ARTIGO DE OPINIÃO

 

Medicina Integrativa no Tratamento Oncológico

Integrative Medicine in Oncological Treatment

Medicina Integradora en el Tratamiento Oncológico

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2024v70n3.4841

 

Sabrina Rossi Perez Chagas1

 

1Oncologia D’Or. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: drasabrinachagas@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0006-3633-2412

 

Endereço para correspondência: Sabrina Rossi Perez Chagas. Rua Humberto de Campos, 555/103 – Leblon. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 22430-190. E-mail: drasabrinachagas@gmail.com

 

INTRODUÇÃO

Apesar de todo progresso no tratamento oncológico, com a incorporação de novas tecnologias e o desenvolvimento de diversas drogas, o câncer continua sendo uma doença ameaçadora de vida, potencialmente fatal e cujo tratamento convencional deixa sequelas físicas, emocionais e psicológicas. O cuidado oncológico é complexo e deve contar sempre com uma equipe multidisciplinar. Diante desse cenário, a busca por um atendimento mais acolhedor, completo e cientificamente embasado é observada de forma crescente1.

 

A medicina integrativa começou sua trajetória oficial em 1962, em uma Assembleia da República Portuguesa. Em 2003, foi fundada a Sociedade de Oncologia Integrativa (SIO) e iniciada sua concomitante parceria com a American Society of Clinical Oncology (ASCO), a mais importante instituição de oncologia do mundo2.

 

Em 2017, ampliou seus passos, quando a unidade técnica de Medicina Tradicional e Complementar da Organização Mundial da Saúde (OMS) adicionou o termo "medicina integrativa" nas abordagens integrativas de Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI) e medicina convencional em relação a políticas, conhecimentos e prática. Hoje, por meio do Academic Consortium for Integrative Medicine & Health, que reúne mais de 70 instituições acadêmicas dedicadas ao avanço da medicina, ela é definida como:

 

A prática da medicina que reafirma a importância da relação entre paciente e profissional de saúde; focada na pessoa em seu todo; baseada em evidências e faz uso de todas as abordagens terapêuticas e de estilo de vida adequadas, profissionais e disciplinas para obter o melhor da saúde e da cura3.

 

 

Crescendo ao longo do tempo, hoje mais de 50 hospitais de referência nos Estados Unidos possuem a medicina integrativa dentro de suas áreas de atuação. Esse crescimento reflete o compromisso com um olhar mais amplo e centrado no paciente. A roda da saúde (Figura 1) ilustra os pilares dessa abordagem. No núcleo, estão o ator principal, protagonista de todo o processo, e o desenvolvimento da atenção plena e do autoconhecimento como bases para o sucesso da jornada. A dieta, a atividade física/movimento, a conexão corpo-mente, o desenvolvimento espiritual e a relação harmoniosa com o ambiente em que vive completam esse círculo virtuoso da saúde, da cura e da qualidade de vida. O foco é o paciente4.

 

Keine Fotobeschreibung verfügbar.

Figura 1. Roda da Saúde – Duke Integrative Medicine

Fonte: Duke Health4.

 

DESENVOLVIMENTO

Por que o interesse e a adoção de práticas integrativas cresceram ao longo do tempo?

Ao longo da história, a medicina passou por uma crescente fragmentação, impulsionada pela Revolução Industrial e pelo pensamento cartesiano. Descartes, no século XVII, com sua visão mecanicista do corpo humano, separou mente e corpo, tratando a saúde de forma compartimentalizada. Já no século XIX, a Revolução Bacteriológica, liderada por Pasteur e Koch, focou na identificação e no combate de agentes patogênicos específicos, o que, embora tenha trazido grandes avanços, também contribuiu para um distanciamento maior do paciente como um todo, tratando a doença de forma isolada5.

 

Michel Foucault6, em suas análises, destacou como a medicina moderna se transformou em um sistema de controle e poder, muitas vezes, desconsiderando a individualidade e a subjetividade do paciente. Diante desse cenário, emerge a necessidade de resgatar uma abordagem integral. A medicina integrativa surge justamente com essa proposta, buscando reintegrar o cuidado e respeitando as complexidades humanas. Ela enfatiza princípios que vão além da prática médica convencional, olhando para a pessoa como um todo, reforçando o papel fundamental da relação médico-paciente e sublinhando a importância do estilo de vida6.

