em até 60 dias. O tempo para a primeira consulta com especialista da Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) parece ser o principal fator de atraso do primeiro tratamento.

Palavras-chave: neoplasias; epidemiologia; diagnóstico tardio; tempo para o tratamento; política pública.

 

 

ABSTRACT

Introduction: The Law 12,732/12 determines that the first oncological treatment occurs within 60 days after diagnosis. Objective: To verify the compliance with the law in patients with colorectal cancer (CRC) treated at “Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim (HECI)”. Method: Cross-sectional retrospective study with data collected from “Sistema de Registro Hospitalar de Câncer (SisRHC HECI)” in the period 2010-2017 to identify the first treatment after diagnosis. A descriptive analysis was performed and the chi-square test was utilized to evaluate the difference in time between diagnosis, ≤ 60 days or > 60 days and the first oncological treatment. Results: 585 cases of CRC were identified, mostly in males (52.8%), stages III and IV (60%), located in the colon (65%), aged between 51 and 80 years (70.5%) and 71% received their first treatment within 60 days. In the univariate analysis, cases aged ≤ 50 years and with tumors located in the colon were more likely to receive the first treatment within 60 days (p < 0.05). The average time between the date of the histopathological report and the first consultation was 51.06 days and the average time between the first consultation and the first treatment was 30.10 days. Conclusion: Almost a third of patients did not receive the first treatment as determined by the law. Younger patients with a tumor located in the colon were more likely to receive the first treatment within 60 days. The time for the first consultation with an expert at a High Complexity Oncology Unit (Unacon) seems to be the main factor in delaying the first treatment.

Key words: neoplasms; epidemiology; delayed diagnosis; time-to-treatment; public policy.

 

 

RESUMEN

Introducción: La ley 12.732/12 determina que el primer tratamiento oncológico debe ocurrir dentro de los 60 días posteriores al diagnóstico. Objetivo: Verificar el cumplimiento de la ley en pacientes con cáncer colorrectal (CCR) atendidos en el Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim (HECI). Método: Estudio transversal con recolección de datos retrospectivos del Sistema de Registro Hospitalario de Cáncer (SisRHC HECI) en el período 2010-2017 para identificar el primer tratamiento después del diagnóstico. Se realizó un análisis descriptivo y se utilizó la prueba de ji cuadrada para evaluar la diferencia en el tiempo entre el diagnóstico, ≤ 60 días o > 60 días, y el primer tratamiento oncológico. Resultados: Se identificaron 585 casos de CCR. La mayoría eran hombres (52,8%), estadios III y IV (60%), localización en colon (65%), edades entre 51 y 80 años (70,5%) y el 71% recibió su primer tratamiento dentro de los 60 días. En el análisis univariado, los casos de edad ≤ 50 años y con tumores localizados en el colon tuvieron más probabilidades de recibir el primer tratamiento a los pocos días (p<0,05). El tiempo promedio entre la fecha del informe histopatológico y la primera consulta fue de 51,06 días y el tiempo promedio entre la primera consulta y el primer tratamiento fue de 30,10 días. Conclusión: Casi un tercio de los pacientes no recibió el primer tratamiento recomendado por la ley. Los pacientes más jóvenes con un tumor localizado en el colon tenían más probabilidades de recibir el primer tratamiento dentro de los 60 días. El momento de la primera consulta con un especialista de la Unidad de Atención Oncológica de Alta Complejidad (Unacon) parece ser el principal factor en el retraso del primer tratamiento.

Palabras clave: neoplasias; epidemiología; diagnóstico tardio; tiempo de tratamiento; política pública.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer representa um dos principais problemas de saúde pública do século XXI em todo o mundo. O seu progressivo impacto epidemiológico e a necessidade de maior cobertura das ações, visando ao seu controle, principalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), colocam a doença no centro das discussões sobre medicina e saúde pública do Brasil1,2. O câncer também representa uma doença de alta mortalidade global, sendo a segunda causa de morte por doença no mundo1,3. No Brasil, a mortalidade proporcional não ajustada para 2021 foi de 11,9 para cada 100 mil em homens e 13,5 para cada 100 mil mortes entre as mulheres4.

