ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil Epidemiológico e Aspectos Clinicopatológicos dos Pacientes com Câncer de Cabeça e Pescoço em um Centro de Radioterapia do Agreste Pernambucano

Epidemiological Profile and Clinicopathological Aspects of Patients with Head and Neck Cancer Consulted at a Radiotherapy Center in Pernambuco Countryside

Perfil Epidemiológico y Aspectos Clinicopatológicos de Pacientes con Cáncer de Cabeza y Cuello en un Centro de Radioterapia de la Región Agreste de Pernambuco

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n4.4365

 

Lucas Renan Alves dos Santos1; Marcia Janeide da Silva2; Sandy Sterfany Pereira da Silva3; José Victor Leal Alves4; Breno Washington Joaquim de Santana5; Amanda Caroline Oliveira Henriques Mendes6; Diego Chaves Rezende Morais7; Danielle Lago Bruno de Faria8; Cláudia Cristina Brainer de Oliveira Mota9

 

1-4,6,8,9Associação Caruaruense de Ensino Superior e Técnico. Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces-Unita). Caruaru (PE), Brasil. E-mails: lucasrenan0120@gmail.com; 2017102134@app.asces.edu.br; 2018202266@app.asces.edu.br; josevictorleala@gmail.com; amandacohm@gmail.com; daniellelago@asces.edu.br; claudiamota@asces.edu.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1300-8701; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-4087-563X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-4804-3195; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0213-290X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-5766-4858; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1928-1936; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-7909-5908

5Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. Recife (PE), Brasil. E-mail: brenowashington04@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-7754-0270

7Hospital Santa Águeda (HSA). Caruaru (PE), Brasil. E-mail: diego_rezende@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0592-2114

 

Endereço para correspondência: Lucas Renan Alves dos Santos. Avenida Portugal, 584 – Universitário. Caruaru (PE), Brasil. CEP 55016-400. E-mail: lucasrenan0120@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: O câncer de cabeça e pescoço é uma neoplasia maligna com alta prevalência no Brasil e o sexto tipo mais comum no mundo. Objetivo: Evidenciar a prevalência, características sociodemográficas e clinicopatológicas de pacientes com câncer de cabeça e pescoço em um serviço de radioterapia. Método: Estudo transversal retrospectivo dos prontuários de pacientes com câncer de cabeça e pescoço tratados entre janeiro de 2010 e dezembro de 2020 em um centro de radioterapia localizado no Agreste de Pernambuco. Foram coletados os dados clínicos, sociodemográficos e os desfechos clínicos. A análise estatística foi elaborada a partir dos testes qui-quadrado de Pearson, razão de verossimilhança e exato de Fisher, além de ser adotado o nível de significância de 5%. Resultados: Foram obtidos dados de 908 pacientes. O sexo masculino foi o mais prevalente (71,5%), 48,5% dos pacientes tinham entre 50 e 69 de idade, 45,2% não concluíram o 1° grau, 29,3% eram analfabetos e 91% foram atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O diagnóstico de câncer de boca foi o mais frequente (36,5%), sendo a língua o sítio mais acometido (21,1%), e o tipo histológico mais comum foi o carcinoma escamocelular (82%). Houve comprometimento vocal em 14% dos casos, uma pequena parcela realizou traqueostomia (6,6%) e 158 pacientes (17,4%) realizaram tratamento odontológico prévio. Conclusão: Evidenciar o perfil dos pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço possibilita o conhecimento dos grupos vulneráveis para promoção de políticas públicas e ações para melhorar a condição de vida desses indivíduos.

Palavras-chave: neoplasias de cabeça e pescoço; epidemiologia; oncologia; prevalência.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Head and neck cancer is a highly prevalent malignancy in Brazil, being the sixth most common type in the world. Objective: To highlight the prevalence, sociodemographic and clinicopathological characteristics of patients with head and neck cancer in a radiotherapy service. Method: Retrospective cross-sectional study of the medical records of patients with head and neck cancer treated between January 2010 and December 2020 at a radiotherapy center located in the countryside of Pernambuco. Clinical and sociodemographic data and clinical outcomes were collected. The analysis was carried out using Pearson's Chi-square, likelihood ratio and Fisher's exact statistical tests, and significance level of 5%. Results: Data were obtained from 908 patients. Males were the most prevalent (71.5%), 48.5% of the patients were in the age range of 50-69 years, 45.2% failed to complete elementary school, 29.3% were illiterate and the majority (91%) were consulted by the National Health System (SUS). The diagnosis of oral cancer was the most frequent (36.5%), the most affected site (21.1%) was the tongue, and the most frequent histological type was squamous cell carcinoma (82%). There was vocal impairment in 14% of the cases, a small proportion was submitted to tracheostomy (6.6%) and 158 patients (17.4%) had previous dental treatment. Conclusion: Highlighting the profile of patients with head and neck cancer expands the knowledge about vulnerable groups to facilitate the elaboration of public policies and actions to improve the living conditions of these individuals.

Key words: head and neck neoplasms; epidemiology; medical oncology; prevalence.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer de cabeza y cuello es una neoplasia maligna de alta prevalencia en el Brasil, siendo el sexto tipo más común en el mundo. Objetivo: Resaltar la prevalencia, características sociodemográficas y clinicopatológicas de los pacientes con cáncer de cabeza y cuello en un servicio de radioterapia. Método: Estudio transversal retrospectivo de las historias clínicas de pacientes con cáncer de cabeza y cuello tratados entre enero de 2010 y diciembre de 2020 en un centro de radioterapia ubicado en el interior de Pernambuco. Se recogieron datos clínicos, sociodemográficos y del estadio clínico. El análisis estadístico se realizó mediante ji-cuadrada de Pearson, razón de verosimilitud y pruebas exactas de Fisher, además de adoptar un nivel de significancia del 5%. Resultados: Se obtuvieron datos de 908 pacientes. Los hombres fueron los más prevalentes (71,5%), el 48,5% de los pacientes tenía entre 50 y 69 años, el 45,2% tenía educación primaria incompleta, el 29,3% eran analfabetos y 91 fueron atendidos por el Sistema Único de Salud (SUS). El diagnóstico de cáncer bucal fue el más frecuente (36,5%), siendo la lengua el sitio más afectado (21,1%) y el tipo histológico más frecuente fue el carcinoma de células escamosas (82%). Hubo deterioro vocal en el 14% de los casos, una pequeña proporción tuvo traqueotomía (6,6%) y 158 pacientes (17,4%) tenían tratamiento odontológico previo. Conclusión: Resaltar el perfil de los pacientes con cáncer de cabeza y cuello posibilita el conocimiento sobre grupos vulnerables para promover políticas públicas y acciones para mejorar las condiciones de vida de estos individuos.

Palabras clave: neoplasias de cabeza y cuello; epidemiología; oncología médica; prevalencia.

 

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica como câncer de cabeça e pescoço as neoplasias que se originam nos seguintes sítios: faringe, laringe, traqueia, cavidade oral, linfomas de pescoço, glândulas salivares, orelha, seios paranasais, base do crânio, além dos paragangliomas localizados nessa região, com exceção da glândula tireoide1. Na cavidade oral, os sítios primários mais frequentes correspondem a língua, palato, gengivas, lábio, assoalho bucal e base da língua2.

 

Em decorrência do aumento da expectativa de vida da população, as neoplasias têm se tornando um dos principais problemas de saúde pública do mundo3. A estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) para cada ano do triênio 2023-2025 é de que ocorram no Brasil 704 mil casos novos de câncer4.

 

Os cânceres de cabeça e pescoço têm forte ligação com o estilo de vida, consumo de álcool e tabaco, fatores de risco ambientais, infecção pelo papilomavírus humano (HPV), histórico familiar, dieta desregulada e falta de atividade física. Os tratamentos mais adotados para o câncer de cabeça e pescoço são a radioterapia, a cirurgia e a quimioterapia, que podem ser combinados, dependendo do estádio da doença. Tumores mais avançados habitualmente requerem tratamentos multimodais e mais agressivos5,6.

 

O manejo dos pacientes diagnosticados com esse tipo de câncer requer uma abordagem multidisciplinar, com envolvimento ativo de especialistas de diversas áreas, para maximizar a sobrevida e a qualidade de vida7,8.

 

Os pacientes, em sua maioria, foram diagnosticados em um estádio bastante avançado, afetando de modo direto o tratamento. Quanto maior o atraso no diagnóstico e, consequentemente, no início do tratamento, mais agressiva será a terapia, e piores serão o prognóstico e a sobrevida. O diagnóstico tardio pode levar a um desfecho desfavorável, resultando na progressão tumoral e no aumento considerável da mortalidade9.

 

Conhecer o perfil dos pacientes acometidos pelo câncer de cabeça e pescoço é fator crucial para um planejamento mais assertivo do acompanhamento desses pacientes, favorecendo a elaboração de estratégias de prevenção e promoção de saúde. Dessa forma, o objetivo do presente estudo é avaliar o perfil epidemiológico e clinicopatológico de pacientes com câncer de cabeça e pescoço atendidos em um centro de radioterapia que é referência no Agreste Pernambucano.

 

MÉTODO

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Associação Caruaruense de Ensino Superior e Técnico (Asces) sob o número de parecer 5.402.346 (CAAE: 58321222.0.0000.5203) e seguiu todos os requisitos éticos relacionados com estudos envolvendo seres humanos, conforme a Resolução n.º 466/1210 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Realizou-se um estudo transversal retrospectivo de abordagem quantitativa em um centro de radioterapia localizado no Agreste Pernambucano, o Hospital Santa Águeda, que presta assistência à rede privada e ao Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo o princípio da complementaridade do setor privado, sendo a maioria dos pacientes oriunda desse sistema. O referido hospital integra a Rede de Atenção ao Câncer no Estado, e atende a uma Macrorregião com uma população adscrita de 1.922.110 pessoas do Agreste de Pernambuco11.

 

Foi obtida uma amostra por conveniência, composta pelos prontuários de pacientes atendidos entre 01/01/2010 e 31/12/2020 que possuíam laudo histopatológico comprovando o diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço ou tumores de metástase secundária nessa área. Foram excluídos os prontuários que apresentaram informações insuficientes com relação às variáveis analisadas, assim como prontuários cujo ano de diagnóstico estava fora da amostra temporal definida.

 

Os dados clínicos, sociodemográficos e desfechos clínicos foram coletados dos prontuários físicos a partir de seu diagnóstico até o último registro na evolução ou perda de seguimento. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, raça, escolaridade, estado civil, ocupação, diagnóstico, tipo histológico, localização do tumor, tratamento abordado, tratamento odontológico prévio, origem da referência, além da obtenção de informações em relação aos casos sem evidência de doença, remissão, recidiva, metástase linfonodal, metástase a distância, óbito, comprometimento vocal e traqueostomia.

 

Para análise descritiva das variáveis sociodemográficas e características dos tumores, os resultados foram organizados em tabelas, apresentando frequências absolutas e relativas. Essas variáveis foram correlacionadas por meio dos testes qui-quadrado de Pearson, razão de verossimilhança e exato de Fisher, adotando o nível de significância de 5%.

 

RESULTADOS

O estudo abrangeu 908 prontuários de pacientes acometidos por câncer de cabeça e pescoço. A média de idade no momento do diagnóstico foi de 60,6 anos. Entre os casos registrados, destaca-se o sexo masculino, 649 (71,5%) contra 259 (28,5%) do sexo feminino. Os dados sociodemográficos dos pacientes estão descritos na Tabela 1.

 

Tabela 1. Características sociodemográficas dos pacientes com diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço (n=908)

Variável

n (%)

Total

908 (100,0)

Faixa etária 

 

Até 17

12 (1,3)

18 a 29

29 (3,2)

30 a 49

158 (17,4)

50 a 69

440 (48,5)

70 ou mais

269 (29,6)

 

Cor

 

Branco

434 (47,8)

Pardo

439 (48,3)

Preto

23 (2,5)

Amarelo

12 (1,3)

 

Estado civil

 

Casado

472 (52,0)

Solteiro

248 (27,3)

Viúvo

131 (14,4)

Separado

53 (5,8)

Não informado 

4 (0,4)

 

 

Escolaridade 

 

Analfabeto

266 (29,3)

1° grau incompleto

410 (45,2)

1° grau completo

89 (9,8)

2° grau completo

76 (8,4)

Superior

49 (5,4)

Não informado 

18 (2,0)

 

 

Entre os diagnósticos mais prevalentes, o câncer de cavidade oral representa 38,4% dos casos, ao passo que o tipo histológico predominante é o carcinoma escamocelular, que acometeu 745 pacientes (82,0%) (Tabela 2). As abordagens terapêuticas mais frequentes foram a radioterapia isolada (41,1%) ou associada à quimioterapia (33,7%). Também foram coletados dados sobre tratamento odontológico prévio, realização de traqueostomia e ocorrência de comprometimento vocal.

 

Tabela 2. Características clínicas dos pacientes com câncer de cabeça e pescoço

Variável

n (%)

Total

908 (100,0)

 

 

Diagnóstico 

CA de boca

350 (38,5)

CA de faringe

195 (21,5)

CA de laringe

194 (21,4)

Linfoma

71 (7,8)

CA de glândula

64 (7,0)

CA de seio maxilar

15 (1,7)

CA de pescoço

9 (1,0)

CA de fossa nasal

5 (0,5)

CA de mandíbula

2 (0,2)

CA de traqueia

2 (0,2)

CA de ouvido

1 (0,1)

 

Tipo histológico

Carcinoma células escamosas

745 (82,0%)

Outros carcinomas

62 (6,8%)

Linfoma de Hodgkin

47 (5,2%)

Outros tipos histológicos

26 (2,9%)

Linfoma não Hodgkin

21 (2,3%)

Adenocarcinomas

5 (0,5%)

Não informado

2 (0,2%)

 

 

 

 

Técnica de tratamento 

RT exclusiva

373 (41,1)

RT + QT

306 (33,7)

Cirurgia + RT

162 (17,8)

Cirurgia + RT + QT

38 (4,2)

Não deu continuidade do tratamento

14 (1,5)

Cirurgia exclusiva

11 (1,2)

QT exclusiva

3 (0,3)

Cirurgia + QT

1 (0,1)

 

 

 

 

Tratamento odontológico prévio 

Não

750 (82,6)

Sim

158 (17,4)

 

 

 

Origem da referência 

SUS

826 (91,0)

Particular 

82 (9,0)

 

 

 

Comprometimento vocal

Não

767 (84,5)

Sim

134 (14,8)

Não informado

7 (0,8)

 

 

 

Traqueostomia

Não

841 (92,6)

Sim

60 (6,6)

Não informado

7 (0,8)

Legendas: CA= câncer; RT = radioterapia; QT= quimioterapia; SUS = Sistema Único de Saúde.

 

 

Entre os sítios mais acometidos estão a língua (21,1%), seguida pela região da glote (9,8%) e a orofaringe (7,6%) (Tabela 3).

 

Tabela 3. Frequências da localização do tumor

Localização do tumor

n (%)

Total

908 (100,0)

 

 

Língua

192 (21,1)

Glote

98 (10,8)

Região cervical

74 (8,1)

Orofaringe

69 (7,6)

Assoalho bucal

53 (5,8)

Glândula parótida

52 (5,7)

Supraglote

46 (5,1)

Lábio

44 (4,8)

Laringe

40 (4,4)

Hipofaringe

35 (3,9)

Palato mole

32 (3,5)

Nasofaringe

26 (2,9)

Rebordo alveolar

23 (2,5)

Mucosa jugal

22 (2,4)

Palato não especificado

18 (2,0)

Seio maxilar

15 (1,6)

Trígono retromolar

14 (1,5)

Glândula submandibular

13 (1,4)

Epiglote

6 (0,7)

Fossa nasal

6 (0,7)

Infraglote

5 (0,5)

Amigdala

5 (0,5)

Loja amigdaliana

3 (0,3)

Rinofaringe

3 (0,3)

Faringe

2 (0,2)

Mandíbula

2 (0,2)

Palato duro

2 (0,2)

Traqueia

2 (0,2)

Úvula

2 (0,2)

Face

1 (0,1)

Glândula sublingual

1 (0,1)

Nasofaringe e orofaringe

1 (0,1)

Ouvido médio

1 (0,1)

 

 

 

 

Com relação ao desfecho clínico, observou-se que 125 pacientes (13,8%) estavam sem evidência de doença, e outros 324 (35,7%) foram classificados em remissão. Houve recidiva em 15 (1,7%) pacientes, enquanto 162 (17,8%) desenvolveram metástase linfonodal, 30 (3,3%) evoluíram com metástase a distância, e 245 (27%) foram a óbito.

 

Ao avaliar o desfecho clínico, verificou-se que o grupo mais vulnerável, com pior evolução clínica e que mais chegou a óbito foram os homens (28,2%), sendo a faixa etária mais acometida composta por pessoas com 70 anos de idade ou mais (37%) (Tabela 4).

 

Tabela 4. Avaliação do desfecho segundo os dados sociodemográficos e a origem do tratamento

Variável

Desfecho

 

p

Sem evidência de doença

 

Remissão

Recidiva

Metástase linfonodal

Metástase a distância

Óbito

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sexo

Masculino

83 (12,8)

231 (35,8)

6 (0,9)

124 (19,2)

20 (3,1)

182 (28,2)

p(1) = 0,03*

Feminino

42 (16,5)

93 (36,5)

9 (3,5)

38 (14,9)

10 (3,9)

63 (24,7)

 

Faixa etária 

 

Até 17

4 (33,3)

5 (41,7)

0 (0,0)

2 (16,7)

1 (8,3)

0 (0,0)

p(2) = 0,002*

18 a 20

5 (17,9)

12 (42,9)

1 (3,6)

2 (7,1)

2 (7,1)

6 (21,4)

30 a 49

31 (19,6)

55 (34,8)

3 (1,9)

33 (20,9)

4 (2,5)

32 (20,3)

50 a 69

62 (14,2)

156 (35,6)

6 (1,4)

87 (19,9)

18 (4,1)

109 (24,9)

70 ou mais

23 (8,7)

96 (36,2)

5 (1,9)

38 (14,3)

5 (1,9)

98 (37,0)

Total

125 (13,9)

324 (36,0)

15 (1,7)

162 (18,0)

30 (3,3)

245 (27,2)

 

Escolaridade 

Analfabeto

29 (11,0)

91 (34,5)

3 (1,1)

43 (16,3)

10 (3,8)

88 (33,3)

p(3) < 0,001*

1° grau incompleto

52 (12,7)

150 (36,8)

5 (1,2)

85 (20,8)

10 (2,5)

106 (26,0)

1° grau completo

17 (19,3)

33 (37,5)

3 (3,4)

12 (13,6)

3 (3,4)

20 (22,7)

2° grau completo

13 (17,3)

30 (40,0)

3 (4,0)

13 (17,3)

1 (1,3)

15 (20,0)

Superior

11 (22,9)

15 (31,3)

1 (2,1)

8 (16,7)

5 (10,4)

8 (16,7)

Total 

122 (13,8)

319 (36,1)

15 (1,7)

161 (18,2)

29 (3,3)

237 (26,8)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Origem

SUS

108 (13,2)

294 (35,8)

14 (1,7)

151 (18,4)

26 (3,2)

228 (27,8)

p(1) = 0,274

Particular

17 (21,3)

30 (37,5)

1 (1,3)

11 (13,8)

4 (5,0)

17 (21,3)

Total

125 (13,9)

324 (36,0)

15 (1,7)

162 (18,0)

30 (3,3)

245 (27,2)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(*) Associação significativa de 5%.

(1) Teste qui-quadrado de Pearson.

(2) Teste razão de verossimilhança.

(3) Teste exato de Fisher.

Legenda: SUS = Sistema Único de Saúde.

 

 

DISCUSSÃO

O câncer de cabeça e pescoço constitui um grupo abrangente, tendo como o tipo histológico mais comum o carcinoma de células escamosas, que acomete predominantemente (90%) a laringe, faringe, glândulas salivares, cavidade nasal, cavidade oral e seios da face. A literatura reporta que a incidência do câncer de cabeça e pescoço continua aumentando, sendo o sexto grupo principal de câncer no mundo12. Esses dados se aproximam dos resultados encontrados na presente pesquisa, tendo 91,52% dos casos presentes nos sítios citados anteriormente. De acordo com Dantas et al.13, a localização primária do tumor é a língua, que também foi evidenciada em 192 (21,1%) pacientes desta pesquisa.

 

O presente estudo identificou que 71,5% dos pacientes acometidos são do sexo masculino, e que a faixa etária predominante é compreendida entre 50 e 69 anos (48,5%). O maior acometimento do sexo masculino nos tumores de cabeça e pescoço está relacionado ao seu estilo de vida, visto que alguns hábitos os expõem a diversos fatores de risco14.

 

Os principais hábitos deletérios que predispõem e são causas determinantes para o surgimento e aumento da incidência do câncer de cabeça e pescoço são o consumo de bebidas alcoólicas e o de tabaco15. O consumo frequente e excessivo desses produtos, a falta de uma alimentação adequada e a presença de fatores ocupacionais, como a exposição solar de forma prolongada, exposição a substâncias químicas e ao asbesto são fatores de risco claramente descritos na literatura16.

 

No presente estudo, verificou-se que indivíduos pardos (48,3%) e de pele branca (47,8%) foram os mais acometidos, uma vez que estes têm maior propensão a sofrer os efeitos da radiação da exposição solar com os raios ultravioleta, aumentando o risco do desenvolvimento do câncer17.

 

O baixo nível de escolaridade possui um efeito diretamente relacionado aos comportamentos de risco e escolhas de estilo de vida, interferindo no autocuidado e no conhecimento a respeito de suas repercussões em longo prazo18. Na presente pesquisa, os resultados corroboram os achados semelhantes na literatura, em que os pacientes analfabetos (29,3%) e com o 1° grau incompleto (45,2%) foram os mais acometidos pelo câncer de cabeça e pescoço.

 

O estudo desenvolvido por Dantas et al.13 evidenciou que a baixa escolaridade influenciou significativamente a sobrevida, concluindo que esta estava inversamente ligada ao seu nível de escolaridade que, na maioria dos casos, é responsável por diagnóstico tardio, abstenção ou abandono do tratamento resultando no pior prognóstico, o que se assemelha ao presente estudo, uma vez que a concentração majoritária de óbitos está respectivamente em analfabetos e no grupo dos que não concluíram o 1° grau.

 

O câncer de cabeça e pescoço apresenta alta prevalência no Brasil, com taxas de incidência e mortalidade significativas, e consequente impacto na qualidade de vida do paciente acometido. O tratamento é, por vezes, mutilador, podendo causar disfagia, disfonia, perda funcional, relevante desfiguração facial e interferir no relacionamento social do paciente14. Apesar dos avanços médicos, o câncer de cabeça e pescoço apresenta prognóstico ruim e taxa de sobrevida de cinco anos entre 28% e 67%. O diagnóstico precoce pode oferecer um melhor prognóstico em 88% dos casos de câncer, além de favorecer o sucesso no tratamento12.

 

O tratamento de eleição dependerá entre outras coisas das características clinicopatológicas da neoplasia, podendo ser feito com cirurgia, radioterapia e quimioterapia. A cirurgia é a mais indicada para lesões iniciais. A radioterapia e a quimioterapia são as estratégias terapêuticas que proporcionam maior sobrevida aos pacientes, entretanto as altas doses na radioterapia podem acarretar consequências que afetam diretamente a qualidade de vida e interferem na funcionalidade da mastigação, na deglutição e até mesmo na fonação19,20. Tal como foi evidenciado neste estudo em que os tratamentos mais abordados foram o de radioterapia exclusiva (41,1%), seguido de radioterapia associada à quimioterapia (33,7%) e cirurgia prévia associada à radioterapia (17,8%).

 

A quimiorradioterapia concomitante é considerada a terapêutica padrão para carcinoma escamocelular de cabeça e pescoço localmente avançado, seja como tratamento isolado ou após tratamento cirúrgico, com evidências reunidas em duas metanálises de dados de casos individuais21,22. Alvarenga et al23. corroboram este estudo quanto ao tratamento multimodal, pois a maioria dos casos apresentou essa abordagem em razão do estadiamento de T3 e T423.

 

As complicações orais da radioterapia podem ocorrer durante ou após o tratamento, sendo as mais frequentes a mucosite, xerostomia, cáries de radiação, disgeusia, infecções secundárias, trismo e osteorradionecrose24,25. Entre as complicações citadas, a mucosite oral é um dos principais motivos de abandono da radioterapia, juntamente com outros agravos como disfagia, dermatite e odinofagia26. Diante das evidências citadas anteriormente, é de grande relevância o acompanhamento odontológico desses pacientes para uma melhor qualidade de vida, no entanto este estudo constatou uma pequena quantidade de pacientes, 17,4%, que foram encaminhados para o cirurgião-dentista.

 

As intervenções em saúde bucal podem reduzir significativamente as complicações ocasionadas pelo tratamento do câncer, dessa forma, o tratamento dos agravos como cáries, gengivite, periodontite, entre outros, proporciona aos indivíduos uma melhor qualidade de vida26. Além do mais, as diretrizes do National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE)27 preconizam o uso da terapia a laser de baixa intensidade para o tratamento da mucosite oral. Morais et al.28 constataram que protocolos preventivos de higiene bucal e a terapia de fotobiomodulação resultaram em um melhor controle de complicações orais e diminuição das interrupções da radioterapia por causa da mucosite.

 

Quanto aos desfechos clínicos, a mortalidade em razão das neoplasias vem aumentando no cenário mundial29. De acordo com a OMS30, a projeção para o ano 2030 é de aproximadamente 27 milhões de novos casos de câncer e 17 milhões de mortes por ano, e que dois terços estarão concentrados em países em desenvolvimento, grupo que engloba o Brasil. Esse aumento é resultado das constantes mudanças demográficas e epidemiológicas, repercutindo no aumento da população idosa, e subsequente mudança do perfil de mortes por doenças infecciosas para mortes por doenças crônicas. Dessa forma, o envelhecimento, hábitos deletérios e a mudança do ambiente repercutem diretamente na incidência e mortalidade por câncer. Essas evidências corroboram os resultados do presente estudo, pois a maioria dos óbitos ocorreu no grupo com idade igual ou superior a 70 anos.

 

As doenças e agravos não transmissíveis são os principais responsáveis pelo adoecimento e óbito mundialmente30, o que também repercute no Estado de Pernambuco11, pois as neoplasias são a terceira causa de óbito mais frequente e o câncer de cavidade oral ocupa a quinta posição entre as mortes no Estado4.

 

Entre as limitações do estudo, o local onde foi realizado a pesquisa é um centro de radioterapia. Dessa forma, o diagnóstico tem propensão a ser tardio e consequentemente a maioria dos casos referenciados encontrava-se em estádio mais avançado, fazendo uso de radioterapia e quimioterapia, o que também justifica o número reduzido de casos tratados apenas com cirurgia.

 

CONCLUSÃO

O perfil clinicopatológico e os fatores sociodemográficos influenciam diretamente no desfecho clínico e prognóstico dos pacientes acometidos pelo câncer de cabeça e pescoço e estão em consonância com as evidências presentes na literatura. Evidenciou-se que o grupo mais vulnerável e que possui pior prognóstico é o do sexo masculino, a partir dos 50 anos de idade, analfabetos e que não concluíram o ensino fundamental. Destaca-se que, apesar de ser essencial o tratamento odontológico prévio nos casos de câncer de cabeça e pescoço, em virtude da área de irradiação na terapia antineoplásica, essa abordagem foi rara. Ressalta-se que as elevadas estatísticas tornam essa condição uma incessante preocupação dos gestores em saúde. Dessa forma, é necessária a elaboração de políticas públicas voltadas para a redução das iniquidades para os grupos mais vulneráveis, com ações de prevenção e promoção de saúde, além de subsidiar e incentivar pesquisas científicas.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e/ou revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

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Recebido em 24/8/2023

Aprovado em 17/10/2023

 

Editor-associado: Daniel Cohen Goldemberg. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0089-1910

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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