REVISÃO DE LITERATURA

 

Efetividade dos Exercícios sem Restrição de Amplitude de Movimento de Ombro no Pós-operatório de Câncer de Mama: Revisão Sistemática da Literatura

Effectiveness of Exercises without Restriction of Shoulder Range of Movement in the Postoperative Basis of Breast Cancer: Systematic Literature Review

Efectividad de los Ejercicios sin Restricción de la Amplitud de Movimiento del Hombro en el Postoperatorio del Cáncer de Mama: Revisión Sistemática de la Literatura

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n3.4702

 

Maria Paula Rodrigues Félix1; Caroline Andrade Ataide2; Nádia Oliveira Gomes3; Tito Lívio Cardoso Barreto4; Keyla de Paula Barbosa5

 

1,2,5Universidade de Brasília (UnB). Brasília (DF), Brasil. E-mails: maria-paula-felix@hotmail.com; carolinefisio.andrade@gmail.com; keylapaulab@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0000-3956-5517; Orcid iD: https://orcid.org/0009-0002-9514-9782; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6858-7237

3Universidade Evangélica de Goiás (UniEVANGÉLICA). Anápolis (GO), Brasil. E-mail: ftnadiagomes@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6667-7952

4Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Brasília (DF), Brasil. E-mail: titolivio.fce@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7756-1023

 

Endereço para correspondência: Maria Paula Rodrigues Félix. SCN Q02 BL D SL 1111 – Asa Norte. Brasília (DF), Brasil. CEP 70710-000. E-mail: maria-paula-felix@hotmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: O câncer de mama é o tipo de câncer mais incidente nas mulheres no mundo. Uma vez que a abordagem cirúrgica é uma escolha de tratamento para o câncer de mama, no pós-operatório, técnicas fisioterapêuticas podem ser empregadas para reabilitação, como a cinesioterapia. Objetivo: Revisar a efetividade de exercícios de membros superiores no pós-operatório de câncer de mama em relação à melhora de amplitude de movimento e função de membros superiores, ganho de força muscular e aparecimento de seroma. Método: Revisão de ensaios clínicos randomizados que avaliou os efeitos de um programa de exercícios sobre a amplitude de movimento, força muscular, função de membros superiores e seroma no braço e mama homolateral à cirurgia de câncer de mama em participantes do sexo feminino. Resultados: Foram encontrados 284 estudos nas bases de dados, dos quais cinco foram incluídos nesta revisão. Três artigos avaliaram a amplitude de movimento, dois, a incidência de seroma, outros dois, a função de membros superiores e um artigo, a força de membros superiores. Conclusão: Realizar uma intervenção imediata no pós-operatório de câncer de mama confere aos pacientes uma melhor amplitude de movimento para realização de suas atividades de vida diária e minimiza atrasos para as terapias adjuvantes. Iniciar o programa de exercícios no pós-operatório imediato, tanto no 1° ou 15° dia, quanto iniciar após a retirada de pontos e drenos, conforme previamente protocolado, terá a mesma probabilidade para formação de seroma.

Palavras-chave: Neoplasias da Mama/cirurgia; Exercício Físico; Amplitude de Movimento Articular; Força Muscular; Seroma/cirurgia.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Breast cancer is the most common type of cancer in women worldwide. Since surgical approach is a treatment choice for breast cancer, in the postoperative, physiotherapeutic techniques can be used for rehabilitation, such as kinesiotherapy. Objective: To review the effectiveness of upper limb exercises in the postoperative period for breast cancer in improving range of motion and function of the upper limbs, gaining muscle strength and the appearance of seroma. Method: Review of randomized clinical trials that evaluated the effects of an exercise program on range of motion, muscle strength, upper limb function and seroma in the arm and breast ipsilateral to breast cancer surgery in female participants. Results: 284 studies were found in the databases, after eligibility, five studies were included in this review. Three articles evaluated range of motion, two evaluated the incidence of seroma, two articles evaluated the function of the upper limbs and one article the strength of the upper limbs. Conclusion: Performing an immediate intervention in the postoperative of breast cancer gives patients a better range of movement to carry out their activities of daily living, while minimizing delays for adjuvant therapies. Starting the exercise program immediately on the postoperative period, either on the 1st or 15th day, or starting after removing stitches and drains, as previously protocolled, will have the same probability of seroma formation.

Key words: Breast Neoplasms/surgery; Physical Exercise; Range of Motion, Articular; Muscle Strength; Seroma/surgery.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer de mama es el tipo de cáncer más común en las mujeres a nivel mundial. Dado que el enfoque quirúrgico es una opción de tratamiento para el cáncer de mama, en el posoperatorio se pueden utilizar técnicas fisioterapéuticas para la rehabilitación, como la kinesioterapia. Objetivo: Revisar la efectividad de los ejercicios de miembros superiores en el posoperatorio de cáncer de mama para mejorar la amplitud de movimiento y función de los miembros superiores, ganar fuerza muscular y la aparición de seroma. Método: Revisión de ensayos clínicos aleatorios que evaluaron los efectos de un programa de ejercicios sobre la amplitud de movimiento, la fuerza muscular, la función de las extremidades superiores y el seroma en el brazo y la mama ipsilateral a la cirugía de cáncer de mama en participantes femeninas. Resultados: Se encontraron 284 estudios en las bases de datos, después de la elegibilidad, se incluyeron cinco estudios en esta revisión. Tres artículos evaluaron la amplitud de movimiento, dos evaluaron la incidencia de seroma, dos artículos evaluaron la función de los miembros superiores y un artículo la fuerza de los miembros superiores. Conclusión: Realizar una intervención inmediata en el posoperatorio del cáncer de mama brinda a las pacientes una mejor amplitud de movimiento para realizar sus actividades cotidianas, minimizando retrasos para terapias adyuvantes. Iniciar el programa de ejercicio inmediatamente después de la operación, ya sea el día 1 o 15, o iniciarlo después de retirar puntos y drenajes, como se protocoló previamente, tendrá la misma probabilidad de formación de seroma.

Palabras clave: Neoplasias de la Mama/cirurgia; Ejercicio Físico; Rango del Movimiento Articular; Fuerza Muscular; Seroma/cirurgia.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é o tipo de câncer mais incidente nas mulheres e ocupa o segundo lugar na lista dos cânceres que mais matam no mundo1. Para o Brasil, estimam-se 74 mil casos novos de câncer de mama para cada ano do triênio 2023-20252. Apesar dos altos números de incidência e mortalidade por câncer de mama, as possibilidades de tratamento vêm sendo ampliadas em face aos avanços tecnológicos e científicos, fazendo com que se perceba um aumento de tratamentos bem-sucedidos e de sobrevida3.

 

A abordagem cirúrgica é uma escolha de tratamento para o câncer de mama e está relacionada ao aumento da sobrevida. As cirurgias são divididas em conservadoras ou não conservadoras, e podem acarretar alterações funcionais, levando a impacto na qualidade de vida das pacientes. Entre esses comprometimentos, podem-se citar dor, linfedema, parestesia, perda da força muscular, retrações cicatriciais e diminuição da amplitude de movimento (ADM) do ombro homolateral à cirurgia4.

 

O papel da fisioterapia no tratamento de disfunções decorrentes do câncer de mama é de grande importância, propondo-se a minimizar ou reparar os efeitos das cirurgias. O fisioterapeuta tem como objetivo principal reabilitar a paciente oncológica, tratar as disfunções musculoesqueléticas para que suas atividades de vida diária possam ser retomadas, e, assim, resultar na melhora da qualidade de vida5.

 

A reabilitação precoce minimiza atrasos para as terapias adjuvantes, como a radioterapia, em que a paciente precisa adotar uma postura específica de flexão com abdução de ombro. Técnicas fisioterapêuticas podem ser empregadas na reabilitação da paciente com câncer de mama, entre elas, pode-se citar a cinesioterapia, uma prática voltada à terapia por meio dos movimentos que tem como objetivo restabelecer a funcionalidade da paciente6.

