Cuidado Farmacêutico ao Paciente da Oncopediatria: Construção de Cartilhas Educativas para o Tratamento das Leucemias Linfoblásticas Agudas
Pharmaceutical Care to The Pediatric Oncology Patient: Construction of Educational Booklets for a Treatment of Acute Lymphoblastic Leukemia
Atención Farmacéutica al Paciente Oncológico Pediátrico: Construcción de Folletos Educativos para el Tratamiento de la Leucemia Linfoblástica Aguda
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n2.4578
Thuane Sales Gonçalves1; Lídia Freitas Fontes2; Ana Virgínia Lopes de Sousa3; Mariana Martins Gonzaga do Nascimento4; Paulo Caleb Júnior de Lima Santos5
1,5Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Escola Paulista de Medicina (EPM). São Paulo (SP), Brasil. E-mails: thuane.sales@unifesp.br; paulo.caleb@unifesp.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1163-2225; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8297-0793
2,4Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Faculdade de Farmácia (Fafar). Belo Horizonte (MG), Brasil. E-mails: lidiaffontes@gmail.com; marianamgn@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-3860-2408; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2183-4365
3Unifesp, Instituto de Oncologia Pediátrica (IOP). São Paulo (SP), Brasil. E-mail: analopes@graacc.org.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-8479-6322
Endereço para correspondência: Thuane Sales Gonçalves. Rua Três de Maio, 100 – Vila Clementino. São Paulo (SP), Brasil. CEP 04044-020. E-mail: thuane.sales@unifesp.br
RESUMO
Introdução: Pacientes pediátricos com leucemia linfoblástica aguda (LLA), considerado o câncer infantil mais comum, demandam cuidado complexo, que inclui uma terapêutica com múltiplas etapas e de difícil compreensão pela população em geral. Nesse contexto, o déficit de conhecimento em saúde foi identificado como uma das causas da diminuição da autoeficácia em saúde, podendo impactar adversamente o tratamento das doenças. Portanto, torna-se imperativa a adoção de estratégias que possam efetivamente auxiliar os pacientes e seus cuidadores para aprimorar seus conhecimentos sobre o processo terapêutico da LLA. Objetivo: Descrever a elaboração e o contexto de utilização de um material educativo direcionado aos cuidadores e pacientes pediátricos diagnosticados com LLA, submetidos ao protocolo de tratamento ALL IC-BFM 2009. Método: Estudo descritivo da elaboração de cartilhas abordando detalhes sobre cada um dos medicamentos a serem administrados durante o referido protocolo. A confecção das cartilhas foi conduzida por uma farmacêutica, revisada por uma médica oncologista pediátrica e um segundo farmacêutico. Realizou-se, também, a análise da legibilidade textual por meio do software ALT®. Resultados: Foram confeccionadas sete cartilhas, cada uma relacionada a uma fase do protocolo de LLA. As cartilhas apresentaram alta legibilidade, com um texto considerado simples, contendo em média 21,5% de palavras complexas. Conclusão: Acredita-se que o material elaborado pode apoiar o uso apropriado de medicamentos para crianças em tratamento de LLA, podendo ser aprimorado ou adaptado para novos cenários e realidades.
Palavras-chave: Educação em Saúde; Prospecto para Educação de Pacientes; Pediatria/educação; Leucemia-Linfoma Linfoblástico de Células Precursoras; Relações Profissional-Paciente.
ABSTRACT
Introduction: Pediatric patients with Acute Lymphoblastic Leukemia (ALL), the most common childhood cancer, require complex care, including multi-step therapy that may be challenging for the general population to comprehend. In this context, the lack of health literacy was identified as one of the causes of decreased health self-efficacy, with potential negative impacts on the treatment of diseases. Therefore, it is imperative to adopt strategies that can effectively assist patients and their caregivers in enhancing their knowledge about the therapeutic process of ALL. Objective: To describe the development and context of use of an educational material aimed at caregivers and pediatric patients diagnosed with ALL, undergoing the ALL IC-BFM 2009 treatment protocol. Method: Descriptive study on the preparation of booklets covering details about each of the medications to be administered during the mentioned protocol. The creation of the booklets was conducted by a pharmacist, reviewed by a pediatric oncologist, and further assessed by a second pharmacist. An analysis of textual readability was also conducted using the ALT© software. Results: Seven booklets were created, each corresponding to a phase of the LLA protocol. The booklets exhibited high readability, with text deemed simple, containing an average of 21.5% of complex words. Conclusion: It is believed that the material created can support the proper use of medications for children undergoing ALL treatment and can be enhanced or adapted to new scenarios and realities.
Key words: Health Education; Patient Education Handout; Pediatrics/education; Precursor Cell Lymphoblastic Leukemia-Lymphoma; Professional-Patient Relations.
RESUMEN
Introducción: Pacientes pediátricos con Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA), el cáncer infantil más común, requieren cuidados complejos, que incluye una terapia de múltiples pasos difícil de entender para la población general. En este contexto, la falta de conocimiento en salud fue identificada como una de las causas de la disminución de la autoeficacia en salud, lo que podría impactar negativamente en el tratamiento de las enfermedades. Por lo tanto, es imperativo adoptar estrategias que puedan ayudar eficazmente a los pacientes y sus cuidadores a mejorar sus conocimientos sobre el proceso terapéutico de la LLA. Objetivo: Describir la elaboración y contexto de uso de un material educativo dirigido a cuidadores y pacientes pediátricos diagnosticados con LLA, sometidos al protocolo de tratamiento ALL IC-BFM 2009. Método: Estudio descriptivo sobre la elaboración de folletos que detallan cada uno de los medicamentos a ser administrado durante dicho protocolo. La creación de los folletos fue realizada por una farmacéutica, revisada por una oncóloga pediatra y un segundo farmacéutico. Además, se llevó a cabo un análisis de legibilidad textual mediante el software ALT©. Resultados: Se crearon siete folletos, cada uno asociado a una fase del protocolo ALL. Los folletos mostraron alta legibilidad, con un texto considerado simple y que contenía un promedio de 21,5% de palabras complejas. Conclusión: Se cree que el material creado puede respaldar el uso adecuado de medicamentos para niños en tratamiento contra la LLA y puede ser mejorado o adaptado a nuevos escenarios y realidades.
Palabras clave: Educación en Salud; Folleto Informativo para Pacientes; Pediatría/educación; Leucemia-Linfoma Linfoblástico de Células Precursoras; Relaciones Profesional-Paciente.
INTRODUÇÃO
A leucemia é o tumor maligno mais frequente na faixa etária de 0 a 19 anos, correspondendo a cerca de 25% a 35% dos casos de câncer infantil. Destaque-se que, entre os quatro principais grupos de leucemia, a leucemia linfoblástica aguda (LLA) é a mais predominante, representando aproximadamente 75% dos diagnósticos nesse espectro etário1,2.
Nesse contexto, vale ressaltar os desafios enfrentados pelos pacientes pediátricos com câncer. Os impactos negativos se manifestam em diversas esferas, resultando das reservas fisiológicas comprometidas pela natureza da doença, da toxicidade inerente ao tratamento, dos aspectos psicossociais associados ao processo de adoecimento e das mudanças no cotidiano que repercutem diretamente no núcleo familiar3,4. Ademais, há que se considerar a complexidade dos regimes terapêuticos atuais adotados para o tratamento da LLA que contam com múltiplos medicamentos quimioterápicos e de suporte que são administrados em diferentes contextos, inclusive no ambiente domiciliar2.
O protocolo quimioterápico mais comumente empregado no tratamento da LLA em crianças é o desenvolvido pelo grupo de estudo Berlin-Frankfurt-Münster (BFM), em sua versão de 2009, denominado ALL IC-BFM 2009: A Randomized Trial of the I-BFM-SG for the Management of Childhood non-B Acute Lymphoblastic Leukemia. O esquema terapêutico preconizado pelo ALL IC-BFM 2009 é adaptado conforme o risco de recidiva da doença e demonstrou uma alta taxa de sobrevida global. No entanto, trata-se de um protocolo complexo e extenso, envolvendo a combinação de 13 medicamentos quimioterápicos em diferentes formas e doses, ao longo de cinco fases – a saber: indução, intensificação precoce, consolidação, reindução e manutenção – que compreendem um total de 104 semanas de tratamento5-7.
Diante de tal perfil de tratamento, torna-se imperativa a adoção de estratégias que possam efetivamente auxiliar os pacientes e seus cuidadores ao longo do tempo. Isso porque o déficit de conhecimento em face à saúde foi identificado como uma das causas da diminuição da autoeficácia em saúde. Quando o indivíduo possui menos entendimento sobre as práticas necessárias para cuidar de sua saúde, sua percepção de autoeficácia tende a ser reduzida. Isso impacta adversamente sua compreensão acerca de suas próprias capacidades, das habilidades que já possui, ou mesmo do potencial para adquirir novas competências8,9.
Vale ressaltar ainda que a compreensão acerca do tratamento farmacológico também é crucial para a adesão do paciente e pode impactar significativamente nos desfechos clínicos10-13. Fatores como a educação do paciente e o uso de uma linguagem clara podem melhorar a compreensão e, por sua vez, a adesão13. Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo descrever a elaboração de material informativo em formato de cartilhas, direcionado aos cuidadores e pacientes pediátricos diagnosticados com LLA e que foram submetidos a tratamento quimioterápico conforme o protocolo ALL IC-BFM 2009.
MÉTODO
Estudo descritivo sobre a elaboração de cartilhas, desenvolvido em um ambulatório de oncologia pediátrica, localizado na cidade de São Paulo, SP, Brasil. Foram elaboradas diferentes cartilhas referentes às etapas do protocolo ALL IC-BFM 2009 com a finalidade de fornecer suporte para crianças com LLA e seus cuidadores acerca do tratamento farmacológico.
Para tal, incialmente, procedeu-se com o estudo aprofundado do protocolo ALL IC-BFM 2009, conforme utilizado na instituição em estudo. Posteriormente, realizou-se uma revisão da literatura sobre os aspectos mais relevantes em termos de indicação, segurança e modo de administração de cada um dos medicamentos utilizados no referido protocolo, nas bases de dados Micromedex® e LexiComp®.
Após a avaliação da literatura, a redação do texto corrido de cada uma das cartilhas foi conduzida por uma farmacêutica atuante na área de cuidado farmacêutico em oncologia, seguida de uma revisão realizada por uma médica-oncologista pediátrica e um segundo farmacêutico com ampla experiência na área de cuidado farmacêutico. Após a incorporação das sugestões de aprimoramento dos revisores no texto, deu-se início à elaboração das cartilhas.
As cartilhas foram confeccionadas utilizando o software Microsoft PowerPoint®, sendo produzida uma cartilha específica para cada fase do protocolo quimioterápico. Quando necessário, foram elaboradas diferentes versões para uma mesma fase, considerando as variações no esquema de medicamentos de acordo com o risco do paciente. Além do conteúdo textual validado pelos colaboradores, foram utilizadas ilustrações nas cartilhas destinadas a facilitar a compreensão das informações e aproximar o conteúdo do contexto pediátrico. As ilustrações foram cuidadosamente selecionadas, editadas ou, quando necessário, totalmente desenvolvidas pela farmacêutica responsável pela confecção das cartilhas. Ao final do processo, as cartilhas passaram por uma nova avaliação e validação dos colaboradores envolvidos na primeira etapa.
Por fim, o texto final de cada cartilha foi submetido à análise de legibilidade por meio do software ATL®14. Esse software fornece o resultado da legibilidade de um texto por meio da média aritmética de quatro índices que operam na escala de nível de instrução, conforme a equação abaixo:
Resultado = (FK + GF + ARI + CL)
Onde:
FK = Nível de Instrução de Flesch-Kincaid; GF = Índice de Nebulosidade de Gunning; ARI = Índice de Legibilidade Automatizado; CL = Índice de Coleman-Liau.
O resultado do nível de legibilidade é dado por um valor que se situa entre 5 e 20 e pode ser classificado em três graus: abaixo de 13 pontos, alta legibilidade; entre 13 e 17 pontos, média legibilidade; e resultado igual ou superior a 17 pontos, baixa legibilidade15. Os textos que obtivessem baixa legibilidade seriam revisados com o intuito de avaliar a pertinência da substituição dos termos considerados complexos por alternativas mais simples e de fácil compreensão, quando possível.
O conteúdo das cartilhas, bem como seu nível de legibilidade foram descritos. Além disso, também foi apresentado o contexto no qual as cartilhas eram introduzidas aos pacientes e seus cuidadores.
Em consonância com os preceitos éticos, esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sob o número de parecer 6129438 (CAAE: 27115319.4.0000.5505), com base na Resolução n.º 466/201216 do Conselho Nacional de Saúde, e pelo Comitê Científico do Hospital do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc) (IOP-008/2021).
RESULTADOS
Foi confeccionado um total de sete cartilhas, sendo duas para a fase de indução, uma para a fase de intensificação precoce, duas para a fase de consolidação, uma para a fase de reindução e uma para a fase de manutenção.
Na Tabela 1, foi detalhado o resultado das análises de legibilidade textual de cada cartilha confeccionada. De maneira geral, as cartilhas apresentaram “alta legibilidade”, sendo o texto considerado simples, com uma média de 21,5% de palavras consideradas complexas. A cartilha com maior legibilidade foi a referente à etapa de “manutenção”; e a de menor legibilidade foi aquela relativa à “reindução”.
Tabela 1. Análise de legibilidade textual, por cartilha
Itens avaliados |
Cartilha |
|||||
Indução (protocolo IA’ e IA) |
Intensificação precoce (protocolo IB) |
Consolidação (protocolo M) |
Consolidação (blocos HR) |
Reindução (protocolo II) |
Manutenção |
|
Índice de facilidade de leitura de Flesch |
38,3 |
41,7 |
42,9 |
39,7 |
39,0 |
45,6 |
Índice Gulpease |
54,5 |
55,4 |
56,4 |
54,3 |
54,1 |
57,3 |
Nível de graduação de Flesch-Kincaid |
12,5 |
12,0 |
11,7 |
12,4 |
12,6 |
11,2 |
Índice de nebulosidade de Gunning adaptado |
12,4 |
11,8 |
11,3 |
12,7 |
12,8 |
11,3 |
Índice de legibilidade automatizado (ARI) |
11,5 |
11,1 |
10,7 |
11,6 |
11,7 |
10,4 |
Índice de Coleman-Liau |
13,5 |
13,0 |
12,8 |
13,2 |
13,2 |
12,5 |
Letras |
5.433 |
5.026 |
4.076 |
9.344 |
7.504 |
4.423 |
Sílabas |
2.422 |
2.233 |
1.815 |
4.163 |
3.356 |
1.961 |
Palavras |
1.019 |
959 |
782 |
1.775 |
1.427 |
857 |
Sentenças |
64 |
60 |
51 |
106 |
84 |
57 |
Letras/ palavra |
5,3 |
5,2 |
5,2 |
5,3 |
5,3 |
5,2 |
Sílabas/ palavra |
2,4 |
2,3 |
2,3 |
2,3 |
2,4 |
2,3 |
Palavras/ sentença |
15,9 |
16,0 |
15,3 |
16,7 |
17,0 |
15,0 |
Palavras complexas |
199 (20,8%) |
199 (20,8%) |
155 (19,8%) |
421 (23,7%) |
337 (23,6%) |
176 (20,5%) |
Resultado final |
12 – Alta legibilidade |
12 – Alta legibilidade |
12 – Alta legibilidade |
12 – Alta legibilidade |
13 – Média legibilidade |
11 – Alta legibilidade |
Nota: As cartilhas de indução do protocolo IA’ e do IA diferem apenas quanto à quantidade de administrações de um determinado quimioterápico, não interferindo no conteúdo do texto. Logo, por possuírem o mesmo texto, ambas as cartilhas foram consideradas como uma unidade de análise.
As cartilhas foram identificadas em suas capas com o nome da fase específica do tratamento e o protocolo em questão. No topo das páginas iniciais, uma linha do tempo (Figura 1) foi disposta para indicar precisamente em qual ponto do protocolo a fase em questão estava situada.
Figura 1. Linha do tempo com as fases do protocolo
Na primeira página de cada cartilha, foi elaborado um diagrama, assemelhando-se a um jogo de tabuleiro, delineando o percurso que a criança faria durante aquela fase e destacando quais seriam os dias de quimioterapia (Figura 2). Adjacente a isso, uma tabela fornecia detalhes sobre quais medicamentos seriam administrados em cada um dos dias. Nas páginas subsequentes, informações relativas à indicação, principais eventos adversos e orientações sobre a administração de cada um dos medicamentos foram incluídos.
Figura 2. Diagrama com o percurso da fase de indução
Ao final de cada cartilha, foram inseridas informações gerais sobre o uso de medicamentos no contexto domiciliar. Estas incluíam orientações sobre os locais mais apropriados para armazenamento, a importância de observar rigorosamente os horários de administração, considerações acerca de medicamentos que necessitam de jejum, entre outros pontos pertinentes. Adicionalmente, foram detalhadas informações sobre sinais de alerta que demandariam a atenção imediata do cuidador, sendo sinalizado que, mediante sua manifestação, era imperativo encaminhar a criança imediatamente ao serviço de pronto atendimento da instituição.
Durante as consultas farmacêuticas, a cartilha desempenhava um papel fundamental como ferramenta educativa, elucidando a dinâmica da fase de tratamento que se iniciava. Isso incluía informações sobre a duração da fase, os dias programados para a administração da quimioterapia e os medicamentos a serem utilizados. O objetivo desse processo era envolver tanto o paciente quanto seu cuidador, incentivando as crianças a explorar ativamente o conteúdo das cartilhas ao lado do cuidador.
A farmacêutica, então, abordava também verbalmente, durante a consulta, aspectos relevantes sobre cada um dos medicamentos prescritos para aquela fase específica. Um momento era reservado para permitir que o cuidador esclarecesse todas as suas dúvidas referentes à nova etapa do tratamento.
Ao término da consulta, as cartilhas eram entregues ao responsável pelas crianças menores de 12 anos, garantindo sua correta conservação e disponibilidade para consulta futura durante o tratamento.
DISCUSSÃO
Os pacientes oncológicos demandam um cuidado complexo e multidisciplinar com profissionais que possam atuar em diferentes frentes com o intuito de proporcionar os melhores resultados terapêuticos possíveis17. O protocolo ALL IC-BFM 2009 reflete bem esse cenário, uma vez que cada uma de suas fases demanda cuidados específicos em razão das diferentes combinações de quimioterápicos em esquemas precisamente delineados, ajustes de dose criteriosos e um monitoramento constante dos parâmetros clínicos e laboratoriais. Além disso, em todas as fases, há pelo menos um medicamento que deve ser administrado no contexto domiciliar, além dos medicamentos de suporte à quimioterapia que são comumente prescritos, tais como analgésicos, antieméticos e antimicrobianos. A extensão temporal e a complexidade do protocolo ressaltam a necessidade de uma abordagem interprofissional e de uma gestão cuidadosa para otimizar os desfechos clínicos e minimizar possíveis complicações5-7.
Outro ponto de atenção é a potencial falta de adesão ao tratamento que pode culminar na ausência de resultados clínicos favoráveis, tornando imprescindíveis o desenvolvimento de estratégias que tenham como o objetivo a manutenção e o uso correto dos medicamentos. Algumas atividades no contexto do cuidado farmacêutico são capazes de contribuir de forma positiva para a adesão do tratamento, tais como: auxílio na compreensão da prescrição e forma de uso de medicamentos; informação e manejo de eventos adversos; auxílio no estabelecimento de rotinas considerando os regimes posológicos; construção de relações e parcerias; compreensão da experiência prévia e subjetiva em relação ao uso dos medicamentos, entre outras3.
Nesse contexto, os materiais educativos impressos têm sido utilizados como ferramenta de educação em saúde para facilitar o conhecimento, desmistificar abordagens e concepções errôneas de uma determinada temática social, cultural, política e aspectos relacionados à saúde humana. O instrumento impresso auxilia como fonte de orientações, constituindo-se como um recurso que a pessoa poderá recorrer na ausência do profissional capacitado18,19. Dessa forma, os recursos educativos passam a ser incorporados em todos os níveis de assistência, e por vários profissionais, inclusive o profissional farmacêutico, destacando a importância de preparar e orientar pais, familiares e cuidadores quanto à farmacoterapia20.
Além disso, é importante mencionar que pacientes, quando munidos de informações adequadas, motivação e encorajamento, são capazes de observar e reconhecer erros na administração de medicamentos, tal como evidenciado em uma revisão de literatura conduzida por Schwappach et al.21 Assim, os pacientes e seus cuidadores podem ser um recurso valioso nas estratégias que visam à prevenção de erros de medicação.
No contexto da pediatria, a legibilidade textual é um fator de extrema relevância e que deve ser considerado durante o processo de confecção de materiais informativos, uma vez que é preciso assegurar que informações técnicas sejam compreensíveis para crianças e adolescentes. Contudo, os folhetos informativos utilizados em estudos pediátricos frequentemente carecem de legibilidade, apresentando uma diferença significativa em relação aos textos de referência na área pediátrica22,23.
Um estudo conduzido por Ménoni et al.23 avaliou a legibilidade textual de folhetos informativos em pediatria. Foi identificada uma pontuação mediana igual a 40 no índice de Flesch, e apenas 14% dos folhetos avaliados possuíam ilustrações. No presente estudo, todas as cartilhas desenvolvidas contaram com ilustrações, uma vez que essa estratégia visa preencher a lacuna acerca da dificuldade de alcançar a legibilidade textual dos materiais de pesquisa em pediatria, contribuindo para uma comunicação mais eficaz e acessível no contexto médico infantil. E, de maneira semelhante, obteve-se uma mediana igual a 40,7 no índice de legibilidade de Flesch.
Com o intuito de comparação, os criadores do software ALT®14 conduziram e disponibilizaram a avaliação da legibilidade em diferentes tipos de textos. Para ilustrar, utilizaram-se as análises realizadas nos textos de João e Maria, Pinóquio e O Patinho Feio, os quais apresentaram níveis de graduação no Índice de Flesch-Kincaid de 8,9, 8,3 e 6,7, e resultados finais de 10, 9 e 8, respectivamente15,24. Esses resultados evidenciam a elevada legibilidade desses textos infantis. Essas cartilhas alcançaram uma média de 12,07 no Índice de Flesch-Kincaid e uma pontuação final média de 12, indicando uma alta legibilidade textual, mesmo abordando conteúdos de natureza técnica.
Em síntese, o acompanhamento de crianças com câncer exige a presença de profissionais que não apenas possuam habilidades técnicas e conhecimentos específicos, mas que também expressem empatia e se envolvam ativamente com o paciente e seus familiares. Essa interação facilita a identificação das reais necessidades físicas e psicossociais do paciente, permitindo, assim, a elaboração de um plano de cuidados personalizado que atenda às suas necessidades individuais.
CONCLUSÃO
Este estudo descreveu o processo de confecção de cartilhas educativas com alta legibilidade textual e ilustrações sobre o protocolo quimioterápico ALL IC-BFM 2009, além do seu contexto de utilização, com o intuito de facilitar o conhecimento, estimular a adesão, motivação e o engajamento dos pacientes e seus cuidadores durante o tratamento da LLA. Entretanto, não foi objetivo do presente estudo avaliar o impacto do uso das cartilhas entre pacientes e cuidadores, sendo sugerido que estudos futuros o façam. Ademais, não foram realizados testes de usabilidade das cartilhas antes de sua utilização, o que poderia fornecer insights valiosos sobre a efetividade e a experiência dos usuários com o material educativo. Espera-se ainda que esta pesquisa incentive a criação de materiais educativos em variados formatos, visando atender às necessidades dos familiares quanto ao uso adequado de medicamentos para crianças em tratamento de leucemia, podendo ser aprimorados ou adaptados para novos cenários e realidades.
AGRADECIMENTOS
Ao hospital do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC) por disponibilizar os meios para que este estudo pudesse ocorrer, além de todos os profissionais de saúde, cuidadores e pacientes envolvidos neste projeto.
CONTRIBUIÇÕES
Thuane Sales Gonçalves contribuiu na concepção e delineamento do estudo, bem como na redação do manuscrito. Lídia Freitas Fontes contribuiu na redação do manuscrito. Ana Virgínia Lopes de Sousa, Paulo Caleb Júnior de Lima Santos e Mariana Martins Gonzaga do Nascimento contribuíram na revisão crítica. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Código de financiamento 001.
REFERÊNCIAS
1. Instituto Nacional de Câncer. Câncer no Brasil: dados dos registros de base populacional. Rio de Janeiro: Coordenação de Educação CEDEC; 2010.
2. Melaragno R, Carmargo B. Oncologia pediátrica - diagnóstico e tratamento. 1. ed. São Paulo: Atheneu; 2013.
3. Lima Santos PCJ. Cuidado farmacêutico aos pacientes com câncer, hepatite, HIV/AIDS, dengue e outras doenças. 1. ed. São Paulo: Atheneu; 2019.
4. Mutti CF, Paula CCD, Souto MD. Assistência à saúde da criança com câncer na produção científica brasileira. Rev Bras Cancerol 2010;56(1):71-83. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2010v56n1.1537
5. Campbell M, Kiss C, Zimmermann M, et al. Childhood acute lymphoblastic leukemia: results of the randomized acute lymphoblastic leukemia intercontinental-Berlin-Frankfurt-Münster 2009. Trial J clin oncol. 2023;41(19):3499-3511. doi: https://doi.org/10.1200/JCO.22.01760
6. Nath UK, Chattopadhyay D, Bakliwal A, et al. Encouraging results with ALL IC-BFM 2009 protocol therapy in pediatric acute lymphoblastic leukemia/lymphoma in resource-limited setting: a single-center study from India. Blood. 2019;134:5118.
7. Trujillo AM, Linares Ballesteros A, Sarmiento IC. Intensive chemotherapy in children with acute lymphoblastic leukemia. Interim analysis in a referral center in Colombia. Rev Fac Med. 2016;64:417.
8. Bandura A. Social foundations of thought and action: a social cognitive theory. Englewood Cliffs: Prentice-Hall; 1986.
9. Barreiro RG, Lopes MVDO, Cavalcante LDP. Middle-range theory for the nursing diagnosis of low self-efficacy in health. Rev Bras Enferm. 2020;73:e20190370.
10. Blaschke TF, Osterberg L, Vrijens B, et al. Adherence to medications: insights arising from studies on the unreliable link between prescribed and actual drug dosing histories. Annu Rev Pharmacol Toxicol. 2012;52:275-301.
11. Julius RJ, Novitsky MA, Dubin WR. Medication adherence: a review of the literature and implications for clinical practice. J psychiatr pract. 2009;15(1):34-44.
12. Krueger KP, Berger BA, Felkey B. Medication adherence and persistence: a comprehensive review. Adv Therapy. 2005;22:313-56.
13. O’Brien MK, Petrie K, Raeburn J. Adherence to medication regimens: updating a complex medical issue. Med Care Rev. 1992;49(4):435-54.
14. ATL Software [Internet]. Santo Domingo: ATL Software; 2006. [acesso 2023 dez 15]. Disponível em: https://atl-software.net/en/atl-software/
15. Moreno GCL, Souza MPM, Hein N, et al. ALT: Um software para análise de legibilidade de textos em língua portuguesa. Policromias. 2023;8(1):91-128.
16. Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2013 jun 13; Seção I:59.
17. Coutsouvelis J, Corallo CE, Dooley MJ, et al. Implementation of a pharmacist-initiated pharmaceutical handover for oncology and haematology patients being transferred to critical care units. Support Care Cancer. 2010;18(7):811-6.
18. Oliveira SC, Lopes MVO, Fernandes AFC. Development and validation of an educational booklet for healthy eating during pregnancy. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(4):611-20. doi: https://doi.org/10.1590/0104-1169.3313.2459
19. Santos SLF, Torres Mormino KBN, Alves HHDS, et al. Uso seguro de medicamentos em gestantes: construção e validação de uma cartilha educativa. REAS/EJCH. 2020;(49):e3274. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e3274.2020
20. Costa CIA, Pacheco STDA, Soeiro G, et al. Temas para construção de material educativo sobre alimentação da criança com leucemia. Rev Bras Cancerol. 2022;68(1):e-231821. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2022v68n1.1821
21. Schwappach DLB. Review: engaging patients as vigilant partners in safety: a systematic review. Med Care Res Rev. 2010;67(2):119-48. doi: https://doi.org/10.1177/1077558709342254
22. Grootens-Wiegers P, Vries MC, Vossen TE, et al. Readability and visuals in medical research information forms for children and adolescents. Sci commun. 2015;37(1):89-117. doi: https://doi.org/10.1177/1075547014558942
23. Ménoni V, Lucas N, Leforestier J-F, et al. Readability of the Written Study Information in Pediatric Research in France. PLOS ONE. 2011;6(4):e18484.
24. Moreno GCL, Souza MPM, Hein N, et al. ALT: um software para análise de legibilidade de textos em língua portuguesa [Preprint]. 2022. [postado 2022 mar 23, revisado 2023 ago 27]. doi: https://doi.org/10.48550/arXiv.2203.12135
Recebido em 22/2/2024
Aprovado em 22/5/2024
Editor-associado: Mario Jorge Sobreira da Silva. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0477-8595
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado.