RELATO DE CASO

 

Associação entre Tumor Sólido Pseudopapilar Pancreático (Tumor de Frantz) e Hipertensão Portal Esquerda em Pediatria: Relato de Caso

Association between Solid Pseudopapillary Pancreatic Tumor (Frantz's Tumor) and Left Portal Hypertension in Pediatrics: Case Report

Asociación entre Tumor Sólido Pancreático Pseudopapilar (Tumor de Frantz) e Hipertensión Portal Izquierda en Pediatría: Informe de Caso

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n4.4350

 

Walberto de Azevedo Souza Junior1; Laura Kuerten Pamplona da Silva2; Laura Cerveira Cardoso Vilela3; Tatiana El-Jaick Bonifacio Costa4; Johnny Grechi Camacho5

 

1,4,5Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG). Florianópolis (SC), Brasil. E-mails: drwalbertojr@gmail.com; tatianaeljaick@gmail.com; camachojg.cipe@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4622-032X; Orcid iD: https://orcid.org/0009-0005-7354-5612; Orcid iD: https://orcid.org/0009-0008-3980-0036

2,3Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Palhoça (SC), Brasil. E-mails: laurakuertenn@gmail.com; laura.vilela1999@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1486-6118; Orcid iD: https://orcid.org/0009-0005-6052-2358

 

Endereço para correspondência: Laura Kuerten Pamplona da Silva. Av. Pedra Branca, 25 – Cidade Universitária. Palhoça (SC), Brasil. CEP 88137-270. E-mail: laurakuertenn@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: O tumor sólido pseudopapilar do pâncreas é uma patologia rara responsável por menos de 3% de todos os tumores exócrinos pancreáticos. Tal tumor ocorre principalmente em mulheres jovens, entre 20 e 30 anos, e geralmente possui baixo potencial de malignidade e causa sintomas apenas quando são de grandes volumes. Relato do caso: Paciente feminina, 14 anos, iniciou quadro de hematêmese, sendo identificadas varizes de fundo gástrico. Após realizar tomografia computadorizada, evidenciou-se massa hipodensa de comportamento hipovascular na cauda pancreática, levantando-se a suspeita de neoplasia pancreática primária, promovendo compressão da veia esplênica. A paciente foi submetida à pancreatectomia corpo-caudal associada à esplenectomia em fevereiro de 2021. A biópsia do nódulo hepático, evidenciado em ultrassonografia abdominal, confirmou metástase, e a paciente foi submetida à posterior segmentectomia hepática em julho de 2021. Conclusão: O caso relatado é extremamente raro por tratar-se de um tumor de Frantz na infância associado à hipertensão portal esquerda por compressão tumoral da veia esplênica e que, por consequência, apresentou hemorragia digestiva alta como manifestação clínica inicial, não sendo encontrados facilmente na literatura casos similares na faixa pediátrica.

Palavras-chave: pâncreas; pediatria; hipertensão portal.

 

 

ABSTRACT

Introduction: The solid pseudopapillary tumor of the pancreas is a rare pathology, accounting for less than 3% of all pancreatic exocrine tumors. This tumor occurs mainly in young women, between 20 and 30 years old, has low malignant potential, causing symptoms only when they are large. Case report: Female patient, 14 years of age, presented hematemesis and varicose veins in the gastric fundus. After submitting to computed tomography, a hypodense mass of hypovascular behavior was shown in the pancreatic tail, raising the suspicion of primary pancreatic neoplasia promoting compression of the splenic vein. The patient underwent body-caudal pancreatectomy associated with splenectomy in February 2021. The biopsy of the hepatic nodule, evidenced on abdominal ultrasound, confirmed metastasis and the patient underwent subsequent hepatic segmentectomy in July 2021. Conclusion: The case reported is extremely rare because it is a Frantz tumor in childhood associated with left portal hypertension due to tumor compression of the splenic vein, which consequently presented upper digestive hemorrhage as an initial clinical manifestation; similar cases are not easily found in the literature in the pediatric age range.

Key words: pancreas; pediatrics; hypertension, portal.

