ARTIGO ORIGINAL
Determinantes para Mortalidade Intra-hospitalar em Pacientes Oncológicos após Alta da Unidade de Terapia Intensiva
Determinants of In-hospital Mortality in Cancer Patients after Intensive Care Unit Discharge
Determinantes de la Mortalidad Hospitalaria en Pacientes con Cáncer tras el Alta de la Unidad de Cuidados Intensivos
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n3.4812
Camila Martins de Bessa1; Carolina da Silva Tavares Costa2; Diego Medeiros dos Santos3; Lavínia Gomes Cavalcante4; Maria Luiza Valério da Silva5; Tiago Eduardo dos Santos6; Ana Cristina Machado Leão Gutierrez7; Gustavo Telles da Silva8
1Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Hospital Copa D’Or. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: caca.martins2@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2022-8814
2Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: carolstc42@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-9176-1993
3,4,6,7,8Instituto Nacional de Câncer (INCA). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mails: diegoo.medeiroos77@gmail.com; laviniacavalcanteft@gmail.com; tesantos17@gmail.com; anacleao@gmail.com; ggustfisio@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0000-7704-9417; Orcid iD: https://orcid.org/0009-0007-9379-6202; Orcid iD: https://0000-0002-3038-0388; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9555-0328; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7606-2564
5UFRJ. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: mluizavalerios@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0004-8373-4698
Endereço para correspondência: Gustavo Telles da Silva. Coordenação Técnico-assistencial do INCA. Rua do Resende, 128 – Centro. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 20231-092. E-mail: ggustfisio@gmail.com
RESUMO
Introdução: Um número significante de pacientes com câncer morre após a alta da unidade de terapia intensiva (UTI). Entretanto, os fatores associados à mortalidade são pouco difundidos na literatura. Objetivo: Averiguar os fatores determinantes e identificar a frequência de mortalidade intra-hospitalar em pacientes oncológicos após alta da UTI para a enfermaria. Método: Estudo de coorte retrospectivo incluindo pacientes com câncer que receberam alta da UTI do Hospital do Câncer I do Instituto Nacional de Câncer entre 1 de janeiro de 2018 e 28 de dezembro de 2020. A associação entre as variáveis de exposição (clínicas e sóciodemográficas) e os desfechos (óbito) foi realizada pela regressão logística bruta e ajustada. Resultados: Foram incluídos no estudo 111 pacientes oncológicos sobreviventes da UTI. A mortalidade intra-hospitalar foi de 31,5% e o tempo médio de internação após a alta da UTI foi de 22,1 dias (±24,44). A análise múltipla revelou que os pacientes com escore final da ICU Mobility Scale (IMS) mais baixos no momento da alta da UTI (OR 0,7; IC 95%, 0,5-0,9; p = 0,01), a presença de metástases no momento da admissão na UTI (OR 2,8; IC 95%, 1,0-8,2; p = 0,04) e a internação por motivo clínico (OR 5,1; IC 95%, 1,7-15,8; p < 0,01) estavam associados à mortalidade intra-hospitalar. Conclusão: A presença de metástases na admissão da UTI, a internação por motivo clínico e a pior mobilidade no momento da alta estão relacionadas à mortalidade intra-hospitalar.
Palavras-chave: Unidade de Terapia Intensiva; Mortalidade Hospitalar; Neoplasias/mortalidade.
ABSTRACT
Introduction: A significant number of cancer patients die after discharge from the intensive care unit (ICU), while the factors associated with mortality are scarcely disclosed in the literature. Objective: To investigate the determinant factors and identify ne the frequency of in-hospital mortality of oncologic patients post-ICU discharge to the ward. Method: Retrospective cohort study including patients with cancer discharged from the ICU of Hospital do Câncer I of the National Cancer Institute between January 1, 2018 and December 28, 2020. The association between the variables exposure (clinical and sociodemographic variables) and the outcomes (death) was performed by crude and adjusted logistic regression. Results: 111 ICU survivors were enrolled. In-hospital mortality was 31.5% and the mean length of stay after ICU discharge was 22.1 days (±24.44). The multiple analysis revealed that patients with lower final ICU Mobility Scale (IMS) scores at discharge (OR 0.7; 95% CI, 0.5-0.9; p = 0.01), the presence of metastases at the time of admission (OR 2.8; 1.0-8.2; p = 0.04) and admission by clinical reason (OR 5.1; 95% CI, 1.7-15.8; p < 0.01) were associated with in-hospital mortality. Conclusion: Patient with metastases at ICU admission, admission by clinical reason and worst mobility at discharge are related with in-hospital mortality.
Key words: Intensive Care Unit; Hospital Mortality; Neoplasms/mortality.
RESUMEN
Introducción: Un número importante de pacientes con cáncer fallece tras el alta de la unidad de cuidados intensivos (UCI). Sin embargo, los factores asociados con la mortalidad son poco conocidos en la literatura. Objetivo: Investigar los factores determinantes e identificar la frecuencia de mortalidad intrahospitalaria en pacientes con cáncer después del alta de la UCI a planta. Método: Estudio de cohorte retrospectivo que incluyó pacientes con cáncer dados de alta de la UCI del Hospital del Cáncer I del Instituto Nacional del Cáncer entre el 1 de enero de 2018 y el 28 de diciembre de 2020. Se evaluó la asociación entre variables de exposición (clínicas y sociodemográficas) y los resultados (muerte) mediante regresión logística cruda y ajustada. Resultados: Se incluyeron 111 pacientes oncológicos sobrevivientes de la UCI. La mortalidad intrahospitalaria fue del 31,5% y la estancia media tras el alta de la UCI fue de 22,1 días (±24,44). El análisis múltiple reveló que los pacientes con puntuaciones finales más bajas en la Escala de Movilidad en UCI (IMS) al momento del alta de la UCI (OR 0,7; IC 95%, 0,52-0,93; p = 0,01), la presencia de metástasis en el momento del ingreso a la UCI (OR 2,89; IC 95%, 1,01-8,29; p = 0,04) y la hospitalización por motivos clínicos (OR 5,1; IC 95%, 1,7-15,8; p < 0,01) se asociaron con la mortalidad hospitalaria. Conclusión: La presencia de metástasis al ingreso en UCI, la hospitalización por motivos clínicos y la peor movilidad al alta están relacionadas con la mortalidad hospitalaria.
Palabras clave: Unidades de Cuidados Intensivos; Mortalidad Hospitalaria; Neoplasias/mortalidad.
INTRODUÇÃO
O câncer é um dos principais problemas de saúde pública no mundo. O envelhecimento, o crescimento populacional e os hábitos de vida influenciam no surgimento de novos casos da doença1. No Brasil, foram estimados para o cada ano do triênio 2023-2025 704 mil novos casos de câncer2.
O desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas em oncologia e a melhora do desfecho clínico têm causado um aumento de sobrevida à doença oncológica. Entretanto, novos tratamentos envolvem diferentes efeitos colaterais com potencial risco de morte, determinando maior admissão de pacientes oncológicos nas unidades de terapia intensiva (UTI)3-5. Estudos demonstraram que, entre 15 e 20% dessas admissões, correspondem a internações de pacientes oncológicos6-8.
Após o período de internação na UTI, entre 70-78% dos pacientes com tumores sólidos recebem alta dessa unidade para continuidade do tratamento intra-hospitalar9,10. Entretanto, após esse período de estadia na UTI, podem ocorrer consequências tais como: aumento da morbidade, limitações funcionais e aumento do número de mortes no hospital após alta sucessiva da UTI para enfermaria11,12.
Um estudo conduzido por Lee13 et al. demonstrou que o nível baixo de hemoglobina e plaquetas na alta da UTI, a pontuação alta no Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) na admissão da UTI, a neoplasia hematológica e a presença de tumores sólidos são fatores associados à mortalidade intra-hospitalar em pacientes com múltiplos diagnósticos. O diagnóstico de neoplasia já é indicativo de aumento de mortalidade após alta da UTI. Pacientes com câncer têm 2,9 vezes maior risco de morte em um ano e 2,5 vezes maior risco de morte em três anos após alta da UTI7. Além desses fatores, o nível funcional é outro preditor de mortalidade hospitalar, de forma que escores de performance status (PS), que representam piores níveis de atividade (PS 3-4), elevam a mortalidade hospitalar em pacientes oncológicos 14.
Raros estudos abordam pacientes com câncer sobreviventes de UTI no Brasil. O trabalho em equipe no âmbito hospitalar estabeleceu-se de forma gradativa à medida que as profissões foram definindo seus papéis. Atualmente, a implementação do trabalho multidisciplinar é uma realidade nas UTI e enfermarias em todo o mundo, sendo focado na redução de mortes e na melhora da qualidade vida dos pacientes. A identificação de fatores associados à mortalidade intra-hospitalar poderia direcionar os esforços dessas equipes no tratamento aos pacientes oncológicos.
Portanto, o objetivo do presente estudo é averiguar os fatores determinantes para mortalidade intra-hospitalar em pacientes oncológicos após alta da UTI e identificar a frequência com que ocorre a mortalidade intra-hospitalar em pacientes oncológicos após alta da UTI.
MÉTODO
Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo que incluiu pacientes com câncer que receberam alta da UTI entre 1 de janeiro de 2018 e 28 de fevereiro de 2020. A população do estudo foi identificada por meio do sistema de informação hospitalar Absolute do Hospital do Câncer I do Instituto Nacional de Câncer (HCI/INCA).
Foram elegíveis os pacientes que receberam alta da UTI com 18 anos idade ou mais e que ficaram, no mínimo, 72 horas em ventilação mecânica. Os pacientes com neoplasias hematológicas foram excluídos dessa análise (Figura 1). Para os pacientes com mais de uma internação na UTI, somente a primeira internação foi analisada.
Figura 1. Fluxograma dos pacientes incluídos no estudo
Os dados (sexo, idade e comorbidades) foram extraídos dos prontuários físicos e eletrônicos. Foram coletados dados relacionados ao paciente como sexo, idade e comorbidades. Outros dados relacionados ao câncer foram coletados, como tipo de tratamento (cirurgia, quimioterapia e radioterapia), topografia do tumor e decisão de interrupção de tratamento oncológico. A topografia dos tumores primários foi definida como sistema digestivo (gastrointestinal, esôfago, fígado e pâncreas), cabeça e pescoço, mama e outros (sarcoma de partes moles, pulmão, testículo, pele, sistema nervoso central e próstata). Outros dados relacionados à hospitalização foram coletados como motivo da internação hospitalar (clínico ou cirúrgico), tempo de internação, motivo da indicação da UTI, tempo de ventilação mecânica invasiva e escore final da ICU Mobility Scale (IMS) na data da alta da UTI. As pontuações da IMS foram atribuídas por fisioterapeutas e as informações foram obtidas por meio de prontuários. A IMS é uma escala de pontuação, com um único domínio, variando de 0 (acamado/exercícios passivos no leito) a 10 (alta mobilidade, deambulação independente, sem auxílio). Foi considerado desfecho primário a mortalidade intra-hospitalar dos pacientes. O seguimento ocorreu até a alta ou óbito hospitalar.
A análise descritiva dos dados da população estudada foi realizada por meio de média e desvio-padrão para as variáveis contínuas e por meio de medidas de frequência absoluta e relativa para as categóricas. A associação entre variáveis de exposição e o desfecho foi realizada por meio de odds ratio (OR) bruta. As variáveis com significância clínica e que apresentaram p<0,20 foram selecioSnadas para regressão múltipla pelo método stepwise forward15. Ficaram retidas, no modelo final, as variáveis com p<0,05. Os dados foram processados e analisados pelo Statistical Package for Social Science (SPSS)16 for Windows, São Paulo, Brasil, versão 21.0.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número de protocolo 2.714.857 (CAAE: 89670418.0.00000.5274) em 15/7/2018, de acordo com os padrões éticos exigidos na Resolução n.º 466/1217 do Conselho Nacional de Saúde.
RESULTADOS
Um total de 111 pacientes sobreviventes da UTI foram identificados no período do estudo e incluídos nesta análise. A maioria dos pacientes era composta por homens (55,9%), idosos (63,1%), com comorbidades (64,9%), que realizaram cirurgia para tratamento do tumor primário (77,5%) e apresentavam traqueostomia (54,1%). Os motivos predominantes para internação na UTI foram alteração cardiovascular (28,8%), insuficiência respiratória aguda (27,0%) e sepse (25,2%). As topografias dos tumores mais comuns foram sistema digestivo (29,7%) e cabeça e pescoço (27,9%) (Tabela 1).
No total, 35 pacientes morreram nas enfermarias após a alta da UTI (31,5%). A mortalidade intra-hospitalar se apresentava de forma majoritária em homens (54,3%), nos idosos (65,7%), nos traqueostomizados (71,4%) e nos pacientes submetidos a procedimento cirúrgico (71,4%) (Tabela 1). O tempo médio de internação após a alta da UTI foi de 22,1 dias (±24,4).
Tabela 1. Características dos pacientes (n = 111)
|
|
Mortalidade intra-hospitalar |
|
Características |
Total (%) |
Sim (n = 35) |
Não (n = 76) |
Sexo |
|
|
|
Masculino |
62 (55,9) |
19 (54,3) |
43 (56,6) |
Feminino |
49 (44,1) |
16 (45,7) |
33 (43,4) |
Idade |
|
|
|
≤ 60 anos |
41 (36,9) |
12 (34,3) |
29 (38,2) |
> 60 anos |
70 (63,1) |
23 (65,7) |
47 (61,8) |
Comorbidades |
|
|
|
Sim |
72 (64,9) |
18 (51,4) |
54 (71,1) |
Não |
39 (35,1) |
17 (48,6) |
22 (28,9) |
Topografia do tumor primário |
|
|
|
Sistema digestivo |
33 (29,7) |
6 (17,1) |
27 (35,5) |
Mama |
12 (10,8) |
6 (17,1) |
6 (7,9) |
Cabeça e pescoço |
31 (27,9) |
8 (22,9) |
23 (30,3) |
Outros |
35 (31,5) |
15 (42,9) |
20 (26,3) |
Presença de metástase |
|
|
|
Sim |
38 (39,2) |
14 (53,8) |
24 (33,8) |
Não |
59 (60,8) |
12 (46,2) |
47 (66,2) |
Cirurgia |
|
|
|
Sim |
86 (77,5) |
25 (71,4) |
61 (80,3) |
Não |
25 (22,5) |
10 (28,6) |
15 (19,7) |
Quimioterapia |
|
|
|
Sim |
37 (33,3) |
15 (42,9) |
22 (28,9) |
Não |
74 (66,7) |
20 (57,1) |
54 (71,1) |
Radioterapia |
|
|
|
Sim |
26 (23,4) |
11 (31,4) |
15 (19,7) |
Não |
85 (76,6) |
24 (68,6) |
61 (80,3) |
DITO |
|
|
|
Sim |
32 (28,8) |
17 (48,6) |
15 (19,7) |
Não |
79 (71,2) |
18 (51,4) |
61 (80,3) |
Motivo da internação |
|
|
|
Clínico |
48 (43,2) |
23 (65,7) |
25 (32,9) |
Cirúrgico |
63 (56,8) |
12 (34,3) |
51 (67,1) |
Tipo de via aérea |
|
|
|
Normal |
51 (45,9) |
10 (28,6) |
41 (53,9) |
Traqueostomia |
60 (54,1) |
25 (71,4) |
35 (46,1) |
Motivo da internação na UTI |
|
|
|
Sepse |
28 (25,2) |
6 (17,1) |
22 (28,9) |
Insuficiência respiratória aguda |
30 (27,0) |
10 (28,6) |
20 (26,3) |
Alterações cardiovasculares |
32 (28,8) |
7 (20,0) |
25 (32,9) |
Outros |
21 (18,9) |
12 (34,3) |
9 (11,8) |
IMS (pontos, média ± DP) |
|
1,0±1,4 |
2,7±2,5 |
Tempo de VMI (dias, média ± DP) |
|
10,6±7,7 |
10,1±9,4 |
UTI = unidade de terapia intensiva; DITO = decisão de interrupção do tratamento oncológico; IMS = ICU Mobility Scale; VMI = ventilação mecânica invasiva; DP = desvio-padrão.
Na análise univariada, a pontuação da IMS na alta da UTI, comorbidades, topografia do tumor, interrupção do tratamento oncológico, motivo da internação hospitalar, tipo de via aérea e o motivo da indicação da UTI influenciaram na mortalidade intra-hospitalar (Tabela 2).
Tabela 2. Fatores associados à mortalidade intra-hospitalar (análise univariada)
|
|
|
|
Características |
OR |
IC 95% |
p |
Sexo |
|
|
|
Masculino |
|
Referência |
|
Feminino |
1,0 |
0,4-2,4 |
0,82 |
Idade |
|
|
|
≤ 60 anos |
|
Referência |
|
> 60 anos |
1,1 |
0,5-2,7 |
0,69 |
Comorbidades |
|
|
|
Não |
|
Referência |
|
Sim |
2,3 |
1,0-5,3 |
0,04 |
Topografia do tumor primário |
|
|
|
Sistema digestivo |
|
Referência |
|
Mama |
4,5 |
1,0-18,9 |
0,04 |
Cabeça e pescoço |
1,5 |
0,4-5,1 |
0,46 |
Outros |
3,3 |
1,1-10,2 |
0,03 |
Presença de metástase |
|
|
|
Não |
|
Referência |
|
Sim |
2,2 |
0,9-5,7 |
0,07 |
Cirurgia |
|
|
|
Sim |
|
Referência |
|
Não |
1,6 |
0,6-4,1 |
0,30 |
Quimioterapia |
|
|
|
Não |
|
Referência |
|
Sim |
1,8 |
0,8-4,2 |
0,15 |
Radioterapia |
|
|
|
Não |
|
Referência |
|
Sim |
1,8 |
0,7-4,6 |
0,18 |
DITO |
|
|
|
Não |
|
Referência |
|
Sim |
3,8 |
1,6-9,1 |
<0,01 |
Motivo da internação |
|
|
|
Cirúrgico |
|
Referência |
|
Clínico |
3,9 |
1,6-9,1 |
<0,01 |
Tipo de via aérea |
|
|
|
Normal |
|
Referência |
|
Traqueostomia |
2,9 |
1,2-6,9 |
0,01 |
Motivo da internação na UTI |
|
|
|
Sepse |
|
Referência |
|
Insuficiência respiratória aguda |
1,8 |
0,5-5,9 |
0,31 |
Alterações cardiovasculares |
1,0 |
0,3-3,5 |
0,96 |
Outros |
4,8 |
1,4-17,0 |
0,01 |
IMS |
0,6 |
0,4-0,8 |
<0,01 |
Tempo de VMI |
1,0 |
0,9-1,0 |
0,79 |
Em negrito, os valores estatisticamente significantes. OR = odds ratio; UTI = unidade de terapia intensiva; DITO = decisão de interrupção do tratamento oncológico; IMS = ICU Mobility Scale; VMI = ventilação mecânica invasiva.
Após ajustes dos potenciais fatores de confusão, a análise múltipla revelou que pacientes com escore final da IMS mais baixos (pior mobilidade) no momento da alta da UTI (OR 0,7; IC 95%, 0,5-0,9; p = 0,01), presença de metástases no momento da admissão na UTI (OR 2,8; IC 95%, 1,0-8,2; p = 0,04) e internação por motivo clínico (OR 5,1; IC 95%, 1,7-14,8; p<0,01) estavam associados à mortalidade intra-hospitalar (Tabela 3).
Tabela 3. Fatores independentes associados à mortalidade intra-hospitalar (análise múltipla)
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OR |
IC 95% |
p |
IMS |
0,7 |
0,5-0,9 |
0,01 |
Motivo da internação |
|
|
|
Clínico vs. cirúrgico |
5,1 |
1,7-14,8 |
<0,01 |
Presença de metástase |
|
|
|
Sim vs. não |
2,8 |
1,0-8,2 |
0,04 |
Em negrito, os valores estatisticamente significantes. OR = odds ratio; IC = intervalo de confiança; IMS = ICU Mobility Scale.
DISCUSSÃO
No presente estudo, os pacientes com metástase no momento da internação da UTI, as internações por motivos clínicos e os escores finais da IMS no momento da alta da UTI impactaram no risco de morte dos pacientes.
Para a população brasileira, a IMS foi validada e adaptada em por Kawaguchi, Yurika Maria Fogaça et al.18 A validação da escala teve como objetivo mensurar as mudanças na funcionalidade visando à padronização da evolução dos pacientes de forma fácil e objetiva18.
Alguns estudos brasileiros avaliaram o impacto da IMS na mortalidade de pacientes oriundos da UTI19,20. Na presente pesquisa, o escore final da IMS foi associado ao risco de morte dos pacientes; o aumento de 1 ponto no escore estava relacionado a uma redução de 30% do risco de morte intra-hospitalar após alta da UTI (OR 0,7; IC 95%, 0,5-0,9; p = 0,01). Esses resultados estão alinhados com outro estudo brasileiro que avaliou 121 pacientes internados na UTI e demonstrou que pacientes que apresentavam pouca mobilidade (Pontuação 0-3 no IMS) apresentavam maior risco de mortalidade hospitalar e menor chance de alta da UTI20. Esses achados podem estar relacionados ao período prolongado de hospitalização, que resulta no declínio funcional e na redução da mobilidade dos pacientes oncológicos críticos. As consequências da evolução clínica e os efeitos deletérios da mobilidade reduzida podem acarretar complicações como úlceras de pressão, tromboembolismo venoso e infecções. Essa soma de fatores pode gerar um efeito potencializador favorecendo na morte precoce após a alta da UTI.
Outros estudos21,22 que quantificaram as condições gerais e funcionalidade dos pacientes por meio do Eastern Cooperative Oncology Group Performance Status (ECOG-PS) apresentaram resultados similares. Nos estudos de Normilio-silva et al.21 e Puxty et al.22, foi demonstrado que pacientes com PS 3-4 (pacientes com piores funcionalidade e capacidade de autocuidado) apresentaram risco mais elevado de morte tanto na UTI quanto 90 dias após alta da UTI. Um estudo francês que avaliou 361 pacientes com tumores sólidos demostrou que quanto maior é a pontuação do PS no momento da alta da UTI, maior é o risco de morte em 90 dias após a alta da UTI9.
No presente estudo, a internação na UTI por motivo clínico impactou na mortalidade intra-hospitalar após a alta da UTI quando comparada com pacientes submetidos à cirurgia e que apresentaram necessidade de UTI. Uma revisão sistemática de literatura apresentou resultados que corroboram este estudo. Pacientes admitidos na UTI por motivos clínicos, em detrimento aos pacientes cirúrgicos, tiveram de duas a quatro vezes maior risco morte na UTI e de seis a oito vezes maior risco de mortalidade intra-hospitalar após alta da UTI19.
A presença de metástases no momento na admissão na UTI indica que a neoplasia está em franca progressão. Alguns estudos9-14,18-23 retrospectivos demonstraram o impacto da doença metastática na mortalidade após a alta da UTI. Neste estudo, pacientes com metástase na admissão na UTI apresentaram 2,8 (IC 95%, 1,0-8,2) maior risco de morte intra-hospitalar. No estudo de Mendoza et al.23, que avaliou 147 pacientes com diversos tipos de tumores sólidos, foi demonstrado que a doença metastática está associada à mortalidade hospitalar.
Um estudo coreano, que avaliou 691 pacientes que receberam alta da UTI, constatou que ventilação mecânica durante UTI, diminuição do status mental, taquicardia e trombocitopenia tinham maior risco de readmissão na UTI e morte inesperada na enfermaria24. Foram incluídos, no presente estudo, somente pacientes submetidos à ventilação mecânica invasiva, e o tempo de ventilação mecânica durante a estadia na UTI não interferiu na mortalidade intra-hospitalar.
Um estudo retrospectivo alemão, que incluiu pacientes não oncológicos, concluiu que 17,7% dos pacientes que receberam alta da UTI morreram durante a internação25. Recentemente, um estudo transversal multicêntrico demonstrou que a mortalidade intra-hospitalar em pacientes com câncer de pulmão foi de 15,2%26. Já o estudo de Jeang et al.24, que incluiu pacientes exclusivamente com câncer, constatou que 34% evoluíram para óbito na enfermaria ou foram readmitidos na UTI. No HCI/INCA, após a alta da UTI, os pacientes são encaminhados para enfermaria e, durante o período deste estudo, 31% morreram durante a internação.
De acordo com Deana et al.27, para a análise da mortalidade intra-hospitalar após a alta da UTI, um ponto a ser considerado é o nível de intensidade de cuidados na enfermaria para o qual os pacientes foram encaminhados; outro ponto é que as UTI são providas de maior intensidade dos cuidados em termos tecnológicos, níveis organizacionais, monitoramento e força de trabalho, levando em conta as melhores proporções número de pacientes-número de profissionais. Para Capuzzo et al.28, um dos motivos para amenizar a mortalidade intra-hospitalar após a alta da UTI seria o encaminhamento dos pacientes gravemente doentes para setores de unidade de semi-intensiva.
Existem algumas limitações no presente estudo. Primeiramente, o pequeno número de pacientes incluídos no estudo pode ter induzido à ocorrência de erro tipo II. Segundo, por se tratar de um estudo retrospectivo, baseado em revisões de registros de prontuários médicos, o viés de seleção de pacientes pode ter ocorrido. Além disso, não foi possível obter informações detalhadas sobre algumas variáveis importantes como escores de disfunções orgânicas e escores prognóstico de gravidade da doença. Para minimizar os riscos de ausência de informações, foram utilizados os prontuários físico e eletrônico.
CONCLUSÃO
O presente estudo demonstrou que a presença de metástases na admissão da UTI, a internação por motivo clínico e a pior mobilidade no momento da alta da UTI estão associadas à mortalidade intra-hospitalar. Novos estudos sobre o assunto são pertinentes para reforçar tais descobertas.
CONTRIBUIÇÕES
Gustavo Telles da Silva, Camila Martins de Bessa e Carolina da Silva Tavares Costa contribuíram na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica. Maria Luiza Valério da Silva, Lavínia Gomes Cavalcante e Diego Medeiros dos Santos contribuíram substancialmente na obtenção, análise e/ou interpretação dos dados; na redação e revisão crítica. Tiago Eduardo dos Santos e Ana Cristina Machado Leão Gutierrez contribuíram na redação e revisão crítica. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Não há.
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Recebido em 11/7/2024
Aprovado em 29/8/2024
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777
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