ARTIGO ORIGINAL
Música Terapêutica como Medida de Enfrentamento para Pacientes sob Cuidados Oncológicos
Therapeutic Music as a Coping Measure for Patients in Oncology Care
La Música Terapéutica como Medida de Afrontamiento en Pacientes Bajo Atención Oncológica
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n3.4723
Danielle Fernanda Japira1; Ana Cláudia Barbosa Honório Ferreira2
1Universidade Federal do Triangulo Mineiro, Hospital das Clínicas. Uberaba (MG), Brasil. Centro Universitário de Lavras. Lavras (MG), Brasil. E-mail: danimcl46@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0001-8837-719x
2Centro Universitário de Lavras. Lavras (MG), Brasil. E-mail: ananepe@unilavras.edu.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-4289-7699
Endereço para correspondência: Ana Cláudia Barbosa Honório Ferreira. Rua das Gameleiras, 103 – Eldorado. Lavras (MG), Brasil. CEP 37202-624. E-mail ananepe@unialvras.edu.br
RESUMO
Introdução: Os cuidados a pacientes oncológicos englobam práticas que visam melhorar a qualidade de vida de maneira que possam enfrentar o tratamento e doença, e a música vem como forma de humanizar o cuidado prestado. Objetivo: Identificar as contribuições da música como fim terapêutico em pacientes oncológicos no enfrentamento da doença; além de analisar as percepções dos pacientes sobre a terapia musical. Método: Pesquisa descritiva exploratória, de cunho qualitativo, guiada e analisada à luz da Teoria do Conforto de Kolcaba, realizada com 29 pessoas em tratamento oncológicos, acompanhadas por uma entidade de apoio. A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada, realizada após uma apresentação musical. Resultados: O material empírico foi organizado em três categorias: a relação da música com a mudança de humor, com o relaxamento e com a esperança. A música terapêutica produz mudanças positivas, restaurando a paz e o equilíbrio emocional, reduz tensões negativas, proporciona bem-estar e conforto. Conclusão: A música terapêutica pode contribuir muito na humanização do cuidado ao proporcionar melhora do humor, relaxamento e esperança, além de proporcionar melhora da qualidade de vida durante o tratamento e maior adesão.
Palavras-chave: Neoplasias/terapia; Humanização da Assistência, Musicoterapia; Enfermagem.
ABSTRACT
Introduction: Care for cancer patients encompasses practices aimed to improve the quality of life, so that they can cope with treatment and illness, and music comes as a way of humanizing the care. Objective: To identify the contributions of music as a therapeutic goal in cancer patients to cope with the disease, in addition to analyzing patients' perceptions about music therapy. Method: Exploratory, descriptive, qualitative research, guided and analyzed in light of Kolcaba's Comfort Theory, carried out with 29 individuals undergoing cancer treatment, accompanied by a support entity. Data collection was conducted through a semi-structured interview, soon after a musical performance. Results: The empirical material was organized into three categories: the relationship between music and mood change, relaxation and hope. Therapeutic music produces positive changes, restoring peace and emotional balance, reduces negative tensions, provides well-being and comfort. Conclusion: Therapeutic music can contribute greatly for the humanization of care through mood, relaxation and hope improvement, in addition to quality of life during treatment and greater adherence.
Key words: Neoplasms/therapy; Humanization of Care; Music Therapy; Nursing.
RESUMEN
Introducción: La atención al paciente con cáncer abarca prácticas que tienen como objetivo mejorar la calidad de vida, para que puedan afrontar el tratamiento y la enfermedad, y la música surge como una forma de humanizar la atención brindada. Objetivo: Identificar las contribuciones de la música como objetivo terapéutico en pacientes con cáncer en el enfrentamiento de la enfermedad; además de analizar las percepciones de los pacientes sobre la musicoterapia. Método: Investigación descriptiva exploratoria, de carácter cualitativo, guiada y analizada a la luz de la Teoría del Confort de Kolcaba, realizada con 29 personas en tratamiento oncológico, acompañadas de una entidad de apoyo. La recolección de datos se realizó a través de una entrevista semiestructurada, realizada después de una actuación musical. Resultados: El material empírico se organizó en tres categorías: la relación entre la música y el cambio de humor, la relajación y la esperanza. La música terapéutica produce cambios positivos, restableciendo la paz y el equilibrio emocional, reduce las tensiones negativas, proporciona bienestar y confort. Conclusión: La música terapéutica puede contribuir en gran medida a la humanización de la atención proporcionando mejoras del estado de ánimo, relajación y esperanza, además de mejorar la calidad de vida durante el tratamiento y una mayor aceptación.
Palabras clave: Neoplasias/terapia; Humanización del Cuidado, Musicoterapia; Enfermería Oncológica.
INTRODUÇÃO
O câncer abrange mais de 100 tipos diferentes de doenças malignas e tem como característica o crescimento de células, de maneira desordenada, que podem invadir outros tecidos e órgãos. A doença e o tratamento tendem a ser agressivos, levando o paciente a cuidados especializados, objetivando a qualidade de vida por meio do alívio e da prevenção do sofrimento, agravos e sintomas, além da possibilidade de cura1.
O tratamento do câncer é notoriamente agressivo, refletindo a necessidade de combater uma doença que, muitas vezes, é resistente e invasiva. As terapias tradicionais, como a quimioterapia e a radioterapia, embora eficazes em combater células cancerosas, também danificam células saudáveis, resultando em efeitos colaterais significativos, como náuseas, fadiga extrema, perda de cabelo, e um aumento da suscetibilidade a infecções. Além disso, cirurgias para remover tumores podem ser extensivas e exigem longos períodos de recuperação1-3.
Mesmo os tratamentos mais modernos, como a imunoterapia e a terapia-alvo, que são projetados para ser mais precisos, podem desencadear respostas imunológicas severas e outras complicações. Essa agressividade é um reflexo da complexidade e da gravidade do câncer, exigindo abordagens intensivas para aumentar as chances de sobrevivência e remissão1-3.
Diante desse cenário, vê-se a necessidade de intervir para melhorar a qualidade de vida do paciente e o enfrentamento da doença, e a música é um método que pode ser seguro e eficaz1,2.
A Federação Mundial de Musicoterapia refere que esta é praticada pelo profissional da música, que a utiliza para realizar intervenções, com o intuito de melhorar o bem-estar físico, social, emocional, intelectual, comunicativo, espiritual e a qualidade de vida de grupos, famílias, comunidades e até individualmente. A prática é realizada na área da saúde, em contextos sociais, educacionais, além de ser utilizada no cuidado aos pacientes oncológicos, e sob cuidados paliativos, podendo proporcionar bem-estar e conforto para pacientes e cuidadores4.
Apesar de amplamente utilizado, o termo musicoterapia se refere à prática conduzida por um musicoterapeuta com formação superior qualificada. Assim, o enfermeiro pode realizar a música terapêutica, que tem o mesmo fim, entretanto, sem o conhecimento científico aplicado ao musicoterapeuta qualificado, evidenciando a importância do tratamento multidisciplinar. Na enfermagem, a música vem sendo desenvolvida como estratégia de cuidado, proporcionando conforto, diminuição da dor, auxílio na comunicação e diminuição da ansiedade5.
A musicoterapia pode ser utilizada pela enfermagem em suas práticas, proporcionando aos pacientes maior cuidado e redução de riscos, sendo uma metodologia eficaz, não farmacológica e de baixo custo, e que pode oferecer mudanças favoráveis ao processo de cuidado6.
Pensando nisso, esta pesquisa tem como objetivo identificar as contribuições da música como fim terapêutico em pacientes oncológicos no enfrentamento da doença, buscando analisar as percepções de pacientes sobre a terapia musical durante o tratamento. Sendo a música uma ferramenta da humanização, entende-se que pode ser utilizada pelo enfermeiro para proporcionar auxílio no cuidado dos pacientes oncológicos.
MÉTODO
Pesquisa descritiva e exploratória, de cunho qualitativo, guiada e analisada à luz da Teoria do Conforto de Kolcaba7, que refere que o estado de conforto é sinalizado pela ausência de dor, preocupação, sofrimento, entre outros. Os pacientes em desconforto buscam receber cuidados de saúde que sejam individualizados, integrais e competentes7.
Pensando nessa teoria, os cuidados de enfermagem precisam ser direcionados para as necessidades expressas pelo ser cuidado em todas as suas dimensões existenciais, e não apenas para as necessidades físicas e biológicas dos indivíduos6,7.
A entidade onde ocorreu a coleta dos dados acolhe pessoas em tratamento oncológico, promove e apoia atividades de resgate da cidadania e inclusão social, sem discriminação de raça, sexo ou credo. Ela tem por missão contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que residem no município da pesquisa, além de cidades vizinhas. O acolhimento às pessoas é realizado durante o dia, de segunda a sexta-feira, com a realização de atividades que promovem a interação social, o acompanhamento psicológico, de enfermagem, nutricional e a terapia ocupacional.
Participaram da pesquisa pessoas em tratamento oncológico, com idade igual ou maior que 18 anos, que frequentam a entidade. A amostra foi por conveniência. As pessoas foram convidadas a participar nos dias em que a pesquisadora esteve no local. Não havia um n prévio, e o número de participantes foi contemplado no momento em que os discursos nas entrevistas começaram a se repetir. A amostra total foi de 29 participantes8.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número de parecer 5576265 (CAAE: 60217522.0.0000.5116), conforme as recomendações das diretrizes éticas relacionadas aos estudos que envolvem seres humanos de acordo com a Resolução 466/20129 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes foram orientados a respeito dos objetivos e métodos e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta dos dados ocorreu no período de maio a julho de 2023, com a realização de sete encontros com os participantes da entidade.
A abordagem consistiu, primeiramente, na apresentação da pesquisadora como enfermeira e cantora, além de explicitar seu interesse em realizar a pesquisa naquele local.
As pessoas que estavam, naquele momento, na área de convivência da entidade, foram convidadas a participar de uma apresentação musical, realizada pela pesquisadora, com violão ou ukulele, e voz ao vivo, com repertório previamente escolhido, além de estilos musicais baseados na opinião dos participantes durante as apresentações (pois eles puderam escolher o repertório que mais gostavam) e para satisfazer seu gosto pessoal. A pesquisadora é enfermeira e não possui vínculo com a entidade. Cada apresentação durou cerca de 30 minutos, por ser este o tempo disponibilizado pela entidade8. Vale ressaltar que esse local promove momentos de lazer, na área de convivência, que incluem apresentações musicais.
Após a apresentação musical, a pesquisadora convidava as pessoas a participarem de uma entrevista a respeito da “relação da música com o tratamento oncológico”. Para aqueles que concordavam em participar, a coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada, cujos participantes eram entrevistados, individualmente, em uma sala a parte, com privacidade entre a pesquisadora e o entrevistado. Todas as falas foram ouvidas, gravadas e transcritas na íntegra para melhor interpretação dos dados8,9. Participaram da entrevista de três a cinco pessoas por dia (durante os sete dias de apresentação musical), totalizando 29 participantes da pesquisa. Cada entrevista teve duração de cinco a dez minutos.
As pessoas que não concordaram em participar alegaram a indisponibilidade de tempo, ou não possibilidade de permanecer na entidade após a apresentação musical.
Primeiramente, foram coletados dados sociodemográficos. A seguir, a pesquisadora fez a seguinte pergunta para cada um dos participantes: “Como você se sente após participar dessa apresentação musical, em relação aos sintomas percebidos pelo tratamento oncológico?”.
Os participantes foram identificados como E1, E2, E3, e assim sucessivamente, para indicar os discursos realizados por cada um e preservar a identidade8,9.
Os dados foram transcritos e analisados por estatística descritiva à luz das referências sobre o cuidado às pessoas com câncer, e a influência da música terapêutica na condução do tratamento oncológico, baseada pelo princípio da saturação teórica, produzida a partir do conjunto das falas e da extração da interpretação de significado8.
Após a análise dos dados e o levantamento das informações, as categorias foram elencadas para representar e descrever os resultados encontrados. O resultado foi analisado e descrito à luz da Teoria do Conforto de Kolcaba7,8.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Participaram da pesquisa 29 pessoas, sendo 22 do gênero feminino e sete do sexo masculino. As idades variaram entre 32 anos e 92 anos, e o tempo de tratamento para o câncer durou em média de duas semanas até 14 anos de tratamento. Entre os participantes, quatro já encerraram o tratamento, um se encontrava em tratamento por remissão da doença, e o restante ainda se encontrava em tratamento após o diagnóstico da doença.
Após a análise das falas dos participantes, pôde-se chegar a três categorias temáticas: a relação da música com a mudança de humor, a relação da música com o relaxamento e a relação da música com a esperança.
Primeira categoria: A música e a mudança de humor
A ciência aponta que a mudança de humor ou o bom humor ajuda o organismo a se manter saudável, pois libera hormônios como a endorfina, controla a pressão sanguínea e melhora o sono10,11.
A música é capaz de proporcionar ao indivíduo momentos de alegria, felicidade e distração3. Ela é capaz de produzir mudanças positivas no humor, restaurando a paz e o equilíbrio emocional12, como relatado pelos participantes:
Coloca a música e canta, aí a gente já fica alegre começa a cantar junto (E1).
A música tem aquela alegria, que eleva a gente (E2).
A música me ajuda a estar alegre (E3).
Eu sinto um tipo de alegria quando escuto a música, as vezes a gente tá nervoso com a vida, a gente pega o instrumento começa a tocar umas músicas e melhora tudo (E4).
Às vezes a gente tá triste e escuta uma música, aí a gente se alegra né, e se alegra o coração (E5).
Música traz alegria, aí você esquece do problema (E6).
Medidas de conforto culminam na redução de tensões consideradas negativas e no maior envolvimento com tenções positivas, como a alegria que é proporcionada pela música. Assim, vê-se que a mudança de humor desencadeada pela música permite que o paciente se apresente feliz e alegre, e até se esqueça dos problemas, proporcionando uma melhoria no seu estado de enfrentamento da doença e na adesão ao tratamento, inclusive enfrentando os nervosismos do cotidiano7,13.
A música é capaz de causar sensações positivas, interação social e disposição que auxiliam na busca por saúde12.
Kolcaba7 relata que qualquer paciente infeliz, enfermo ou indisposto é capaz de ficar mais confortável, sendo a enfermagem uma das áreas capazes de atuar nessa vertente, proporcionando maior cuidado e humanização aos seus pacientes.
Os estímulos musicais podem influenciar na respiração, oxigenação, circulação sanguínea, digestão e atuação no sistema nervoso e humoral. A música reduz a fadiga, estimula a energia muscular, favorece o tônus muscular e facilita a expressão das emoções auxiliando na modulação do humor, sendo um excelente recurso terapêutico que pode e deve ser utilizado pela enfermagem14.
Como foi expressado por um dos participantes:
A tristeza atrapalha, mas a alegria ajuda, ajuda na aceitação do tratamento, ajuda no enfrentamento do processo e ajuda a viver (E7).
Existem três tipos de conforto: o alívio, a tranquilidade e a transcendência. O alívio se obtém a partir da necessidade do paciente de estar de bem com a vida, e emocionalmente estável, sendo essa uma necessidade para se viver bem; já a tranquilidade é alcançada quando o paciente se sente em paz e seguro, livre de preocupações e ansiedades; e a transcendência ocorre quando ele encontra um sentido mais profundo e significativo na vida, muitas vezes relacionado a experiências espirituais ou à conexão com algo maior que si mesmo7, 15.
Segunda categoria: A música e o relaxamento
O ato de relaxar consiste em várias técnicas com o objetivo de garantir o bem-estar do indivíduo, aliviando tensões, sejam elas mentais físicas ou emocionais. O uso de técnicas apropriadas propicia um melhor conhecimento do corpo e o combate ao estresse. Entre essas técnicas de relaxamento, está a música, que auxilia na combinação do relaxamento físico e mental15,16.
A música é capaz de proporcionar relaxamento, conforto e de facilitar a expressão de sentimentos como o luto, a tristeza e a raiva. Ameniza os sofrimentos, cativa, envolve e emociona17,18.
Como relatado pelos participantes:
A gente se sente mais relaxada, parece que mais desligada do mundo, dos problemas (E8).
Com a música me sinto tranquila, relaxada, paciente... (E9).
Quando a gente ouve a gente relaxa, viaja, conecta... (E10).
O conforto é encontrado no ato de satisfazer as necessidades humanas básicas para o alívio ou a transcendência, que podem surgir de ocasiões de cuidados estressantes. Quando o paciente está calmo, ele torna-se mais receptivo aos tratamentos, a opiniões, e isso surte respostas no próprio organismo, como o controle da pressão arterial e o aumento da imunidade7,19.
Sinto bem, minha alma suspira, tira até assim o mal pensar que a música é bom pra alma, bom pra vida, eu adoro... (E11).
Às vezes escuto música, me sinto bem, relaxada, sou assistida a um mês, a música me ajuda a enfrentar a doença... (E12).
Primeiro que a música ela nasceu no céu e a música independente do ritmo, o que avacalha o funk é a letra, mas eu gosto da música porque ela tem um efeito, a terapia... (E11).
Evidenciando a capacidade que a música tem de transcender, visto que o câncer é extremamente estressante ao indivíduo – tanto a doença como o tratamento –, medidas de alívio são necessárias para a promoção de relaxamento proporcionado pela música7,20.
A música é válida por oferecer apoio e tranquilizar o paciente perante as situações inerentes ao tratamento. Além do conforto, propicia acolhimento, aconchego, prazer e segurança, contribuindo para a melhora da qualidade de vida, enquanto ele passa pelo processo de adoecimento. O cliente também pode sentir mais saúde e vida ao escutar a música evocando tranquilidade e segurança13,14.
O relaxamento e o estímulo produzem uma melhoria na saúde de maneira preventiva, reduzindo riscos ou aumentando a resistência a problemas de saúde; e paliativa, melhorando a qualidade de vida de quem enfrenta a doença. Além disso, a música pode ser utilizada em contextos psicoterapêuticos ou em sessões de relaxamento; mesmo em casa, de forma passiva, é capaz de apresentar efeitos positivos18,20.
Pode desencadear redução do desconforto, diminuição do cansaço, melhora da dor e disposição, mudanças benéficas de padrões fisiológicos, proporcionando uma maior aceitação do tratamento e da situação vivenciada com a doença 21.
É importante ressaltar que, se a música tiver como objetivo promover o relaxamento, deve-se conhecer a preferência dos sujeitos no momento da musicoterapia, além do estilo musical, e do contexto do cuidado no qual estão inseridos, proporcionando um momento individual e humanizado7. O relaxamento é um dos mecanismos relacionados ao alívio da dor, além da distração, alteração do foco e liberação de endorfinas15.
Kolcaba7 descreve o segundo tipo de conforto como a tranquilidade, referente à calma, ou ato de sanar necessidades específicas que causam desconforto.
Uma música dá certo... a gente até..., porque passa a dor né..., a gente pensa só o bão, o mió... (E14).
Ajuda um pouco no tratamento porque às vezes tem um tipo de dor que a gente tá sentindo..., ajuda bastante... (E15).
O paciente sob tratamento oncológico, quando em contato com melodias de forma receptiva – em que o cliente apenas ouve a música –, apresenta diminuição de seus níveis de ansiedade e de angústia. A música ajuda a desfocar, relaxar, encontrar conforto, e seu efeito de tranquilidade e de bem-estar permanecem17,21.
Quando as preferências musicais são utilizadas de forma individual, o cérebro é capaz de processar a música de maneira mais fisiológica. Pensando na área da saúde, a neurociência refere que a musicoterapia proporciona resultados considerados positivos no aspecto social e somaticamente18.
Os benefícios encontrados com a musicoterapia convergem no âmbito cognitivo, espiritual e psicológico, demonstrando sua significância e justificando sua utilidade18.
Terceira categoria: A música e a esperança
“Enquanto há vida, há esperança!” Expressão que reflete a extensa dimensão do que é esperança. Define a capacidade de sonhar, de esperar um futuro diferente, um futuro melhor, mesmo diante das adversidades. Na vida humana, ela aparece associada em todas as dimensões da vida do ser humano. No tratamento do câncer, é a chave da resiliência e é capaz de ajudar o paciente a passar pelos processos de forma bem mais leve16.
A música é capaz de proporcionar bem-estar, aconchego, acolhimento, esperança e reflexão3. E sabe-se que o conforto é o resultado do cuidado que promove ou facilita comportamentos de busca de saúde. Assim, aumentando o conforto, aumenta-se a esperança e também a busca pela saúde, pois, quando o paciente se encontra esperançoso, tem forças para lutar, tem forças para viver11, como citado pelos participantes:
Sentia assim sabe, que tem esperança, que ainda havia uma luz no fim do túnel... (E16).
Sinto bem, música é música, uai dependendo da situação a música ajuda muito, ajuda você a viver né... (E17).
A música pode trazer à tona reflexões a respeito da doença, que é somente uma circunstância, um momento, e não é capaz de impedi-lo de se sentir bem e feliz, demonstrado que há esperança de que seja apenas uma fase, e não se resume à quem são, ou a uma vida toda4.
Com sua vibração, emite um som que afasta a morte, preenchendo o silêncio, trazendo assim esperança e força de vontade para viver e enfrentar o processo5.
Muitos pacientes sentem o medo da morte, o medo do abandono, da solidão, da tristeza, e a música tem o poder de ajudar16, como relatado pelos participantes:
Ajuda a gente lidar com a solidão, não deixa a gente cair, atrair o pânico a depressão... (E18).
Me ajuda porque tem dia que tenho vontade de chorar e pra ser sincera eu não gosto de chorar, aí quando eu sinto aquela vontade sabe, aí eu ligo o celular, ouço no YouTube, aí já vou melhorando... (E19).
A enfermagem desempenha um papel crucial em proporcionar alívio, presença, compaixão e cuidado de maneira holística, humanizada e fundamentada na ciência2,12. E a música é um recurso que auxilia a enfermagem por proporcionar bem-estar, diminuição da ansiedade e da tristeza, trazendo consigo a esperança daquilo que ainda há de vir, desde a melhora ou possível cura, além de favorecer a espiritualidade. Ademais, é capaz de promover força e ânimo para continuar o tratamento2.
Ao desviar o foco do paciente da doença, observa-se a resolutividade dos problemas com a utilização da musicoterapia, pois os benefícios são verificados com a otimização dos recursos terapêuticos20.
Terapeuticamente, a musicoterapia consegue auxiliar no convívio social, além de distrair o paciente, o que proporciona o alívio dos sintomas causados pelo tratamento oncológico14,20.
Aí coloca a música e canta, aí a gente já fica alegre, começa a cantar junto, quando a música é evangélica então, eu até choro de tão feliz que eu fico... (E20).
Ouvir música traz paz pra gente... (E21).
Eu sinto graças a Deus, sinto paz, leve... (E22).
A música, dentro do contexto de adoecimento, tem o poder de ajudar a viver, ajudar a sobreviver e a repensar a vida com esperança e, mesmo findado o tratamento, as lições ficam, e a música continua fazendo parte da vida das pessoas na promoção do bem-estar, ocasionando boas lembranças e esperança em viver melhor18,22.
Dependendo da música, a gente repensa a vida né, repensa tudo, os conceitos e tudo... (E23).
...após o tratamento sim porque você leva um tapa da vida, aí começa a procurar coisas que te fazem bem, eu já lia, agora escuto mais música... (E24).
Gosto muito de música clássica, eu me sinto bem, não sei explicar, emoções, tem músicas que trazem lembranças... (E25).
Kolcaba7 refere como último tipo de conforto a transcendência, que é vista como “uma condição em que se está por cima dos problemas e da dor própria", em que o enfermeiro não apenas satisfaz uma necessidade, mas motiva e educa o cliente, para que, assim, ele mesmo possa adotar hábitos de conforto e desenvolver autonomia; e a esperança traz a motivação e a força para lutar7,19.
A música terapêutica, juntamente com o cuidado ao paciente oncológico, é capaz de inspirar mais vontade de viver ao paciente, trazendo a sensação do ser-cuidado e ressignificando a sua existência17.
É importante que a enfermagem se preocupe com seu papel profissional na realização de cuidados considerados paliativos. Promover pesquisas nessa linha, com o auxílio da música como tecnologia para o cuidado, pode auxiliar na melhora da qualidade de vida dos pacientes oncológicos. Pesquisas mostram bons resultados após a utilização da música e também associam as funções da enfermagem na identificação de alterações comportamentais dos pacientes quando os cuidados são associados à música, o que estimula uma maior interação paciente/enfermeiro e uma maior proximidade com o acalento musical2,12,14.
CONCLUSÃO
A música terapêutica pode contribuir no enfrentamento do câncer, agindo na mudança de humor e proporcionando relaxamento, esperança e, consequentemente, maior adesão ao tratamento e melhora da qualidade de vida. Tudo isso perpassa o conforto que a enfermagem busca oferecer dentro da prática do cuidar. A música, como método terapêutico, pode ser uma ferramenta de conforto para os pacientes.
CONTRIBUIÇÕES
Ambas as autoras contribuíram na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; assim como na redação e revisão crítica, e aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Não há.
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Recebido em 22/5/2024
Aprovado em 17/7/2024
Editor-associado: Mario Jorge Sobreira da Silva. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0477-8595
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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