ARTIGO ORIGINAL
Risco de Sarcopenia e Toxicidade Gastrointestinal de Pacientes Idosos em Quimioterapia
Risk of Sarcopenia and Gastrointestinal Toxicity of Older Patients Undergoing Chemotherapy
Riesgo de Sarcopenia y Toxicidad Gastrointestinal de Pacientes Ancianos Sometidos a Quimioterapia
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n2.4606
Hellba Karts Maria e Silva1; Lilian de Souza Cavalcante2; Giovanna Andrade Souza Almeida3; Jarson Pedro da Costa Pereira4; Marcella Campos Lima da Luz5
1,2,5Universidade Federal de Pernambuco, Hospital das Clínicas de Pernambuco. Recife (PE), Brasil. E-mails: hellbakarts@gmail.com; lilian.2610@hotmail.com; cellacamposlima@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2880-8426; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1887-8917; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9226-1387
3,4UFPE, Departamento de Nutrição. Recife (PE), Brasil. E-mails: nutri.giovannandrade@gmail.com; jarson.costa@ufpe.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-3836-3363; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5412-6467
Endereço para correspondência: Marcella Campos Lima da Luz. Avenida Prof. Moraes Rego, 1235, bloco C, 3º andar – Cidade Universitária. Recife (PE), Brasil. CEP 50670-901. E-mail: cellacamposlima@gmail.com
RESUMO
Introdução: A sarcopenia é uma condição associada ao mau prognóstico, incluindo o risco para pior toxicidade gastrointestinal em pacientes com câncer submetidos a tratamento quimioterápico. Objetivo: avaliar a associação entre o risco de sarcopenia e a toxicidade gastrointestinal de pacientes idosos em quimioterapia. Método: Estudo observacional com coleta transversal, envolvendo 60 idosos diagnosticados com tumores sólidos, selecionados por conveniência, em regime de quimioterapia exclusiva ou combinada. O risco de sarcopenia foi avaliado por meio dos questionários SARC-F e SARC-CalF. O diagnóstico de desnutrição foi avaliado pela mini avaliação nutricional reduzida (MAN-r). Resultados: Entre os pacientes incluídos, o risco de sarcopenia (SARC-F) foi observado em 15%. Ao utilizar o SARC-CalF, esse número cresceu para 33,3%. Foi observado que uma maior pontuação do SARC-F esteve independentemente associada ao maior número de sintomas relativos à toxicidade gastrointestinal. Além disso, maiores escores do SARC-F (mais risco) se associaram à menor força de preensão palmar e aos menores escores da MAN-r. Elevados escores do SARC-CalF se associaram à menor força de preensão palmar e menores escores na MAN-r. Conclusão: Os achados sugerem que o SARC-F pode ser uma ferramenta guia para intervenções relacionadas à melhora do estado muscular, potencialmente prevenindo o elevado número de sintomas relacionados à quimiotoxicidade gastrointestinal.
Palavras-chave: Sarcopenia/dietoterapia; Idosos; Neoplasias/epidemiologia; Estado Nutricional/efeitos dos fármacos.
ABSTRACT
Introduction: Sarcopenia is a condition associated with poor prognosis, including the risk for worse gastrointestinal toxicity in older patients with cancer undergoing chemotherapy treatment. Objective: Evaluate the association between the risk of sarcopenia and gastrointestinal toxicity in older patients undergoing chemotherapy. Method: Observational study with cross-sectional data collection involving 60 older patients diagnosed with solid tumors, sampled by convenience, undergoing exclusive or combined chemotherapy regimen. Risk of sarcopenia was assessed using the SARC-F and SARC-CalF questionnaires. Malnutrition diagnosis was evaluated by the Mini Nutritional Assessment short form (MNA-SF). Results: Among the patients included, the risk of sarcopenia (SARC-F) was observed in 15%. Using SARC-CalF, this number increased to 33.3%. It was noticed that higher SARC-F scores were independently associated with a greater number of symptoms related to gastrointestinal toxicity. Furthermore, higher SARC-F scores (indicating higher risk) were associated with lower handgrip strength and lower MNA-SF scores. Higher SARC-CalF scores were associated with lower handgrip strength and lower MNA-SF scores as well. Conclusion: The findings suggest that SARC-F could be utilized as a guiding tool for interventions to improve muscle condition, potentially mitigating the elevated incidence of chemotherapy-related gastrointestinal symptoms.
Key words: Sarcopenia/diet therapy; Aged; Neoplasms/epidemiology; Nutritional Status/drug effects.
RESUMEN
Introducción: La sarcopenia es una condición asociada con un mal pronóstico, incluido el riesgo de una mayor toxicidad gastrointestinal en pacientes con cáncer sometidos a tratamiento de quimioterapia. Objetivo: El objetivo del estudio fue evaluar la asociación entre el riesgo de sarcopenia y la toxicidad gastrointestinal en pacientes ancianos sometidos a quimioterapia. Método: Estudio observacional con recolección transversal de datos que involucró a 60 pacientes ancianos diagnosticados con tumores sólidos, seleccionados por conveniencia, que recibían un régimen de quimioterapia exclusivo o combinado. El riesgo de sarcopenia se evaluó utilizando los cuestionarios SARC-F y SARC-CalF. El diagnóstico de desnutrición se evaluó mediante la evaluación nutricional abreviada (MNA-SF). Resultados: Entre los pacientes incluidos, se observó un riesgo de sarcopenia (SARC-F) en el 15%. Al utilizar SARC-CalF, este número aumentó al 33.3%. Se observó que puntajes más altos de SARC-F estaban independientemente asociados con un mayor número de síntomas relacionados con la toxicidad gastrointestinal. Además, puntajes más altos de SARC-F (indicando un mayor riesgo) se asociaron con una menor fuerza de agarre manual y puntajes más bajos de MNA-SF. Puntajes más altos de SARC-CalF también se asociaron con una menor fuerza de agarre manual y puntajes más bajos de MNA-SF. Conclusión: Los hallazgos sugieren que el SARC-F podría ser una herramienta de orientación para intervenciones dirigidas a mejorar el estado muscular, potencialmente mitigando el elevado número de síntomas gastrointestinales relacionados con la quimiotoxicidad gastrointestinal.
Palabras clave: Sarcopenia/dietoterapia; Ancianos; Neoplasias/epidemiología; Estado Nutricional/efectos de los fármacos.
A transição demográfica, impulsionada pelo envelhecimento da população, tem provocado uma notável mudança epidemiológica, evidenciada pelo aumento de doenças crônicas não transmissíveis, com destaque para o câncer¹, que continua a ser uma causa significativa de incapacidade e morte prematura globalmente. Em razão de sua natureza inflamatória, essa doença pode agravar a deterioração e prejudicar a síntese proteico-muscular. Além disso, o tratamento, frequentemente ligado à supressão imunológica, associado ao envelhecimento e à doença em si, intensifica os fatores de risco, resultando em piora do estado nutricional, levando à desnutrição e à sarcopenia².
A sarcopenia é uma síndrome muscular, caracterizada pela perda progressiva de massa muscular, ligada à diminuição de força. Quando agravada, pode haver o comprometimento da performance física³. A idade avançada, sedentarismo e a presença de comorbidades são os principais fatores de risco para sarcopenia primária4. A prevalência da sarcopenia varia a depender da condição clínica e método de avaliação5. No paciente idoso com diagnóstico oncológico, a síndrome está frequentemente associada à menor autonomia, pior qualidade de vida e piores desfechos clínicos, como prolongada hospitalização e menor sobrevida global6,7.
Por causa das dificuldades operacionais para o diagnóstico de sarcopenia na prática clínica, o SARC-F foi proposto como uma ferramenta para identificar o risco de sarcopenia8,9. Trata-se de um método de relativo baixo custo, composto por um questionário de autorrelato3,8,9. Por meio do SARC-F, é possível ter insights sobre a capacidade funcional e muscular, permitindo o direcionamento e intervenção apropriada3,8,9. Posteriormente, a circunferência da panturrilha foi incorporada ao SARC-F (SARC-CalF), para melhorar a sensibilidade da ferramenta ao fornecer um marcador de massa muscular8,10,11.
A sarcopenia em pacientes idosos com diagnósticos oncológicos pode estar ligada à quimiotoxicidade dose-limitante, complicações pós-operatórias e menor sobrevida em casos de doenças malignas2,7. Apesar disso, a relação entre o risco de sarcopenia, medido pelo SARC-F e SARC-CalF, com a quimiotoxicidade, ainda é pouco explorada. A hipótese é que, caso essa associação exista, fortalecerá a utilização dessas ferramentas na prática clínica, facilitando o desenvolvimento de estratégias assertivas. Desse modo, o objetivo deste estudo foi avaliar o risco de sarcopenia e sua associação com toxicidade gastrointestinal em idosos submetidos ao tratamento quimioterápico. O objetivo secundário foi verificar a associação entre o risco de sarcopenia com variáveis do estado nutricional.
Estudo observacional com coleta transversal, realizado no período de março a agosto de 2023 no ambulatório de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. O estudo incluiu idosos (> 60 anos), de ambos os sexos, com tumores sólidos, em regime de quimioterapia exclusiva ou combinada. Os pacientes foram selecionados por conveniência. Foram excluídos os pacientes idosos com diagnósticos onco-hematológicos, ou com deficiência física, presença de edema grave, ascite e doenças metabólicas associadas (e.g., insuficiência cardíaca, doença renal crônica, doença pulmonar obstrutiva periférica e doença hepática crônica). Indivíduos com comprometimento cognitivo que os impossibilitava à resposta aos questionários também foram excluídos deste estudo.
Os dados clínicos e demográficos foram coletados por meio de entrevista com o paciente e em consulta ao seu prontuário eletrônico. Foram incluídos dados como idade, sexo, cor, diagnóstico, localização do tumor e presença de comorbidades, incluindo hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM). Para a quimiotoxicidade gastrointestinal, foi considerada a presença de sintomas como xerostomia, disgeusia, odinofagia, disfagia, náuseas, vômitos, constipação e diarreia. Além disso, foram registrados o tipo de neoplasia e tratamentos realizados (quimioterapia, ou quimioterapia e radioterapia, cirurgia).
Foram aferidos o peso (kg) e altura (m) para o cálculo do índice de massa corporal (IMC). Além disso, foram aferidas a circunferência da panturrilha e circunferência do braço. A classificação do IMC foi estabelecida pelo ponto de corte proposto pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) em 200212; e a circunferência de panturrilha foi aferida na parte de maior proeminência, considerada reduzida quando ≤ 34 cm para homens e ≤ 33 cm para mulheres8. Levando em conta que a circunferência de panturrilha pode ser influenciada pela massa corporal, especialmente a adiposidade, ela foi ajustada em relação ao IMC. Esse ajuste consistiu na subtração de 3 cm de circunferência de panturrilha para participantes com IMC entre 25 e 29 kg/m², 7 cm para participantes com IMC entre 30 e 39 kg/m², e 12 cm para participantes com IMC igual ou superior a 40 kg/m²13. A circunferência de braço foi aferida seguindo a técnica proposta por Frisancho14, sendo classificada sua adequação de acordo com o percentil 5015. A perda de peso (PP) foi calculada a partir da fórmula: (peso usual – peso atual) x 100/peso usual. O %PP foi considerado grave quando > 2% em uma semana, > 5% em um mês, > 7,5% em três meses, ou > 10% em seis meses16.
O risco de sarcopenia foi mensurado utilizando o SARC-F e o SARC-CalF. O primeiro é composto por cinco questões que acessam a percepção dos pacientes em suas habilidades de força, capacidade de caminhada, levantar de uma cadeira, subir escadas e quedas no último ano. Pacientes que apresentaram pontuação igual ou acima de 6 foram considerados com risco para sarcopenia8. Para o SARC-CalF, pacientes que obtiveram pontuação igual ou acima de 11 foram considerados com risco de sarcopenia, sendo adicionado 10 pontos ao escore da ferramenta caso o paciente apresentasse circunferência de panturrilha reduzida8.
A mini avaliação nutricional reduzida (MAN-r) foi aplicada para identificar o risco nutricional ou diagnóstico de desnutrição. A MAN-r é composta por seis itens, de letras A a F, que avaliam a ingestão alimentar, PP, mobilidade, a presença de fatores emocionais, problemas neuropsicológicos e IMC17. Escores da MAN-r > 12 foram considerados indicativos de estado nutricional normal; escores entre 8 e 11 indicam risco de desnutrição, enquanto escores < 8 foram classificados como desnutrição17.
A força muscular foi mensurada pela força de preensão palmar (FPP) por meio de dinamômetro digital da marca JAMAR® seguindo as recomendações da American Society of Hand Therapists18. Para aferição da FPP, o paciente posicionava-se sentado, o braço flexionado a 90º. A medição foi realizada na mão dominante, em três repetições, com um intervalo de 30 segundos entre cada uma. O valor máximo obtido da FPP foi utilizado para análise. A força foi considerada baixa quando < 30 kg para homens e < 16 kg para mulheres19.
Os dados coletados foram inseridos no programa Microsoft Office Excel 2013 e importados para o programa estatístico SPSS20 versão 20.0. Todas as variáveis contínuas foram testadas quanto à normalidade da distribuição pelo teste de Shapiro-Wilk. Aqueles que apresentaram distribuição normal, foram descritos na forma de média ± desvio-padrão. Quando apresentavam distribuição não normal, foram descritas na forma de mediana e intervalo interquartílico (IQ). As variáveis categóricas foram descritas como frequência absoluta (n) e relativa (%), e foram comparadas utilizando o teste de Qui-quadrado de Pearson com correção de Yates, ou exato de Fisher.
Para identificar a associação entre o risco de sarcopenia (SARC-F e SARC-CalF) e as variáveis de interesse, um modelo de regressão linear foi construído na forma bruta e ajustada. Os ajustes foram feitos para sexo, idade, sítio tumoral e esquema quimioterápico. Foram consideradas significantes para o modelo final as variáveis que apresentaram nível de significância p < 0,05 e limiares da significância estatística valores de p entre 0,05 e 0,10.
Este estudo obedeceu aos princípios éticos estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde nº. 466/1221, e recebeu aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa com seres humanos da instituição sob o número de parecer 5.878.262 (CAAE: 66748623.3.0000.8807). Todos os participantes deram seu consentimento informado.
Foram incluídos 60 pacientes na amostra final deste estudo. O risco de sarcopenia foi de 15% pelo SARC-F e aumentou para 33,3% ao empregar o SARC-CalF. Em risco de desnutrição, estavam 40% dos pacientes, enquanto 25% estavam em desnutrição, segundo a MAN-r. Um total de 31,6% da amostra foi classificada como baixo peso, segundo o IMC (dados não expressos em tabela). O sexo feminino foi o mais frequente (53,3%), com média de idade de 69,4±6,9 anos. Entre as comorbidades, 48,3% apresentavam HAS. O diagnóstico oncológico mais frequente foi o tumor gastroinstestinal (TGI) com 46,7% dos casos. A quimiotoxicidade do TGI esteve presente em 90% dos indivíduos, sendo os sintomas gastrointestinais mais comuns náuseas (58,3%), disgeusia (46,7%) e xerostomia (43,3%) (Tabela 1).
Pelo SARC-F, foram observadas associações entre o risco de sarcopenia e alguns sintomas relacionados à toxicidade gastrintestinal, como diarreia e/ou constipação. Além disso, foi observada uma tendência à associação entre o risco e diagnóstico de desnutrição (MAN-r) e o risco de sarcopenia (p = 0,055). Pacientes com força muscular reduzida apresentaram maior frequência de risco de sarcopenia (p = 0,017) (Tabela 2). Ao empregar o SARC-CalF, foram observadas associações com sintomas de toxicidade gastrointestinal. Indivíduos com risco de sarcopenia apresentaram maior frequência de odinofagia e/ou disfagia (p = 0,050) (Tabela 3). O excesso de peso, pelo IMC, esteve associado à menor frequência de risco de sarcopenia (p = 0,006), por outro lado, a força muscular reduzida esteve associada à maior frequência de risco de sarcopenia (p = 0,005).
Uma maior pontuação do SARC-F esteve independentemente associada ao maior número de sintomas relativos à quimiotoxicidade gastrointestinal, mesmo após ajuste para idade, sexo, sítio tumoral e esquema de quimioterapia [β 0,25 (0,06;0,04) p = 0,011]. Além disso, foi observado que os escores do SARC-F e SARC-CalF apresentaram uma associação inversa com os valores da FPP e a pontuação da MAN-r (Tabela 4).
Tabela 1. Características dos pacientes idosos com câncer em tratamento quimioterápico (n = 60)
Variáveis |
n ou média |
(%) |
IC 95% ou ±DP |
Sexo |
|
|
|
Masculino |
28 |
46,7 |
33,3-60,0 |
Feminino |
32 |
53,3 |
40,0-66,7 |
Idade |
69,4 |
- |
±6,99 |
Etnia/Raça |
|
|
|
Brancos |
28 |
46,7 |
35,0-60,0 |
Pardos |
23 |
38,3 |
25,0-50,0 |
Pretos |
9 |
15,0 |
6,7-25,0 |
Comorbidades |
|
|
|
HAS |
29 |
48,3 |
35,0-60,0 |
DM |
3 |
5,0 |
0,0-11,7 |
HAS+DM |
13 |
21,7 |
11,7-31,7 |
Não possui |
15 |
25 |
15,0-36,7 |
Localização do tumor |
|
|
|
Gastrointestinal |
28 |
46,7 |
33,0-60,0 |
Ginecológico |
16 |
26,7 |
15-38,3 |
Urológico |
8 |
13,3 |
5,0-23,3 |
Outros* |
8 |
13,3 |
5,0-21,7 |
Esquema quimioterápico |
|
|
|
Paclitaxel + carboplatina |
14 |
2,3 |
13,3-35,0 |
FOLFOX |
12 |
20,0 |
10,0-31,7 |
Docetaxel |
5 |
8,3 |
1,7-15,0 |
Outros** |
29 |
48,3 |
36,7-61,7 |
Cirurgia oncológica |
|
|
|
Sim |
30 |
50 |
36,7-63,3 |
Não |
30 |
50 |
36,7-63,3 |
Toxicidade gastrointestinal |
|
|
|
Presente |
54 |
90 |
81,7-96,7 |
Ausente |
6 |
10 |
3,3-18,3 |
Tipo de toxicidade gastrointestinal |
|
|
|
Náuseas |
35 |
58,3 |
45,0-70,0 |
Vômitos |
20 |
33,3 |
21,7-45,0 |
Diarreia |
25 |
41,7 |
28,3-55,0 |
Constipação |
22 |
36,7 |
23,3-48,3 |
Xerostomia |
26 |
43,3 |
31,7-55,0 |
Disgeusia |
28 |
46,7 |
33,3-58,3 |
Disfagia |
9 |
15 |
6,7-25,0 |
Odinofagia |
2 |
3,3 |
0,0-8,3 |
Anorexia |
15 |
25,0 |
13,4-36,7 |
Legendas: IC 95% = intervalo de confiança 95%; DP = desvio-padrão; HAS = hipertensão arterial sistêmica; DM = diabetes mellitus.
*neoplasias de pulmão, cabeça e pescoço; **FLOT, cisplatina + gencitabina, xelox, folfirinox, docetaxel + ciclofosfamida.
Tabela 2. Associação entre o risco de sarcopenia (SARC-F) com as características dos pacientes (n = 60)
Variáveis |
SARC-F |
p* |
|||
|
Sem risco |
Com risco |
|
||
|
n |
% |
n |
% |
|
Sexo |
|
|
|
|
0,412 |
Masculino |
23 |
92,1 |
5 |
17,9 |
|
Feminino |
28 |
87,5 |
4 |
12,5 |
|
Toxicidade gastrointestinal |
|
|
|
|
0,640 |
Presente |
46 |
90,2 |
8 |
88,9 |
|
Ausente |
5 |
9,8 |
1 |
11,1 |
|
Tipo de toxicidade gastrointestinal |
|
|
|
|
|
Náuseas e/ou vômitos |
29 |
66,7 |
6 |
56,9 |
0,582 |
Diarreia e/ou constipação |
32 |
62,7 |
2 |
22,2 |
0,029 |
Xerostomia e/ou disgeusia |
35 |
68,6 |
8 |
88,9 |
0,205 |
Odinofagia e/ou disfagia |
7 |
13,7 |
3 |
33,3 |
0,163 |
Anorexia |
12 |
80 |
3 |
20,0 |
0,399 |
IMC |
|
|
|
|
0,113 |
Com excesso |
13 |
25,5 |
3 |
33,3 |
|
Sem excesso |
6 |
66,7 |
38 |
74,5 |
|
CB (%) |
|
|
|
|
0,954 |
< 90 |
18 |
35,3 |
3 |
33,3 |
|
Entre 90-110 |
20 |
39,2 |
4 |
44,4 |
|
> 110 |
13 |
25,5 |
2 |
22,2 |
|
CP |
|
|
|
|
0,203 |
Reduzida |
23 |
45,1 |
6 |
66,7 |
|
Normal |
28 |
54,9 |
3 |
33,3 |
|
CP corrigida para o IMC |
|
|
|
|
0,475 |
Reduzida |
41 |
80,4 |
8 |
88,9 |
|
Normal |
10 |
19,6 |
1 |
11,1 |
|
% PP |
|
|
|
|
0,153 |
Grave |
35 |
68,6 |
4 |
44,4 |
|
Sem perda |
16 |
31,4 |
5 |
55,6 |
|
MAN-r |
|
|
|
|
0,055 |
Estado nutricional normal |
20 |
39,2 |
1 |
11,1 |
|
Risco de desnutrição |
21 |
41,2 |
3 |
33,3 |
|
Desnutrição |
10 |
19,6 |
5 |
55,6 |
|
Força muscular |
|
|
|
|
0,017 |
Reduzida |
17 |
33,3 |
7 |
77,8 |
|
Normal |
34 |
66,7 |
2 |
22,2 |
|
Legendas: CB = circunferência do braço; CP = circunferência da panturrilha; IMC = índice de massa corporal; MAN-r = mini avaliação nutricional reduzida; PP = perda de peso.
* Teste Exato de Fisher.
Tabela 3. Associação entre o risco de sarcopenia (SARC-CalF) com as características dos pacientes (n = 60)
Variáveis |
SARC-CalF |
pa,b |
|||
|
Sem risco |
Com risco |
|
||
|
n |
% |
n |
% |
|
Sexo |
|
|
|
|
0,360 a |
Masculino |
17 |
60,7 |
11 |
39,3 |
|
Feminino |
23 |
71,9 |
9 |
28,1 |
|
Toxicidade gastrointestinal |
|
|
|
|
0,089 b |
Presente |
38 |
95,0 |
16 |
80,0 |
|
Ausente |
2 |
5,0 |
4 |
20,0 |
|
Tipo de toxicidade gastrointestinal |
|
|
|
|
|
Náuseas e/ou vômitos |
23 |
57,5 |
12 |
60,0 |
0,853a |
Diarreia e/ou constipação |
27 |
67,5 |
7 |
35,0 |
0,017a |
Xerostomia e/ou disgeusia |
31 |
77,5 |
12 |
60,0 |
0,156a |
Odinofagia e/ou disfagia |
4 |
10,0 |
6 |
30,0 |
0,050b |
Anorexia |
11 |
27,5 |
4 |
20,0 |
0,383b |
IMC |
|
|
|
|
0,006b |
Com excesso |
15 |
37,5 |
1 |
5,0 |
|
Sem excesso |
25 |
62,5 |
19 |
95,0 |
|
CB (%) |
|
|
|
|
0,068a |
< 90 |
10 |
25,0 |
11 |
55,0 |
|
Entre 90-110 |
18 |
45,0 |
6 |
30,0 |
|
> 110 |
12 |
30,0 |
3 |
15,0 |
|
% PP |
|
|
|
|
0,566a |
Grave |
25 |
62,5 |
14 |
70,0 |
|
Sem perda |
15 |
37,5 |
6 |
30,0 |
|
MAN-r |
|
|
|
|
0,377a |
Estado nutricional normal |
14 |
35,0 |
7 |
35,0 |
|
Risco de desnutrição |
18 |
45,0 |
6 |
30,0 |
|
Desnutrição |
8 |
20,0 |
7 |
35,0 |
|
Força muscular |
|
|
|
|
0,005a |
Reduzida |
11 |
27,5 |
13 |
65,0 |
|
Normal |
29 |
72,5 |
7 |
35,0 |
|
a Qui-quadrado de Pearson; b Exato de Fisher.
Legendas: CB = circunferência do braço; IMC = índice de massa corporal; MAN-r = mini avaliação nutricional reduzida; PP = perda de peso.
Tabela 4. Associações entre os escores do risco de sarcopenia (SARC-F e SARC-CalF) com a toxicidade gastrointestinal, força muscular, e escores de desnutrição de idosos em quimioterapia (n = 60)
|
N.º de sintomas de toxicidade gastrointestinal |
Força muscular (FPP) |
MAN-r |
|||||||
SARC-F |
β |
IC 95% |
p |
β |
IC 95% |
p |
β |
IC 95% |
p |
|
Bruto |
0,11 |
-0,08;0,31 |
0,253 |
-1,23 |
-1,80;-0,65 |
<0,001 |
-0,53 |
-0,79;-0,27 |
< 0,001 |
|
Ajustadoa |
0,25 |
0,06;0,04 |
0,011 |
-1,22 |
-1,72;-0,72 |
<0,001 |
-0,53 |
-0,81;-0,24 |
<0,001 |
|
SARC-CalF |
β |
IC 95% |
p |
β |
IC 95% |
p |
β |
IC 95% |
p |
|
Bruto |
-0,04 |
-0,13;0,05 |
0,429 |
-0,35 |
-0,63;-0,07 |
0,016 |
-0,19 |
-0,32;-0,07 |
0,003 |
|
Ajustadoa |
0,01 |
-0,08;0,10 |
0,867 |
-0,38 |
-0,63;-0,13 |
0,004 |
-0,19 |
-0,32;-0,06 |
0,006 |
|
Legendas: β = coeficiente beta da regressão linear; IC 95% = intervalo de confiança de 95%; FPP = força de preensão palmar; MAN-r = mini avaliação nutricional reduzida.
aSARC-F e SARC-CalF ajustados para sexo, idade, sítio tumoral e esquema de quimioterapia.
DISCUSSÃO
Este estudo objetivou avaliar a relação entre o risco de sarcopenia, medido pelo SARC-F e pelo SARC-CalF, e a quimiotoxicidade gastrointestinal em pacientes idosos diagnosticados com câncer, bem como sua associação com outras variáveis relacionadas ao estado nutricional. Este estudo está alinhado a uma parcela restrita de pesquisas que exploraram a relação entre o risco de sarcopenia e a quimiotoxicidade em idosos diagnosticados com câncer no Brasil. Os principais resultados indicaram que escores mais elevados no SARC-F, embora não de SARC-CalF, estiveram independentemente associados a um maior número de sintomas de toxicidade gastrointestinal. Além disso, observou-se que escores mais altos tanto no SARC-F quanto no SARC-CalF se associaram a uma menor força muscular (FPP), e a uma pontuação mais baixa na MAN-r (indicativo de risco e/ou diagnóstico de desnutrição).
Uma revisão sistemática recente22 destacou que, em pacientes com câncer colorretal, o diagnóstico de sarcopenia parece ter uma associação mais pronunciada com a redução na tolerância ao tratamento em comparação com outros métodos de diagnóstico e triagem nutricional, como índice de risco nutricional, avaliação subjetiva global (ASG) e outras ferramentas. Embora o estudo não tenha abordado diretamente os instrumentos (SARC-F e SARC-CalF), tais achados reforçam a importância de identificar o valor prognóstico relacionado à quimioterapia, utilizando ferramentas simples e de baixo custo, como o SARC-F e o SARC-CalF.
O estudo conduzido por Celik et al.23, que envolveu pacientes com uma média de idade de 60 anos e diagnósticos oncológicos no trato gastrointestinal, evidenciou que a sarcopenia emergiu como o único preditor de toxicidade relacionada à quimioterapia. Dado que o envelhecimento natural³ e os tratamentos antineoplásicos podem induzir à sarcopenia24, compreende-se que a identificação precoce do risco de desenvolver sarcopenia desempenha um papel crucial na prevenção da quimiotoxicidade e em possível interrupção do tratamento. Isso reforça a importância do SARC-F como uma ferramenta valiosa a ser incorporada rotineiramente na avaliação clínica de indivíduos idosos com diagnósticos oncológicos.
A falta de associação entre o SARC-CalF e o número de sintomas relacionados à quimiotoxicidade no trato gastrointestinal pode ser atribuída a um possível viés amostral, dado que a amostra é limitada. Outra explicação seria que especificamente nesse aspecto (quimiotoxicidade no TGI) a utilização de um marcador antropométrico pode impactar a sensibilidade e a especificidade da ferramenta. Além disso, é fundamental considerar variações na amostra, como idade, sexo, tipo de tumor e tratamentos realizados, todas as quais podem ter influenciado os resultados desta análise. Apesar dessas considerações, reforça-se as validades do SARC-F e do SARC-CalF como ferramentas simples, capazes de designar valor prognóstico entre os pacientes idosos com câncer25,26.
Estas descobertas também revelaram uma associação inversa e independente entre os escores mais elevados do SARC-F e SARC-CalF e a força muscular medida pela FPP. Dessa forma, torna-se evidente que indivíduos com pontuações mais altas, indicativas de um maior risco de sarcopenia, apresentaram menor força muscular. Esses resultados fortalecem a posição da FPP como um indicador de força muscular27 nesta amostra, ao mesmo tempo que sustentam a hipótese de que o SARC-F pode ser um reflexo da força e função muscular28.
A associação inversa e independente entre os escores mais elevados do SARC-F e SARC-CalF com a MAN-r indica que um maior risco de sarcopenia pode estar relacionado a um aumento no risco ou diagnóstico de desnutrição na população avaliada. Esses resultados são significativos, uma vez que a sarcopenia e a desnutrição frequentemente coexistem29, sinalizando um cenário de maior gravidade associado a desfechos adversos, incluindo quimiotoxicidade, interrupção do tratamento e maior morbimortalidade30-32. Assim, estes achados enfatizam a importância da utilização tanto do SARC-F quanto da MAN-r para auxiliar no diagnóstico de síndromes nutricionais em pacientes idosos submetidos a tratamento quimioterápico.
É fundamental reconhecer algumas limitações no estudo. O tamanho amostral restrito, o desenho observacional transversal e a conveniência na seleção da amostra em um único centro impedem o estabelecimento de uma relação causal e a generalização dos resultados. Adicionalmente, algumas variáveis não mensuradas (i.e., estadiamento da doença e a definição da quimioterapia: neoadjuvante, adjuvante ou paliativa) podem ter resultados importantes nos modelos de regressão, influenciando os achados. Portanto, recomenda-se cautela ao generalizar os achados para outras populações clínicas. Sugere-se que futuros estudos, com amostras mais amplas e desenhos longitudinais, sejam conduzidos para explorar e validar essa associação de forma mais abrangente.
CONCLUSÃO
Os achados sugerem que o SARC-F pode ser uma ferramenta guia para a intervenções relacionadas à melhora do estado muscular, potencialmente prevenindo o elevado número de sintomas relacionados à quimiotoxicidade gastrointestinal. Embora sejam necessários estudos adicionais com amostras mais amplas e representativas para validar os achados, este estudo contribui para o crescente corpo de evidências que indicam um potencial valor prognóstico da ferramenta de triagem de sarcopenia SARC-F em relação à quimiotoxicidade gastrointestinal.
CONTRIBUIÇÕES
Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Jarson Pedro da Costa Pereira declara receber suporte financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES – Código de financiamento: 001). Esse suporte não possui qualquer relação ou restrição específica com o presente estudo.
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Recebido em 7/3/2024
Aprovado em 2/5/2024
Editora-associada: Lívia Costa de Oliveira. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-5052-1846
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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