REVISÃO DE LITERATURA
Qualidade de Vida de Pacientes com Câncer Avançado em Tratamento: Revisão e Síntese Qualitativa
Quality of Life of Patients with Advanced Cancer in Treatment: Review and Qualitative Synthesis
Calidad de Vida de los Pacientes con Cáncer Avanzado en Tratamiento: Revisión con Síntesis Cualitativa
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n4.4835
Cristiano de Assis Pereira Hansen1; Carlos Roberto de Oliveira Nunes2; Tatiane Aparecida Simas Fernandes3
1-3Universidade de Blumenau (FURB). Blumenau (SC), Brasil.
1E-mail: cristianohansen@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1456-9591
2E-mail: cnunes@furb.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6301-4053
3E-mail: tasfernandes@furb.br. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0000-3381-7242
Endereço para correspondência: Cristiano de Assis Pereira Hansen. Centro de Oncologia Unimed Blumenau. Rua Ingo Hering, 20, 7º andar – Centro. Blumenau (SC), Brasil. CEP 89010-205. E-mail: cristianohansen@yahoo.com.br
RESUMO
Introdução: A incidência global de câncer tem aumentado e muitos pacientes convivem por muito tempo com a doença em cenário metastático, no qual – a par de considerações sobre quanto tempo têm de vida – torna-se relevante discutir qualidade de vida durante o tratamento. Objetivo: Construir uma revisão da literatura qualitativa, com vistas a descrever fatores intervenientes sobre a qualidade de vida dos pacientes com câncer avançado em tratamento, destacando os achados mais relevantes na perspectiva dos sujeitos. Método: Foram selecionados nove artigos que constituíram o corpus de análise. A metodologia empregada foi a análise de conteúdo de Bardin, por meio da análise de frequência dos códigos, análise de co-ocorrência e análise contingencial, culminando com uma síntese temática. Resultados: Foram encontrados 11 temas e 15 subtemas que abordam o tema principal: expectativa de ser um fardo familiar. O tema com menor relação com os outros, possivelmente indicando uma dimensão complementar aos demais, foi: manter a esperança. Conclusão: A síntese qualitativa indicou que preocupações com a rede de suporte familiar parecem influenciar de modo importante a qualidade de vida de pacientes com câncer avançado em tratamento.
Palavras-chave: Qualidade de Vida; Metástase Neoplásica; Pesquisa Qualitativa; Indicadores de Qualidade de Vida.
ABSTRACT
Introduction: Global cancer incidence has increased and many patients live for a long time with a metastatic disease when it is important to discuss the quality of life during treatment. Objective: To conduct a qualitative literature review to describe what are the main factors affecting the quality of life of patients with advanced cancer in oncological treatment highlighting the most relevant findings in the perspective of the patients. Method: Nine articles that form the corpus of analysis have been selected. The methodological approach was Bardin´s content analysis through code frequency, co-ocorrence and contingent analysis, eventually leading to a final thematic synthesis. Results: Eleven themes and fifteen sub-themes addressing the main theme were found: possibility of becoming a family burden. The theme least related to the others, possibly indicating a complementary dimension, was keeping hope. Conclusion: Qualitative synthesis concluded that concerns regarding family support network appear to significantly influence the quality of life of patients with advanced cancer under treatment.
Key words: Quality of Life; Neoplasm Metastasis; Qualitative Research; Indicators of Quality of Life.
RESUMEN
Introducción: La incidencia mundial de cáncer ha aumentado y muchos pacientes viven un tiempo considerable con la enfermedad después del diagnóstico, incluso en un escenario de caso avanzado con enfermedad metastásica. En este sentido, la reflexión ética sobre la calidad – no solo sobre la cantidad de vida – es de suma consideración. Objetivo: Se realizó una revisión cualitativa de la literatura, con el objetivo de describir cuáles son los principales factores que afectan la calidad de vida en pacientes con cáncer avanzado en tratamiento oncológico y se intentó describir cuáles son los principales hallazgos de este, desde una perspectiva de los sujetos. Método: Se seleccionaron nueve artículos que constituyen el corpus de análisis. Nuestro enfoque metodológico fue el análisis de contenido de Bardin, principalmente la frecuencia de códigos, la coocorrencia y el análisis contingente, culminando con una síntesis temática. Resultados: Se encontraron once temas y quince subtemas, orbitando en torno al tema principal: la perspectiva de ser una carga familiar. El tema menos relacionado con los otros, posiblemente indicando una dimensión complementaria a los demás, fue: mantener la esperanza. Conclusión: La síntesis cualitativa ha demostrado que la preocupación por la red de apoyo familiar parece influir significativamente en la calidad de vida de los pacientes con cáncer avanzado en tratamiento.
Palabras clave: Cualidad de Vida; Metástasis de la Neoplasia; Investigación Cualitativa; Indicadores de Calidad de Vida.
INTRODUÇÃO
A incidência global de câncer tem aumentado nas últimas décadas1 com uma incidência de cerca de 20 milhões de casos novos e dez milhões de mortes em 2022, de acordo com a International Agency for Research on Cancer (Iarc)2. A doença acarreta mortes e sequelas, e ocasiona grande prejuízo em termos de anos de vida perdidos2 e anos de vida com incapacidade1.
