ARTIGO DE OPINIÃO

 

Câncer de Mama na População LGBTQIA+

Breast Cancer in the LGBTQIA+ Population

Cáncer de Mama en la Población LGBTQIA+

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n4.4511

 

Maria Julia Gregorio Calas1

 

1Rede D'OR, Clínica São Vicente – Unidade Gávea. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: mariajulia.calas@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-7029-8530

 

Endereço para correspondência: Maria Julia Gregorio Calas. Rua Henrique Oswald, 140, apto. 308 – Copacabana. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 22041-020. E-mail: mariajulia.calas@gmail.com

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é reconhecidamente a doença maligna mais incidente na população feminina, representando 13% de todas as mortes por câncer em mulheres no mundo1-3. Trata-se de um grupo heterogêneo de doenças com comportamentos distintos, observado pelas variadas manifestações clínicas e morfológicas, diferentes assinaturas genéticas e consequentes diferenças nas respostas terapêuticas1-5.

 

A incidência do câncer de mama em mulheres é de uma em cada oito (12,4%), porém o termo “câncer de mama” não abrange apenas as mulheres, atingindo os homens em cerca de 1% dos casos6. Por ser raro o câncer de mama em homens, sugere-se o rastreamento apenas em pacientes de alto risco, incluindo pós-cirurgia de câncer de mama e homens com mutações genéticas comprovadas6.

 

Vale ressaltar, entretanto, que o câncer de mama também pode afetar homens e mulheres transgênero7-10. Transgênero é um termo abrangente para descrever um grupo de diversos indivíduos que cruzam ou transcendem categorias de gênero culturalmente definidas. A população transgênero é composta por indivíduos que possuem incongruência de gênero com o sexo biológico designado ao nascimento, podendo ser masculino, feminino ou não binário (não se identifica nem com sexo masculino nem com sexo feminino, independentemente do sexo biológico ao nascer)7-10.

 

A diversidade de gênero, assim como toda a comunidade LGBTQIA+, é marcada na sociedade por estigmas, ocasionando falhas na assistência à saúde, em virtude principalmente da falta de acesso e do interesse do atendimento médico a essa população7-10.

 

Dados publicados por Spizzirri et al.11 mostram que indivíduos brasileiros com diversidade de gênero representam cerca de 2% da população adulta do Brasil (aproximadamente 3 milhões de pessoas), e estão homogeneamente em todo o país, reiterando a urgência de políticas públicas de saúde para esses indivíduos nas cinco sub-regiões brasileiras11.

 

Em razão do impacto psicológico, físico e emocional do diagnóstico de câncer, vem se observando a necessidade de uma abordagem mais humanizada e informativa para a comunidade LGBTQIA+, especialmente para a população transgênero. Pessoas transgênero e não binárias têm necessidades únicas de cuidados de saúde, e isso ocorre por causa da terapia hormonal de afirmação de gênero e ou intervenções cirúrgicas realizadas por essa população12-18. A relação entre os tratamentos hormonais na transição sexual dos transgêneros femininos e masculinos e a incidência do câncer de mama são ainda discutidas e desconhecidas na literatura12-18.

 

De um lado, o tema pode ser entendido como a necessidade de educar a população sobre a detecção precoce do câncer de mama, porém, de outro, a população é carente de estudos satisfatórios e de significância estatística no que se refere tanto à incidência de câncer de mama quanto às possíveis formas de rastreio19-30.

 

À medida que a comunidade LGBTQIA+ ganha visibilidade e reconhecimento, as disparidades na área de saúde se tornam mais aparentes. Apesar dos esforços para se tornar mais inclusivo, o acesso à saúde dessa população é um desafio, por se tratar de um sistema construído em um modelo binário. Outro grande desafio é a escassez de conhecimento científico e médico. A maioria dos profissionais de saúde recebe pouco ou nenhum treinamento para fornecer cuidados de saúde adequados clínica e culturalmente a esses grupos de pacientes19-30.

 

A incidência de câncer de mama na comunidade LGBTQIA+ é em grande parte desconhecida por causa de inadequadas informações epidemiológicas e da falta de dados de estudos longitudinais. As evidências atuais consistem principalmente em relatos de casos e vários estudos de coorte, todos retrospectivos. Mais pesquisas são necessárias para definir os padrões de atendimento e rastreio do câncer de mama nessa população7,23,24,28.

 

COMO OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE PODEM AJUDAR?

O câncer de mama é uma preocupação global de saúde pública, afetando milhões de pessoas a cada ano. No entanto, a experiência dessa doença pode ser singular para a população LGBTQIA+ que, muitas vezes, enfrenta desafios únicos em relação à saúde18,19.

 

Diante da relevância do assunto e da deficiência de pesquisas e estudos sobre o câncer de mama na população LGBTQIA+, em especial a população transgênero, este artigo de opinião busca destacar a importância de uma abordagem inclusiva no tratamento e na prevenção do câncer de mama na população LGBTQIA+, explorando as disparidades existentes e propondo estratégias concretas para promover uma saúde mais equitativa. São sugeridos, a seguir, cinco tópicos principais.

 

Disparidades na Saúde

Estudos recentes indicam que pessoas LGBTQIA+ enfrentam disparidades significativas na saúde em comparação com a população heterossexual e cisgênero. No contexto do câncer de mama, essas disparidades são agravadas pela falta de conscientização, estigmatização e até mesmo discriminação dentro do sistema de saúde. A comunidade LGBTQIA+ muitas vezes enfrenta barreiras para o acesso aos cuidados de saúde, incluindo exames preventivos e tratamentos7,12,31.

 

Os serviços de saúde, por vezes, não estão adequadamente preparados para lidar com as necessidades específicas dessa população, desde a falta de profissionais treinados em questões LGBTQIA+ até a escassez de recursos informativos voltados para essa comunidade. Isso cria lacunas significativas na prevenção e no tratamento do câncer de mama, tornando essencial a criação de estratégias específicas para superar esses desafios7,12,31.

 

Fatores de Risco Específicos

Além das barreiras no acesso aos cuidados de saúde, com um rastreamento irregular, alguns fatores de risco específicos podem aumentar a vulnerabilidade da população LGBTQIA+ ao câncer de mama. Estes incluem taxas mais altas de tabagismo, consumo excessivo de álcool, obesidade e falta de atividade física, todos associados ao desenvolvimento do câncer de mama. Ademais, as terapias de afirmação de gênero pela população transgênero têm um impacto desconhecido no risco e no rastreamento do câncer, associado ao desconhecimento do papel de fatores de risco comportamentais e ambientais, uma vez que a comunidade transgênero não foi bem representada em um sistema de saúde construído em um modelo binário14,19,24.

 

É imperativo que as campanhas de conscientização e prevenção sejam adaptadas para abordar esses fatores específicos, levando em consideração as particularidades da comunidade LGBTQIA+. Iniciativas direcionadas à redução do tabagismo, à promoção de estilos de vida saudáveis e ao acesso a programas de atividade física podem desempenhar um papel fundamental na mitigação desses fatores de risco14,19,24.

 

Desafios Psicossociais

O estigma social, a falta de apoio adequado e as disparidades econômicas podem levar a níveis mais altos de estresse, ansiedade e depressão, afetando negativamente a saúde física. Esses fatores podem dificultar a busca por cuidados preventivos e a adesão aos tratamentos, impactando diretamente os resultados do câncer de mama12,26,32.

 

É necessário incorporar uma abordagem holística ao cuidado, considerando não apenas os aspectos físicos, mas também os emocionais e psicológicos. A implementação de programas de apoio psicossocial específicos para a comunidade LGBTQIA+ pode ser um passo importante na promoção de uma jornada mais resiliente e positiva durante o tratamento do câncer de mama12,26,32.

 

Promoção de Conscientização e Educação

É fundamental que os profissionais de saúde estejam sensibilizados para as questões específicas enfrentadas por essa comunidade, oferecendo um ambiente seguro e inclusivo para o tratamento. Além disso, programas de conscientização devem ser implementados para educar a população LGBTQIA+ sobre a importância da detecção precoce, levando em consideração as suas experiências únicas20,28,33,34.

 

As campanhas de conscientização devem ir além da simples disseminação de informações, englobando narrativas inclusivas que reflitam a diversidade da comunidade LGBTQIA+. O uso de mídias sociais, eventos comunitários e parcerias com organizações LGBTQIA+ são estratégias eficazes para alcançar uma audiência mais ampla e disseminar mensagens pertinentes20,28,33,34.

 

Inclusão nos Estudos de Pesquisa

Para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e tratamento, é crucial incluir a população LGBTQIA+ nos estudos de pesquisa sobre câncer de mama. A falta de dados específicos impede a compreensão completa das necessidades dessa comunidade e limita a eficácia das intervenções9,10,18,23,35.

 

A pesquisa inclusiva não só preenche essas lacunas de conhecimento, mas também capacita a comunidade médica e científica a desenvolver abordagens mais personalizadas e efetivas. Incentivar a participação ativa da população LGBTQIA+ em pesquisas clínicas e epidemiológicas é essencial para criar um corpo robusto de evidências que orientará as melhores práticas de prevenção e de tratamento9,10,18,23,35.

 

CONCLUSÃO

A falta de diretrizes formais de triagem na população LGBTQIA+ e o despreparo dos profissionais de saúde em fornecer cuidados de saúde adequados a essa população estão descritos na literatura em geral.

 

A abordagem do câncer de mama na população LGBTQIA+ exige uma mudança fundamental no paradigma de saúde, com foco na inclusão, sensibilidade cultural e conscientização. Superar as barreiras de acesso aos cuidados de saúde, abordar os fatores de risco específicos e promover a educação são passos cruciais para garantir que todos, independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero, tenham acesso igualitário ao diagnóstico e tratamento adequados.

 

É indiscutível a necessidade de ações com abordagens inclusivas, no sistema público de saúde, promotoras de uma educação continuada para os profissionais de saúde, trabalhando com o objetivo de eliminar as disparidades existentes e garantir uma saúde mais equitativa para a população LGBTQIA+.

 

 

CONTRIBUIÇÃO

Maria Julia Gregorio Calas participou de todas as etapas da construção do artigo, desde a sua concepção até a aprovação da versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 15/12/2023

Aprovado em 15/12/2023

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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