 

Tanto assim que: "O chassi está quebrado e as rodas estão saindo” é a primeira frase de um artigo que faz referência à medicina integrativa como uma forma de trazer a medicina de novo às suas raízes. Nesse mesmo texto, o olhar integrativo não é visto como uma mudança radical, mas um caminho cujo foco na relação médico-paciente é restaurado, a promoção da saúde e da cura ocorre em oposição ao foco excessivamente tecnológico, o engajamento ativo do paciente em seu autocuidado é promovido e a prevenção e manutenção da saúde ocorrem por meio de estilo de vida saudável. Em suma, traz a visão de que a medicina integrativa de hoje será a nova medicina do século XXI6.

 

Dentro desse olhar tão amplo, é importante deixar claro que medicina integrativa não é sinônimo de medicina alternativa. Sabe-se que esta última, ao abdicar do tratamento convencional, piora os desfechos clínicos dos pacientes7.

 

Por outro lado, vale lembrar que algumas práticas integrativas podem trazer malefícios aos pacientes oncológicos. Assim, reforça-se a importância de pesquisas dentro do tema, lembrando ainda que grande parte dos pacientes adota essas práticas sem comunicar seus médicos8.

 

O que é oncologia integrativa?

Nesse contexto, vale apresentar a definição da oncologia integrativa9:

 

É um campo do tratamento do câncer centrado no paciente e baseado em evidências que utiliza práticas corporais e mentais, produtos naturais e/ou modificações no estilo de vida de diferentes tradições ao lado de tratamentos convencionais de câncer.

A oncologia integrativa visa otimizar saúde, qualidade de vida e resultados clínicos durante o tratamento do câncer, capacita as pessoas a prevenir o câncer e as tornam participantes ativos antes, durante e após o tratamento do câncer.

 

Esse conceito foi elaborado por um comitê multicêntrico, incluindo a América do Norte, Europa e Ásia, a partir da SIO, com a missão de promover a saúde integrativa com o rigor nas evidências, a fim de melhorar a vida das pessoas com câncer9. A SIO, desde 2004, publica artigos e diretrizes em seu periódico indexado – Journal of the Society for Integrative Oncology – referência na área.

 

Esse conceito é recente, foi instituído pelo National Cancer Institute nos anos 2000 e tem se difundido sobretudo nos Estados Unidos, nos principais centros de referência no tratamento oncológico, como o MD Anderson Cancer Center, Dana Farber Cancer Institute, Johns Hopkins University, Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, Mayo Clinic, entre outros.

 

Manejo dos sintomas durante o tratamento oncológico

É importante não só conhecer os principais sintomas da jornada dos pacientes oncológicos, como a indicação de cada abordagem integrativa nesse contexto. Vale ressaltar também que as diretrizes do National Comprehensive Cancer Network (NCCN) para controle de fadiga10, náuseas11 e dores12 trazem um capítulo sobre abordagens não medicamentosas e, nelas, estão as integrativas. Da mesma forma, a ASCO endossa as diretrizes da SIO para o uso da medicina integrativa no tratamento do câncer de mama13.

 

Pode-se citar, como exemplo, a fadiga. Uma queixa presente em até 80% dos pacientes em tratamento oncológico. Por definição, a fadiga relacionada ao câncer é um sentimento subjetivo, persistente e angustiante de cansaço físico, emocional e/ou cognitivo, ou uma exaustão relacionada ao câncer ou ao seu tratamento, que não é proporcional à atividade recente e interfere no funcionamento normal10. Diante dessa compreensão abrangente de um sintoma tão comum, é difícil imaginar que um olhar restrito à prescrição medicamentosa será eficaz. Ressalta-se que o manejo adequado da fadiga não apenas melhora significativamente a qualidade de vida dos pacientes, mas também está associado a uma maior sobrevida14. Por isso, vale lançar mão de todas as abordagens integrativas cientificamente comprovadas para seu controle: yoga, meditação, orientação nutricional, atividade física, acupuntura e técnicas de massagem15.

 

Outro sintoma muito comum é dor. Não só durante o tratamento; mas, entre os sobreviventes, a incidência chega a 50%16. Seja em virtude das sequelas de cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou bloqueio hormonal, a dor é uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a uma lesão tecidual real ou potencial, ou que se assemelha à tal lesão17. De todas as intervenções integrativas indicadas nesse sentido, há a yoga, a atividade física, o suporte nutricional, o suporte espiritual, as técnicas de relaxamento, terapia cognitivo-comportamental, entre outras18.

 

A depressão e os transtornos de ansiedade também são frequentes após o diagnóstico do câncer e, novamente, as diretrizes da ASCO trazem as abordagens integrativas para serem associadas na condução do tratamento, entre elas estão o mindfulness (palavra que pode ser traduzida como “atenção plena”, sendo a prática de se concentrar completamente no presente), as atividades físicas, a terapia cognitivo-comportamental e as técnicas de relaxamento19.

 

Pode-se também buscar uma relação entre as práticas mente-corpo e o manejo direto dos sintomas como, por exemplo, a meditação/mindfulness apresenta fortes evidências no controle de depressão e ansiedade, mas também auxilia na fadiga, dor, insônia, cognição e bem-estar geral. Da mesma forma, técnicas de relaxamento atuam na ansiedade, depressão, náuseas, vômitos e dor20.

 

Vale reforçar que a maioria dos pacientes faz uso de alguma abordagem alternativa/complementar/holística/integrativa e apenas a minoria comunica isso ao seu médico. Por medo ou por não encontrar espaço na comunicação, deixam de lado essa informação importante, podendo colocar sua própria segurança em risco21. Sabe-se que até 80% dos pacientes faz uso de algum tipo de suplemento alimentar, lembrando que vários multivitamínicos podem ter ação antioxidante, o que diminui a eficácia da quimioterapia22. Colocando essa realidade em números, apesar de 73% das pacientes com câncer de mama fazerem uso de alguma abordagem integrativa, os oncologistas acreditam que apenas 43% de suas pacientes a utilizam23.

 

Com tantos benefícios, é fácil entender que o uso de diferentes modalidades da medicina integrativa pode contribuir para o bem-estar e a saúde emocional dos pacientes com câncer. Juntas, essas abordagens podem diminuir a ansiedade, a dor, as náuseas, além de melhorar o sono, a funcionalidade e o senso de bem-estar. Sabendo, porém, que cada modalidade pode apresentar contraindicações, o atendimento deve contar com profissionais treinados e, se possível, em um departamento de medicina integrativa, em parceria com os oncologistas, para oferecer suporte e cuidado aos pacientes24.

 

CONCLUSÃO

A oncologia, assim como todas as áreas da medicina, traz em sua prática várias angústias. Uma delas é a dificuldade em trazer o alento que o paciente busca, lançando mão exclusivamente de remédios. A dor que não é só física, o cansaço que é também medo e ansiedade, entre os muitos sintomas advindos do tratamento e do diagnóstico do câncer, são desafios na rotina de todo médico que vê o paciente como um todo e não apenas como uma doença.

 

A partir do autocuidado e de uma relação médico-paciente acolhedora, a medicina integrativa permite que o paciente busque uma alimentação equilibrada, a prática de atividades físicas, o equilíbrio mente-corpo, a espiritualidade e relacionamentos saudáveis. Compreende ainda a espiritualidade e a preocupação com o familiar que também sofre ao ver o ente querido sofrer.

 

O que o paciente procura é a escuta ativa e um caminho humanizado no qual se sinta apto a atuar no próprio processo de cura. Nesse contexto, a medicina integrativa representa a junção perfeita entre a ciência e o cuidado que os pacientes merecem.

 

 

CONTRIBUIÇÃO

Sabrina Rossi Perez Chagas participou de todas as etapas da construção do artigo, desde a sua concepção até a aprovação da versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

1.    Elkefi S, Asan O. The impact of patient-centered care on cancer patients' qoc, self-efficacy, and trust towards doctors: analysis of a national survey. J Patient Exp. 2023;10:23743735231151533. doi: https://doi.org/10.1177/23743735231151533

2.     Noguchi DT, Massola MEA, Romano FRS, et al. Medicina integrativa na Oncologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 2020.

3.    IM Consortium [Internet]. Lake Oswego: IMH; 2024. Introdução. [acesso 2024 jul 10]. Disponível em: https://imconsortium.org/about/introduction/

4.    Duke Health [Internet]. Raleigh: Duke University; 2004-2024©. [acesso 2024 abr 25]. Disponível em: https://www.dukehealth.org/blog/assess-your-well-being-wheel-of-health

5.    Zorzanelli RT, Cruz MGA. O conceito de medicalização em Michel Foucault na década de 1970. Interface (Botucatu). 2018;22(66):721-31 doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622017.0194

6.    Snyderman R, Weil AT. Integrative medicine: bringing medicine back to its roots. Arch Intern Med. 2002;162(4):395-7. doi: https://doi.org/10.1001/archinte.162.4.395

7.    Johnson SB, Park HS, Gross CP, et al. Use of alternative medicine for cancer and its impact on survival. J Natl Cancer Inst. 2018;110(1). doi: https://doi.org/10.1093/jnci/djx145

8.    Camargo TC. Editorial 59-2 . Rev Bras Cancerol [Internet]. 2013[acesso 2024 jul 24];59(2):163-4. Disponível em: https://rbc.inca.gov.br/index.php/revista/article/view/1312/763

9.    Witt CM, Balneaves LG, Cardoso MJ, et al. A Comprehensive definition for integrative oncology. J Natl Cancer Inst Monogr. 2017;2017(52). doi: https://doi.org/10.1093/jncimonographs/lgx012

10. Mock V, Atkinson A, Barsevick A, et al. NCCN practice guidelines for cancer-related fatigue. Oncology (Williston Park). 2000;14(11A):151-61. doi:

11. Berger MJ, Ettinger DS, Aston J, NCCN guidelines insights: antiemesis, version 2. 2017. J Natl Compr Canc Netw. 2017;15(7):883-93. doi: https://doi.org/10.6004/jnccn.2017.0117

12. Dotan E, Walter LC, Browner IS, et al. NCCN guidelines® insights: older adult oncology, version 1.2021. J Natl Compr Canc Netw. 2021;19(9):1006-19. doi: https://doi.org/10.6004/jnccn.2021.0043

13. Lyman GH, Greenlee H, Bohlke K, et al. Integrative therapies during and after brast cancer treatment: ASCO endorsement of SIO clinical practice guideline. J Clin Oncol. 2018;36(25):2647-55. doi: https://doi.org/10.1200/jco.2018.79.2721

14. Mo J, Darke AK, Guthrie KA, et al. Association of fatigue and outcomes in advanced cancer: an analysis of four SWOG treatment trials. JCO Oncol Pract. 2021;17(8):e1246-57. doi: https://doi.org/10.1200%2FOP.20.01096

15. Mao JJ, Pillai GG, Andrade CJ, et al. Integrative oncology: Addressing the global challenges of cancer prevention and treatment. CA Cancer J Clin. 2022;72(2):144-64. doi: https://doi.org/10.3322/caac.21706

16. Jiang C, Wang H, Wang Q, et al. Prevalence of chronic pain and high-impact chronic pain in cancer survivors. JAMA Oncol. 2019;5(8):1224-6. doi: https://doi.org/10.1001/jamaoncol.2019.1439

17. Santana JM, Perissinotti DMN, Oliveira Junior JO, et al. Revised definition of pain after four decade [Editorial]. Brjp. 2020;3(3):197-8. doi: https://doi.org/10.5935/2595-0118.20200191

18. National Comprehensive Cancer Network [Internet]. Plymouth Meeting: NCCN; 2024©. Guidelines 2.2024. Adult Cancer Pain. [acesso 2024 abr 25]. Disponível em: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/pain.pdf

19. Carlson LE, Ismaila N, Addington EL, et al. Integrative oncology care of symptoms of anxiety and depression in adults with cancer: Society for Integrative Oncology-ASCO Guideline. J Clin Oncol. 2023;41(28):4562-91. doi: https://doi.org/10.1200/jco.23.00857

20. Deleemans JM, Mather H, Spiropoulos A, et al. Recent progress in mind-body therapies in cancer care. Curr Oncol Rep. 2023;25(4):293-307. doi: https://doi.org/10.1007/s11912-023-01373-w

21. Johnson SB, Park HS, Gross CP, et al. Complementary medicine, refusal of conventional cancer therapy, and survival among patients with curable cancers. JAMA Oncol. 2018;4(10):1375-81. doi: https://doi.org/10.1001/jamaoncol.2018.2487

22. Lopez G, McQuade J, Cohen L, et al. Integrative oncology physician consultations at a comprehensive cancer center: analysis of demographic, clinical and patient reported outcomes. J Cancer. 2017;8(3):395-402. doi: https://doi.org/10.7150/jca.17506

23. Crudup T, Li L, Lawson E, et al. Awareness, perceptions, and usage of whole person integrative oncology practices: similarities and differences between breast cancer patients and oncologists. J Clin Oncol. 2021;39(Sup 15):e24123. doi: https://doi.org/10.1200/JCO.2021.39.15_suppl.e2412

24. Armstrong K, Lanni T Jr, Anderson MM, et al. Integrative medicine and the oncology patient: options and benefits. Support Care Cancer. 2018;26(7):2267-73. doi: https://doi.org/10.1007/s00520-017-4007-y

 

 

 

Recebido em 31/7/2024

Aprovado em 1/8/2024

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

image001

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado.