ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil Epidemiológico de Pacientes Oncológicos Atendidos em um Serviço Odontológico de Referência do Estado do Ceará: Estudo Retrospectivo

Epidemiological Profile of Oncology Patients Followed Up at a Reference Dental Service in the State of Ceará: a Retrospective Study

Perfil Epidemiológico de Pacientes Oncológicos Atendidos en un Servicio de Odontología de Referencia en el Estado de Ceará: Estudio Retrospectivo

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n4.4386

 

Evllen do Vale Castro1; Ana Beatriz Torres Cavalcante2; Paulo Goberlanio de Barros Silva3; Anderson Maia Meneses4; Thinali de Sousa Dantas5; Clarissa Pessoa Fernandes Forte6

 

1Universidade Federal do Ceará (UFC), Laboratório de Patologia Oral. Fortaleza (CE), Brasil. E-mail: evllen_castro@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-0969-5382

2,4Centro Universitário Christus (Unichristus), Departamento de Odontologia. Fortaleza (CE), Brasil. E-mails: bia.torres2001@hotmail.com; andersonmmeneses@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0000-0174-5424; Orcid iD: https://orcid.org/0009-0004-6300-5658

3UFC, Laboratório de Patologia Oral. Unichristus, Departamento de Odontologia. Escola Cearense de Oncologia, Hospital Haroldo Juaçaba. Fortaleza (CE), Brasil. E-mail: paulo_goberlanio@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1513-9027

5,6UFC, Laboratório de Patologia Oral. Unichristus, Departamento de Odontologia. Fortaleza (CE), Brasil. E-mails: thinalidantas@gmail.com; clarissapessoafernandes@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2543-3315; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6032-8436

 

Endereço para correspondência: Thinali de Sousa Dantas. Unichristus. Departamento de Odontologia. Rua João Adolfo Gurgel, 133 – Cocó. Fortaleza (CE), Brasil. CEP 60192-345. E-mail: thinalidantas@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: Pacientes com câncer necessitam de atendimento odontológico personalizado em virtude das terapias antineoplásicas para minimizar a ocorrência ou a gravidade dos efeitos adversos causados por essas terapias nos tecidos bucais. Objetivo: Traçar o perfil epidemiológico e odontológico de pacientes oncológicos acompanhados em um serviço de referência em odontologia do Estado do Ceará. Método: Estudo retrospectivo observacional transversal, baseado em prontuários de pacientes com necessidades especiais atendidos ambulatorialmente entre 2017 e 2021. Tais variáveis foram analisadas utilizando os testes exato de Fisher ou qui-quadrado de Pearson, adotando um nível de confiança de 95% com o software SPSS versão 20.0 para Windows. Resultados: A maioria dos pacientes avaliados era do sexo masculino (55,8%), com idade entre 51 e 60 anos (39,0%), sendo o câncer de cabeça e pescoço o mais prevalente (37,7%). Os principais motivos de procura por atendimento odontológico foram adequação bucal pré-tratamento de câncer (36,4%), tratamento pós-câncer (22,05%) e dor (15,6%), a maioria em fase pós-quimioterapia (42,9%) e pós-radioterapia (39,0%). Os procedimentos odontológicos mais realizados entre os pacientes foram dentística (64,9%), periodontia (59,7%) e cirurgia (48,1%). Em relação à higiene bucal, 49,2% escovavam os dentes uma vez ao dia e 54,5% não utilizavam fio dental; 47,8% desses pacientes apresentaram índice CPO-D (dentes permanentes cariados, perdidos e obturados) superior a 20. Conclusão: Aproximadamente metade dos pacientes procurou atendimento odontológico para adequação pré-tratamento oncológico, entretanto, a maior parte deles buscou atendimento após o fim da quimioterapia e radioterapia, o que pode estar associado ao elevado índice de CPO-D.

Palavras-chave: assistência odontológica para doentes crônicos; equipe de assistência ao paciente; saúde bucal.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Cancer patients need personalized dental care due to antineoplastic therapies to minimize the occurrence or severity of adverse effects caused on oral tissues. Objective: Design the epidemiological and dental profile of cancer patients followed up at a reference dentistry service in the State of Ceará. Method: Cross-sectional observational retrospective study, based on medical records of patients with special needs followed up at an outpatient clinic from 2017 to 2021. The variables were tabulated using Fisher's or Pearson's chi-square tests, with a confidence level of 95% with the software SPSS version 20.0 for Windows. Results: The majority of patients evaluated were males (55.8%), aged between 51 and 60 years (39.0%) with head and neck cancer as the most prevalent (37.7%). The main reasons for seeking dental care were oral adequacy pre-cancer treatment (36.4%), post-cancer treatment (22.05%) and pain (15.6%), with the majority in post-chemotherapy phase (42.9%) and after radiotherapy (39.0%). Restorative dentistry (64.9%), periodontics (59.7%) and surgery (48.1%) were the dental procedures most performed. Regarding oral hygiene, 49.2% brushed their teeth once a day and 54.5% did not use dental floss, 47.8% of these patients had a DMFT Index (decayed, missing, filled teeth) greater than 20. Conclusion: Approximately half of the patients sought dental care for pre-oncological treatment adjustment, however, the majority sought care post-chemotherapy and radiotherapy, which may be associated with high DMFT index.

Key words: dental care for chronically ill; patient care team; oral health.

 

 

RESUMEN

Introducción: Los pacientes oncológicos necesitan una atención odontológica personalizada debido a las terapias antineoplásicas, con el objetivo de minimizar la aparición o severidad de los efectos adversos que estas terapias provocan en los tejidos orales. Objetivo: Trazar el perfil epidemiológico y odontológico de pacientes oncológicos seguidos en un servicio de referencia en odontología en el estado de Ceará. Método: Estudio retrospectivo observacional transversal, basado en historias clínicas de pacientes atendidos ambulatoriamente para pacientes con necesidades especiales de 2017 a 2021. Dichas variables se tabularon mediante las pruebas de Fisher o ji-cuadrada de Pearson, adoptando un nivel de confianza del 95% en el software SPSS v20.0 para Windows. Resultados: La mayoría de los pacientes evaluados fueron del sexo masculino (55,8 %), con edad entre 51 y 60 años (39,0 %), siendo el cáncer más prevalente entre ellos, los de cabeza y cuello (37,7%). Los principales motivos de búsqueda de atención odontológica fueron tratamiento precanceroso de adecuación oral (36,4%), tratamiento poscanceroso (22,05%) y dolor (15,6%), siendo la mayoría en fase posquimioterapia (42,9%) y después radioterapia (39,0%). Los procedimientos odontológicos más realizados entre los pacientes fueron odontología restauradora (64,9%), periodoncia (59,7%) y cirugía (48,1%). En cuanto a la higiene bucal, el 49,2% se cepillaba los dientes una vez al día y el 54,5% no utilizaba hilo dental, donde el 47,8% de estos pacientes presentaba un índice de CPOD (dientes permanentes, con caries, perdidos y curados) superior a 20. Conclusión: Aproximadamente la mitad de los pacientes buscó atención odontológica para ajustar el tratamiento preoncológico, sin embargo, la mayoría de los pacientes buscó atención después del final de la quimioterapia y radioterapia, lo que puede estar asociado con la alta tasa de CPOD.

Palabras clave: atención odontológica a enfermos crónicos; grupo de atención al paciente; salud bucal.

 

 

INTRODUÇÃO

A odontologia para pacientes com necessidades especiais (PNE) tem o objetivo de oferecer diagnóstico, prevenção, tratamento e controle de qualquer problema que acometa a saúde bucal de pacientes não normossistêmicos1. Essa área da odontologia oferece tratamento personalizado para pacientes que precisam de cuidados que vão além da rotina do cirurgião-dentista clínico geral, pois o atendimento é adaptado às necessidades individuais de cada paciente, seja de ordem estrutural, psicológica, fisiológica ou anatômica2,3.

 

Diversos fatores etiológicos podem estar envolvidos no desenvolvimento dessas desordens, indo desde distúrbios genéticos a adquiridos ao longo da vida decorrentes de doenças transmissíveis, doenças crônicas, problemas psiquiátricos, utilização de entorpecentes, assim como pacientes oncológicos4,5.

 

Apesar do elevado número de pessoas e das diversas condições que levam a um atendimento diferenciado e adaptado, a disciplina de PNE não estava na grade curricular dos cursos de graduação em odontologia6. Entretanto, o Ministério da Educação exigiu a sua inserção em 20217.

 

Os pacientes oncológicos realizam terapias que acabam afetando direta ou indiretamente a cavidade oral, demandando cuidados odontológicos individualizados antes, durante e após o tratamento8-11.

 

A incidência de neoplasias malignas cresce ao redor mundo, sendo associada à grande taxa de mortalidade12. Esse aumento pode decorrer da mudança no estilo de vida13. Segundo a última atualização do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), realizada em 201914, no Ceará as neoplasias malignas totalizaram 9.766 mortes, sendo responsável por 17,2% da mortalidade do Estado no período de 2018 a 201915.

 

Schilithz16 buscou estimar a incidência do câncer no Brasil, obtendo como resultado uma média de 625 mil novos casos de neoplasias malignas por ano, entre 2020 e 2022. O câncer mais incidente é o de pele, seguido pelos de mama, próstata, reto, cólon, pulmão e estômago16.

 

Em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), encontrou 4.072 casos de câncer no Brasil em pessoas maiores de 18 anos17. De acordo com o documento World Cancer Report 201418, publicado na International Agency for Research on Cancer, foram estimados mais de 20 milhões de novos casos de câncer para o ano de 2025, podendo considerar essa patologia um problema de saúde pública mundial, principalmente nos países em desenvolvimento19-21.

 

As neoplasias malignas são tratadas por cirurgia, quimioterapia, radioterapia, transplante de medula óssea, terapia molecular direcionada, imunoterapia, ou por uma combinação desses métodos21.

 

A radioterapia de cabeça e pescoço e a quimioterapia são métodos terapêuticos capazes de desencadear efeitos adversos nos tecidos orais22. Os efeitos da quimioterapia dependem do tipo, da dose e da frequência23, já os da radioterapia, do local, do volume de tecido irradiado, da dose de radiação e da fração das doses24.

 

As complicações orais mais prevalentes são mucosite, trismo, xerostomia, disfagia, disgeusia, lesão cariosa, osteonecrose e infecções oportunistas25-27. Isso acontece por causa da alta proliferação celular da mucosa oral, facilitando o seu rápido envolvimento, pois as terapias antineoplásicas têm como alvo principal as células de rápido crescimento24.

 

Idealmente, o cirurgião-dentista deve atuar no atendimento ao paciente oncológico antes do início da terapia antineoplásica25, buscando tratar os problemas orais preexistentes com a finalidade de evitar complicações durante e após o tratamento21. O atendimento a esses pacientes objetiva eliminar os focos de infecções orais, prevenir e aliviar dores, reduzir a gravidade de possíveis complicações orais e fazer instrução de higiene oral28,29. O objetivo deste estudo é traçar o perfil epidemiológico, clínico e odontológico dos pacientes oncológicos acompanhados em um serviço de referência no período de 2017 a 2021.

 

MÉTODO

Estudo observacional transversal retrospectivo, realizado por meio da coleta de dados de prontuários de pacientes atendidos em um serviço odontológico de referência de 2017 a 2021.

 

Foram reunidas as informações gerais do paciente (sexo, idade, ocupação e queixa principal), comorbidades existentes, medicamentos em uso, frequência de escovação, uso de fio dental, índice de CPO-D (número de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados) e aspectos sobre os atendimentos odontológicos realizados na clínica escola.

 

Foram avaliados 654 prontuários, dos quais 77 atendiam aos critérios do estudo que consistiam no correto preenchimento do prontuário, além do atendimento ter ocorrido no período do estudo. Assim, foram excluídos aqueles com ausência de informações para a pesquisa, preenchimento inadequado dos tratamentos realizados e pacientes atendidos em outras clínicas.

 

Após o levantamento, as variáveis quantitativas foram analisadas e expressas em forma de frequência absoluta e percentual a partir do teste exato de Fisher para amostra com menos de cinco elementos ou do teste qui-quadrado de Pearson em amostras com mais de cinco. Todas as análises foram realizadas adotando um intervalo de confiança de 95% no software SPSS30 versão 20.0 para Windows.

 

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Christus, sob o número de parecer 4.836.355/2021 (CAAE: 47560621.7.0000.50.49). Foram respeitados os aspectos éticos previstos na Resolução n.º 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)31.

 

RESULTADOS

De um total de 77 pacientes com câncer, foi observado que a maior parte, 43 (55,8%), era do sexo masculino e 34 (44,2%), do sexo feminino. Destes, 30 (39,0%) encontravam-se na faixa etária de 51 a 60 anos, 21 (27,3%) na faixa etária de 41 a 50 anos e 11 (14,3%) na faixa etária de 61 a 70 anos, sendo a média de idade dos pacientes 51,81 (±11,92 anos). Em relação à ocupação, 33 (42,9%) pacientes eram trabalhadores ativos e 23 (29,9%), aposentados (Tabela 1).

 

Tabela 1. Distribuição de dados clínicos dos pacientes oncológicos

 

n (%)

Idade

 

0 a 10 anos

0 (0%)

11 a 20 anos

0 (0%)

21 a 30 anos

3 (3,9%)

31 a 40 anos

7 (9,1%)

41 a 50 anos

21 (27,3%)

51 a 60 anos

30 (39,0%)

61 a 70 anos

11 (14,3%)

71 a 80 anos

4 (5,2%)

80 anos ou mais

1 (1,3%)

 

 

Sexo

 

Feminino

34 (44,2%)

Masculino

43 (55,8%)

 

 

Ocupação

 

Não informado

4 (5,2%)

Estudante

2 (2,6%)

Trabalhador ativo

33 (42,9%)

Trabalhador inativo (desempregado)

15 (19,5%)

Aposentado

23 (29.9%)

 

 

Neoplasia maligna

 

Câncer oral

15 (19,5%)

Câncer de mama

10 (13,0%)

Câncer de faringe e laringe

9 (11,7%)

Mieloma múltiplo

9 (11,7%)

Linfoma não Hodgkin

7 (9,1%)

Câncer de tireoide

5 (6,5%)

 

 

Comorbidades

 

Apenas oncologia

28 (36,4%)

Oncologia com uma comorbidade

33 (42,9%)

Oncologia com mais de uma comorbidade

16 (20,8%)

 

 

Medicações em uso

 

Nenhuma

16 (20,8%)

Uma

18 (23,4%)

Duas

17 (22,1%)

Três ou mais

26 (33,8%)

 

A neoplasia maligna mais presente entre os pacientes deste estudo foi o câncer oral, em 15 pacientes (19,5%), seguido do câncer de mama, em dez (13,0%). Outras neoplasias malignas mais presentes nesses pacientes foram os cânceres de faringe e laringe (11,7%) e o mieloma múltiplo (11,7%) (Tabela 1).

 

Durante a anamnese, na busca sobre as comorbidades que acometiam esses pacientes, foi observado que 28 (36,4%) apresentavam somente algum tipo de câncer, 33 (42,9%) tinham câncer e outra comorbidade sistêmica e 16 (20,8%) tinham mais de uma comorbidade além do câncer (Tabela 1). A comorbidade mais prevalente entre os pacientes oncológicos foi a hipertensão (23,4%), seguida pela diabetes (11,7%).

 

Em relação às medicações em uso pelos pacientes oncológicos, 16 (20,8%) pacientes não utilizavam nenhuma medicação, 18 (23,4%) utilizam somente uma, 17 (22,1%), duas medicações e 26 (33,8%), três ou mais medicações. Entre os medicamentos mais utilizados, estão os anti-hipertensivos (29,9%), antineoplásicos (19,5%) e os supressores de acidez gástrica (14,3%) (Tabela 1).

 

O motivo da procura pelo atendimento odontológico foi expresso como queixa principal, com a qual 28 (36,4%) pacientes procuraram o cirurgião-dentista para adequação oral pré-tratamento oncológico, 17 (22,0%) pacientes para adequação oral pós-tratamento oncológico e 12 (15,6%) pacientes foram motivados por dor (Tabela 2).

 

Tabela 2. Motivo de consulta odontológica e procedimentos realizados nos pacientes oncológicos

Queixa Principal

n (%)

 

 

Adequação oral pré-tratamento oncológico

28 (36,4%)

Adequação oral pós-tratamento oncológico

17 (22,0%)

Dor

12 (15,6%)

Avaliação

8 (10,4%)

Estética/Reabilitação

6 (7,8%)

Exodontia

4 (5,2%)

Sem queixa

2 (2,6%)

 

 

Tratamento antineoplásico

 

Pré-quimioterapia

8 (10,4%)

Transquimioterapia

13 (16,9%)

Pós-quimioterapia

33 (42,9%)

Pré-radioterapia

9 (11,7%)

Transradioterapia

2 (2,6%)

Pós-radioterapia

30 (39,0%)

Pré-transplante medular

14 (18,2%)

Pós-transplante medular

1 (1,3%)

 

 

Procedimentos odontológicos realizados

 

Periodontia

46 (59,7%)

Dentística

50 (64,9%)

Endodontia

29 (37,7%)

Cirurgia

37 (48,1%)

Prótese

15 (19.5%)

Laserterapia

13 (16,9%)

Primeiro atendimento

3 (3,9%)

 

 

Com relação à fase do tratamento antineoplásico na qual o paciente chega para o atendimento odontológico, 33 (42,9%) encontravam-se na fase pós-quimioterapia e 30 (39,0%) na fase pós-radioterapia. Destes, 33 (42,8%) realizavam mais de um tipo de tratamento (Tabela 2).

 

Com base nos achados do odontograma, foram realizados planos de tratamento individuais para cada paciente, dos quais 30 (54,5%) tinham entre quatro e nove consultas previstas, 14 (25,5%) tinham até três consultas previstas e 11 (20,0%) apresentaram mais de dez consultas previstas. Dessas consultas realizadas, 50 (64,9%) pacientes fizeram procedimentos de dentísticas, 46 (59,7%) de periodontia e 37 (48,1%) realizaram procedimentos cirúrgicos (Tabela 2).

 

Um total de 20 (26,0%) pacientes necessitaram de profilaxia antibiótica prévia ao tratamento odontológico e 31 (40,3%) precisaram fazer uso de antibiótico durante o tratamento, seja em forma de cobertura antibiótica (início do uso do antibiótico antes do procedimento, prosseguindo com dose habitual por sete dias), seja para uso convencional do antibiótico para tratamento de alguma infecção bacteriana.

 

Avaliando o odontograma presente nos prontuários, efetuou-se o registro da quantidade de dentes cariados, perdidos e obturados dos pacientes. Ao final, realizou-se a soma dessas variantes e chegou-se ao índice CPO-D de cada paciente. A maior parte da amostra, ou seja, 33 indivíduos (47,8%), apresentou CPO-D maior do que 20, já 29 pacientes (42,0%) tiveram índice entre 10 e 19, e, por último, apenas sete (10,1%) alcançaram CPO-D menor do que 10 (Tabela 3). A média do CPO-D dos pacientes oncológicos foi de 19,57 (±8,56).

Tabela 3. Índice CPO-D dos pacientes oncológicos obtido a partir de dados do prontuário

 

Média (±)

Dentes cariados

3,46 (±4,97)

Dentes perdidos

10,05 (±8,78)

Dentes obturados

6,05 (±5,74)

CPO-D

n (%)

 

 

<10

7 (10,1%)

10-19

29 (42,0%)

20+

33 (47,8%)

 

 

A maioria dos pacientes (49,2%) declarou escovação uma vez ao dia e 23 pacientes (35,4%) duas vezes ao dia. Quando questionados sobre o uso diário de fio dental, 42 (54,5%) pacientes disseram não o utilizar nenhuma vez durante o dia, 30 (39,0%) utilizam uma vez ao dia e cinco (6,5%), duas vezes ao dia (Tabela 4).

 

Tabela 4. Distribuição da frequência de escovação diária e uso de fio dental de pacientes oncológicos

 

n (%)

Frequência diária escovação

 

0

7 (10,8%)

1

32 (49,2%)

2

23 (35,4%)

3+

3 (4,6%)

Frequência diária fio dental

 

0

42 (54,5%)

1

30 (39,0%)

2

5 (6,5%)

 

 

Foi analisada a relação entre o CPO-D encontrado nos pacientes com seus hábitos de higiene oral (escovação e uso de fio dental). Observou-se que o CPO-D com resultado maior do que 20 poderia estar associado ao não uso do fio dental (p = 0,040) (Tabela 5).

 

Tabela 5. Relação do índice CPO-D com higiene oral

 

CPOD

 

 

<10 (%)

10-19 (%)

20+ (%)

p

Frequência diária escovação

 

 

 

 

1

0 (0,0%)

2 (7,7%)

5 (18,5%)

0,839

2

4 (57,1%)

12 (46,2%)

12 (44,4%)

 

3

3 (42,9%)

10 (38,5%)

9 (33,3%)

 

4

0 (0,0%)

1 (3,8%)

0 (0,0%)

 

6

0 (0,0%)

1 (3,8%)

1 (3,7%)

 

Frequência diária fio dental

 

 

 

 

0

2 (28,6%)

13 (44,8%)

23 (69,7%)*

0,040

1

5 (71,4%)*

16 (55,2%)*

8 (24,2%)

 

2

0 (0,0%)

0 (0,0%)

2 (6,1%)

 

*p < 0,05, teste qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Os pacientes oncológicos necessitam de acompanhamento odontológico para a manutenção da qualidade de vida. Apesar de esta casuística ser de 77 pacientes, observa-se, no levantamento de saúde do Brasil, que em 2019 houve a incidência de 123 casos de câncer no Ceará em pessoas maiores de 18 anos16, mostrando que a quantidade de pacientes oncológicos atendidos nessa clínica representa um número expressivo.

 

Desses casos de câncer registrados no Ceará durante o levantamento de saúde realizado em 2019, o sexo feminino representou 62,6% e o sexo masculino, 38,2%. A faixa etária mais afetada foi a de 30 a 59 anos, com 40,5% dos casos, seguida pela faixa etária de 65 a 74 anos, com 25,19%. Nesta pesquisa, foi observado que 55,8% dos pacientes eram do sexo masculino e 44,2% do sexo feminino, dado que corrobora os achados na pesquisa realizada por Bispo et al.32, na qual se observou que 65,6% dos pacientes eram do sexo masculino e 34,4%, do sexo feminino. Além disso, as faixas etárias mais prevalentes entre os pacientes da presente pesquisa foram as de 41 a 50 anos (27,3%) e de 51 a 60 anos (39,0%). Esses resultados estão dentro das três faixas etárias mais prevalentes do estudo de Bispo et al.32, de 40 a 49 anos (18%), de 50 a 59 anos (29,5%) e de 60 a 69 anos (34,4%).

 

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA)33, para o ano de 2023, estima-se no Estado do Ceará que o câncer de próstata seria a neoplasia maligna mais prevalente, com 3.120 casos, sendo exclusivamente do sexo masculino. O segundo câncer mais prevalente seria o de mama com 3.080 casos, sendo contabilizado exclusivamente o do sexo feminino. As outras neoplasias mais prevalentes foram na traqueia/brônquio/pulmão (1.400 casos), estômago (1.460 casos), cólon/reto (1.210 casos), colo do útero (1.030 casos), tireoide (1.190 casos) e cavidade oral (760 casos)33.

 

Este estudo demonstrou que o câncer de boca (19,5%) era o mais prevalente entre os pacientes atendidos na clínica de odontologia. Ao observar os cânceres de faringe e laringe, estes representam 11,7% dos pacientes. Ao juntar esses três tipos de neoplasia maligna, as quais representam o câncer de cabeça e pescoço, tem-se um número mais expressivo ainda. Isso poderia indicar que os cirurgiões de cabeça e pescoço que atendem a esses pacientes oncológicos sabem da importância do tratamento odontológico e, portanto, encaminham os pacientes para esse atendimento especializado. Outro ponto que poderia explicar o maior número de pacientes oncológicos serem aqueles com câncer na região de cabeça e pescoço é o fato de essa região ser campo de atuação do cirurgião-dentista.

 

O câncer de mama foi o segundo câncer mais prevalente, o que pode ser explicado pelo fato de essa neoplasia maligna ser uma das mais prevalentes do Ceará e do Brasil, de acordo com os dados do IBGE17 e do INCA18,33. Outra neoplasia com número considerável foi o mieloma múltiplo, que estava presente em 11,7% dos pacientes desta pesquisa, apesar de ser um câncer raro, responsável por somente 1% das neoplasias malignas34.

 

A presença do mieloma múltiplo como um dos principais cânceres entre os pacientes deste estudo pode ser explicada pelas manifestações orais as quais ele é capaz de causar. São elas: o aumento do sangramento, a maior susceptibilidade a infecções e o risco de desenvolver osteonecrose por uso de medicamentos como os bisfosfonatos35. Necessitando que haja um preparo que gere imunossupressão do paciente receptor, esses pacientes devem passar por uma avaliação odontológica para diagnóstico e tratamento dos problemas orais36.

 

Entre os pacientes oncológicos desta pesquisa, 79,3% faziam uso de uma ou mais medicações sistêmicas de uso contínuo. No estudo de Pinto et al.37, 67,9% dos pacientes oncológicos utilizaram um ou mais medicamentos, entre os quais os mais comuns eram da classe do antipsicótico (22,9%) e do anticonvulsivante (13,2%). Em contrapartida, neste estudo, os medicamentos mais utilizados entre os pacientes oncológicos foram os anti-hipertensivos (29,9%), antineoplásicos (19,5%) e supressores da acidez gástrica (14,3%).

 

Em relação à queixa principal ou motivo da primeira consulta, observa-se que a maioria dos pacientes procurou atendimento odontológico para adequação oral pré-tratamento oncológico (36,4%), o que mostra que esses pacientes estão sendo encaminhados para tratamento odontológico. Com relação à fase do tratamento antineoplásico em que o paciente se encontra no momento que procura o atendimento odontológico com esse objetivo, observa-se que 35,13% estavam na fase pré-transplante medular, 18,91% na pré-quimioterapia, e outros 18,91% na pré-radioterapia.

 

A radioterapia em região de cabeça e pescoço leva a uma ampla gama de morbidades dentárias que dependem tanto de fatores relacionados ao paciente quanto ao tratamento oncológico, todavia a maioria das complicações pode ser evitada com cuidados bucodentários antes, durante e após a radioterapia. O exame odontológico pré-radioterapia é de extrema importância, uma vez que pode diagnosticar risco em potencial, bem como definir o momento mais oportuno para intervenção, reduzindo morbidades ao longo do tempo38.