 

Essa doença, cujo interesse acerca da morbimortalidade cresceu no decorrer do século XX, foi, por muitos anos, relegada ao manejo do foco curativo no Brasil, com raras medidas de cunho preventivo. As políticas públicas em saúde para a oncologia datam de pouco tempo antes da criação das Caixas de Aposentadoria e Pensões, iniciando-se, marcadamente, em 1921, em São Paulo, com o primeiro movimento de ação dirigida ao câncer5. Nos anos seguintes, a militância médica em relação à cancerologia cresceu, então, progressivamente. Diversos setores da sociedade iniciaram suas manifestações de solução de medidas de impacto em saúde pública que contemplassem os pacientes oncológicos5. Após a implantação do SUS, pela Lei 8.080 em 19906, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) passou a coordenar as estratégias de prevenção do câncer.

 

Nas últimas décadas, muito se tem discutido sobre como reduzir a morbimortalidade do câncer, sendo o diagnóstico precoce, pelo rastreamento populacional, e o acesso a tratamento oncológico as estratégias efetivas. No ano de 2012, em uma tentativa de garantir a tempestividade da assistência aos pacientes com diagnóstico de qualquer tipo de câncer, o Poder Legislativo aprovou e a Presidência da República sancionou a Lei nº 12.7327 – a Lei dos 60 dias –, que se tornou amplamente conhecida no Brasil como uma das estratégias que fazem parte das políticas públicas para reduzir o agravo da doença.

 

Diante do exposto e considerando que não se realiza rastreamento estruturado para diagnóstico precoce do câncer colorretal (CCR) no Brasil8, o tratamento tempestivo dos casos diagnosticados passa a ser fundamental para a redução do agravo da doença. Dentro dessa perspectiva, deve-se conhecer a realidade dos serviços especializados em atendimento oncológico e avaliar se está ocorrendo o cumprimento da legislação vigente imposta pela Lei dos 60 dias. Dessa forma, a presente pesquisa procura responder à seguinte pergunta: “Os pacientes com diagnóstico de CCR atendidos no Hospital Evangélico de Cachoeiro de Itapemirim (HECI) estão recebendo seu primeiro tratamento oncológico em até 60 dias?”.

 

MÉTODO

Estudo longitudinal quantitativo com coleta de dados retrospectivos, no período de 2010 a 2017, do Sistema de Registro Hospitalar de Câncer (SisRHC)/HECI, referência em oncologia para a Região Sul do Espírito Santo.

 

Os participantes desta amostra foram pacientes cadastrados no SisRHC do HECI e que tiveram sua primeira consulta no período de 2010 a 2017. Foram identificados 6.962 casos novos de câncer, sendo 3.690 homens e 3.272 mulheres. Para o estudo proposto, foram selecionados os casos com o diagnóstico de CCR de acordo com a 10ª edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)9 de C18.0 a C20.9, totalizando 676 casos novos. Foram incluídos pacientes cadastrados no SisRHC/HECI, com idade acima de 18 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico confirmado por exame histopatológico de neoplasia maligna e que realizaram o primeiro tratamento oncológico no HECI (casos analíticos). Foram excluídos pacientes sem informação da data do diagnóstico anatomopatológico, os sem informação da data de início do primeiro tratamento oncológico no serviço de oncologia do HECI, e os que iniciaram o primeiro tratamento oncológico em outro serviço e foram transferidos para o HECI posteriormente (casos não analíticos). Após aplicados os critérios de exclusão, restaram 585 casos analíticos que tiveram seus dados analisados.

 

A variável idade foi agrupada em 18 a 50 anos, 51 a 80 anos e acima de 80 anos. A faixa de 50 anos foi escolhida já que os adultos dessa faixa etária são considerados “adultos jovens” para o diagnóstico de CCR. A faixa etária da pirâmide do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) termina em 80 anos. Além disso, a maioria dos estudos clínicos exclui pacientes acima de 80 anos.

 

Os dados foram coletados da ficha do SisRHC e registrados em ficha própria contendo as seguintes informações: a) perfil sociodemográfico: sexo (masculino e feminino), idade na primeira consulta (18 a 120 anos), raça, histórico de consumo de bebida alcoólica, histórico de consumo de tabaco, grau de instrução; b) localização do tumor primário de acordo com a CID-109. Para análise, os casos de CID C18 e C19 foram agrupados e analisados juntos, por representarem uma doença com as mesmas características epidemiológicas, de tratamento e de prognóstico. O estadiamento dos diferentes tipos de câncer foi baseado no Sistema de Classificação de Tumores Malignos (TNM), sétima10 e oitava edições11, publicadas em 2010 e 2016, respectivamente. O intervalo de tempo para o tratamento oncológico de pacientes com CCR foi considerado a partir da data do diagnóstico patológico e da data do primeiro tratamento oncológico recebido pelo paciente no HECI. Esse intervalo entre o diagnóstico histopatológico e o primeiro tratamento oncológico foi dividido em dois tempos para análise:

 

Tempo 1: tempo entre o diagnóstico, confirmado pelo laudo histopatológico (LHP), e a primeira consulta com especialista.

 

Tempo 2: tempo entre a consulta com especialista na Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) e o primeiro tratamento oncológico.

 

No Tempo 1, foram desconsiderados 139 casos porque tiveram a sua primeira consulta na Unacon antes do LHP. Isso ocorreu porque a Unacon recebe pacientes com diagnóstico estabelecido por LHP e pacientes com alta suspeita de neoplasia, como uma colonoscopia com uma lesão vegetante que foi biopsiada e aguarda LHP, uma tomografia com metástases hepáticas cuja investigação revela uma neoplasia colorretal, pacientes que chegam à emergência obstruídos por neoplasia colorretal, entre outras situações. No Tempo 2, foram considerados 583 casos. Dois casos foram excluídos porque não havia indicação para receber tratamento oncológico.

 

Sessenta dias foi o limite máximo de tempo aceitável. O intervalo de tempo entre o diagnóstico e a primeira consulta com especialista foi chamado Tempo 1, e o intervalo de tempo entre a consulta com especialista (na Unacon) e o primeiro tratamento oncológico, Tempo 2. Essa divisão objetivou identificar se o atraso no início do tratamento ocorria por dificuldade de acesso ao especialista (na Unacon) ou por problemas internos na Unacon, ou seja, após a consulta. Acredita-se ser esta uma maneira indireta de avaliar a aplicação da Lei dos 60 dias em pacientes com CCR que fizeram o primeiro tratamento oncológico no HECI, no período de 2010 a 2017.

 

A análise estatística indutiva ou inferencial foi conduzida por testes univariados, adotando-se nível de significância de p < 0,05, utilizando-se o teste de qui-quadrado ou exato de Fisher, com intervalo de confiança de 95% (IC 95%) para todas as análises. A análise foi realizada no BioEstat 5.3, considerando a tabela de frequência enviada em word para a estatística.

 

O presente estudo faz parte de um projeto primário intitulado “Acesso ao Tratamento Oncológico de Pacientes Atendidos em Hospital de Referência da Região Sul-Capixaba”, que foi submetido à apreciação sob o número de parecer 3.760.959 e dispensado de análise pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam), conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n.º 510/201612.

 

RESULTADOS

No universo de pacientes deste estudo, dos 585 casos analisados, 117 pacientes (20% dos casos) tinham idade entre 18 a 50 anos (Tabela 1). Destes 20%, 95 pacientes, o que equivale a 81%, receberam o primeiro tratamento oncológico em no máximo 60 dias (Tabela 2). A Tabela 1 apresenta a população de pacientes estudada dividida por faixa etária (18 a 50 anos; de 51 a 80 anos; acima de 80 anos) e de acordo com as características clínicas e demográficas mais relevantes da amostra.

 

Tabela 1. População de pacientes estudada por faixa etária de acordo com as características clínicas e demográficas da amostra

Pacientes

Total

585

Idade

18 a 50 anos

117

Percentual

20,00%

Idade

51 a 80 anos

413

Percentual

70,59%

Idade

> 80 anos

55

Percentual

9,40%

Variável

N

%

N

%

N

%

Sexo masculino

Sexo feminino

61

56

10,42%

9,57%

218

195

37,26%

33,33%

30

25

5,12%

4,27%

Raça branca

Raça preta/parda

Raça amarela

Sem informação

53

50

0

14

9,05%

8,54%

0,00%

2,39%

198

170

2

43

33,84%

29,06%

0,34%

7,35%

37

12

0

06

6,32%

2,05%

0,00%

1,02%

Bebida alcoólica

Nunca

Sim/Ex-consumidor

Sem informação

 

69

33

5

 

11,79%

5,64%

0,85%

 

237

99

29

 

40,51%

16,92%

4,95%

 

29

7

5

 

4,95%

1,19%

0,85%

Tabagismo

Nunca

Sim/Ex-consumidor

Sem Informação

 

76

29

3

 

12,99%

4,95%

0,51%

 

206

145

23

 

35,21%

24,78%

3,93%

 

21

15

5

 

3,58%

2,56%

0,85%

Localização (CID-10)

C18.0 a C19.9

C20.0 a C20.9

 

78

39

 

13,33%

6,66%

 

267

146

 

45,64%

24,95%

 

35

20

 

5,98%

3,41%

Estadiamento

1

2

3

4

 

9

21

45

28

 

1,53%

3,58%

7,69%

4,78%

 

32

76

158

95

 

5,47%

12,99%

27,00%

16,23%

 

4

12

22

6

 

0,68%

2,05%

3,76%

1,02%

Legenda: CID-10 = 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde9.

 

 

Globalmente, no período analisado, 71% dos pacientes com CCR receberam o primeiro tratamento oncológico em até 60 dias após o diagnóstico. A Tabela 2 apresenta os resultados de primeiro tratamento oncológico global e de acordo com a variável sociodemográfica analisada.

 

Tabela 2. Análise das variáveis sociodemográficas em relação ao tempo entre o diagnóstico anatomopatológico e o primeiro tratamento oncológico recebido: ≤ 60 dias ou > 60 dias em pacientes com CCR

Variável

 

≤ 60 dias

(%)

> 60 dias

(%)

p

 

Total

Todos

417

(71,28)

168

(28,72)

 

Sexo

Masculino

Feminino

225

192

(72,81)

(69,56)

84

84

(27,13)

(31,44)

0,438

Idade

18 a 50 anos

51 a 80 anos

≥ 81 anos

95

283

39

(81,19)

(68,52)

(70,90)

22

130

16

(28,81)

(31,47)

(29,09)

0,0281

Raça

Branca

Preta/Parda

Amarela

Sem informação

200

173

1

43

(69,44)

(74,56)

(50,00)

(68,26)

88

59

1

20

(30,56)

(25,44)

(50,00)

(31,75)

0,489

Bebida alcoólica

Nunca

Ex-consumidor

Sim

Sem informação

232

63

41

81

(69,25)

(70,78)

(82,00)

(72,97)

103

20

9

30

(30,75)

(29,22)

(18,00)

(26,03)

0,115

Tabaco

Nunca

Ex-consumidor

Sim

Sem informação

219

96

35

67

(72,27)

(66,20)

(79,54)

(72,04)

84

49

9

26

(26,73)

(23,80)

(20,46)

(27,96)

0,325

Grau de Instrução

Nenhuma

Ensino Fundamental

Ensino Médio

Ensino Superior

Sem informação

33

188

65

27

104

(63,46)

(69,88)

(83,33)

(72,97)

(69,79)

19

81

13

10

45

(35,54)

(30,12)

(16,67)

(27,03)

(30,21)

0,109

Procedência

Caparaó

Polo Cachoeiro

M. Expandida Sul

Outros

58

286

66

7

(62,36)

(74,09)

(70,21)

(58,33)

35

100

28

5

(37,64)

(25,93)

(29,89)

(41,67)

0,105

(Conclusão)1p < 0,05 referente ao teste qui-quadrado ou exato de Fisher.

 

 

A Tabela 3 demonstra o resultado da comparação entre as variáveis clínicas e o tempo para o início do primeiro tratamento. Observa-se que, em relação à localização do tumor, o tempo ≤ 60 dias teve maior ocorrência na CID C18 e C19 (localização topográfica do cólon).

 

Tabela 3. Análise comparativa das variáveis clínicas em relação ao tempo entre o diagnóstico anatomopatológico e o primeiro tratamento oncológico recebido: ≤ 60 dias ou > 60 dias

Variável

 

≤ 60 dias

(%)

> 60 dias

(%)

p

Localização do tumor

CID C18 e C19

CID C20

285

132

(75,00)

(64,39)

95

73

(25,00)

(35,61)

0,0091

Tumor (T)

T1

T2

T3

T4

Sem informação

8

41

167

56

145

(72,72)

(73,21)

(67,33)

(75,67)

(73,97)

3

15

81

18

51

(27,27)

(26,69)

(32,57)

(24,33)

(26,03)

0,495

Linfonodo (N)

N0

N1

N2

Sem informação

112

95

65

145

(64,00)

(73,07)

(78,04)

(73,97)

63

35

19

51

(36,00)

(26,93)

(21,96)

(26,03)

0,073

Metástase (M)

M0

M1

Sem informação

244

26

147

(69,71)

(72,22)

(73,86)

106

10

52

(30,29)

(27,78)

(25,14)

0,581

Estágio

clínico (EC)

EC 0

EC 1

EC 2

EC 3

EC 4

Sem informação

4

32

69

160

100

52

(100,00)

(71,11)

(63,30)

(71,11)

(77,51)

(71,23)

0

13

40

65

29

21

(0,00)

(28,89)

(36,70)

(28,89)

(22,49)

(28,77)

0,189

Legenda: CID-10 = 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde9.

1p < 0,05 referente ao teste qui-quadrado ou exato de Fisher.

 

 

Quando analisado o início do primeiro tratamento, de acordo com o tipo de tratamento recebido, conforme os dados apresentados na Tabela 4, não ocorreram diferenças significantes.

 

Tabela 4. Análise comparativa das variáveis em relação ao tempo entre o diagnóstico anatomopatológico e o primeiro tratamento oncológico recebido por tipo de tratamento (quimioterapia, cirurgia ou radioterapia): ≤ 60 dias ou > 60 dias

Variável

 

≤ 60 dias

(%)

> 60 dias

(%)

p

Primeiro tratamento recebido

Quimioterapia

Cirurgia

Radioterapia

Sem informação

86

218

65

46

(70,49)

(74,14)

(67,01)

(65,71)

36

76

32

24

(29,51)

(25,85)

(33,00)

(34,30)

 

0,372

 

 

Ainda em relação ao tempo, o tempo médio entre a data do diagnóstico (LHP) e a primeira consulta com especialista na Unacon foi de 51,06 dias considerando 446 casos. O tempo médio entre a primeira consulta com especialista (na Unacon) e a data do primeiro tratamento oncológico foi de 30,10 dias. No presente trabalho, foram elegíveis 583 casos. Considerando os 585 casos, o tempo médio entre o diagnóstico por LHP e a data do primeiro tratamento oncológico foi de 60,48 dias.

 

DISCUSSÃO

O câncer é uma doença de alta incidência mundial e nacional. Estimam-se 19,3 milhões de casos novos no mundo. No Brasil, são esperados 704 mil casos novos para cada ano do triênio 2023-20253. É também uma doença de alta mortalidade, sendo a segunda causa de morte por doença no mundo e no Brasil. Por esse motivo, o câncer tem sido uma preocupação mundial e faz parte da pauta da agenda política da grande maioria dos países, principalmente no século XXI1,4.

 

A Lei dos 60 dias, sancionada pela Presidência da República em 2013, se tornou amplamente conhecida no Brasil por se tratar de um marco no acesso ao tratamento oncológico, uma vez que busca assegurar, pelo projeto de lei, que o paciente receba o primeiro tratamento oncológico em no máximo 60 dias, evitando atrasos no início do tratamento. Apesar disso, a existência de uma lei não é garantia de sua implantação e, portanto, estudos avaliando o tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento oncológico devem ser realizados em centros de tratamento oncológico das mais diversas Regiões do Brasil para avaliar a sua eficiência.

 

Considerando o exposto, a presente pesquisa foi realizada em um centro de tratamento oncológico localizado no Sul do Espírito Santo (Unacon com radioterapia) com foco no CCR. Esse centro atende à Macrorregião Sul do Estado do Espírito Santo que totaliza 26 municípios e uma população de 693.396 habitantes pelos dados do Plano Diretor de Regionalização de 201613. Os pacientes são referenciados para a Unacon de duas maneiras: por agendamento feito pelo próprio município, via Sistema de Regulação (SisReg), ou agendamento direto no serviço de oncologia pelo próprio paciente ou responsável por encaminhamento médico ao serviço de oncologia, ou apresentando um exame que confirme a necessidade de atendimento no serviço de oncologia (alta suspeita de neoplasia ou LHP confirmando neoplasia). A decisão de estudar o CCR baseou-se no fato de esse tipo de câncer ser de alta incidência e de alta mortalidade.

 

Após a análise dos registros dos 585 pacientes incluídos, concluiu-se que 71% receberam o primeiro tratamento oncológico em até 60 dias. Isso significa que quase um terço dos pacientes não recebeu tratamento oncológico de maneira tempestiva, em até 60 dias, e esse número pode ser considerado elevado se comparado a dados publicados pelo INCA no observatório de oncologia cuja taxa global foi de 20,4% no período de 2009 a 201514. Quando analisadas as variáveis do estudo, foi possível demonstrar que os pacientes com idade ≤ 50 anos e os pacientes com tumor localizado no cólon (CID C18 e C19) tiveram maior probabilidade de receber o primeiro tratamento em um período de até 60 dias. Esses dados se assemelham aos apresentados em outro estudo que indica que indivíduos com idade acima de 50 anos tiveram um retardo no início do tratamento, comparativamente com indivíduos diagnosticados com CCR abaixo dos 50 anos8. As possíveis justificativas para esse achado são:

 

a) os mais jovens têm menor dependência para a busca de serviços de saúde no que se refere à capacidade de locomoção e à busca de atendimento de saúde. Com o avançar da idade, as pessoas passam a ficar mais dependentes de familiares para agendamento de consultas e de transporte que, muitas vezes, é realizado pelos serviços de saúde com agendamento prévio ou quando o transporte é realizado por familiares mais jovens, filhos e netos, ou até mesmo vizinhos e amigos;

 

b) os mais jovens, com maior acesso a informações em mídias sociais, têm maior conhecimento para compreensão da doença e reconhecimento de sintomas e sinais suspeitos de CCR e, por consequência, da necessidade de atendimento médico, ao contrário do que ocorre entre os pacientes com idade mais avançada, sendo comum esconderem os sintomas para não preocupar os demais membros da família e não deixar de trabalhar, ignorando a gravidade e o agravamento da doença;

 

c) os mais jovens usualmente têm menos comorbidades e consequentemente o preparo para uma cirurgia eletiva é mais rápido, bastando, na maioria das vezes, realização dos exames pré-operatórios e uma consulta com anestesista e cardiologista. Ao contrário de pacientes com idade mais avançada que, muitas vezes, necessitam de exames adicionais e mais complexos na sua avaliação pré-operatória, como ecocardiodoppler e teste ergométrico, aumentando o tempo para início do tratamento.

 

Esses dados se assemelham aos apresentados por Lima et al.15 que estudaram os fatores associados ao tempo para o início do tratamento de câncer de cólon e reto no Brasil (2006-2015).

 

Pacientes com tumores localizados no cólon necessitam de menos exames complementares, como recomenda o National Comprehensive Cancer Network (NCCN)16, e menos profissionais envolvidos para a tomada de decisões sobre o primeiro tratamento em comparação com os tumores do reto. Muitas vezes, o tratamento do câncer de cólon é decidido e realizado apenas pelo cirurgião, ao passo que, na neoplasia do reto, CID C20, é necessária avaliação do cirurgião, do oncologista e do radioterapeuta na maioria dos casos. No câncer do reto, também são necessários mais exames complementares, como a ressonância magnética da pelve para estadiamento locorregional e uma tomografia computadorizada para planejamento radioterápico nos casos em que está indicado tratamento neoadjuvante com radioterapia, diferente do câncer de cólon que não precisa desses exames de estadiamento e planejamento de tratamento, o que justificaria a diferença de início de tratamento entre cólon e reto.

 

Os motivos que levam pacientes a não receberem o primeiro tratamento são multifatoriais, mas, na prática, deve-se dividir esse intervalo de tempo entre o diagnóstico anatomopatológico e o primeiro tratamento oncológico em dois períodos distintos: o período entre o diagnóstico anatomopatológico e a consulta com especialista da Unacon (Tempo 1), e o período entre a consulta com especialista da Unacon e o primeiro tratamento oncológico (Tempo 2), uma vez que as ações para diminuir o tempo desses períodos são distintas. Neste estudo, o tempo médio entre a data do diagnóstico (LHP) e a primeira consulta com especialista na Unacon foi de 51,06 dias, e o tempo médio entre a primeira consulta com especialista (na Unacon) e a data do primeiro tratamento oncológico foi de 30,10 dias. Nesta pesquisa, ficou claro que o Tempo 1 foi quase o dobro do Tempo 2.

 

CONCLUSÃO

Oferecer tratamento oncológico tempestivo continua sendo um desafio a ser vencido. As ações de políticas públicas futuras devem ter um olhar especial para os pacientes acima de 50 anos e para os pacientes com diagnóstico de câncer de reto, além de serem realizadas compreendendo períodos distintos que ocorrem entre o diagnóstico – tendo em vista que muitas vezes o diagnóstico é feito fora da Unacon ou do Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) – e o primeiro tratamento oncológico realizado em Unacon ou Cacon.

 

No primeiro, as ações precisam ser feitas junto às unidades de saúde (municípios), que referenciam os casos para a Unacon ou Cacon e, no segundo período, as ações devem ser internamente na Unacon ou Cacon, dando celeridade ao processo. Nesta análise, ficou claro que as primeiras ações a serem tomadas devem visar à redução do Tempo 1 para aumentar a proporção de pacientes que possam receber o primeiro tratamento oncológico em até 60 dias.

 

Em relação ao estádio na ocasião do diagnóstico, apenas 8% dos pacientes foram diagnosticados no estádio 1 da doença e 60% dos pacientes foram diagnosticados nos estádios 3 e 4 somados – diagnóstico tardio (Tabela 2). Esses dados alertam para a necessidade de implementar urgentemente estratégias de diagnóstico precoce e prevenção secundária para reduzir o impacto negativo do CCR na população.

 

Por se tratar de uma pesquisa que coletou dados da ficha do SisRHC, foram encontradas algumas limitações, como a incompletude de dados; entretanto, foi possível responder ao questionamento sobre o objetivo principal do estudo, identificar o percentual de pacientes atendidos dentro da Lei dos 60 dias e ainda identificar, pelas variáveis analisadas, dois grupos (idade ≤ 50 anos e localização do tumor no cólon) de pacientes com maior probabilidade de receberem o primeiro tratamento oncológico dentro dos 60 dias.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

José Zago Pulido e Luciana Carrupt Machado Sogame contribuíram na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e/ou revisão crítica. Sabina Bandeira Aleixo contribuiu na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Organização Pan Americana de Saúde [Internet]. Brasília (DF): OPAS/OMS Brasil; 2018. Folha informativa: câncer. [acesso 2020 abr 25]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/cancer.

2. Araujo Neto LA, Teixeira LA. De doença da civilização a problema de saúde pública: câncer, sociedade e medicina brasileira no século XX. Bol Mus Para Emílio Goeldi Cienc Hum Belém. 2017;12(1):173-88. doi: https://doi.org/10.1590/1981.81222017000100010

3. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2019. [acesso 2020 abr 25]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2023.pdf

4. Atlas On-line de Mortalidade [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. c1996-2014. [acesso 2023 jul 15]. Disponível

em: https://www.inca.gov.br/app/mortalidade

5. Barreto EMS. Acontecimentos que fizeram a história da oncologia no Brasil: Instituto Nacional de Câncer (INCA). Rev Bras Cancerol. 2005;51(3):267-75. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2005v51n3.1954

6. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 1990 Set 19, Seção I:18055.

7. Brasil. Lei 12.732, de 23 de novembro de 1992. Dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 1992 Nov 23. [acesso 2020 abr 25]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12732.htm

8. Camargo EB, Elias FT. Câncer colorretal no Brasil: perspectivas para detecção precoce. Brasília Med. 2019;56:8-13.

9. Organização Mundial da Saúde. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados à saúde. São Paulo: Edusp; 2008.

10. Sobin LH, Gospodarowicz MK, Wittekind C, editores. TNM: classificação de tumores malignos. 7 ed. Eisenberg ALA, tradução. Rio de Janeiro: INCA; 2010.

11. Brierley JD, Wittekind C, editores. TNM: classificação de tumores malignos. 8 ed. Eisenberg ALA, tradução. Rio de Janeiro: INCA; 2016.

12. Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução n° 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana, na forma definida nesta Resolução [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2016 maio 24 [acesso 2020 abr 25]; Seção I:44. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2016/res0510_07_04_2016.html

13. Espirito Santo. Plano Diretor de Regionalização da Saúde [Internet]. Espírito Santo: Secretaria Estadual de Saúde; 2011. [acesso 2020 abr 25]. Disponível em: https://saude.es.gov.br/Media/sesa/Descentraliza%C3%A7%C3%A3o/PDR_PlanoDiretordeRegionalizacao_ES_2011.pdf

14. Observatório de Oncologia [Internet]. Indicadores da Oncologia. São Paulo: Observatório de Oncologia; [sem data]. [acesso 2020 abr 25]. Disponível em: https://observatoriodeoncologia.com.br/indicadores-da-oncologia/

15. Lima MAN. Fatores associados ao tempo para o início do tratamento de câncer de cólon e reto no Brasil (2006-2015) [Dissertação]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca; 2019.

16. National Comprhensive Cancer Network [Internet]. Plymouth Meeting: NCCN; 2020. [acesso 2020 abr 25]. Disponível em: https://www.nccn.org/login?ReturnURL=https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/colon.pdf

 

 

Recebido em 19/6/2023

Aprovado em 13/11/2023

 

Editora-associada: Jeane Tomazelli. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2472-3444

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

 

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