ARTICLE ORIGINAL

 

Qualidade de vida e Manifestações Orais em Pacientes Pediátricos em Tratamento Antineoplásico em Aracaju, SE

Quality of life and Oral Manifestations in Pediatric Patients under Antineoplastic Treatment in Aracaju, SE

Calidad de Vida y Manifestaciones Orales en Pacientes Pediátricos en Tratamiento Antineoplásico en Aracaju, SE

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n3.4766

 

Brenda Cristina Teles Santos1; Thaynara Santos Souza2; José Lucas Feitosa3; Débora Menezes Regis4; Vitória Virgínia Maria Machado Vanderley5; Sara Juliana de Abreu de Vasconcellos6

 

1-6Universidade Tiradentes (Unit). Aracaju (SE), Brasil.

1E-mail: brendacristinateles@outlook.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-8024-6809

2E-mail: starship.thay@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6047-6698

3E-mail: feitosajlucas@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-0232-9654

4E-mail: deboramregis@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9956-1913

5E-mail: vitoriavirginiamachado@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-8972-3595

6E-mail: sarajulianad@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-0922-6738

 

Endereço para correspondência: José Lucas Feitosa. Departamento de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe. Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos – Jardim Rosa Elze. São Cristóvão (SE), Brasil. CEP 49100-000. E-mail: feitosajlucas@gmail.com

 

 

RESUMO

Introdução: O câncer infantojuvenil é um grupo de doenças caracterizadas pela proliferação descontrolada de células anormais. O tratamento antineoplásico frequentemente causa efeitos adversos, incluindo alterações orais significativas. Objetivo: Avaliar a presença de manifestações orais em crianças em tratamento antineoplásico e a qualidade de vida relacionada à saúde bucal. Método: Estudo transversal com abordagens quantitativa e qualitativa. Foram avaliados 23 usuários de 0 a 14 anos da Associação dos Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe. As alterações na cavidade oral foram avaliadas por meio de exame físico realizado em um ambulatório odontológico. A qualidade de vida relacionada à saúde bucal foi analisada utilizando o Parental-Caregiver Perceptions Questionnaire (P-CPQ). Resultados: O sexo mais prevalente foi o masculino (52%) e a neoplasia mais comum, a leucemia linfocítica aguda (45%). A faixa etária predominante foi de 6 a 10 anos. Os escores de qualidade de vida foram altos. O exame bucal revelou poucas manifestações clínicas (ausência em 75% dos casos), enquanto as manifestações relatadas destacaram alterações no paladar (73%). Conclusão: A quantidade de manifestações orais foi pequena. O P-CPQ indicou um declínio na qualidade de vida das crianças em razão das experiências relacionadas ao tratamento antineoplásico.

Palavras-chave: Manifestações Bucais; Boca/efeitos dos fármacos; Qualidade de Vida; Pediatria.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Childhood cancer is a group of diseases that have in common the uncontrolled proliferation of abnormal cells. Antineoplastic treatment causes adverse effects, especially oral changes. Objective: To evaluate the presence of oral manifestations in children undergoing antineoplastic treatment and the quality of life related to oral health. Method: Cross-sectional study with a quantitative and qualitative approach. Twenty-three users, aged 0 to 14 years old, from the Association of Volunteers at the Service of Oncology in Sergipe were evaluated. Alterations in the oral cavity were evaluated by clinical examination at a dental outpatient clinic. Oral health-related quality of life was analyzed using the Parental-Caregiver Perceptions Questionnaire (P-CPQ). Results: The most prevalent sex and neoplasm, respectively, were male (52%) and acute lymphocytic leukemia (45%), and the predominant age group was 6 to 10 years old. Quality of life scores were high. Oral examination revealed few clinical manifestations (absent in 75% of cases), while reported manifestation highlighted changes in taste (73%). Conclusion: The number of oral manifestations was small. The PCP-Q proved to decline in the quality of life of children in the midst of the experience of dealing with antineoplastic treatment.

Key words: Oral Manifestations; Mouth/drug effects; Quality of Life; Pediatrics.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer infantil es un grupo de enfermedades que tienen en común la proliferación descontrolada de células anormales. El tratamiento antineoplásico causa efectos adversos, especialmente cambios orales. Objetivo: Evaluar la presencia de manifestaciones orales en niños sometidos a tratamiento antineoplásico y la calidad de vida relacionada con la salud bucal. Método: Estudio transversal, con enfoque cuantitativo y cualitativo. Fueron evaluados 23 usuarios, con edades de 0 a 14 años, de la Asociación de Voluntarios del Servicio de Oncología de Sergipe. Las alteraciones en la cavidad bucal se evaluaron mediante examen clínico en un servicio ambulatorio dental. La calidad de vida relacionada con la salud bucal se analizó mediante el Cuestionario de Percepciones de Padres-Cuidadores (P-CPQ). Resultados: El sexo y la neoplasia más prevalentes, respectivamente, fueron el masculino (52%) y la leucemia linfocítica aguda (45%), y el grupo etario predominante fue el de 6 a 10 años. Las puntuaciones de calidad de vida fueron altas. A la exploración bucal se observaron pocas manifestaciones clínicas (75% de ausencia) y las que se reportaron manifestaciones, especialmente cambios en el gusto (73%). Conclusión: El número de manifestaciones orales fue pequeño. El PCP-Q mostró una disminución en la calidad de vida de los niños en medio de la experiencia de lidiar con el tratamiento antineoplásico.

Palabras clave: Manifestaciones Orales; Boca/efectos de los fármacos; Calidad de Vida; Pediatría.

 

INTRODUÇÃO

O câncer na criança e no adolescente (de 0 a 19 anos) corresponde a um grupo de várias doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e de natureza embrionária que pode ocorrer em qualquer local do organismo1. De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc)², são diagnosticados anualmente cerca de 215 mil casos de câncer em crianças menores de 15 anos em todo o mundo. No Brasil, a estimativa do Instituto Nacional de Câncer (INCA) para cada ano do triênio 2023-2025 é de aproximadamente 704 mil novos casos de câncer, dos quais 7.900 são de câncer infantojuvenil. Observa-se um leve predomínio no sexo masculino, com 4.200 (53,2%) casos novos, em comparação com 3.700 (46,8%) no sexo feminino. As maiores taxas de incidência foram registradas nas Regiões Sul (152 por milhão) e Sudeste (145 por milhão)³.

 

A quimioterapia é empregada no tratamento de aproximadamente 70% dos pacientes com câncer. Alterações na cavidade oral ocorrem em cerca de 40% desses pacientes, aumentando para mais de 90% em crianças menores de 12 anos4. Durante a quimioterapia, os pacientes enfrentam intensa imunossupressão, o que aumenta a susceptibilidade à estomatotoxicidade direta e indireta, como mucosite, xerostomia e infecções fúngicas e virais5. Os pacientes submetidos à radioterapia são suscetíveis a vários efeitos colaterais, incluindo mucosite, xerostomia, trismo, perda progressiva do ligamento periodontal, necrose tecidual, osteorradionecrose e alterações na qualidade e quantidade de saliva. O aumento do consumo de alimentos cariogênicos, associado a uma higiene bucal comprometida e alterações na microbiota oral, contribui para o desenvolvimento das chamadas cáries de radiação6.

 

Após o diagnóstico de câncer, o estilo de vida da criança e de sua família é profundamente afetado pelo impacto da doença, gerando fragilidades e preocupações7. Um estudo sobre sobreviventes de leucemia linfocítica aguda (LLA) em crianças revelou que a qualidade de vida desses pacientes é negativamente impactada, com dificuldades sociais e no funcionamento intelectual8. A baixa qualidade de vida relacionada à saúde está associada à depressão, ansiedade, insônia, dor e obesidade7.

 

O conhecimento sobre as questões odontológicas em pacientes pediátricos oncológicos é crucial para os profissionais de saúde, uma vez que cerca de 90% desses pacientes enfrentam algum tipo de complicação oral em razão do tratamento oncológico9. A atuação do cirurgião-dentista é essencial e indispensável. Compreender a perspectiva dos pais ou cuidadores sobre essas manifestações é fundamental para minimizar o sofrimento e ajudar a criança a lidar com os problemas, já que eles são responsáveis por sua saúde. Assim, o objetivo desta pesquisa é avaliar a presença de manifestações orais em crianças em tratamento antineoplásico e a qualidade de vida relacionada à saúde bucal (QVRSB), contribuindo para o planejamento de programas e serviços odontológicos voltados a pacientes pediátricos com câncer.

 

MÉTODO

Estudo transversal com abordagens quantitativa e qualitativa. Foram incluídas crianças de 0 a 14 anos em tratamento antineoplásico com duração mínima de três meses e usuárias da Associação dos Voluntários a Serviço da Oncologia em Sergipe (AVOSOS), localizada em Aracaju, SE, entre julho de 2018 e julho de 2019. O perfil socioeconômico dos cuidadores também foi identificado.

 

Foram avaliadas clinicamente 23 crianças que estavam em tratamento odontológico na AVOSOS, além de seus respectivos cuidadores, por meio de questionários. As alterações neoplásicas dos pacientes foram classificadas de acordo com a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)10 e a faixa etária, conforme os critérios de idade pediátrica do INCA e da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope)11. Foram excluídas crianças muito debilitadas para exame clínico e cuidadores com deficiências motoras, sensoriais ou cognitivas que prejudicassem a aplicação dos questionários.

 

Para a coleta de dados, utilizou-se uma ficha clínica elaborada para a pesquisa, que incluía informações sobre idade, sexo, tipo de câncer, sinais e sintomas das manifestações bucais após o tratamento antineoplásico. Também foram registrados hábitos de higiene bucal, renda do cuidador, grau de parentesco e a percepção dos pais/cuidadores sobre a QVRSB, utilizando o Parental-Caregiver Perceptions Questionnaire (P-CPQ)12.

 

O P-CPQ é um questionário autopreenchível composto por 35 questões que avaliam as percepções dos pais e/ou responsáveis sobre o impacto das doenças bucais (como cáries e maloclusão) na qualidade de vida das crianças. As questões 1 e 2 referem-se à percepção global dos responsáveis sobre a saúde bucal e o bem-estar geral da criança, com opções de resposta variando de 0 a 4. As demais questões são divididas em quatro categorias amplas: sintomas orais (questões 3 a 8), limitações funcionais (questões 9 a 16), bem-estar emocional (questões 17 a 24) e bem-estar social (questões 25 a 35). As opções de resposta variam de 0 a 5 pontos (0 = nunca; 1 = uma ou duas vezes; 2 = algumas vezes; 3 = frequentemente; 4 = todos os dias ou quase todos os dias; 5 = não sei). A pontuação total é obtida pela soma dos escores de todas as questões, indicando que quanto maior, maior o impacto das doenças bucais na qualidade de vida13.

 

O exame físico intraoral foi realizado com auxílio de espátula de madeira e lanterna, por duas pesquisadoras, uma delas cirurgiã bucomaxilofacial com experiência em atendimento a pacientes com necessidades especiais. Equipamentos de proteção individual foram utilizados para avaliar as alterações na mucosa oral das crianças. Essas avaliações foram realizadas simultaneamente pelas duas pesquisadoras, registrando dados como lesões cariosas, remanescentes radiculares, cálculos, doença periodontal, halitose e deficiência na higiene bucal, que poderiam estar presentes antes do início do tratamento. Também foram observadas alterações bucais relacionadas à terapia antineoplásica, como mucosite, gengivoestomatite herpética primária, candidíase e retenção prolongada de dentes decíduos. Os pais e cuidadores relataram alterações bucais nos últimos 12 meses, destacando alteração de paladar, xerostomia e sangramento gengival.

 

Os dados obtidos foram digitados em uma planilha do Microsoft Excel (versão 2007), e, para melhor visualização dos resultados, foram confeccionados tabelas e gráficos. As variáveis qualitativas foram expressas em valores absolutos e relativos. Os escores obtidos pelo P-CPQ foram avaliados com base em valores considerados altos, acima de 20 pontos.

 

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tiradentes (Unit), sob o número de parecer 3.156.134 (CAAE: 87716418.7.0000.5371), e conduzida de acordo com os padrões éticos exigidos na Resolução n.º 466/1214 do Conselho Nacional de Saúde. Cada avaliação foi realizada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos responsáveis das crianças, autorizando a participação no estudo, além da assinatura do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (Tale) pelas crianças alfabetizadas.

 

RESULTADOS

Foram avaliados 34 pacientes oncológicos assistidos pela AVOSOS, dos quais 11 foram excluídos por não estarem mais em tratamento antineoplásico ativo, resultando em 23 pacientes que atenderam aos critérios de inclusão da pesquisa. Em termos de sexo, houve uma leve predominância do sexo masculino, com 52% dos casos. A LLA foi a neoplasia mais comum, representando 45,83% dos casos, seguida por tumores cerebrais e do sistema nervoso central (20,83%) e outros tipos (20,83%). Entre estes, foram identificados neuroblastoma, rabdomiossarcoma embrionário, tumor pineal com hidrocefalia, tumor cístico e tumor hepático. O estudo também incluiu crianças com linfomas não Hodgkin (8,33%) e linfomas de Hodgkin (4,16%) (Figura 1).

 

 

Figura 1. Distribuição dos pacientes pelo tipo de neoplasia em tratamento

 

 

Em relação à duração do tratamento das neoplasias, observou-se que a maior parte dos pacientes (65%) estava em tratamento por um tempo de 6 a 12 meses. A maioria dos pacientes (87,5%) havia recebido mais de 12 doses de quimioterapia e/ou radioterapia. A quimioterapia foi o tratamento mais comum, utilizado por 38% dos pacientes, seguida pelo tratamento combinado (quimioterapia, radioterapia e procedimentos cirúrgicos) em 25% dos casos, e quimioterapia associada à cirurgia em 13% (Figura 2).

Figura 2. Distribuição dos pacientes por tipo de tratamento antineoplásico

 

 

Na avaliação da QVRSB por meio do questionário P-CPQ, os cuidadores foram instruídos a responder com base em suas percepções sobre a saúde bucal de suas crianças. Os resultados mostraram que a maioria dos altos escores estava relacionada ao bem-estar emocional e social (7,60 e 8,69, respectivamente), enquanto os sintomas bucais apresentaram um escore baixo (3,39), indicando que os pacientes não relataram queixas significativas de alterações bucais. Na percepção global dos pais sobre a saúde bucal e o bem-estar geral da criança, a maioria relatou que as crianças tinham boa saúde bucal (73,91%) e que isso não estava impactando negativamente a qualidade de vida (Tabela 1).

 

Tabela 1. Avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde bocal. Aracaju, SE, 2019

PCP-Q

Média

Total

31,43

Sintomas orais

3,39

Limitações funcionais

6,13

Bem-estar emocional

7,60

Bem-estar social

8,69

 

 

Percepção global

N (%)

Q1

 

Bom, muito bom e excelente

17 (73,91%)

Ruim ou regular

6 (26,09%)

Q2

 

Muitíssimo ou muito

4 (17,39%)

Moderadamente

2 (8,7%)

De jeito nenhum ou bem pouco

17 (73,91%)

 

As manifestações orais foram analisadas por meio do exame físico para identificar alterações relacionadas ao tratamento antineoplásico. No entanto, poucos casos foram diagnosticados, totalizando cinco pacientes entre os 23 incluídos. Entre esses casos, foram observados dois de retenção prolongada de dentes decíduos (8,33%), um de mucosite (4,16%), um de gengivoestomatite herpética primária (4,16%) e um de candidíase (4,16%) (Tabela 2).

 

Quanto às alterações bucais relatadas pelos cuidadores, a principal foi a alteração no paladar, afetando 73,95% dos pacientes e associada a desconforto, seguida por xerostomia e sangramento gengival. A alteração no paladar foi observada em todos os grupos etários, com maior prevalência entre crianças de 6 a 10 anos (39,13%), com igual número de casos em ambos os sexos (quatro meninas e quatro meninos). A xerostomia teve a mesma distribuição entre crianças de 6 a 10 anos e de 10 a 14 anos, apresentando taxas semelhantes em ambos os grupos etários (Tabela 2).

 

Tabela 2. Distribuição dos pacientes pela manifestação oral diagnosticada no exame físico intrabucal e pela manifestação clínica oral relatada pelos pais/cuidadores. Aracaju, SE

Manifestação oral diagnosticada (exame clínico)

%

Herpes

1

4,16%

Mucosite

1

4,16%

Candidíase

1

4,16%

Retenção prolongada

2

8,33%

Ausência

  18

75%

Manifestação oral relatada

%

Alteração do paladar

17

73,90%

Mucosite

4

17,39%

Xerostomia

5

21,73%

Sangramento gengival

5

21,73%

Candidíase

1

4,34%

 

 

O perfil sociodemográfico dos pais e cuidadores foi avaliado por meio de um questionário desenvolvido para a pesquisa. Observou-se que a maioria dos cuidadores era do sexo feminino (86,95%), com a faixa etária mais prevalente entre 36 e 45 anos (52,17%) e estado civil predominantemente casado (34,78%). Em relação ao grau de escolaridade, a maior parte tinha ensino fundamental incompleto (39,13%). A mãe foi identificada como a responsável mais presente para os pacientes (82,60%). Além disso, muitos cuidadores dedicavam-se integralmente aos cuidados dos pacientes (82,60%), e o desemprego foi a condição mais observada entre eles (78,23%) (Tabela 3).

 

Tabela 3. Distribuição dos pais/cuidadores pelo perfil socioeconômico. Aracaju, SE, 2019

Perfil dos cuidadores

Sexo

%

 

Tempo de dedicação

%

Masculino

3

13,94%

 

Parcial

4

17,39%

Feminino

20

86,95%

 

Integral

19

82,60%

 

 

 

 

 

 

 

Idade

 

 

 

Renda do cuidador

 

 

De 28 a 35

8

34,78%

 

1 salário

7

30,43%

De 36 a 45

12

52,17%

 

1 salário + auxílio

4

17,39%

De 46 a 55

1

4,34%

 

Sem salário

1

4,34%

De 56 a 65

2

8,69%

 

Auxílio

11

47,82%

 

 

 

 

 

 

 

Vínculo

 

 

 

Ocupação atual

 

 

Pai

3

13,04%

 

Autônomo

3

13,04%

Mãe

19

82,60%

 

Do lar

2

8,69%

Avó

1

4,34%

 

Desempregado

18

78,23%

 

 

 

 

 

 

 

Grau de escolaridade

 

 

Estado civil

 

 

Ensino médio completo

8

34,78%

 

Casado

8

34,78%

Ensino fundamental incompleto

9

39,13%

 

União estável

7

30,43%

Analfabeto

1

4,34%

 

Solteiro

7

30,43%

Ensino fundamental completo

5

21,73%

 

Divorciado

1

4,34%

 

 

DISCUSSÃO

A quimioterapia antineoplásica provoca imunossupressão e alterações na cavidade oral, o que pode agravar o quadro geral dos pacientes, levando à interrupção do tratamento e a uma significativa morbidade15,16. As lesões na cavidade oral são uma das complicações mais frequentes da quimioterapia, por causa da alta sensibilidade dos tecidos e estruturas bucais aos efeitos tóxicos dos quimioterápicos17.

 

Nesta pesquisa, foram observadas alterações bucais como mucosite, herpes e candidíase (4,16% cada), alinhando-se aos resultados de Lopes et al.18, que relataram a mucosite (62,5%) como a manifestação oral mais comum, seguida por alteração no paladar (45,8%), candidíase (41,6%) e herpes labial (25%). Hespanhol19 analisou 97 prontuários de pacientes em tratamento antineoplásico e encontrou a lesão aftosa com a maior prevalência (4,1%), além de xerostomia (3,1%) e candidíase (4,1%), resultados que corroboram os do presente estudo. A baixa quantidade de manifestações orais pode estar associada à assistência odontológica fornecida pela equipe da AVOSOS, que dispõe de recursos, como a laserterapia, para a prevenção e tratamento da mucosite. O baixo número de alterações diagnosticadas nesta pesquisa pode ser atribuído ao fato de que muitas dessas manifestações ocorrem na fase aguda da doença, quando os pacientes frequentemente permanecem hospitalizados para receber suporte intensivo e monitoramento mais próximo das reações adversas ao tratamento.

 

A disfunção do paladar é uma alteração sensorial que pode ocorrer com a quimioterapia, frequentemente em razão da difusão da droga na cavidade bucal20. Nesta pesquisa, a maioria das crianças relatou alteração no paladar durante a terapia antineoplásica (73,9%). Essa alta incidência pode ser explicada pelo fato de que pacientes mais jovens têm uma maior probabilidade de sofrer impacto na boca por causa da quimioterapia. No entanto, poucos estudos investigaram a sensibilidade do paladar em crianças submetidas a tratamento quimioterápico, e os resultados existentes são controversos6,13,17.

 

A análise da faixa etária dos pacientes participantes revelou uma prevalência maior entre 6 e 10 anos (39,13%), o que contrasta com o estudo de Braga et al.21. Segundo os autores, crianças menores de cinco anos são as mais frequentemente afetadas por esse tipo de neoplasia em muitos países. Portanto, os resultados desta pesquisa indicam uma discrepância na faixa etária predominante das neoplasias observadas, sugerindo que a distribuição etária dos casos pode variar conforme o contexto ou a população estudada.

 

Em relação ao perfil das crianças deste estudo, observou-se uma predominância de câncer entre pacientes do sexo masculino (52%), o que está em concordância com alguns estudos da literatura20,22,23, incluindo o de Lopes et al.18, que encontraram 75% de pacientes do sexo masculino em um centro de tratamento oncológico em Teresina, no Nordeste, a mesma Região estudada nesta pesquisa. No entanto, os resultados desta pesquisa divergem dos encontrados por Ribas e Araújo24, que relataram uma prevalência de 67% para o sexo feminino, o que pode estar associado ao tipo específico de câncer analisado.

 

A maioria das pesquisas na literatura identifica a leucemia (e seus diversos tipos) como a neoplasia maligna mais comum em crianças6. Ribas e Araújo24 relataram a LLA (73,6%), a leucemia mieloide aguda (17,33%) e a leucemia mieloide crônica (9%) como as mais prevalentes, frequentemente associadas a complicações na mucosa oral. Esses resultados corroboram a presente pesquisa, que encontrou 45,83% das crianças em tratamento para LLA, apresentando alterações bucais e queixas em 86,96% dos casos. A avaliação da percepção dos pais em relação à saúde bucal e seu impacto no bem-estar da criança é crucial, já que os pais são os principais responsáveis pela saúde de seus filhos. Nesta pesquisa, analisou-se a QVRSB das crianças e observou-se uma piora na qualidade de vida, refletida por escores acima de 30 pontos no total de 52 pontos possíveis (31,43), e pelas respostas dos cuidadores. Esses achados corroboram o estudo de Bresolin25, que avaliou pacientes de 3 a 21 anos em tratamento contra câncer e mostrou que a qualidade de vida pode ser significativamente afetada, com uma piora mais acentuada em crianças. Logo, essa piora está diretamente relacionada ao aparecimento de alterações bucais, como mucosite e xerostomia, que podem causar problemas na mastigação, fonação e deglutição. Esses problemas comprometem atividades cotidianas e, em alguns casos, podem exigir a interrupção temporária do tratamento antineoplásico para o manejo das complicações orais. Portanto, o impacto das alterações bucais não só afeta o bem-estar geral das crianças, mas também pode interferir no progresso do tratamento e na qualidade de vida das famílias.

 

No geral, crianças que receberam tratamento para LLA apresentam uma baixa QVRSB durante a terapia pós-indução até o início da terapia de manutenção. Essas crianças precisam de uma avaliação odontológica abrangente, que inclui exame clínico detalhado e acompanhamento das alterações bucais, para identificar fatores que influenciam negativamente essa relação. Goettems et al.26 revelaram que pacientes que frequentam o dentista com mais regularidade apresentam melhor qualidade de vida relacionada à saúde e à saúde bucal, o que corrobora este estudo. Esta pesquisa demonstrou, mediante avaliação da QVRSB, que as crianças apresentaram sintomas bucais com baixo escore (3,39), sugerindo que os pacientes não tinham queixas significativas de alterações bucais. Além disso, na percepção global dos pais sobre a saúde bucal e o bem-estar geral da criança, a maioria afirmou que a saúde bucal das crianças estava boa e não afetava sua qualidade de vida. Este resultado pode ser explicado pelo fato de que os pacientes são assistidos rotineiramente por uma equipe odontológica na AVOSOS, garantindo uma abordagem preventiva e terapêutica adequada.

 

Considerando o perfil socioeconômico dos cuidadores das crianças assistidas na AVOSOS, observou-se que a maioria possuía ensino fundamental incompleto (37,50%), e que a mãe era a cuidadora responsável em tempo integral (79,16%). Resultados semelhantes foram encontrados por Virdee e Rodd27, que relataram que grande parte dos pacientes também era assistida por suas mães (62,1%), com menor frequência pelos pais (13,1%) ou apenas pelo pai (12,1%). Essa predominância materna no cuidado pode estar relacionada a fatores sociais ainda presentes na sociedade, em que as mães frequentemente assumem o papel principal no cuidado dos filhos, especialmente em contextos de doenças graves. Além disso, o nível de escolaridade e a renda dos cuidadores podem refletir o perfil socioeconômico das famílias atendidas por essas instituições. O ensino fundamental incompleto e a alta taxa de desemprego entre os cuidadores podem ser indicativos de um público mais vulnerável social e economicamente, o que influencia diretamente o tipo e a intensidade do suporte recebido, e a capacidade de acesso a cuidados especializados. Esses aspectos destacam a importância de considerar o contexto socioeconômico dos cuidadores ao planejar e implementar estratégias de suporte e intervenção nas instituições de assistência oncológica.

 

Ao conduzir esta pesquisa, uma limitação significativa relacionada ao tamanho da amostra foi encontrada. A natureza relativamente rara das neoplasias pediátricas restringe o número de pacientes disponíveis para estudo, resultando em amostras que muitas vezes são pequenas. Essa restrição dificulta a realização de análises estatísticas robustas e pode limitar a generalização dos resultados. Além disso, fatores éticos e logísticos, como o consentimento dos pais e o estado de saúde das crianças, exacerbam o desafio de recrutar participantes adicionais.

 

CONCLUSÃO

Na amostra estudada, houve um pequeno número de manifestações orais, sendo diagnosticada a retenção prolongada dos dentes como a mais prevalente e a alteração de paladar a manifestação mais relatada pelos pais/cuidadores.

 

O PCP-Q, recurso para análise da QVRSB, mostrou que a percepção dos pais em relação à saúde bucal foi positiva, se apresentando com escores medianos, pouco declínio no nível de qualidade de vida dos pacientes, em especial, o bem-estar social e emocional.

 

É necessário que mais pesquisas sejam direcionadas ao ambiente hospitalar com pacientes que estejam em tratamento ativo, no qual há maior probabilidade de serem vistas as manifestações orais decorrentes do tratamento antineoplásico. Além disso, é imprescindível a presença de uma equipe multidisciplinar no tratamento desses pacientes, que além de limitações físicas e psicológicas, apresentam comprometimento da qualidade de vida.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

1.            Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2023: Incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Câncer; 2022. [acesso 2024 maio 30]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2023.pdf

2.            Nações Unidas [Internet]. New York: ONU; [2000]. 215 mil crianças diagnosticadas com câncer todos os anos, 2019 fev 15. [acesso 2024 maio 25]. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/02/1660041

3.            Santos MO, Lima FCS, Martins LFL, et al. Estimativa de incidência de câncer no Brasil, 2023-2025. Rev Bras Cancerol. 2023;69(1):e-213700. doi: https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2023v69n1.3700

4.            Velten DB, Zandonade E, Barros Miotto MHM. Prevalence of oral manifestations in children and adolescents with cancer submitted to chemotherapy. BMC oral health. 2017;17(1):49. doi: https://doi.org/10.1186/s12903-016-0300-2

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Recebido em 25/6/2024

Aprovado em 15/8/2024

 

Editor-associado: Daniel Cohen Goldemberg. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0089-1910

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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