Na assistência oncológica especializada, campo da oncologia clínica, alguns desfechos costumam ser analisados em relação ao tratamento do câncer, isto é, resposta tumoral ao tratamento, duração de resposta, tempo livre de sintomas e tempo para recidiva tumoral, sendo esses denominados desfechos ligados à doença; além disso, alguns desfechos, denominados desfechos do paciente, dizem respeito ao benefício da terapia em termos de aumento da sobrevida e qualidade de vida (QV). Os profissionais de saúde tendem a se concentrar nos desfechos ligados à doença, porque mesmo havendo instrumentos para avaliação da QV, estes precisam ser aprimorados3.
Alguns instrumentos foram desenvolvidos com o objetivo de avaliar a QV relacionada à saúde (do inglês, health-related quality of life), não havendo consenso quanto ao melhor instrumento a ser utilizado no contexto da oncologia clínica4, estando entre os mais utilizados o short-form health survey (SF-36) e o European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Core 30 (EORTC-QLQ-C30)5. Em ensaios clínicos com novas medicações, tem sido cada vez mais utilizado o EuroQol 5 Dimensions (EQ-5D)6 sendo que o primeiro instrumento especificamente elaborado para pacientes oncológicos foi o QL-Index de Spitzer, nos anos 807.
A análise de estudos diferentes permite inferir que a utilização de instrumentos de medida de QV seria possivelmente complementada pela fala dos pacientes, inclusive ao preencher tais formulários, o que permite a elaboração de novos instrumentos mais abrangentes8.
A QV está associada com a sobrevida dos doentes5,9,10 e, por esse motivo, vem adquirindo grande relevância do ponto de vista teórico e prático na especialidade da oncologia clínica. Com os resultados de pesquisas de campo e ótica quantitativa, algumas variáveis parecem se relacionar com melhor QV durante o tratamento do câncer, como o gênero e idade dos indivíduos, o tipo de câncer e o volume de doença, o tempo desde o diagnóstico do câncer em estádio avançado, entre outros11,12.
Um estudo de um grupo francês13, utilizando abordagem qualitativa, demonstrou que os efeitos colaterais do tratamento estão entre os temas mais salientados pelos pacientes, especialmente em um sentido “negativo”. Por outro lado, em sentido inverso, há alguns temas que emergem na perspectiva qualitativa quanto a fatores que favorecem, na percepção dos participantes, para uma boa QV durante a terapia oncológica: 1) ter um objeto de suporte (algo imbuído pelos pacientes de significado positivo e que os ajuda durante o enfrentamento da doença), podendo tratar-se de uma relação, uma atividade, uma meta pessoal, ou mesmo um objeto, ou animal; 2) a percepção de que o tratamento está funcionando; 3) efeitos positivos de relacionamentos com amigos, família ou mesmo com os médicos13.
A questão da pesquisa é: o que determina a QV dos pacientes com câncer avançado durante o tratamento? Que fatores se associam à melhor ou pior QV durante o tratamento da doença na perspectiva dos participantes? E como se configuram esses múltiplos fatores sopesados em uma balança qualitativa?
Objetivou-se realizar uma revisão da literatura sobre a QV dos pacientes com câncer avançado em tratamento ambulatorial, com vistas a descrever fatores intervenientes, destacando os achados mais relevantes na perspectiva dos participantes.
Método
Revisão da literatura com análise de conteúdo de Bardin, a partir dos dados qualitativos encontrados nos artigos selecionados, aos moldes de uma metassíntese qualitativa.
Para responder à questão da pesquisa, elaborou-se uma estratégia de busca que contemplava a pergunta: “O que determina a qualidade de vida dos pacientes com câncer avançado durante o tratamento?”.
Essa busca foi conduzida em dezembro de 2023 nas bases de dados PubMed e Scopus, sem restrição de idioma, utilizando-se as palavras-chave, indicadores booleanos e filtros seguintes: “qualitative” [title/abstract] AND “quality of life” [title] AND “cancer” [title] NOT (children OR childhood). Foram obtidos 262 achados na PubMed e 303 na Scopus.
Utilizando o gerenciador de referências Mendeley, foram encontradas 211 duplicatas e restaram 354 artigos, entre os 565 achados nas duas bases de dados consultadas. A partir dessa listagem de artigos, foi feita a leitura dos títulos/resumos por um dos autores (CAPH) para identificar o cenário (pacientes com câncer avançado, em tratamento ambulatorial) e o objeto de estudo (QV), além da metodologia de pesquisa qualitativa; se esses itens não fossem contemplados, o artigo era excluído, ao fim do que restaram 37 artigos (Figura 114,15).
Foi conduzida uma leitura detalhada, para avaliação de escopo e qualidade metodológica com uso da ferramenta mixed-method appraisal tool (MMAT)14, sendo estabelecido ponto de corte de pelo menos três de cinco itens da ferramenta MMAT. Nessa etapa, os artigos foram analisados por dois revisores independentes, que definiram por consenso quanto à seleção dos artigos que compõem a revisão atual (Quadro 1). Para se tornar elegível, era necessário que o estudo tivesse primeiramente uma pergunta de pesquisa clara e a coleta de dados devia permitir responder a essa pergunta. Além disso, os dados qualitativos coletados deviam permitir avaliar fatores intervenientes sobre a QV dos pacientes, em consonância com o objetivo primário desta revisão.
O percurso metodológico foi pautado pelo checklist do PRISMA15 (Figura 1). A síntese qualitativa foi realizada a partir dos dados qualitativos extraídos dos nove artigos incluídos por meio de análise de conteúdo de Bardin16, incluindo todas as transcrições dos participantes (corpus de análise). Foi realizada análise frequencial, análise de relações dos códigos (co-ocorrências e contingências), seguido de uma síntese temática.
Para estabelecer parâmetros de validade e confiabilidade à investigação, o conceito de validade que guia esta pesquisa ancora-se, conforme definido por Harding17, na “extensão em que conclusões derivadas dos dados fornecem uma descrição acurada do que ocorreu ou uma explicação correta do que ocorre e por quê”. Além disso, outro conceito importante é o da reflexividade, conforme Olmos-Veja18: “conjunto de práticas colaborativas, multifacetadas e permanentes, no qual os pesquisadores criticam, analisam e avaliam como sua subjetividade e contexto influenciam os processos de pesquisa”. Esses conceitos perpassaram a discussão entre o time de pesquisa, durante e após a codificação, análise e síntese temática, conforme preconizado por outros autores em se tratando de estudos qualitativos19.
No que se refere à confiabilidade, um dos pesquisadores (CAPH), 60 dias após realizada a codificação inicial, tendo sido aleatoriamente selecionada uma das unidades de contexto pelo time de pesquisa (o artigo de Berterö20 et al.), reaplicou os códigos, obtendo kappa de Cohen de 0,89; além disso, outra pesquisadora (TASF) que não havia participado de primeira etapa do estudo, sem nenhuma instrução à exceção do livro de códigos, codificou a mesma unidade de contexto, obtendo kappa de Cohen de 0,55 inicialmente e, após breve orientação quanto aos principais códigos e temas da revisão, obteve kappa de 0,88 (indicando concordância quase perfeita).
Resultados
Os dados qualitativos foram extraídos de modo a reunir informação detalhada sobre os participantes, país, objetivo do estudo, metodologia empregada e resultados (Quadro 1)21-28.
Foram encontrados 34 códigos nos nove artigos da revisão (Quadro 2). Combinando códigos de três artigos21,24,28, foram encontrados 31 códigos, de um total de 34 da revisão, ou seja, mais de 90% dos códigos a partir de apenas um terço dos artigos da revisão.
O código mais expresso foi a expectativa de ser um fardo familiar, ocorrendo em oito dos nove artigos da revisão (Figura 2).
Análise de co-ocorrências
Os códigos mais co-expressos estão ilustrados nos excertos a seguir.
Os códigos 16, 5 e 1 em dois artigos21,25 demonstram que a perda de autonomia está ligada à fadiga do câncer e à funcionalidade comprometida.
“Meu corpo está fraco. Às vezes não consigo me levantar, me lavar, escovar os dentes... às vezes meu pequeno me auxilia no banheiro” (traduzido de Lee et al.25).
Os códigos 6, 8, 12 e 14 com certa densidade em um artigo21 demonstraram que afastar pensamentos ruins ajuda a reduzir o estigma do câncer, na tentativa de manter a normalidade da vida dos amigos.
Tento ser como os outros e estar com eles. Não quero ficar só, e sinto pena de mim mesma. Tenho que seguir adiante. Torna mais fácil. Se fico só e penso sobre as coisas, não melhora nada. É muito melhor estar lá fora e viver a vida como todo mundo, ou ao menos tentar viver como todo mundo (traduzido de Luoma e Hakamies-Blomqvist21).
Os códigos 18 e 20 em dois artigos21,27 demonstraram que a expectativa de ser um fardo familiar perpassa parte das dúvidas quanto ao futuro.
“Mas me preocupo, se acontecer algo comigo, em como eles vão lidar. Me preocupo com a pressão que imponho à minha esposa a toda hora” (traduzido de Rowland et al.27).
Os códigos 8 e 27 em dois artigos21,23 demonstraram que aproveitar o tempo pode ser atingido, mesmo com uma tendência à perda de autonomia pela doença, sobretudo mantendo a mente ocupada e, desse modo, afastando pensamentos ruins ligados ao estigma da doença.
Realmente me agrada o plano de apoio pelo qual a agência de empregos não precisa estar me seguindo a todo instante... Porque tento viver minha vida a cada dia, sem a doença ficar tomando todo o espaço e acaba sendo um saco quando a assistente social tem que ocupar seu tempo perguntando como você está. E então você tem que sentar lá e afinal pensar ‘Deus, sim, realmente me sinto estranha e há todas essas coisas que não consigo fazer’. A opção de manter um seguro-saúde (com emprego flexível nesse caso), em vez de receber pensão de invalidez, é realmente boa (traduzido de Lee Mortensen et al.23).
Os códigos são frequentemente expressos em termos de número de artigos em que aparecem e com mais relação com os demais: 5, 6, 8, 12, 16, 21.
O código 20 (expectativa de ser um fardo) se relaciona com: 4, 5, 8, 11, 16, 18, e 25. Isso ocorre em cinco artigos21,24-27.
A expectativa de ser um fardo familiar se relaciona com dor oncológica e fadiga, perda da autonomia e dúvidas quanto ao futuro, além de preocupações financeiras, e é por vezes despertada pelo próprio convívio familiar. Ela pode ser amenizada ao se afastar pensamentos ruins relacionados com dúvidas quanto ao futuro.
O código 6 (estigma do câncer) se relaciona com: 2, 4, 5, 8, 12, 14, 15, 16, 18, 27, 31 e 32. Isso ocorre em quatro artigos21,24,26,27.
O estigma do câncer ameaça a manutenção da normalidade da vida, no entanto, pode ser amenizado por esta, sobretudo ao se afastar pensamentos ruins, na presença de amigos, e, assim, ocupando a mente; esse estigma gera dúvidas quanto ao futuro, mas mesmo agravado pela perda de autonomia que a doença gera, consegue-se melhora da QV ao se tentar expressar a vivência do câncer para os outros. Ainda assim, na presença de efeitos negativos do tratamento e fadiga, o estigma do câncer acaba gerando isolamento social, em função da incapacidade de manter a normalidade da vida.
O código 16 (perda de autonomia) se relaciona com: 1, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 17, 27, 31 e 32. Isso ocorre em seis artigos21,22,24-27.
A perda de autonomia é precipitada pela perda de funcionalidade e percebida como perda da normalidade da vida, parcialmente compensada ao se realizar pequenas coisas. Em alguns casos, mesmo com a funcionalidade preservada, pode haver restrições à autonomia da pessoa (dirigir, por exemplo). Evita-se a perda de autonomia, a qual configura uma ameaça a aproveitar o tempo de vida (sobretudo se fica difícil ocupar a mente para afastar pensamentos ruins) com a manutenção do emprego (até em tempo parcial). Mesmo ocorrendo juntamente com o estigma do câncer, a QV pode ser melhorada ao se expressar a vivência do câncer para os outros.
O código 8 (afastar pensamentos ruins) se relaciona com: 4, 6, 7, 9, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 24 e 27. Isso ocorre em três artigos20,21,23.
Para afastar pensamentos ruins, de modo singelo, ajuda realizar pequenas coisas. No entanto, por vezes, isso acaba sendo mais complicado e — mesmo na presença de amigos — é necessário suprimir o estigma do câncer; em outra situação, para manter a mente ocupada (assistindo a um filme, por exemplo) é necessário que não haja dor, para se conseguir afastar pensamentos ruins e manter a QV. Afastar pensamentos ruins está relacionado à expectativa de experimentar a dor oncológica ou ser um fardo familiar e se associa a dúvidas quanto ao futuro. Novamente, o suporte de colegas de trabalho ajuda a manter a mente ocupada e afastar pensamentos ruins, o que também ajuda a manter a normalidade da vida.
O código 12 (normalidade) se relaciona com: 4, 6, 7, 8, 10, 14, 16, 18, 27 e 31. Isso ocorre em cinco artigos20,22-24,28.
Manter a normalidade da vida ajuda a evitar o estigma de uma doença incurável. Parece ajudar emocionalmente, aliviando o peso do estigma da doença, ao expressar para os outros que é possível levar uma vida normal, mesmo com alguma perda de autonomia imposta pelo tratamento. Viver uma vida na normalidade ajuda a afastar pensamentos ruins. Tentar viver uma vida normal, na presença de amigos, é importante para afastar pensamentos ruins ligados ao estigma da doença. Viver na normalidade também representa aproveitar o tempo de vida e realizar pequenas coisas ajuda a manter essa percepção, mas por vezes as dúvidas quanto ao futuro tornam difícil afastar pensamentos ruins.
O código 5 (fadiga) se relaciona com: 2, 4, 6, 7, 8, 10, 12, 14, 16, 18, 27 e 31. Isso ocorre em dois artigos21,25.
Fadiga é um sintoma limitante e ocorre, por vezes, junto à dor oncológica. Se associa também com perda de funcionalidade e, mesmo tentando realizar pequenas coisas, a fadiga acaba gerando perda de autonomia. A fadiga, ao gerar perda de funcionalidade, resulta em perda de normalidade da vida. Além disso, interfere com as tentativas de aproveitar o tempo e, desse modo, ocupar a mente. Ela é por vezes percebida como efeito negativo do tratamento, gera perda de normalidade da vida e isolamento social, por causa do estigma da doença. Por vezes, mesmo na presença da família, a fadiga acaba gerando a percepção de ser um fardo.
Análise contingencial
Temas frequentemente expressos em termos de número de artigos, mas que apresentam pouca relação com os demais: 2, 10, 11, 14, 18 e 19. Esses últimos códigos podem indicar dimensões complementares aos demais, sobretudo o código 19 (manter a esperança), pois, na análise contingencial, aparece desconectado dos códigos mais frequentes: 5, 6, 8, 12, 16 e 20.
O código 10 (aproveitar o tempo de vida) se relaciona com: 5, 8, 12, 23, 27 e 29. Isso ocorre em cinco artigos21,23,25,26,28. Deixa de se relacionar com os códigos: 6, 16 e 20.
Manter a normalidade ajuda a aproveitar o tempo de vida, bem como afastar pensamentos ruins ou pensar num sentido para a vida; por outro lado, a fadiga do câncer prejudica a capacidade de aproveitar o tempo de vida e ocupar a mente. A adaptação à doença ajuda a aproveitar o tempo de vida.
O código 19 (manter a esperança) se relaciona com: 3, 13, 14, 22 e 30. Isso ocorre em cinco artigos21,23-25,28. Deixa de se relacionar com os códigos: 5, 6, 8, 12, 16 e 20.
Manter a esperança é menos difícil com o suporte de amigos, e ajuda, nesse sentido, a espiritualidade e a interação com a equipe de saúde.
O código 2 (efeitos negativos do tratamento) se relaciona com: 4, 5, 6, 15, 23 e 32. Isso ocorre em dois artigos26,28. Deixa de se relacionar com os códigos: 8, 12, 16, e 20.
Efeitos negativos do tratamento, associados à fadiga e à perda de normalidade da vida, se relacionam com o estigma do câncer, causando isolamento social. Percebe-se a exacerbação da dor oncológica como efeito negativo do início do tratamento oncológico e destaca-se que é possível uma adaptação transcendental a determinados efeitos do tratamento (como a disfunção erétil no câncer de próstata).
O código 11 (família) se relaciona com: 4, 5, 7, 16 e 20. Isso ocorre em quatro artigos21,25-27. Deixa de se relacionar com os códigos: 6, 8 e 12.
Mesmo a capacidade de realizar pequenas coisas, tão importante para manter a QV, não obscurece o papel da família na QV dos pacientes. Em um sentido negativo, a família pode, na presença de fadiga da doença, realçar a expectativa de ser um fardo. É importante contar com a família ante a perda de autonomia que a doença acarreta e também ante a dor oncológica.
O código 18 (dúvidas quanto ao futuro) se relaciona com: 4, 6, 8, 12 e 20. Isso ocorre em quatro artigos21,22,24,27. Deixa de se relacionar com os códigos: 5 e 16.
As dúvidas quanto ao futuro por vezes parecem indissociadas da expectativa de ser um fardo familiar. Afastar pensamentos ruins ligados à expectativa de ser um fardo familiar ou em relação à dor oncológica é afetado por dúvidas quanto ao futuro, sobretudo ao pensar na suspensão do tratamento oncológico. Além disso, essas dúvidas acabam aumentando, mesmo levando uma vida dentro da normalidade, ao lembrar de recidiva após tratamento anterior, às vezes realçando o estigma da doença (de ser incurável).
O código 14 (suporte de amigos) se relaciona com: 4, 6, 8, 12, 13, 14, 19 e 27. Isso ocorre em dois artigos21,24. Deixa de se relacionar com os códigos: 5, 16 e 20.
O suporte de amigos é importante na tentativa de manter a normalidade na vida e afastar pensamentos ruins para reduzir o estigma do câncer. Além disso, esse suporte ajuda a manter a esperança. Contanto que não relembrem o estigma da doença, mantendo a normalidade, os amigos ajudam a afastar pensamentos ruins.
Síntese temática
O resultado da síntese temática revelou 11 temas (em negrito) e 15 subtemas (Figura 3), os principais serão discutidos adiante.
DISCUSSÃO
O tema central da síntese qualitativa nessa revisão sobre a QV de pacientes com câncer avançado em tratamento ambulatorial gira ao redor da expectativa de ser um fardo familiar. Esse tema foi inicialmente descrito em pacientes terminais e em cenário de cuidado paliativo, no qual a percepção de ser um fardo remete à percepção empática dos pacientes em relação ao impacto causado nos outros em função da doença e de suas necessidades de cuidado, associado ao sentimento de culpa, ao sofrimento e à responsabilidade29. No entanto, esse aspecto da vida de pacientes com câncer em tratamento foi descrito como achado inusitado de um inquérito realizado há mais de duas décadas em um hospital francês30, onde os pesquisadores procuravam por eventos adversos do tratamento oncológico e o achado mais importante, na visão dos pacientes, foi o impacto causado na família.
Foi também enfatizado por outros autores31,32 o papel central da família na determinação da QV de pacientes com câncer avançado. Família é fonte de suporte, mas também de preocupações (financeiras, entre outras). Nesta síntese qualitativa, as preocupações financeiras constituíram um subtema dentro do tema da expectativa de ser um fardo familiar.
A própria perda de funcionalidade condicionada pela fadiga do câncer, que acaba comprometendo também a autonomia dos pacientes, acaba gerando uma pressão sobre a rede de suporte social, sendo a família vista como suporte não apenas emocional e físico, mas financeiro nesse período, pois muitos não conseguem mais trabalhar. O impacto social-financeiro do câncer já foi discutido por outros autores de países em desenvolvimento como Jansen van Rensburg et al.33 na África do Sul, mas parece constituir uma lacuna da pesquisa oncológica no Brasil. Nenhum dos artigos incluídos na revisão foi conduzido por autores brasileiros.
Em relação ao tema do estigma, a etimologia do conceito vem do grego “stizein”, ou marca, e se refere ao fato de o paciente ser tratado de forma diferente por conta da sua doença, em comparação às demais pessoas e, além disso, a uma experiência interna individual de vergonha por causa da discriminação e falta de compreensão dos outros34. O estigma se configura em uma ruptura aparente com a normalidade da vida dos pacientes, mas pode ser combatido ao se procurar mantê-la, realizando pequenas coisas (atividades usuais antes da descoberta do câncer).
Uma revisão sistemática, incluindo 4.161 mulheres sobreviventes de câncer de mama, demonstrou alguns fatores que se relacionam com o estigma, entre eles: pensamentos intrusivos, ambivalência em expressar emoções, idade mais jovem, tipo de cirurgia (mastectomia em vez de cirurgia conservadora de mama), trabalho em tempo integral e, finalmente, percepção de ser um fardo. Em contrapartida, há correlação negativa entre estigma e QV, empatia do profissional de saúde, grau de escolaridade dos pacientes e renda, além de suporte social recebido e adaptação à situação35.
Interessante notar que adaptação à situação da doença e interação com equipe de saúde constituíram-se em subtemas, que favoreceram ou prejudicaram a QV dos participantes, ao passo que o suporte social configurou um tema nesta síntese qualitativa, o que demonstra consistência entre os achados da revisão atual e do estudo quantitativo de Tang et al.35. Esse estudo, de ótica quantitativa, envolveu milhares de mulheres e chegou a conclusões semelhantes à presente revisão que, somando os nove artigos incluídos, incluiu apenas 176 pacientes. Vale destacar o fato de que uma fração dos artigos (envolvendo apenas 43 participantes de Luoma e Hakamies-Blomqvist21, Ginter24 e Parra-Morales et al.28) conseguiu saturar mais de 90% dos códigos da revisão, o que remete ao conceito de competência cultural mencionado por Romney et al.36 e, possivelmente, a um bom rapport entre pesquisador e participantes, comprovando a robustez das metodologias de pesquisa qualitativa.
O código 8 utilizado na síntese qualitativa (afastar pensamentos ruins) pode ser considerado o contraponto dos chamados “pensamentos intrusivos” descrito por Tang et al.35. Na análise de co-ocorrências de Bardin, ele se relacionou com uma variedade de outros códigos, aparecendo como um pré-requisito para outro tema, aproveitar o tempo de vida, e ademais – na perspectiva de alguns pacientes – ajuda a reduzir o estigma da doença.
Por fim, o tema “manter a esperança”, o qual constituiu uma dimensão complementar na síntese qualitativa, pode ser exemplificado na fala “O dia em que você perde a esperança, começa a morrer. Ainda não estou pronta para desistir de minha esperança”24. Esse tema desperta profundas reflexões bioéticas em relação à postura dos profissionais de saúde, dos familiares e da sociedade na interação com pacientes acometidos por câncer avançado e em tratamento, de modo a não reforçar o estigma da doença – esse construto social do meio em que se vive, age, pensa, se relaciona e, por vezes, é imagem do espelho do preconceito37.
Quanto às limitações da presente revisão, é necessário mencionar que alguns estudos podem inadvertidamente ter sido excluídos, com base na estratégia de busca e filtros utilizados. No entanto, para a finalidade de conduzir uma metassíntese qualitativa, dentro do escopo da revisão, seria complicado trabalhar com dados qualitativos demasiados ou advindos de amostras muito heterogêneas.
CONCLUSÃO
A síntese qualitativa indicou que preocupações com a rede de suporte familiar parecem influenciar de modo relevante a QV de pacientes com câncer avançado em tratamento. A família é fonte de suporte afetivo e, muitas vezes, financeiro, e é capaz de afetar de modo dicotômico (positivamente ou negativamente) a QV dessas pessoas, permitindo inferir que a QV desses pacientes constitui também um construto social, que decorre da interação entre o indivíduo e o meio no qual se vive e convive. Outros fatores que parecem ser decisivos são o estigma da doença e, de modo complementar, o peso da esperança em relação ao tratamento instituído.
CONTRIBUIÇÕES
Todos os autores contribuíram na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.
DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES
Nada a declarar.
Fontes de financiamento
Não há.
REFERÊNCIAS
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27. Rowland C, Danson SJ, Rowe R, et al. Quality of life, support and smoking in advanced lung cancer patients: a qualitative study. BMJ Support Palliat Care. 2016;6(1):35-42.
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29. McPherson CJ, Wilson KG, Murray MA. Feeling like a burden: exploring the perspectives of patients at the end of life. Soc Sci Med. 2007;64(2):417-27.
30. Carelle N, Piotto E, Bellanger A, et al. Changing patient perceptions of the side effects of cancer chemotherapy. Cancer. 2002;95(1):155-63.
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32. Devi KM, Hegney DG. Quality of life in women during and after treatment for breast cancer: a systematic review of qualitative evidence. JBI Libr Syst Rev. 2011;9(58):2533-71.
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34. Goffman E. Stigma: notes on the management of spoiled identity. New Jersey: Prentice-Hall; 1963.
35. Tang W Zhen, Yusuf A, Jia K, et al. Correlates of stigma for patients with breast cancer: a systematic review and meta-analysis. Support Care Cancer. 2023;31(1):55. doi: https://doi.org/10.1007/s00520-022-07506-4
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37. Monteiro S. Estigma e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013.
Recebido em 7/8/2024
Aprovado em 10/10/2024
Editor-associado: Fernando Lopes Tavares de Lima. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-8618-7608
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

Figura 1. Fluxograma de seleção de estudos
Fonte: Adaptado de PRISMA15.
Legenda: MMAT = mixed methods appraisal tool14.
Quadro 1. Características dos estudos incluídos e qualidade metodológica
|
País |
Participantes |
Objetivo de pesquisa |
Método |
Resultados |
Escore MMAT |
|
|
Luoma M; Hakamies-Blomqvist, 200421
|
Finlândia |
25 mulheres com câncer de mama avançado, sob tratamento quimioterápico, idade entre 18 e 70 anos |
Investigar fatores que afetam a QV e não são percebidos por um instrumento quantitativo de avaliação (EORTC QLQ C30) |
Amostragem intencional até obter saturação teórica (atingida com 18 participantes) dentro de um ensaio clínico. Entrevistas semiestruturadas foram objeto de análise fenomenológica. O software AtlasTi foi usado |
O tratamento é capaz de influenciar negativamente a QV (em razão de efeitos colaterais) e por vezes positivamente (com alívio de dor oncológica ou capacidade readquirida para fazer coisas boas). Conseguir manter atividade de trabalho ajudou a QV de alguns, bem como suporte de amigos, além do familiar. Aprender a viver o dia-a-dia teve efeito positivo |
5 |
|
Janssens et al., 202122 |
Bélgica e Itália |
24 pacientes com câncer de pulmão sob tratamento, idade mediana de 62 anos |
Investigar como pacientes com câncer de pulmão avançado percebem sua QV e o que consideram mais importante na sua determinação |
Amostragem intencional de pacientes submetidos a grupos focais com entrevistas transcritas para a análise temática. Foi usado software NVivo |
Três temas foram encontrados: aspectos físicos, aspectos psicológicos e aspectos sociais. Mudanças na aparência física, náusea, fadiga, alterações sensoriais e risco de infecções afetaram a QV. Perda de autonomia, liberdade e independência afetaram a QV. Interação social é capaz de manter a QV e a comunicação com profissionais de saúde pode ser negativa |
5 |
|
Lee Mortensen et al., 201823 |
Dinamarca |
18 mulheres com câncer de mama metastático com idade entre 41 e 72 anos |
Explorar a QV de mulheres dinamarquesas com câncer de mama metastático e uma possível relação com suas necessidades de suporte |
Amostragem intencional em múltiplos centros oncológicos do país foi explorada por meio de grupos focais, com transcrição das sessões e análise temática por meio de abordagem construtivista. Foi usado o software NVivo |
Dois temas foram explorados: impacto do câncer metastático sobre a QV, e tratamento e necessidade de suporte. Sintomas ou efeitos sobre a esfera física comprometeram a QV, destacando fadiga. Continuar a trabalhar ou estabelecer metas ajudou a QV. Problemas emocionais como depressão e ansiedade tiveram impacto na QV. Sob o tema de necessidade de suporte, exames geram ansiedade e reduzem o tempo disponível no dia-a-dia. Assistência social e suporte psicológico oportuno foram outras necessidades |
4 |
|
Berterö et al., 200820 |
Suécia |
23 pacientes com câncer de pulmão avançado em tratamento, 12 homens, idade mediana de 63 anos |
Descrever como pessoas com diagnóstico de câncer avançado experimentam o impacto da doença sobre a sua situação de vida e QV |
Amostragem intencional e entrevistas qualitativas orientadas pela abordagem da fenomenologia |
Seis temas foram encontrados e um grande tema geral que visava captar a essência geral do objeto de estudo (QV): viver como o habitual |
5 |
|
Ginter A.C, 202024 |
Estados Unidos |
9 mulheres jovens (até 40 anos) com câncer de mama metastático |
Entender a experiência de vida de mulheres jovens com câncer de mama metastático, particularmente a essência de sua QV |
Amostragem intencional e recrutamento em “bola de neve” com a realização de entrevistas semiestruturadas orientadas pela abordagem fenomenológica e teoria da trajetória de vida, que guiou a análise temática |
Cinco temas foram encontrados: “isso não devia estar ocorrendo agora”, “como revelar para os outros”, “benefícios de manter a mente ocupada”, “contemplando o futuro” e “viver no lugar de sobreviver” |
5 |
|
Lee et al., 201625 |
Singapura |
46 pacientes com câncer avançado, proporção similar de homens e mulheres, idade mediana de 59 anos e câncer de mama (19), colorretal (7) e pulmão (6), principalmente |
Identificar domínios de QV explorando a experiência subjetiva do que constitui boa QV para os participantes |
Amostragem intencional em dois locais de referência de Singapura. Foram realizadas entrevistas e grupos focais, submetidos à análise temática. Foi usado software NVivo |
Foram encontrados 22 temas, agrupados em seis domínios: “dor e sofrimento”, “saúde social”, “saúde mental”, “saúde espiritual”, -“bem-estar financeiro” e “saúde física” |
5 |
|
CharalambousA; Kouta C, 201626 |
Chipre |
15 homens com câncer de próstata avançado, sob quimioterapia |
Explorar a fadiga relacionada ao câncer e seu impacto na QV geral dos pacientes |
Amostragem intencional em dois serviços ambulatoriais de oncologia de hospitais públicos do Chipre, até saturação teórica. Foram realizadas entrevistas com questão aberta, objeto de análise temática |
Três temas foram encontrados: “dependência de outros”, “perda de poder na tomada de decisão” e “disrupção da vida habitual” |
5 |
|
Rowland et al., 201427 |
Reino Unido |
9 pacientes com câncer de pulmão avançado, maioria homens (6), mediana de idade de 66 anos |
Explorar a percepção dos pacientes quanto sua QV, levando em consideração sua visão sobre o tabagismo |
Amostragem intencional com estratégia de variação máxima, na qual foram conduzidas entrevistas semiestruturadas até obter saturação teórica. Foi feita uma análise temática, a partir de uma abordagem fenomenológica e interpretativa |
Cinco temas foram encontrados: “efeitos da doença sobre a QV”, “suporte familiar”, “estratégias de enfrentamento”, “suporte médico” e “tabagismo”. Ajudaram a QV: adaptação, suporte da família, comunicação franca entre o casal, hobbies ou interesses, além de focar no futuro. Afetaram a QV: limitações físicas, estigma por ter câncer gerando sensação de isolamento e preocupação com familiar |
5 |
|
Parra-Morales et al., 202128 |
Colômbia |
7 homens com câncer de próstata avançado sob tratamento, idade mediana de 60 anos |
Descrever a percepção dos pacientes quanto às mudanças de sua QV desde o diagnóstico e durante o tratamento |
Amostragem intencional, e variação máxima de tipos com pacientes do sistema público ou privado, com história de 1,5 a 4,5 anos desde o diagnóstico, submetidos a tratamentos diferentes. Foram conduzidas entrevistas semiestruturadas por telefone, submetidas à análise temática conforme Braun & Clarke |
Foram encontradas nove categorias (cinco a priori, relatadas na revisão de literatura, e quatro novas). Afetaram a QV: sintomas urinários (sobretudo obstrução urinária), disfunção sexual, alterações hormonais (sobretudo fogachos), dor/fadiga/náusea, alterações do ânimo e saúde mental (sobretudo emoções negativas quanto ao diagnóstico), limitações funcionais (impedindo prática de esportes, por exemplo), problemas com o sistema de saúde (como limitações de acesso). Ajudaram a QV: incorporação de práticas pessoais (novo estilo de vida, espiritualidade/religiosidade e atitude positiva) e apoio social (familiar e, sobretudo, pela atenção médica) |
5 |
Legendas: MMAT = Mixed Methods Appraisal Tool; QV = Qualidade de vida; EORTC-QLQ-C30 = European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire Core 30.
|
Quadro 2. Lista de códigos identificados na análise dos artigos incluídos na revisão |
||||
|
1. Funcionalidade comprometida |
8. Afastar pensamentos ruins |
15. Isolamento social |
22. Ajuda interação com serviços de saúde |
29. Pensar num sentido para a vida |
|
2. Efeitos negativos do tratamento |
9. Suporte de colegas de trabalho |
16. Perda de autonomia |
23. Adaptação |
30. Espiritualidade |
|
3. Efeitos positivos do tratamento |
10. Aproveitar o tempo de vida |
17. Funcionalidade preservada |
24. Não ter preocupação financeira |
31. Expressar a vivência do câncer |
|
4. Dor oncológica |
11. Família |
18. Dúvidas quanto ao futuro |
25. Ter preocupação financeira |
32. Falta de normalidade da vida |
|
5. Fadiga |
12. Manter a normalidade |
19. Manter a esperança |
26. Aprender ou experimentar coisas novas |
33. Tabagismo |
|
6. Estigma do câncer |
13. Falta de esperança |
20. Expectativa de ser um fardo familiar |
27. Ocupar a mente |
34. Cuidar da saúde |
|
7. Realizar pequenas coisas |
14. Suporte de amigos |
21. Prejudica interação com serviços de saúde |
28. Ter uma meta |
|

Figura 2. Análise frequencial com os códigos mais expressos por número de artigos

Figura 3. Síntese qualitativa de fatores associados à qualidade de vida dos pacientes durante o tratamento do câncer avançado
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado.