EDITORIAL

 

Está na Hora de Integrar a Cessação do Tabagismo ao Tratamento do Câncer

It's Time to Integrate Smoking Cessation into Cancer Treatment

Es Hora de Integrar la Deshabituación Tabáquica en el Tratamiento del Cáncer

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n2.4717

 

Stella Aguinaga Bialous1

 

1University of California. 490 Illinois St., Floor 12, Box 0612. San Francisco, EUA. CA 94143. E-mail: stella.bialous@ucsf.edu. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6471-5457

 

O Brasil segue como um modelo mundial nas suas políticas de controle do uso do tabaco e prevenção de vício à nicotina. A queda importante da prevalência de tabagismo entre adultos e jovens se deve a medidas baseadas em evidências científicas, com mobilização de tomadores de decisão, equipe técnicas de várias esferas governamentais e, sobretudo, a sociedade civil.

 

Na área de cessação do tabagismo, o Brasil também é destaque, tendo integrado, ao Sistema Único de Saúde (SUS), a assistência ao usuário de tabaco, inclusive com a provisão de medicamentos aprovados para esse fim1. Apesar de alguns desafios relacionados à continuidade dos serviços e à disponibilização de medicamentos, a integração da cessação na rede de atenção primária continua sendo um modelo de implementação das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do compromisso com a Convenção-Quadro da OMS para o Controle do Tabaco, da qual o Brasil é parte. No entanto, vários grupos populacionais que usam tabaco ainda não se beneficiam desses serviços. Entre eles, se incluem as pessoas com diagnóstico de câncer.

 

Os benefícios da cessação do uso do tabaco após o diagnóstico de câncer foram estabelecidos há mais de uma década (a maioria dos estudos enfoca parar de fumar cigarros, porém sabe-se que o recomendado é para o uso de qualquer tipo de tabaco). A cessação após o diagnóstico diminui o risco de morte. Uma metanálise estimou a redução em mortalidade 43% a 52% maior em pacientes que pararam de fumar comparados com aqueles que continuaram fumando após o diagnóstico da câncer2. Além da redução de mortalidade e do aumento da sobrevida, a cessação aumenta o sucesso dos vários métodos de tratamento, inclusive diminuindo a prevalência de efeitos colaterais e suas complicações3. Em 2023, o National Cancer Institute publicou a sua 23ª Monografia, destacando o tratamento da dependência ao tabaco em pacientes com câncer4. Tal publicação inclui uma série de materiais educativos para profissionais de saúde e enfatiza a prevalência de uso de tabaco maior entre pessoas com diagnóstico de câncer comparadas com a população em geral.

 

Em 2019, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO, do inglês American Society of Clinical Ongology) publicou um guia detalhado para profissionais de saúde5, pacientes e familiares6 sobre a cessação após o diagnóstico de câncer. Esse guia foi desenvolvido após a constatação de que a maior parte dos centros de referência para tratamento de câncer nos Estados Unidos não tinha uma forma sistemática de identificar os usuários de tabaco e oferecer tratamento para a cessação. Tal constatação levou à criação de uma iniciativa nacional para integrar o tratamento à dependência do tabaco ao tratamento de câncer7.

 

No entanto, a implementação dessas medidas continua inadequada. Profissionais de saúde muitas vezes hesitam em abordar o uso do tabaco, não entendendo a cessação como parte integral do sucesso do tratamento de câncer. Talvez esses profissionais estejam apenas demonstrando décadas de campanhas da indústria do tabaco em promover o vício com “estilo de vida” ou “escolha pessoal.” Porém, ao negligenciar o tabaco na abordagem ao paciente e no plano de tratamento, os profissionais de saúde estão negando a seus pacientes a oportunidade de um melhor prognóstico. Um outro motivo para que essa abordagem não seja feita é a falta de capacitação nas universidades e nos cursos de residência especializados em oncologia para o tratamento do usuário do tabaco.

 

No Brasil, os dados estão começando a emergir, mas observou-se o mesmo padrão em vários outros países do mundo, onde uma minoria de centros de referência para tratamento do câncer inclui as medidas preconizadas pelo Plano Nacional de Controle do Tabagismo para a cessação8. A necessidade de tratamento ao tabagista com diagnóstico de câncer torna-se então uma questão prioritária.

 

Soluções existem. O Brasil tem uma grande rede de capacitação de profissionais de saúde para a cessação que poderia ser mobilizada para preparar os profissionais da oncologia na abordagem ao tabagista. A identificação do usuário do tabaco pode ser feita, e repetida, nos múltiplos contatos que os pacientes têm com o sistema de saúde, mesmo antes do diagnóstico, e anotada no prontuário. As medidas de sucesso, ou recaída, da cessação podem ser incorporadas a todos os vários seguimentos que o sistema de saúde faz com os pacientes de câncer. Ou seja, porque tratar e como tratar é sabido e comprovado. Nesse momento, precisa-se que tomadores de decisão em nível institucional coloquem em prática e façam cumprir medidas que são baseadas em evidência e que levam a um aumento e a uma melhoria de vida das pessoas com diagnóstico de câncer. Científica e eticamente não existe justificativa para não oferecer a esses pacientes o cuidado que a eles se deve.

 

REFERÊNCIAS

1.     Instituto Nacional de Câncer [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2022. Dados e números do tratamento para cessação do tabagismo no Brasil. Conheça os principais dados e números do tratamento do tabagismo no Brasil. 2022 ago 25. [acesso 2024 mar 19 atualizado em 2024 abr 17]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/programa-nacional-de-controle-do-tabagismo/dados-e-numeros

2.     Graham WW, Alberg AJ, Cummings KM, et al. Smoking cessation after a cancer diagnosis is associated with improved survival. J thorac oncol. 2020;15(5):705-8. doi: https://doi.org/10.1016/j.jtho.2020.02.002

3.     Chellappan S. Smoking cessation after cancer diagnosis and enhanced therapy response: mechanisms and significance. Curr Oncol. 2022;29(12):9956-69. doi: https://doi.org/10.3390/curroncol29120782

4.     U.S. National Cancer Institute. Treating Smoking in Cancer Patients: an essential component of cancer care. National Cancer Institute tobacco control monograph 23. Bethesda: NIH; 2022. [acesso 2024 mar 19]. Disponível em: https://cancercontrol.cancer.gov/brp/tcrb/monographs/monograph-23

5.     American Society of Clinical Ongology [Internet]. Alexandria: ASCO; 2005. Tobacco Cessation Tools & Resources. [Sem data]. [acesso 2024 fev 3]. Disponível em https://society.asco.org/news-initiatives/current-initiatives/prevention-survivorship/tobacco-cessation-control/tools

6.     American Society of Clinical Oncology [Internet]. Alexandria: ASCO; 2005. Stopping Tobacco Use After Cancer Diagnosis. [Sem data]. [acesso 2024 fev 3]. Disponível em https://www.cancer.net/navigating-cancer-care/prevention-and-healthy-living/stopping-tobacco-use-after-cancer-diagnosis

7.     D'Angelo H, Hohl SD, Rolland B, et al. Reach and effectiveness of the NCI cancer moonshot-funded cancer center cessation initiative. Transl Behav Med. 2022;12(5):688-92. doi: https://doi.org/10.1093/tbm/ibac009.

8.     Cantarino C. Santiago CC. O tratamento de tabagismo para o paciente com câncer. Rede Câncer [Internet]. 2011 [acesso 2024 fev 3];53:38-40. Disponível em https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/artigo-rede-cancer-16.pdf

 

 

Recebido em 14/5/2024

Aprovado em 14/5/2024

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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