 

 

RESUMEN

Introducción: El tumor sólido pseudopapilar de páncreas es una patología rara, representando menos del 3% de todos los tumores pancreáticos exocrinos. Este tumor se presenta principalmente en mujeres jóvenes, entre 20 y 30 años, generalmente tiene un bajo potencial maligno y causa síntomas sólo cuando son de gran tamaño. Informe del caso: Paciente femenino de 14 años de edad, inició con hematemesis y se identificaron varices en fondo gástrico. Tras realizar tomografía computarizada se evidenció una masa hipodensa de comportamiento hipovascular en la cola pancreática, lo que hizo sospechar de neoplasia pancreática primaria promoviendo la compresión de la vena esplénica. La paciente fue sometida a pancreatectomía cuerpo-caudal asociada a esplenectomía en febrero de 2021. La biopsia del nódulo hepático, evidenciada en ecografía abdominal, confirmó metástasis y la paciente fue sometida a posterior segmentectomía hepática en julio de 2021. Conclusión: El caso reportado es extremadamente raro por tratarse de un tumor de Frantz en la infancia asociado a hipertensión portal izquierda por compresión tumoral de la vena esplénica y que, en consecuencia, presentó como manifestación clínica inicial hemorragia digestiva alta, no encontrándose fácilmente en la literatura casos similares en el rango de edad pediátrica.

Palabras clave: páncreas; pediatría; hipertensión portal.

 

 

INTRODUÇÃO

O tumor sólido pseudopapilar do pâncreas, conhecido como tumor de Frantz, é uma patologia rara, responsável por menos de 3% de todos os tumores exócrinos pancreáticos1,2. Tal tumor apresenta baixo potencial de malignidade, ocasionando sintomas quando de maior volume, sendo as manifestações mais comuns dor ou desconforto abdominal, icterícia, sintomas compressivos e massas palpáveis2-4. Ainda mais rara é a sua associação à hipertensão portal sinistra, doença causada por obstrução intrínseca ou extrínseca da veia esplênica, levando ao desenvolvimento de varizes gástricas4. O presente trabalho visa relatar um caso raro de Tumor de Frantz associado à hipertensão portal esquerda em uma adolescente encaminhada para um hospital de referência em Santa Catarina, Brasil, a fim de demonstrar a importância de um estudo minucioso do quadro clínico da paciente, em virtude da raridade da forma de apresentação da hipertensão portal, bem como alertar os profissionais de saúde a respeito da patologia descrita neste trabalho.

 

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição sob o número de parecer 4872561 (CAAE: 48498721.1.0000.5361) e seguiu todos os requisitos éticos relacionados com estudos envolvendo seres humanos, necessários ao seu bom êxito e resguardo relacionados ao sigilo das informações, conforme evidenciado na Resolução n.º 466/125 do Conselho Nacional de Saúde.

 

RELATO DO CASO

Adolescente feminina, 14 anos, buscou atendimento no ambulatório de Gastroenterologia Pediátrica por apresentar hematêmese em agosto de 2020. A endoscopia digestiva alta (EDA) foi logo realizada e identificou varizes de fundo gástrico associadas a erosões planas eritematosas. Iniciou tratamento com pantoprazol e propranolol, não apresentando mais hematêmese. Sua responsável referia dor abdominal relacionada à dificuldade para evacuar e negava perda de peso ou melena. No exame físico admissional, a paciente encontrava-se em bom estado geral, corada e sem perda ponderal. O abdome estava flácido, indolor, sem visceromegalias ou massas palpáveis.

 

Figura 1. Visão endoscópica de varizes em fundo gástrico

 

 

A ultrassonografia (USG) abdominal foi realizada em novembro de 2020 e evidenciou esplenomegalia homogênea (13,3 cm) com circulação colateral em sua região hilar, além de nódulo hepático em transição de segmentos VII e VIII medindo 3,2 x 3,1 x 2,9 cm. A tomografia computadorizada (TC) de janeiro de 2021 evidenciou massa hipodensa de comportamento hipovascular na cauda pancreática, levantando-se a suspeita de neoplasia pancreática primária, promovendo compressão da veia esplênica e, por conseguinte, esplenomegalia e varizes gástricas na transição esofagogástrica, também identificadas no exame. Nova EDA realizada em fevereiro de 2021 mostrou novamente as varizes em fundo gástrico. Assim, no mesmo mês, iniciou-se seu seguimento com a equipe da oncologia pediátrica.

 

A paciente foi submetida à pancreatectomia corpo-caudal associada à esplenectomia em fevereiro de 2021. Os achados intraoperatórios mostraram tumoração em cauda do pâncreas responsável por aumento do calibre da veia esplênica, dos vasos do hilo esplênico e dos vasos gástricos curtos. O estudo anatomopatológico da peça operatória confirmou neoplasia pseudopapilífera sólida, com metástase para dois dos 15 linfonodos amostrados. O exame imuno-histoquímico apresentou expressão de betacatenina, CD56, ciclina D1, sinaptofisina focal, SOX-11 e LEF1, confirmando tumor sólido pseudopapilar do pâncreas. A paciente permaneceu 11 dias internada, recebendo alta no nono dia pós-operatório sem intercorrências. A biópsia do nódulo hepático confirmou metástase e a paciente foi submetida à posterior segmentectomia hepática em julho de 2021.

 

Figura 2. Ato cirúrgico demonstrando a posição do tumor e a relação com as estruturas vizinhas

 

 

DISCUSSÃO

O tumor sólido pseudopapilar do pâncreas, descrito pela primeira vez por V.K. Frantz em 19591, é uma doença rara responsável por menos de 3% das neoplasias do pâncreas, sendo descritos apenas 700 casos no mundo, dos quais 25% ocorrem na faixa pediátrica1,3. Apresenta predileção por mulheres (10:1) com menos de 30 anos, sendo a idade média, na pediatria, de 9,5 anos2,3. A maior incidência no sexo feminino se mantém na pediatria, entretanto, com uma menor relação entre os gêneros (2:1)2. Os sinais e sintomas costumam ser inespecíficos, tais como dor abdominal, náuseas, vômitos, icterícia e massas palpáveis ao exame físico.2 Na realidade brasileira, observa-se uma escassez de publicações relacionadas ao tema. A maioria das informações disponíveis consiste em relatos de casos, ocorrendo limitação na obtenção da epidemiologia do tumor no país. Essa falta de dados pode ser atribuída à raridade desses tumores no contexto brasileiro, o que resulta em uma base limitada para análises epidemiológicas abrangentes.

 

No presente caso, a paciente iniciou o quadro com uma hemorragia digestiva alta, não sendo encontrados com facilidade na literatura casos similares na faixa pediátrica envolvendo neoplasia pancreática e hemorragia digestiva alta. Condição semelhante foi relatada em paciente adulta que também possuía comprometimento da veia esplênica e aparecimento de varizes de fundo gástrico, porém sem apresentar hematêmese como manifestação clínica6.

 

O tumor em questão comprimia a veia esplênica, ocasionando refluxo de sangue para o hilo esplênico e veias gástricas curtas como via de drenagem venosa alternativa do sistema portal para o sistema ázigos, gerando sintomatologia semelhante à hipertensão portal, incluindo a presença de varizes de fundo gástrico e o surgimento da hematêmese. A principal causa para tal fenômeno seria a obstrução intrínseca (trombose) ou extrínseca da veia (por massas pancreáticas)7.

 

Varizes encontradas unicamente em fundo gástrico, associadas à esplenomegalia, e função hepática normal devem levantar a hipótese de hipertensão portal sinistra ou esquerda, sendo esta uma causa rara de hemorragia digestiva alta (<1%)7-9.

 

Exames de imagem como a TC são essenciais para identificar a localização da massa, a presença de hipertensão portal, o envolvimento vascular e a relação com estruturas adjacentes4. A confirmação diagnóstica do tumor depende da histopatologia e da imuno-histoquímica2. Os achados de imuno-histoquímica mais comuns são a positividade para cromogranina e sinaptofisina. A paciente relatada apresentava um padrão imuno-histoquímico positivo para betacatenina, CD56, ciclina D1, sinaptofisina focal, SOX-11 e LEF1.

 

Tal doença possui bom prognóstico, exceto em homens, pacientes com expressão da proteína nuclear Ki-67 e tumores maiores de 5 cm2. Metástases ocorrem em 10-15% dos casos avançados, sendo os principais sítios fígado, peritônio, omento e linfonodos regionais2,3.

 

A cirurgia é o tratamento curativo em mais de 95% dos casos2, sendo mais comum a realização da pancreatectomia, conforme descrito no caso. A linfadenectomia é indicada em tumores maiores de 5 cm pelo risco de malignidade2. A presença de hipertensão portal pode ser um agravante no momento da cirurgia, porém, com o adequado estudo vascular pré-operatório e cautela intraoperatória, a ressecção pode ser realizada com perda mínima de sangue6. Em casos de hipertensão portal sinistra com hemorragia digestiva, o tratamento mais recomendado é associar esplenectomia para descomprimir o sistema venoso portal. Em quadros menos severos, a embolização da artéria esplênica é efetiva7,9.

 

CONCLUSÃO

O relato de caso envolvendo um tumor de Frantz na faixa etária pediátrica destaca-se pela sua apresentação clínica rara. A condição caracterizada por hipertensão portal esquerda desencadeada por compressão tumoral da veia esplênica, associada à hemorragia digestiva alta como manifestação clínica inicial, foi tratada por meio de pancreatectomia com sucesso, como observado na maioria dos casos. Compartilhar e disseminar o conhecimento adquirido com o caso são ações que contribuem para o conhecimento de outros profissionais médicos, enriquecendo a compreensão dessa condição específica.

 

 

AGRADECIMENTOS

Às integrantes da pesquisa Alicia Higashigata, cirurgiã-pediátrica, e Tatiana El-Jaick Bonifacio da Costa, oncologista-pediátrica. Ambas associam-se ao caso descrito como participantes da equipe médica responsável pelo diagnóstico, tratamento e seguimento da paciente relatada.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Os autores contribuíram igualmente em todas as etapas do artigo e aprovaram a versão a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

1.            Frantz VK. Tumor of the pancreas. atlas of tumor pathology. Washington, DC: Armed Forces Institute of Pathology; 1959. p. 32-3.

2.            Arif F, Hassan M, Muhammad S, et al. Solid pseudo-papillary tumor of the pancreas in a 9 year old: pylorys preserving pancreaticoduodenectomy for a rare indication. Clin. Oncol. 2020[acesso 2021 maio 5];5(1755):1-3. Disponível em: https://www.clinicsinoncology.com/open-access/solid-pseudo-papillary-tumor-of-the-pancreas-in-a-9-yearnbsp-6506.pdf

3.            Ferreira TO, Kobayashi AF, Koto RY, et al. Tumor de Frantz: relato de caso. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2016[acesso 2021 maio 5];48-51. Disponível em: http://arquivosmedicos.fcmsantacasasp.edu.br/index.php/AMSCSP/article/viewFile/134/140

4.            Wani NA, Lone TK, Shah AI, et al. Malignant solid pseudopapillary tumor of pancreas causing sinistral portal hypertension. Indian J Pathol Microbiol. 2011; 54(1):152-5. doi: https://doi.org/10.4103/0377-4929.77382

5.            Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2013 jun 13; Seção I:59.

6.            Reedy A, Sanniyasi S, George DJ, et al. A rare case report of Solid Pseudopapillary Tumor of the pancreas with portal hypertension. Int J Surg Case Rep. 2016;22:35-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.ijscr.2016.03.030

7.            Thompson RJ, Taylor MA, Mckie LD, et al. Sinistral portal hypertension. Ulster Med J. 2006[acesso 2021 maio 5];75(3):175-7. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1891772/

8.            Chen BB, Mu PY, Lu JT, et al. Sinistral portal hypertension associated with pancreatic pseudocysts - ultrasonography findings: a case report. World J Clin Cases. 2021[acesso 2021 maio 5];9(2):463-8. Disponível em: https://www.wjgnet.com/2307-8960/full/v9/i2/463.htm

9.            Kokabi N, Lee E, Echevarria C, et al. Sinistral portal hypertension: presentation, radiological findings, and treatment options - a case report. J Radiol Case Rep. 2010;4(10):14-20. doi: https://doi.org/10.3941/jrcr.v4i10.512

 

 

 

Recebido em 31/8/2023

Aprovado em 23/11/2023

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

image001

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado.

 

©2019 Revista Brasileira de Cancerologia | Instituto Nacional de Câncer | Ministério da Saúde