 

O terceiro maior motivo da procura pelo atendimento odontológico foi a dor. No estudo de Rolim et al.39, 32,8% dos pacientes tiveram como queixa principal a realização de exames e procedimentos curativos, seguido pela dor, que representou 22,4% entre esses pacientes. Diante desses dados e dos da literatura, fica nítido que, para minimizar os efeitos adversos causados na cavidade oral pelas terapias antineoplásicas, principalmente aqueles que causam dor, é necessário que haja uma adequação oral prévia ao tratamento, para estabilizar a saúde oral antes de iniciar com os tratamentos antineoplásicos, buscando evitar o aparecimento de complicações que levem à interrupção do tratamento25.

 

A avaliação odontológica pré-terapia oncológica é a fase mais ideal para a realização de procedimentos orais no paciente22. Esse tratamento odontológico prévio serve para eliminar possíveis complicações orais futuras que provêm das terapias antineoplásicas, complicações estas que podem intervir no sucesso e na continuação da terapia10. Mesmo diante dessa importância, dos pacientes incluídos nesta pesquisa, somente 10,4% do total procuraram atendimento antes da quimioterapia e 11,7%, antes da radioterapia. Porém, não houve entrevistas com os pacientes para saber se os que estavam em tratamento transquimioterapia, transradioterapia ou que já haviam concluído tratamento oncológico fizeram tratamento odontológico prévio a essas terapias, sendo uma limitação deste estudo.

 

Essa procura pelo atendimento odontológico antes do início do tratamento antineoplásico é importante para que sejam observados potenciais problemas orais que possam vir a trazer malefícios para o paciente. Deve haver avaliação de lesões cariosas, endodônticas e periapicais, de reabsorções radiculares, doenças periodontais, lesões de furca, mobilidades dentárias, impactações dentárias e presença de patologias orais22.

 

Dos pacientes avaliados nesta pesquisa, 13 (16,9%) encontravam-se em tratamento quimioterápico e dois (2,6%) em radioterapia. Esses dados podem sugerir que os médicos oncologistas não estão encaminhando com frequência para o atendimento odontológico os pacientes que realizarão quimioterapia. Nesse momento, se o paciente não teve um acompanhamento prévio, os focos de infecção preexistentes poderão induzir complicações intraorais e o desenvolvimento de infecções, que podem vir a interferir na interrupção do tratamento35.

 

O acompanhamento odontológico durante as terapias oncológicas deve se restringir à manutenção da saúde bucal, ao tratamento de efeitos colaterais e ao reforço sobre a importância da higiene oral25. Os efeitos colaterais possíveis de serem tratados durante a terapia oncológica são principalmente mucosite, xerostomia, trismo e infecções oportunistas28. Porém, casos de infecção oral nesses pacientes são tratados como urgência e devem ser debelados.

 

Após o fim da terapia oncológica, os pacientes devem continuar sendo acompanhados por uma equipe de odontologia, pois pode haver o desenvolvimento de complicações orais tardias, como cáries, trismo e osteoneocrose10. Com isso, o cirurgião-dentista deve controlar os efeitos adversos e prevenir ou reduzir o aparecimento de outras complicações, como é o caso da osteonecrose, garantindo a manutenção da saúde bucal28.

 

Foi observado que a maior parte dos pacientes atendidos na clínica encontra-se nas fases pós-quimioterapia (42,9%) e pós-radioterapia (39,0%). Esses resultados sugerem que esses pacientes podem ter realizado tratamento odontológico especializado prévio e foram orientados a continuar realizando acompanhamento odontológico, ou procuraram o atendimento odontológico em razão do surgimento de efeitos adversos orais tardios. Ao procurar atendimento odontológico somente nessa fase do tratamento antineoplásico, é comum que muitas complicações orais estejam presentes, sendo esse fator determinante para a redução da qualidade de vida desses pacientes25.

 

A revisão sistemática e metanálise realizada por Haynes et al.29 destacou os artigos que associaram o atendimento odontológico aos pacientes oncológicos com a melhora da sobrevida, e os atendimentos considerados bons foram associados à maior taxa de sobrevivência em cinco anos.

 

Existem três principais tratamentos oncológicos – quimioterapia, radioterapia e cirurgia –, além do transplante de medula óssea. A radioterapia e a quimioterapia são tratamentos que podem causar efeitos adversos aos tecidos orais em razão da sua toxicidade, afetando a qualidade de vida dos pacientes oncológicos23.

 

Tais efeitos adversos podem aparecer durante ou após o tratamento antineoplásico tanto em pacientes com neoplasias de cabeça e pescoço como nas neoplasias presentes em outros locais tratadas com medidas sistêmicas10. Essas complicações podem ser divididas em agudas e crônicas. As agudas acontecem no decorrer do tratamento, sendo normalmente reversíveis; já as crônicas acontecem após o fim do tratamento, sendo normalmente irreversíveis ou de difícil tratamento10.

 

Cerca de 80% dos pacientes que recebem radioterapia de cabeça e pescoço desenvolvem mucosite, pois a radiação acaba afetando as células basais do epitélio10. Quando é causada pela quimioterapia, as drogas mais envolvidas com o seu surgimento são metotrexato, fluoracil, doxorrubicina, dactinomicina e bleomicina, que podem ter seu efeito potencializado quando associados com fluxoridina, mitomicina, vincristina e vinorelbina23.

 

A mucosite é definida como uma inflamação e ulceração em mucosa bucal, com formação de eritema e sintomatologia dolorosa24, em razão da morte das células basais do epitélio oral, que é causada pela radioterapia ou quimioterapia20. Ela é considerada a reação aguda de maior frequência na radioterapia, quimioterapia e no transplante de medula óssea23. Os locais mais afetados são: orofaringe, assoalho de boca, mucosa jugal, língua e região labial na quimioterapia20.

 

Outra complicação comum é a xerostomia, que consiste na sensação de boca seca que pode estar ou não associada à redução do fluxo salivar10,24. Ela pode ser causada tanto pela quimioterapia como pela radioterapia, pois ambas causam disfunção das glândulas salivares23,25. Em relação à quimioterapia, a droga que mais está associada ao aparecimento desse efeito adverso é a doxorrubicina10; já em relação à radioterapia, as glândulas possuem um limiar de Gray (Gy) de radiação suportado, e, quando esse limiar é ultrapassado, causam danos às glândulas salivares33.

 

A disgeusia e a disfagia também são comumente encontradas. A disgeusia é definida como a perda de paladar, sendo uma das primeiras alterações que acontece durante a radioterapia de cabeça e pescoço, em virtude da atrofia das papilas gustativas associada à xerostomia26. A disfagia é definida como a dificuldade de engolir, podendo estar associada à odinofagia, que é uma sintomatologia dolorosa ao engolir10.

 

A candidíase pseudomembranosa é a infecção fúngica mais comum entre esses pacientes24, sendo causada pela Cândida albicans10. Ela apresenta-se por meio de placas brancas destacáveis, podendo causar dor e sensação de queimação local26. Os principais locais acometidos são a língua e comissura labial20.

 

A herpes simples (HSV-1) é a infecção viral mais comum entre os pacientes oncológicos, podendo levar ao aparecimento de vesículas e bolhas26, além de múltiplas úlceras na mucosa bucal e perioral20.

 

A cárie dentária é um evento adverso crônico causado pela radioterapia de cabeça e pescoço. Ela se desenvolve cerca de três a seis meses após o fim da radioterapia, podendo destruir os elementos dentários dentro de um ano20. Sua prevalência entre os pacientes irradiados é de 25% a 30%, sendo bastante associada à disfunção da glândula parótida35. Esse tipo de cárie é agressivo e com rápida progressão28, tendo seu início nas faces vestibulares e na região cervical dos dentes10.

 

O trismo surge em cerca de 45% dos pacientes irradiados, sendo definido como limitação da abertura bucal por conta da contração dos músculos da mastigação12, causada pela exposição à radiação ionizante da radioterapia26. Essa complicação surge em média três dias após a primeira sessão da radioterapia10.

 

A osteonecrose dos maxilares é uma das manifestações orais mais graves, podendo acontecer por causa da radioterapia e da quimioterapia. Ela é definida como a exposição de osso desvitalizado em região de irradiação, que não cicatriza por um período de no mínimo três meses20. Essa necrose acontece por meio da hipocelularidade, hipovascularização e hipóxia causadas pela radioterapia, levando à redução das atividades osteoblástica e osteoclástica, acometendo mais comumente a mandíbula12. Tal efeito adverso atinge cerca de 10% dos pacientes irradiados, podendo acontecer de forma espontânea ou em razão de traumas, infecções endodônticas e periodontais, sendo mais comum quando a dose de radiação é acima de 60 Gy33. Essa necrose óssea pode aparecer durante o processo radioterápico, porém o período de dois a cinco anos depois do fim da radioterapia mostra maiores taxas de aparecimento após exodontias10.

 

Diante da quantidade de efeitos adversos que podem acometer os pacientes que realizam terapia antineoplásica, observa-se que não foi encontrado no prontuário odontológico um campo específico que avaliasse os efeitos orais das terapias. Visto que os pacientes oncológicos são um público expressivo na clínica, sugere-se incluir uma ficha de oncologia nesses prontuários, que tragam informações sobre quais alterações o paciente apresenta e seus graus de comprometimento na sua qualidade de vida. Essa sugestão também é importante para as instituições de curso de graduação em odontologia que ainda vão implementar a disciplina odontologia para PNE em sua grade curricular obrigatória, como está sendo exigido pela nova resolução do Ministério da Educação de 20215.

 

Dentro desses planos de tratamento dos pacientes deste estudo, 64,9% necessitaram de procedimentos de dentística, 59,7% de procedimentos de periodontia, 48,1% de procedimentos cirúrgicos e 37,7% de procedimentos endodônticos. Outro procedimento realizado pelos pacientes oncológicos avaliados nesta pesquisa foi a laserterapia, a qual foi realizada por 16,9% dos pacientes. A laserterapia de baixa potência ou fotobiomodulação é a aplicação de um laser de diodo com potência relativamente baixa, que age estimulando a atividade das células, promovendo a produção de fatores de crescimentos, proliferação de ceratina e a angiogênese local23. Essa terapêutica tem trazido eficiência na prevenção e no reparo de algumas manifestações orais causadas pelos tratamentos oncológicos25.

 

A aplicação do laser de baixa potência oferece muitos benefícios como a ativação da microcirculação local, angiogênese, efeitos anti-inflamatório e analgésico, estimulação do crescimento e da regeneração celular, produção de colágeno e diminuição do edema23. Entre os eventos adversos causados pela radioterapia e quimioterapia, a laserterapia pode ser utilizada principalmente na mucosite, na xerostomia, na disgeusia, no trismo e na osteonecrose dos maxilares26.

 

Ainda sobre os procedimentos odontológicos realizados nos pacientes oncológicos, observou-se que 26,0% dos pacientes da presente pesquisa precisaram fazer profilaxia antibiótica e 40,3% realizaram antibioticoterapia em algum momento do tratamento odontológico. O uso de antibiótico entre os pacientes oncológicos baseia-se na imunossupressão causada pelas terapias antineoplásicas, que deixa o paciente suscetível a infecções27. Como a maioria dos procedimentos odontológicos gerou bacteremia transitória, o uso de profilaxia antibiótica, ou cobertura antibiótica, pode ser indicado para esses pacientes.

 

Outra consideração é em relação aos pacientes irradiados com risco de desenvolvimento de osteorradionecrose. Quando procedimentos invasivos são realizados, como no caso de exodontias, tratamentos endodônticos e implantes, a antibioticoterapia preventiva é recomendada10. Os estudos sugerem que a administração de antibióticos reduz o risco do surgimento da osteorradionecrose em relação aos casos em que não são utilizados esses medicamentos, sendo os mais utilizados a penicilina e a clindamicina20.

 

Ao mesmo tempo em que a resistência aos antibióticos foi identificada como uma ameaça significativa à saúde pública global, esforços têm sido feitos no desenvolvimento de políticas públicas para garantir que o uso de antibióticos seja mais restrito, haja vista que estudos identificaram cepas com suscetibilidade reduzida a alguns antibióticos. Por outro lado, sua utilização profilática mostrou-se benéfica a partir da correta indicação e seleção medicamentosa adequada40.

 

A condição de saúde bucal dos pacientes oncológicos é determinante para a complicação dos eventos adversos causados pela quimioterapia e radioterapia. O CPO-D é um índice de avaliação de cárie dentária que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), possui seus graus de severidades divididos em: severidade muito baixa (índice entre 0 a 1,1), severidade baixa (entre 1,2 a 2,6), severidade moderada (entre 2,7 a 4,4), severidade alta (índice entre 4,5 a 6,5) e severidade muito alta (índice a partir de 6,6)27.

 

Na pesquisa realizada por Rolim et al.39, foi obtida uma média de CPO-D de 11,46 entre os pacientes oncológicos. Nesta pesquisa, observou-se que 47,8% dos pacientes apresentaram CPO-D maior do que 20, seguido por 42,0% que obtiveram índice entre 10 e 19, e somente 10,1% tiveram CPO-D menor do que 10. Esses dados, juntamente com o que é encontrado na literatura, mostram que a condição de saúde bucal dos pacientes oncológicos necessita de mais atenção.

 

Ainda no estudo de Rolim et al.39, observou-se que 34,5% dos pacientes escovavam os dentes pelo menos uma vez ao dia, enquanto neste estudo verificou-se que 49,2% escovavam pelo menos uma vez ao dia. Em contrapartida, 54,5% dos pacientes deste estudo não utilizavam fio dental nenhuma vez durante o dia. Sendo esse fato um dos possíveis motivos do alto índice de CPO-D entre esses pacientes, a maioria (69,7%) dos pacientes que não fez uso de fio dental apresentou CPO-D maior do que 20, enquanto a maior parte (55,2%) daqueles que usaram pelo menos uma vez ao dia apresentou CPO-D entre 10 e 19.

 

Além disso, no último levantamento nacional de saúde bucal realizado em 2010, na Região Nordeste, o CPO-D na faixa etária de 65 a 74 anos foi de 27,73; na faixa etária de 35 a 44 anos, de 17,23; e na faixa etária de 15 a 19 anos, de 5,01. Ainda sobre o CPO-D, Huang et al.41 observaram que os pacientes oncológicos irradiados apresentaram um maior índice de CPO-D, enquanto os pacientes em quimioterapia, maiores casos de infecção dentária.

 

Outro ponto importante em relação à deficiência da saúde bucal é que estudos apontam sua influência sobre a progressão do câncer, por meio da alteração no desenvolvimento do tumor e na resposta imune do hospedeiro, pois estimula a inflamação crônica, a ativação de neutrófilos, a inibição da apoptose celular e a produção bacteriana de substâncias cancerígenas, como os compostos voláteis de enxofre29.

 

CONCLUSÃO

A maior parte dos pacientes oncológicos atendidos na clínica de PNE do referido estudo era do sexo masculino, na faixa etária de 51 a 60 anos. Quase metade deles buscou atendimento odontológico para adequação oral pré-tratamento oncológico, sendo a fase pré-transplante medular a que mais procurou esse tipo de atendimento. O câncer de cabeça e pescoço (incluindo câncer oral, faringe, laringe e tireoide) foi a neoplasia mais prevalente entre esses pacientes. A maioria dos pacientes desta pesquisa procurou atendimento odontológico após o fim da quimioterapia e da radioterapia, o que pode estar associado ao elevado índice de CPO-D entre esses pacientes.

 

Diante dos resultados, observa-se que o atendimento odontológico ao paciente oncológico é imprescindível para o sucesso do tratamento antineoplásico. Com o crescente número de casos de neoplasias malignas no mundo, os cirurgiões-dentistas devem ser capazes de atender a esse público, sendo essencial a abordagem do atendimento oncológico durante a graduação.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Clarissa Pessoa Fernandes Forte contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e/ou revisão crítica. Evllen do Vale Castro, Ana Beatriz Torres Cavalcante e Paulo Goberlânio de Barros Silva contribuíram na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e/ou revisão crítica. Thinali de Sousa Dantas e Anderson Maia Meneses contribuíram na redação e/ou revisão crítica. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 4/9/2023

Aprovado em 30/10/2023

 

Editor-associado: Daniel Cohen Goldemberg. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0089-1910

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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