 

O presente estudo visa contribuir com um maior conhecimento para a prática clínica e proporcionar maior segurança para os fisioterapeutas para indicar exercícios no pós-operatório de mastectomia. Assim, o objetivo do presente estudo é revisar a efetividade de exercícios para membros superiores (MMSS), sem restrição de ADM de ombro a 90 graus, comparado a exercícios com a restrição ou que não iniciaram de forma precoce no pós-operatório de câncer de mama. Além disso, objetiva-se também avaliar a melhora da função de MMSS, ganho de força muscular, se há maiores repercussões pós-cirúrgicas quando não é limitado o movimento a 90 graus, e o aparecimento de seroma.

 

MÉTODO

O protocolo para esta revisão sistemática foi pré-registrado no registro International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO)7, número CRD42021270451. Os critérios de elegibilidade foram desenvolvidos usando a abordagem Participantes, Intervenção, Comparador e Desfechos (PICO) (Quadro 1).

 

Quadro 1. Critérios de inclusão e exclusão

Inclusão

Exclusão

Participantes do sexo feminino

Estudos que não especifiquem sexo dos participantes

Estudos que avaliaram os efeitos de um programa de exercícios no pós-operatório com a indicação de realizar de forma imediata os exercícios comparados com grupos controles que tinham restrição da ADM ou que não iniciaram de forma precoce os exercícios

Estudos que não especifiquem quando o programa de exercícios foi realizado (pós-operatório imediato ou tardio)

Estudos que avaliaram a amplitude de movimento, força muscular, função de membros superiores e seroma no braço e mama homolateral à cirurgia

Estudos em que os participantes possuam outras condições além do câncer de mama

Ensaios clínicos randomizados publicados em inglês, português e espanhol

Participantes com linfedema e em tratamento para linfedema

 

Foram realizadas pesquisas nas bases de dados em março de 2022 usando combinações de Medical Subject Headings (MeSH), incluindo pluralização e variações ortográficas do inglês dos EUA/Reino Unido e sufixos/prefixos: Breast Cancer, Postoperative Period, Range of Motion, Articular, Exercise, Seroma, Muscle Strength, Motor activity, randomized controlled trial. As seguintes bases de dados foram as fontes de pesquisa: Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Cochrane Library, Physiotherapy Evidence Database (PEDro) e PubMed (Quadro 2).

 

A avaliação de qualidade dos estudos incluídos nesta revisão foi realizada por meio da Escala PEDro8 (Quadro 3), trata-se de uma ferramenta da base de dados exclusiva para estudos que analisam a eficácia de intervenções em fisioterapia. Ela se baseia na lista de Delphi, desenvolvida por Verhagen et al.9, todavia inclui dois itens adicionais (os itens 8 e 10 da escala PEDro). O objetivo da escala PEDro é auxiliar os usuários da base de dados PEDro em relação à qualidade metodológica dos estudos controlados aleatorizados, além de avaliar se o estudo contém informações estatísticas mínimas para que os resultados possam ser interpretáveis10.

 

Quadro 2. Truncagens para buscas nas bases de dados

População

Intervenção

Desfechos

Delineamento do estudo

(“Neoplasm cancer” OR “​Breast Cancer” OR “Breast Carcinoma*” OR “Breast Malignant” OR Neoplasm ORBreast Malignant Neoplasms” OR “Breast Malignant Tumor*” ORBreast Neoplasm” ORBreast Tumor*” OR “Cancer of Breast” ORCancer of the Breast” ORCancer Breast” ORCancer* Mammary” ORCarcinoma* Breast” OR Carcinoma* Human Mammary” OR “Human Mammary Carcinoma*” OR “Human Mammary Neoplasm*” OR “Malignant Neoplasm of Breast” ORMalignant Tumor of Breast” ORMammary Cancer*” OR “Mammary Carcinoma* Human” OR “Mammary Neoplasm* Human” OR “Neoplasm* Breast” OR Neoplasm* Human Mammary” OR “Tumor* Breast”) AND (“Postoperative Period*” OR “Period* Postoperative”)

 

 

(Exercise* OR “Activity* Physical” OR “Acute Exercise*” OR “Aerobic Exercise*” OR “Exercise Training*” OR “Exercise* Acute” OR “Exercise* Aerobic” OR “Exercise* Isometric” OR “Exercise* Physical” OR “Isometric Exercise*” OR “Physical Activity*” OR “Physical Exercise*” OR “Training* Exercise”)

 

(seroma* OR “Range of Motion Articular” OR “Flexibility Joint” OR “Joint Flexibility” OR “Joint Range of Motion” OR “Passive Range of Motion” OR “Range of Motion” OR “Muscle Strength” OR “Strength Muscle” OR “Arthrogenic Muscle Inhibition*” OR “Inhibition Arthrogenic Muscle” OR “Muscle Inhibition Arthrogenic” OR “Motor function” OR “Motor Activity*” OR “Activity*, Motor”)

 

 

(“randomized controlled trial” OR “controlled clinical trial” OR “comparative study” OR “clinical trial” OR randomized OR randomly OR trial OR groups)

 

 

 

RESULTADOS

A busca nas bases de dados resultou na identificação de 284 estudos com análise de 48 artigos de texto completo, 43 foram excluídos, sendo então cinco incluídos (Figura 111). Entre os estudos, dois artigos foram publicados entre 1990 e 2008 e três, em 2020. Nos artigos avaliados, verificou-se que mais de um desfecho estudado pelo presente estudo foi encontrado em um mesmo artigo.

 

Figura 1. Fluxograma

Fonte: PRISMA11

 

A seleção de estudos foi realizada de forma independente por dois revisores (CA, MP) e um terceiro revisor (KP) resolveu todas as divergências. Após a seleção dos artigos, os dados foram extraídos e descritos na Tabela 1. A avaliação de qualidade dos estudos incluídos nesta revisão foi realizada por meio da escala PEDro (Quadro 3).

 

Tabela 1. Extração de dados

Autor(es), ano

Amostra

(n = idade em anos)

Tipo de cirurgia

n (%)

Grupo Intervenção (GI) 

Grupo Controle (GC)

Avaliação de resultados

Resultados

Cinar, Seckin, Keskin, et al. (2008)12

 

 

n = 57

GI: n = 27; (52,6 ± 12,2)

GC: n = 30; (51,1 ± 13)

 

Mastectomia radical modificada (100%)

No 1º dia de pós-operatório, o ombro foi posicionado em 65º de flexão, 45º a 64º de abdução e 65º de rotação interna em travesseiro de cunha, foram realizados exercícios ativos de ADM de mão e cotovelo sob supervisão de um fisioterapeuta; no 2º dia de pós-operatório, foram iniciados exercícios isométricos de mão e antebraço; no 3º e 4º dias, foram realizados exercícios ativos assistidos e ativos de flexão, abdução e ADM de rotação externa e interna da articulação do ombro; nos dias seguintes, foram realizados exercícios de alongamento passivo; após a retirada dos drenos, o grupo recebeu 15 sessões individuais de fisioterapia; exercícios em casa nas 8 semanas seguintes

Após a remoção dos drenos, o grupo recebeu um formulário para realizar os exercícios em casa. Os formulários eram detalhados, mostrando e explicando os exercícios

A ADM de ombro no lado operado foi mensurada pela goniometria de Myrin; para avaliar a função dos membros superiores, foi aplicado um questionário com perguntas sobre tarefas funcionais15

Diferenças ao longo do tempo nos movimentos de flexão, abdução e adução foram significativamente melhores no GI comparado ao GC (p < 0,01, p < 0,001, p < 0,005, respectivamente). As ADM médias de flexão e abdução retornaram aos valores próximos dos pré-operatórios mais rapidamente no GI em relação ao GC; a pontuação do questionário para função de membros superiores foi significativamente melhor no GI em comparação com o GC (p < 0,05). No GI, o escore do questionário funcional no sexto mês de seguimento foi menor que o basal, indicando que as pacientes apresentavam melhores funções dos membros superiores em relação ao período pré-operatório

 

Jansen, van Groot, Rottier, et al. (1990)13

 

 

n = 144

GI: n = 78

GC: n = 66

média de idade 59,2 anos

 

Mastectomia radical modificada (70,14%); dissecção de linfonodo axilar com (26,39%) ou sem lumpectomia (3,47%)

Exercícios ativos de ombro no 1º dia de pós-operatório, os movimentos foram realizados sob a supervisão de um fisioterapeuta até atingir a barreira da dor (flexão, abdução, abdução horizontal e rotação externa)

Braço imobilizado nos primeiros 7 dias com a tipoia Collar’n‘Cuff, quando estava fora do leito, e, quando estava na cama, o braço ficava apoiado em um travesseiro), os movimentos de punho e mão foram permitidos; exercícios de ombro a partir do 8º dia de pós-operatório sob supervisão de um fisioterapeuta até atingir a barreira da dor

A função do ombro foi medida por um ou dois fisioterapeutas (flexão, abdução, abdução horizontal e rotação externa); a produção de drenagem de feridas de ambos os drenos foi anotada em um diário. Os drenos foram removidos quando a produção de drenos foi inferior a 30 ml/24 horas em 2 dias consecutivos, sem sinais de obstrução do dreno. No 14º dia de pós-operatório, todos os drenos foram retirados independente de sua produção

 

Seroma: as pacientes do GC tiveram 14% menos volume de drenagem da ferida (600 ± 436 ml vs. 701 ± 398 ml) do que pacientes do GI, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa; todas as funções do ombro foram ligeiramente reduzidas 6 meses após a operação. A abdução foi reduzida em 7,7 ± 1,4º e a flexão por 7,7 ± 1, 1º. Abdução horizontal, rotação externa com o úmero em posição neutra e rotação externa com um úmero abduzido foram todos reduzidos em menos de 2º quando comparado com o lado contralateral

Majed, Neimi, Youssef, et al. (2020)14

 

 

n = 60

GI: 30

GC: 30

Idade média:

35 e 42 anos

 Mastectomia radical modificada (100%)

O GI recebeu educação pré-cirúrgica e treinamento sobre exercícios terapêuticos além dos cuidados hospitalares de rotina. As pacientes foram instruídas a realizar 10 repetições de cada exercício durante a internação, com maiores orientações na consulta de acompanhamento ambulatorial. A flexão do ombro foi limitada a 90° de ADM durante os primeiros dias após a cirurgia e até que os drenos fossem removidos e aumentados gradativamente após o terceiro dia de pós-operatório

 

O GC recebeu cuidados hospitalares de rotina que não incluíam nenhum treinamento físico ou educação

Avaliação de ADM por goniometria e instrumento de qualidade de vida, o QoL-BC, escala de autorrelato do paciente que avalia as preocupações dos sobreviventes de câncer

ADM: diferenças significativas na segunda e na quarta semana de pós-operatório; flexão na 2ª semana para o GI foi de 133,80 ± 6,79 e para o GC foi de 131,17 ± 2,20 (p = 0,04); flexão na 4ª semana foi de 167,97 ± 4,09 para o GI e 159,92 ± 1,73 para o GC (p < 0,001); a extensão melhorou significativamente para o GI em duas semanas com média de 42,77 ± 2,30 vs. 38,73 ± 1,46, p < 0,001; e em quatro semanas 53,07 ± 2,12 vs. 49,03 ± 1,25, p < 0,001; a abdução demonstrou diferença significativa entre os GI e GC, em duas semanas 143,50 ± 4,42 vs. 138,57 ± 1,78, p < 0,001; e em quatro semanas 167,03 ± 4,61 vs. 159,40 ± 1,69, p < 0,001

Rizzi, Haddad, Giron, et al. (2020)15

 

 

 

n = 60

GI: n = 30; 55,06

GC: n = 30; 52,53

 

Cirurgia conservadora oncoplástica;

quadrantectomia (91,6%); reexcisão de margem (8,3%)

e simetrização contralateral (100%)

 

Após 15 dias de pós-operatório: Grupo ADM livre: pacientes autorizadas neste momento a realizar exercícios protocolares e atividades de vida diária em amplitude livre, ou seja, no limite da dor ou sensação de estiramento. A orientação da ADM livre foi mantida mesmo na presença de complicações cicatriciais

Após 15 dias de pós-operatório:

Grupo ADM limitada (controle): pacientes aconselhadas a não levantar os membros superiores além da altura do ombro. Manutenção limitada da ADM a 90 graus por mais 15 dias, ou seja, até o 30º dia de pós-operatório

A ADM ativa de flexão, extensão, adução, abdução e rotação interna e externa do ombro na cirurgia oncológica homolateral foi avaliada com um goniômetro. A dor foi avaliada pela escala verbal analógica EVA. A paciente foi questionada sobre dor no momento da avaliação em relação à cirurgia da mama, axila e membro superior homolateral. A função motora do membro superior foi avaliada pelo questionário DASH (quanto maior a pontuação, pior a função). Deiscência, seroma, infecção e necrose foram avaliados por inspeção e/ou palpação

 

Não houve diferença estatisticamente significativa nas complicações pós-operatórias entre os grupos, seja em incidência ou prevalência ao longo do tempo. A análise de variância do estudo não mostrou diferença na função do membro superior entre os grupos durante o seguimento, mas a avaliação intragrupo revelou que o Grupo ADM limitada teve escores do questionário DASH significativamente mais altos no trigésimo dia de pós-operatório do que na avaliação pré-operatória. Não houve diferença entre os grupos em relação a alterações na ADM do ombro

 

Teodózio, Marchito, Fabro, et al. (2020)16

 

 

n = 461

FAM: n = 252; 54,54 (± 12,03)

RAM: n = 209; 54,53 (± 10,95)

56,8% foram submetidas à mastectomia radical simples ou modificada e 46,5% à linfadenectomia axilar

Grupo ADM livre (FAM), que realizou movimentos ativos de membros superiores com ADM superior a 90° para flexão e abdução de ombro a partir do 1º dia de pós-operatório

Grupo ADM restrita (RAM), que realizou movimentos ativos de membros superiores com ADM restrito a 90° desde o 1º dia de pós-operatório até a retirada de todos os pontos cirúrgicos

Os desfechos avaliados foram a presença de seroma (flutuação do plastrão, mama ou axila residual, necessitando de aspiração > 50 ml)

Após o seguimento, 63,8% das pacientes apresentaram alguma complicação da ferida operatória, sendo as mais frequentes necrose (39,3%) e seroma (30,8%). Não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos para nenhum dos desfechos avaliados (p > 0,05) ao avaliar a incidência de complicações da ferida cirúrgica de acordo com o grupo de intervenção. Esses resultados foram mantidos mesmo após ajuste para idade, tipo de cirurgia e abordagem axilar. Não foi observada diferença na incidência de complicações da ferida cirúrgica entre os dois grupos de intervenção ao estratificar os dados por tipo de cirurgia ou por via axilar

 

Legendas: ADM = amplitude de movimento; FAM = Grupo Amplitude de Movimento Livre; RAM = Grupo Amplitude de Movimento Restrita, GI = grupo intervenção; GC = grupo controle; Qol-BC = Quality of Life Instrument – Breast Cancer Patient Version; DASH = Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand.

 

 

Quadro 3. Escala PEDro

Autor(es) e ano

Cinar, Seckin, Keskin, et al. (2008)12

Jansen, van Groot, Rottier, et al. (1990)13

Majed, Neimi, Youssef, et al. (2020)14

Rizzi, Haddad, Giron, et al. (2020)15

Teodózio, Marchito, Fabro, et al. (2020)16

Elegibilidade especificada (sim/não)

Não

Sim

Sim

Sim

Sim

Alocação randomizada (0-1)

1

1

1

1

1

Alocação cega (0-1)

0

0

0

0

1

Homogeneidade nos grupos (0-1)

1

0

1

0

1

Sujeitos cegos (0-1)

0

0

0

0

0

Fisioterapeutas cegos (0-1)

1

0

0

0

0

Avaliadores cegos (0-1)

0

0

0

0

0

85% Follow-up (0-1)

1

0

0

0

0

Intenção de tratamento (0-1)

0

1

0

1

1

Comparações intergrupos (0-1)

0

0

0

1

1

Medidas de precisão e variabilidade (0-1)

1

1

1

1

1

Escala total PEDro (0-10)

5

4

4

5

 

Nota: Pontuação escala PEDro: validade externa (item 1); análise do risco de viés (itens 2-9); e descrição estatística (itens 10 e 11).

 

 

DISCUSSÃO

Mulheres que tenham sido submetidas a tratamento cirúrgico para câncer de mama podem realizar exercícios para MMSS com intuito de melhora na ADM, força muscular, função de MMSS sem que ocorra a formação de seroma. No presente estudo, três artigos avaliaram a ADM12,14,15, dois, a incidência de seroma15,16, dois, a função de MMSS12,14 e, por fim, um artigo, a força de MMSS14.

 

O seroma é um líquido seroso proveniente de um processo exsudativo (característico da fase inflamatória do processo cicatricial) que se acumula nos espaços mortos após o fechamento da ferida cirúrgica. Está associado a diversos fatores de risco, como obesidade, idade, índice de massa corporal (IMC), duração e tipo de cirurgia, tratamentos neoadjuvantes, tamanho do tumor, quantidade de perda de sangue intraoperatória e duração da drenagem17,18. Além da imobilização do ombro, descrita como fator que previne a formação do seroma, alguns estudos entre 1997 e 2007 indicaram que o início do exercício no primeiro dia de pós-operatório imediato resulta em maior incidência de formação de seroma, com diferenças significativas quando comparado ao início tardio17-20.

 

Entretanto, no presente estudo, a maioria da literatura demonstra que mulheres com câncer de mama que iniciaram um programa de exercícios para a mobilidade do ombro no primeiro dia de pós-operatório, apresentaram melhora significativa na mobilidade do ombro-braço (função de MMSS), força e melhora de ADM, em comparação com as que não realizaram. Ao avaliar a incidência de complicações da ferida cirúrgica, incluindo seroma, Teodózio et al.16 não observaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos para nenhum dos desfechos que o estudo avaliou (p > 0,05). O estudo comparou 461 mulheres divididas em um grupo intervenção com exercícios livres desde o primeiro dia de pós-operatório e um grupo restrito a 9016. Já Rizzi et al.15 decidiram comparar os dois grupos apenas após 15 dias de pós-operatório, antes disso, os dois grupos permaneceram com ADM limitada a 90°, com uma amostra de 60 mulheres, e não observou diferença significativa entre os grupos15. Jansen et al.13, com amostra de 144 mulheres, observaram que pacientes do grupo controle tiveram 14% menos volume de drenagem da ferida (600 ± 436 ml vs. 701 ± 398 ml) do que pacientes do grupo intervenção, mas essa diferença não foi estatisticamente significativa13.

 

Os artigos que avaliaram seroma não observaram diferença significativa entre os grupos em relação à incidência de seroma. O estudo de Jansen et al.16 avaliou a presença de seroma pela inspeção e palpação e se houvesse a necessidade de punção, já o estudo de Rizzi et al.15, pelo volume nos drenos.

 

Os estudos têm mostrado que os exercícios podem ser iniciados no primeiro dia de pós-operatório, sem a necessidade da restrição de movimento do ombro a 90º, tendo em vista que, na maioria dos estudos, a incidência de seroma se manteve sem diferença significativa entre grupos com ADM restrita ou livres. Assim, os outros fatores que influenciam no surgimento do seroma podem estar mais relacionados a sua incidência em pós-operatórios de câncer de mama do que nos exercícios para mobilidade de ombro com amplitude livre. É importante ressaltar que todos os estudos verificaram a presença de seroma ou deiscência durante o estudo, e se algum destes estivesse presente, os pacientes eram orientados a continuar os exercícios, porém limitando-os a 90° de ADM, de acordo com as orientações do Bergmann et al.21.

 

Para a avaliação da ADM, os estudos foram realizados por meio da goniometria12,14,15. Em Cinar et al.12, as diferenças ao longo do tempo nos movimentos de flexão, abdução e adução, também foram significativamente melhores no grupo intervenção comparado ao grupo controle (p < 0,01, p < 0,001, p < 0,005, respectivamente). As amplitudes médias de flexão e abdução retornaram aos valores pré-operatórios próximos mais rapidamente no grupo intervenção em relação ao grupo controle12. Em Majed et al.14, houve diferenças significativas na segunda e na quarta semana após a cirurgia. A flexão em duas semanas para o grupo intervenção foi maior do que para o grupo controle (p = 0,04). Assim como para Rizzi et al.15 que também não encontraram diferença entre os grupos em relação às alterações na ADM do ombro15. Dos artigos que analisaram ADM como desfecho, todos notaram maior ganho de ADM no grupo intervenção em comparação com dois estudos que não observaram diferenças significativas entre os grupos12,14,15. Portanto, realizar uma intervenção imediata em pós-operatório de câncer de mama confere aos pacientes uma melhor ADM para realização de suas atividades de vida diária e minimiza atrasos para as terapias adjuvantes.

 

Para Cinar et al.12, a recuperação da pontuação do questionário funcional da extremidade superior também foi significativamente melhor no grupo intervenção em comparação com o grupo controle (p < 0,05). No grupo intervenção, o escore do questionário funcional no sexto mês de seguimento foi menor que o basal, indicando que os pacientes apresentavam melhores funções dos MMSS em relação ao período pré-operatório. O questionário Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (DASH) também foi usado no estudo de Rizzi et al.15 e a análise de variância do estudo não mostrou diferença na função do membro superior entre os grupos durante o seguimento11. Em relação à função dos MMSS, um artigo descreveu uma diferença significativa entre os grupos em que a intervenção apresentou melhora quanto a esse desfecho, contra um estudo que não observou uma diferença significativa entre os grupos comparados. Deve-se considerar a discrepância entre os instrumentos utilizados nos dois artigos.

 

Os potenciais vieses para o estudo que podem ser considerados são: a heterogeneidade dos programas de exercícios testados; a diversidade de instrumentos utilizados para a avaliação de cada desfecho; o cegamento adequado da alocação dos participantes, pelo menos dos terapeutas que realizavam as avaliações; e falta de informações sobre análise do risco de viés em alguns estudos. A diferença de abordagem cirúrgica entre os participantes de cada estudo pode também ser um fator limitante para resultados mais fidedignos.

 

Em consonância com os resultados deste estudo, uma revisão Cochrane em 2010, que incluiu 24 estudos envolvendo 2.132 mulheres com câncer de mama, examinou o efeito da implementação precoce vs. tardia do exercício pós-operatório. Tal estudo22 concluiu que o exercício precoce foi mais eficaz do que o exercício tardio em significância estatística e clínica na ADM. Os autores recomendaram mais pesquisas que monitorem de perto a frequência e a intensidade do programa de exercícios. Em Yang et al.23, uma revisão sistemática mais recente em 2018, de seis estudos, incluindo dois ensaios clínicos randomizados, concluiu que programas de treinamento para pacientes submetidos à cirurgia de câncer de mama podem reduzir a dor e melhorar a recuperação funcional, especialmente no aumento da ADM do ombro22.

 

CONCLUSÃO

Mulheres que tenham sido submetidas a tratamento cirúrgico para câncer de mama podem realizar exercícios para MMSS, para melhora na ADM, força muscular, função de MMSS sem que ocorra a formação de seroma. Realizar uma intervenção imediata em pós-operatório de câncer de mama confere aos pacientes uma melhor ADM para realização de suas atividades de vida diárias e minimiza atrasos para as terapias adjuvantes. Iniciar o programa de exercícios no pós-operatório imediato tanto no 1° ou 15° dia, quanto iniciar após retirada de pontos e drenos, conforme previamente protocolado, terá a mesma probabilidade para formação de seroma. É importante que novos estudos sejam realizados, a fim de mensurar quais outros fatores estão relacionados ao surgimento do seroma.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 6/5/2024

Aprovado em 14/8/2024

 

Editor-associado: Fernando Lopes Tavares de Lima. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8618-7608

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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