ARTIGO ORIGINAL

 

Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho no Estado de Minas Gerais: Estratégias de Implantação (2019-2023)

Work-Related Cancer Surveillance in the State of Minas Gerais: Implementation Strategies (2019-2023)

Vigilancia del Cáncer de Origen Laboral en el Estado de Minas Gerais: Estrategias de Implementación (2019-2023)

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2025v71n1.4879

 

Cristiane Moreira Magalhães Andrade1; Eleonora Assunção Morad Arantes2; Ubirani Barros Otero3; Mery Natali Silva Abreu4

 

1-2Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Escola de Enfermagem, Departamento de Gestão em Serviços de Saúde. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SESMG), Subsecretaria de Vigilância em Saúde, Superintendência de Vigilância Epidemiológica de Belo Horizonte. Belo Horizonte (MG), Brasil. E-mails: cristiane.andrade@saude.mg.gov.br; eleonora.morad@saude.mg.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-4751-7130; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6417-1288

 

3Instituto Nacional de Câncer (INCA), Coordenação de Prevenção e Vigilância, Área Técnica Ambiente, Trabalho e Câncer. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: uotero@inca.gov.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1464-2410

 

4UFMG, Escola de Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Departamento de Gestão em Serviços de Saúde. Belo Horizonte (MG), Brasil. E-mail: meryabreu@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6691-3537

 

Endereço para correspondência: Cristiane Moreira Magalhães Andrade. Rua Ophil Ribeiro, 161, apto. 503 – Palmeiras. Belo Horizonte (MG), Brasil. CEP 30580-020. E-mail: cristiane.andrade@saude.mg.gov.br

 

 

RESUMO

Introdução: Em Minas Gerais, os cânceres relacionados ao trabalho (CRT) são subnotificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) em razão principalmente da não execução da Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho (VCRT). Objetivo: Descrever as estratégias da Secretaria de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) para implantar a VCRT no Estado, tendo como enfoque a vigilância epidemiológica. Método: Utilizou-se o relato de experiência para descrever o processo de implantação da VCRT ocorrido no período de 2019 a 2023 por meio das vivências profissionais, análise de atas de reuniões e de dados no Sinan, Registro Hospitalar de Câncer (RHC) e do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), no caso do mesotelioma. Foram comparados o número de casos de CRT notificados no Sinan antes (2008-2018) e depois (2019-2023) da implantação da VCRT. Resultados: A implantação da VCRT seguiu nove etapas: capacitação sobre câncer e trabalho; parceria com a Coordenação de Vigilância do Câncer da SES/MG; definição dos cânceres-alvo das ações; rastreamento dos casos prioritários; elaboração de formulários; articulação com serviços de alta complexidade; rastreamento dos cânceres no RHC e SIM (mesotelioma); investigação epidemiológica; emissão de parecer; e monitoramento mensal das notificações. Observou-se um aumento das notificações de CRT no Sinan de 73 casos de 2008-2018 para 1.148 casos de 2019-2023. Conclusão: Por meio das estratégias implantadas, foram instituídas rotinas das ações de VCRT nos serviços de Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat). Além disso, com a notificação qualificada e rotineira no Sinan será possível melhor caracterizar o cenário epidemiológico de CRT em MG.

Palavras-chave: Neoplasias/epidemiologia; Saúde Ocupacional; Exposição ocupacional.

 

 

ABSTRACT

Introduction: In Minas Gerais, work-related cancers (WRC) are underreported in the Notifiable Diseases Information System (SINAN), mainly due to the lack of implementation of Work-Related Cancer Surveillance (WRCS). Objective: To describe the strategies used by the Minas Gerais Health Department (SES/MG) to implement WRCS in the state, focusing on epidemiological surveillance. Method: An experience report was used to describe the WRCS implementation process that took place between 2019 and 2023 through professional experiences, analysis of meeting minutes and data from SINAN, the Hospital-Based Cancer Registry (HBCR) and the Mortality Information System (SIM), in the case of mesothelioma. The number of WRC cases notified at SINAN before (2008-2018) and after (2019-2023) the implementation of the WRCS were compared. Results: The implementation of the WRCS followed nine stages: training on cancer and work; partnership with the Cancer Surveillance Coordination of the SES/MG; definition of the cancers-targeted actions; screening of priority cases; preparation of forms; articulation with high-complexity services; screening of cancers at the HBCR and SIM (mesothelioma); epidemiological investigation; issue of a report; and monthly monitoring of notifications. There was an increase in WRC notifications at SINAN, from 73 cases in 2008-2018 to 1,148 cases in 2019-2023. Conclusion: Through the strategies implemented, routine WRCS actions were initiated at Occupational Health Surveillance (OHS) services. In addition, with qualified and routine notification at SINAN, it will be possible to better characterize the epidemiological scenario of WRC in Minas Gerais.

Key words: Neoplasms/epidemiology; Occupational Health; Occupational Exposure.

 

 

RESUMEN

Introducción: En Minas Gerais, existe un subregistro de los cánceres relacionados con el trabajo (CRT) en el Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria (Sinan), principalmente debido a la falta de ejecución de la Vigilancia del Cáncer Relacionado con el Trabajo (VCRT). Objetivo: Describir las estrategias utilizadas por la Secretaría de Salud de Minas Gerais (SES/MG) para implementar la VCRT en el Estado, centrándose en la vigilancia epidemiológica. Método: Se utilizó un informe de experiencia para describir el proceso de implementación de la VCRT que tuvo lugar entre 2019 y 2023 a través de experiencias profesionales, análisis de actas de reuniones y datos del Sinan, del Registro Hospitalario de Cáncer (RHC) y del Sistema de Información de Mortalidad (SIM), en el caso del mesotelioma. Se comparó el número de casos de TRC notificados en el Sinan antes (2008-2018) y después (2019-2023) de la implantación del VCRT. Resultados: La implantación de la VCRT siguió nueve etapas: formación sobre cáncer y trabajo; asociación con la Coordinación de Vigilancia del Cáncer de la SES/MG; definición de los cánceres objeto de actuación; cribado de casos prioritarios; elaboración de formularios; enlace con servicios de alta complejidad; selección de cánceres en el RHC y SIM (mesotelioma); investigación epidemiológica; emisión de dictamen; y seguimiento mensual de las notificaciones. Se observó un incremento en las notificaciones de CRT en el Sinan, pasando de 73 casos en el periodo 2008-2018 a 1148 casos en el periodo 2019-2023. Conclusión: A través de las estrategias implementadas, se instituyeron acciones rutinarias de VCRT en los servicios de Vigilancia de la Salud de lo Trabajador (Visat). Además, con la notificación calificada y rutinaria en el Sinan, será posible caracterizar mejor el escenario epidemiológico de CRT en MG.

Palabras clave: Neoplasias/epidemiología; Salud Ocupacional; Exposición Ocupacional.

 

 

INTRODUÇÃO

No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), os cânceres relacionados ao trabalho (CRT) fazem parte de um grupo de doenças que tem entre seus elementos causais a exposição a fatores, a agentes e a situações de risco presentes nos ambientes e processos de trabalho, mesmo após a cessação da exposição1. Essa classificação leva em conta o período de latência dos tumores, que pode ser longo para alguns, no qual a doença pode se desenvolver depois de muito tempo após a exposição2.

 

Os agentes biológicos, físicos e químicos são os fatores mais frequentemente associados ao CRT2. Além disso, circunstâncias de exposição também têm sido associadas ao CRT, como o trabalho noturno e o câncer de mama3.

 

A literatura identifica um conjunto de tipologias de câncer relacionadas à exposição ocupacional, destacando-se o mesotelioma, os cânceres de pulmão, de bexiga, de mama, de pele não melanoma, sinonasal, de rim, fígado, nasofaringe, estômago, laringe, ovário, cólon e reto, cérebro e do sistema nervoso central, trato biliar, da tireoide, glândula salivar, ossos, esôfago, os linfomas e as leucemias (aguda não linfocítica e mieloide aguda)2,4.

 

No Brasil, o CRT deve ser compulsoriamente notificado no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan) desde 2004, por meio de uma ficha própria de investigação e notificação5. Em 2009, no país, foram notificados somente 30 casos de CRT no Sinan6. Nesse mesmo ano, a Previdência Social concedeu 113.801 benefícios de auxílio-doença por câncer, dos quais 751 (0,66%) foram registrados como tendo relação com o trabalho7. Assim, o quantitativo de casos notificados no Sinan não condiz com os dados reais, concluindo-se que há grande subnotificação do câncer relacionado ao trabalho no país.

 

A subnotificação no Sinan tem causas variadas e está relacionada a problemas no diagnóstico e na identificação dos casos; complexidades das doenças ou agravos; rotinas e protocolos dos serviços; capacidade técnica dos recursos humanos; falta de sensibilidade por parte dos profissionais quanto à importância da notificação; não valorização da vigilância epidemiológica, entre outras8.

 

Especificamente quanto ao CRT, além dos fatores supracitados, a falta de reconhecimento dos riscos ocupacionais e o tempo que decorre entre a exposição e o aparecimento da doença (para determinados tipos de neoplasias) dificultam a formalização do nexo causal e potencializam a subnotificação no Sinan9.

 

Diante desse cenário, a Coordenação de Saúde do Trabalhador da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (CSAT-SES/MG) estipulou como meta a implantação da Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho (VCRT), tendo como foco principal a vigilância epidemiológica de neoplasias prioritárias, para a oportuna e adequada identificação, investigação e registro no Sinan dos casos de CRT.

 

 A VCRT consiste em um conjunto de ações para identificar, analisar e intervir em situações nas quais os trabalhadores estão ou podem estar expostos a riscos decorrentes de fatores e/ou a agentes cancerígenos. Destaca-se que as neoplasias relacionadas ao trabalho têm grande potencial de prevenção, uma vez que o controle das exposições cancerígenas pode ser garantido pela vigilância e pelas intervenções nos ambientes de trabalho4.

 

Em virtude da sua complexidade, a VCRT requer a estruturação de uma rede, na qual a adequada e oportuna captação de casos de cânceres necessita de articulações, dentro e fora do âmbito do SUS, envolvendo a média e a alta complexidades, a rede conveniada, os serviços de assistência e a universidade. Ressalta-se que a operacionalização dessa vigilância e a incorporação nos sistemas de informação ainda não são rotinas na maioria dos serviços de saúde10.

 

Este artigo tem como objetivo descrever por etapas as estratégias de implantação da VCRT no Estado de Minas Gerais, em especial, as direcionadas para a vigilância epidemiológica do câncer relacionado ao trabalho.

 

MÉTODO

Relato de experiência da implantação da VCRT no âmbito da SES/MG, com enfoque nas ações de vigilância epidemiológica, ocorrida no período de 2019 a 2023. Tal estudo foi produzido a partir de um recorte da dissertação de mestrado “Processo de implementação da vigilância do câncer relacionado ao trabalho em Minas Gerais e seu impacto nas notificações de mesotelioma no sistema de informação de agravos de notificação” do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Serviços de Saúde, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

A descrição do relato de experiência foi realizada a partir das práticas profissionais ocorridas durante todo o processo de implantação, assim como da análise de atas de registro de reuniões e do levantamento de dados de sistemas de informação: Sinan, Registro Hospitalar de Câncer (RHC)11 e Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)12.

 

O cenário do estudo é representado pelos 853 municípios de Minas Gerais e seus respectivos serviços de Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat). Assim, para melhor compreensão, descreve-se brevemente a organização administrativa da SES/MG, bem como da Visat no Estado.

 

Em termos administrativos, a SES/MG é dividida em 28 Unidades Regionais de Saúde (URS), sendo 20 Superintendências Regionais de Saúde (SRS) e oito Gerências Regionais de Saúde (GRS), que têm como competência gerir as políticas e ações de saúde no âmbito de sua área de abrangência13.

 

Em relação à organização da rede de Visat em Minas Gerais, esta é composta pela CSAT-SES/MG (área técnica responsável por coordenar e apoiar tecnicamente as ações no Estado), pelas Referências Técnicas em Saúde do Trabalhador (RT-ST) estaduais (1 em cada URS) e municipais (1 em cada município) e pelos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) Estadual, Regionais (18) e Municipal (1), localizados em Belo Horizonte).

 

Adicionalmente, a implantação das ações de VCRT no Estado considerou os pilares de estruturação da vigilância epidemiológica em saúde do trabalhador,4 tendo como prioridade a vigilância dos casos com diagnóstico, conforme demonstrado na Figura 1.

 

Figura 1. Fluxograma das etapas de estruturação da Vigilância Epidemiológica em Saúde do Trabalhador

 

 

Assim, a organização e operacionalização da VCRT no território mineiro ocorreu em nove etapas, sendo elas: capacitação sobre a temática câncer e trabalho; estabelecimento de parceria com a Coordenação de Vigilância do Câncer (CVC) da SES; definição dos tipos de cânceres-alvo das ações; rastreamento dos cânceres prioritários para as ações; criação de materiais de subsídio; articulação com serviços de alta complexidade; rastreamento dos casos de cânceres em sistemas de informação; investigação epidemiológica dos casos rastreados; emissão de parecer e monitoramento mensal quanto à qualidade das informações dos casos notificados (Figura 2).

 

Figura 2. Fluxograma das etapas de implantação da VCRT em Minas Gerais

 

Neste estudo, também foram analisados quantitativamente os dados de CRT notificados no Sinan antes da implantação (2008-2018) e no período pós-implantação (2019-2023).

 

Conforme a Resolução n.º 51014 de 7 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde, estudos com dados secundários, de acesso público, estão isentos de análise ética.

 

RESULTADOS

A VCRT foi implantada em Minas Gerais a partir de 2019 em etapas e centrada na vigilância epidemiológica dos casos com diagnóstico. Para melhor organização das informações, os resultados serão apresentados em etapas seguindo a cronologia de ações planejadas e executadas pela CSAT-SES/MG.

 

Etapa 1 - Capacitação SES/MG e Instituto Nacional de Câncer: câncer e trabalho

Diante da necessidade de apresentar conceitos e informações-chave para a temática, bem como alinhar e direcionar condutas de ações sobre a VCRT no Estado, em maio de 2019, a CSAT-SES/MG, em parceria com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), realizou a capacitação “Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho”.

 

O evento contou com a participação das RT-ST das 28 URS do Estado, dos técnicos dos Cerest, das Referências Técnicas das CVC-SES/MG e da Vigilância das Doenças e Agravos não Transmissíveis, além das RT-ST de alguns municípios e profissionais de hospitais oncológicos da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

 

O INCA abordou as temáticas sobre a teoria e a prática do CRT e ao ambiente, agrotóxicos, agentes carcinogênicos nas atividades de mineração, benzeno, amianto, doenças e agravos de notificação compulsória. A CVC-SES/MG discutiu sobre câncer relacionado ao trabalho: Informações do Registro de Câncer de Base Populacional de Belo Horizonte (RCBP-BH) e do RHC. A CSAT-SES/MG apresentou aspectos gerais sobre o CRT em Minas Gerais.

 

Salienta-se que, no segundo dia do evento, o INCA apresentou uma proposta de fluxo de notificação para os casos de cânceres, contido nas Diretrizes de Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho (DVCRT) (Figura 3), tendo como referência, nesse exemplo, o mesotelioma.

 

Figura 3. Fluxo de informação para o câncer relacionado ao trabalho

Fonte: Diretrizes para a Vigilância do Câncer Relacionado ao Trabalho4.

 

 

Esse fluxo foi utilizado pela CSAT-SES/MG como referência, especialmente para a definição da forma de identificação dos casos.

 

Etapa 2 - Estabelecimento de parceria com a CVC-SES/MG

Para operacionalização das ações, especialmente aquelas necessárias para a implantação efetiva da vigilância epidemiológica do câncer relacionado ao trabalho, verificou-se a necessidade de identificar casos aptos para a investigação epidemiológica em saúde do trabalhador, via Sistema de Informação em Saúde (SIS). Assim, considerando a relevância e a potencialidade do RHC, foi estabelecida parceria com a CVC-SES/MG, responsável, entre outras atribuições, por gerir e divulgar as informações produzidas por esse registro. A parceria foi consolidada por meio de rotina, constituída por disponibilização periódica de dados referentes a cânceres inseridos no RHC para a CSAT-SES/MG.

 

Etapa 3 - Eleição dos cânceres prioritários e expansão das ações de VCRT

A literatura nacional e internacional destaca vários tipos de cânceres que podem estar relacionados à exposição/fatores cancerígenos nos ambientes de trabalho. Assim, para melhor organização, foi necessário estabelecer quais os tipos de neoplasias seriam investigadas. Foi realizada a análise do perfil produtivo do Estado, bem como os tipos CRT já consagrados em literatura, tendo como documento principal de referência as DVCRT.

 

Adicionalmente, foi considerada a pouca experiência dos serviços de saúde do trabalhador na realização de ações voltadas para a vigilância de casos de cânceres suspeitos de estarem relacionados ao trabalho. Portanto, optou-se pela definição de um tipo de câncer que tivesse relação indiscutível com o trabalho e com menor número de casos registrados nos SIS, em decorrência da sua baixa incidência. Além disso, em razão da extensão territorial de Minas Gerais, optou-se por elencar uma URS-piloto para início das ações. Assim, o mesotelioma foi definido como câncer prioritário e a URS BH-SES/MG como regional-piloto.

 

Nesse contexto, institui-se um grupo de trabalho específico composto pela CSAT-SES/MG, URS BH-SES/MG, Cerest Belo Horizonte, Betim e Contagem, e por um profissional médico do serviço de alta complexidade de Belo Horizonte. Tal grupo teve como objetivo organizar e operacionalizar as ações relacionadas à vigilância epidemiológica do mesotelioma.

 

Com a experiência acumulada nas investigações epidemiológicas do mesotelioma, outros tipos de cânceres, como os linfomas não Hodking, as leucemias e os cânceres de pele não melanoma, em ocupações de risco, foram então incorporados como prioritários para as ações de VCRT no Estado. Por meio da Resolução SES/MG n.º 7.730, de 22 de setembro de 202115, houve repasse de recurso financeiro aos municípios para fomento e execução de ações de Visat. Atualmente, a legislação vigente é a Resolução SES/MG n.º 8.383, de 19 de outubro de 202216, que mantém o repasse de incentivo financeiro para a Visat. Em ambas as legislações, a VCRT foi foco prioritário. Nelas, foram estipuladas metas para as ações de vigilância epidemiológica do câncer relacionado ao trabalho e para a vigilância de ambientes e processos de trabalho (locais com prováveis ou comprovada exposições a agentes cancerígenos). Assim, a VCRT no Estado não se limitou ao aumento das notificações no Sinan. As ações foram integradas e organizadas na perspectiva de promoção e proteção à saúde dos trabalhadores nos ambientes de trabalho.

 

Etapa 4 - Elaboração do instrumento de coleta

No âmbito da saúde do trabalhador para o estabelecimento da relação da doença com o trabalho, é fundamental ter o máximo de informações possíveis sobre o histórico ocupacional dos trabalhadores. Assim, para o levantamento organizado e minucioso dessas informações, foi elaborado o Formulário de Investigação de Caso Suspeito de Câncer Relacionado ao Trabalho (Material Suplementar), adaptado a partir do documento proposto pelas DVCRT.

 

O formulário para aplicação em entrevista ao trabalhador, ou em casos de óbito, a seus familiares, contemplou dados, desde a identificação do investigado e da neoplasia até o detalhamento das ocupações em exercício e exercidas e seus respectivos riscos ocupacionais. Para cada tipo de neoplasia elencada como prioritária, foi elaborado um formulário específico, com detalhamento dos agentes e as situações de exposição, ocupacionais e ambientais, levantados em literaturas de referência. O documento apresentou adaptações dinâmicas, sendo reestruturado à medida que foram identificados pontos de ajuste pela utilização dos profissionais de saúde.

 

Etapa 5 - Sensibilização da equipe gestora dos hospitais

Apesar de a responsabilidade de todos os pontos da Rede de Atenção à Saúde notificar casos no Sinan, o diagnóstico dos cânceres, majoritariamente, ocorre nos serviços de alta complexidade. Por esse motivo, os hospitais oncológicos foram considerados prioritários para organização das ações de VCRT.

 

Dessa maneira, para a apresentação da proposta inicial de trabalho aos gestores dos hospitais especializados no atendimento a pacientes com câncer, foi estabelecida uma agenda de visitas a esses serviços com a pauta da VCRT, suas estratégias de implantação e a importância do serviço nesse processo. De um modo geral, foi acordado nesses espaços o acesso a dados assistenciais pelos profissionais da Visat, especialmente os relacionados ao histórico ocupacional. Entretanto, não foram discutidos nem definidos fluxos de informações entre os serviços a partir da identificação, na instituição hospitalar, de pacientes com diagnósticos estabelecidos das neoplasias elencadas como prioritárias.

 

Com os avanços das ações, houve a necessidade de estender as visitas a outros hospitais, que não estavam necessariamente vinculados de forma direta ao tratamento do câncer na perspectiva de se obter informações, especialmente sobre o histórico ocupacional do paciente, por meio da análise de prontuários. Além disso, foi necessário retornar a alguns hospitais para reapresentar/rediscutir as pautas, garantindo a implantação da VCRT.

 

Etapa 6 - Identificação dos casos de cânceres em Sistemas de Informação em Saúde

Os cânceres definidos como prioritários foram levantados nominalmente no RHC, pela área técnica responsável da SES/MG. Para a busca no sistema, foram elencados os seguintes critérios de seleção: a) localização do tumor primário (de acordo com 10ª revisão Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID-1017); b) tipo histológico do tumor primário (baseado na 3ª edição da Classificação Internacional de Doenças para Oncologia - CID-O-318); c) idade; d) ocupação de risco associada ao tipo de câncer; e) período de busca: 2015 a 2021. Destaca-se que o período de extração dos dados no RHC foi sendo ampliado, anualmente, à medida que as informações foram disponibilizadas no sistema, especialmente no que se refere aos anos de 2019, 2020, 2021 e 2022.

 

Destaca-se que o RHC11 é um sistema dinâmico que permite registros de casos retroativos. Portanto, um caso pode não ter sido contemplado durante uma primeira extração de um período determinado e ser identificado em uma extração posterior referente ao mesmo período.

 

Além do RHC, para o mesotelioma, foi realizado o levantamento de dados no SIM, no período de 2006 a 2023. Na busca, verificaram-se os campos “causa básica da morte” e “causa básica associada da morte” da Declaração de Óbito, considerando o código CID 45 (com todas suas subdivisões), específico do mesotelioma.

 

Os dados obtidos do RHC11 e do SIM12 foram disponibilizados à CSAT-SES/MG por meio de planilhas em formato Excel. Na sequência, os casos identificados do SIM foram pareados nominalmente com os do RHC. Os dados foram compilados em uma única planilha e detalhadamente analisados, a fim de os campos de maior relevância para a investigação em saúde do trabalhador serem verificados.

 

Para melhor gestão da informação, algumas colunas da planilha compilada foram suprimidas, sendo mantidas as de descrição do nome, nome da mãe, data de nascimento, endereço, da ocupação RHC, data de diagnóstico, localização primária do tumor, tipo histológico, instituição de tratamento e, para os casos de mesotelioma, data do óbito e ocupação do SIM.

 

 

Etapa 7 - Investigação epidemiológica em saúde do trabalhador

A planilha Excel compilada com os casos de cânceres identificados foi subdividida por URS (28). Para isso, considerou-se o local de residência do paciente, ou seja, foram encaminhadas, por URS, somente os casos de residentes em sua respectiva área de abrangência.

 

Após a separação, cada planilha específica foi encaminhada para a URS responsável que, por sua vez, enviou aos serviços municipais de saúde do trabalhador de jurisprudência para a realização da investigação epidemiológica em saúde do trabalhador.

 

Assim, as investigações foram realizadas: a) pelas RT-ST municipais, considerando o município onde o paciente residia ou residiu, exceto quando este era residente ou residiu em localidades sede de Cerest; b) pelos técnicos dos Cerest, quando os pacientes eram residentes/ou residiram em municípios-sede desses serviços.

 

As investigações objetivaram levantar informações detalhadas, especialmente sobre o histórico ocupacional e foram realizadas com o auxílio do formulário de investigação. Em grande parte, realizadas na residência do paciente/familiar ou remotamente (via telefone). Além disso, conforme a necessidade de completar, obter ou analisar informações, as equipes de Visat recorreram a outras fontes, como análise de prontuários, articulação com hospitais, Atenção Primária à Saúde e com sindicatos e universidades.

 

Todas as informações coletadas, bem como o detalhamento de cada uma das etapas realizadas, foram registradas no formulário de investigação, e anexadas a ele cópias de documentos assistenciais e trabalhistas, quando obtidas. Adicionalmente, para melhor condução da investigação e verificação de demais informações essenciais para a epidemiologia, a ficha do Sinan de notificação/investigação do CRT foi utilizada como referência.

 

Etapa 8 - Emissão de parecer

Os profissionais das Visat dos municípios analisaram todas as informações levantadas sobre os ambientes de trabalho e as formas de exposições ocupacionais e compararam com os achados em literatura. Considerando ainda as particularidades de uma investigação de câncer suspeito relacionado ao trabalho, subsidiaram-se em conceitos-chave. O da temporalidade: a exposição ao fator de risco ocupacional foi anterior ao diagnóstico? O da plausibilidade biológica: o câncer é considerado possível diante da toxicologia dos agentes sob exposição? E da consistência: achados semelhantes em diferentes grupos populacionais.

 

A partir do desenvolvimento de um raciocínio lógico e fundamentado, os profissionais das Visat municipais caracterizaram o caso como relacionado trabalho, descartado ou inconclusivo. Ressalta-se que, no caso de dificuldade de emissão do parecer, os casos foram discutidos com a CSAT-SES/MG e/ou com as RT-ST das URS e, em situações mais complexas e pontuais, com o INCA.

 

Pontua-se que, em virtude de o fato da busca ativa nos SIS ter identificado casos com diagnóstico definido em anos anteriores ao ano vigente, as ações de vigilância ocorreram a partir da identificação desses casos, e as notificações no Sinan foram realizadas com datas da investigação epidemiológica, ou seja, posteriores à data do diagnóstico.

 

Para melhor qualificar o Sinan, antes do lançamento de dados no sistema, procurou-se verificar as informações mais adequadas e fidedignas para cada campo. Além disso, para melhor padronizá-las, bem como permitir rastreabilidade entre os sistemas e gerar confiabilidade nos dados lançados no Sinan, foi orientado a todos investigadores que descrevessem no campo “Informações complementares e observações” o tipo histológico, o local do tratamento; se óbito, o número da Declaração de Óbito e o local do óbito.

 

Como mostra a Figura 4, após a implantação da VCRT no Estado, houve aumento expressivo do número de notificações de CRT, de 73 casos de 2008 a 2018 para 1.148 casos de 2019 a 2023, demonstrando assim a assertividade das ações.

 

Figura 4. Número de casos de CRT notificados no Sinan, segundo ano, no período de 2008 a 2023, em Minas Gerais

Fonte: Autores a partir dos dados do Sinan Net6.

 

Etapa 9 - Monitoramento mensal das notificações lançadas no Sinan

As notificações de CRT inseridas no Sinan foram analisadas periodicamente pela CSAT-SES/MG com o intuito de verificar o adequado preenchimento e a consistência das informações. Entretanto, determinados campos foram averiguados de forma mais criteriosa, avaliando: se a ocupação preenchida foi aquela na qual o trabalhador foi exposto ao agente/fator de risco cancerígeno para o tipo de neoplasia em investigação; se os dados da empresa foram corretamente descritos; se entre os riscos ocupacionais foi marcada a opção de exposição ao agente/fator que levou/contribuiu para o desenvolvimento da doença; se o diagnóstico da doença foi preenchido e descrito corretamente (uma vez que, por não ser campo obrigatório, muitas unidades notificadoras tendem a não o preencher, mesmo contendo a informação precisa); e se, no campo “informações complementares e observações”, foram descritas as orientações padronizadas.

 

Após as verificações, as notificações com algum tipo de inconformidade foram encaminhadas para as respectivas URS, a fim de que estas solicitassem aos municípios notificadores as devidas adequações.

 

DISCUSSÃO

As ações padronizadas de VCRT, focadas nas ações de vigilância epidemiológica, foram desenvolvidas pelas Visat municipais em todo o Estado. Os pontos críticos, identificados durante o processo de implantação, foram trabalhados e adequados de forma a garantir ações perenes de VCRT e o encorajamento das práticas pelas RT-ST. A etapa 1 proveu conhecimento e delineamento de uma possível ação de VCRT, nivelando o grupo. As etapas 2 e 3 permitiram aprofundamento sobre a temática e o estudo sobre a viabilidade da estratégia. A etapa 4 buscou direcionar as RT-ST e padronizar a coleta de informações, por meio dos formulários de investigação. A 5 permitiu o acesso da RT-ST nos serviços de alta complexidade, com vistas a coletar dados e informações concernentes à investigação epidemiológica, qualificando e auxiliando as etapas seguintes, 7 e 8. A etapa 9 permitiu aferir o resultado do processo de trabalho e garantir informações confiáveis para subsídio de análises epidemiológicas.

 

Apesar dos esforços do Ministério da Saúde, especialmente do INCA, as experiências sobre VCRT no país ainda são pontuais e, de maneira geral, baseadas em parcerias com serviços de alta complexidade.

 

Em Minas Gerais, grande parte dos municípios não é coberta por Cerest regionais ou pelo municipal, sendo as ações de Visat, nessas situações, executadas pelas RT-ST municipais. Por esse motivo, a estruturação das ações de VCRT considerou a organização dos serviços de Visat do SUS e não se concentrou nos serviços assistenciais, especialmente nos de alta complexidade. Silva Baldo19, a partir da experiência de implantação da VCRT no município de Londrina-Paraná, destacou que as ações de VCRT, focadas na notificação do CRT, não deviam limitar-se aos serviços especializados no diagnóstico e tratamento de neoplasias, mas envolver os Serviços de Saúde do Trabalhador, desde o levantamento e a análise do histórico ocupacional, o estabelecimento de nexo e a digitação dos casos no sistema de informação.

 

A estratégia de identificação de casos a serem investigados via informações nos SIS, principalmente no RHC, possibilitou identificar casos suspeitos de CRT em ocupações de risco, com diagnóstico confirmado e em todo o território mineiro.

 

No que tange às investigações epidemiológicas, as equipes de Visat enfrentaram dificuldades para resgatar as atividades laborais em virtude de fatores como: desconhecimento do entrevistado sobre os riscos aos quais foi exposto, dificuldade de acesso a documentos trabalhistas do paciente (como a carteira de trabalho, por exemplo), pouca ou nenhuma informação de interesse em documentos assistenciais do paciente, quando permitida a consulta. Santos20, ao realizar um estudo sobre a ocorrência de câncer em trabalhadores rurais do Acre identificados no SIM, não conseguiu refazer toda a trajetória ocupacional dos indivíduos pesquisados, por conta das dificuldades de se obter uma história ocupacional detalhada, considerando então apenas a ocupação referida no momento da morte ou aposentadoria.

 

Na sua quase totalidade, a aplicação dos formulários de investigação foi realizada pela Visat, entretanto, em uma das investigações, foram aplicados por um serviço da alta complexidade. As informações obtidas sobre o histórico ocupacional foram altamente qualificadas, fidedignas e permitiram estabelecer com segurança o nexo com o trabalho, e consequente notificação no Sinan. Estudos demonstram a importância da atenção terciária nas ações de VCRT, em particular as relacionadas à notificação dos CRT. Scherer et al.21 evidenciaram que, durante o processo de notificação das doenças e agravos relacionados ao trabalho no Sinan, uma melhor qualidade de informação obtida sobre o histórico ocupacional ocorria quando o paciente se encontrava ainda em tratamento dentro da instituição, em comparação com aqueles que já tinham obtido alta, cuja coleta era realizada via entrevista por telefone. Rocha et al.22 pontuaram que os profissionais de saúde do setor de oncologia do Hospital Regional do Vale do Ribeira, sensibilizados por um Cerest da Região, levaram ao aumento significativo no número de notificações de CRT realizadas pelo serviço. Vazquez et al.23 demostraram resultados positivos na notificação de CRT no Hospital de Barretos a partir da implantação no serviço de um questionário on-line de coleta para a obtenção do histórico de exposição ocupacional nos locais de trabalho, sendo simples, fácil, capaz de ser aplicado em curto espaço de tempo e usado no ambiente clínico. Baldo et al.24 destacam que esses serviços são importantes para a identificação de casos (entre os pacientes atendidos), levantamento e registro de informações de interesse (como exposições ocupacionais e do histórico ocupacional) nos documentos assistenciais, bem como para a articulação com os serviços de Visat para a discussão e o encaminhamento de casos.

 

A maior dificuldade apresentada no processo de fechamento de nexo com o trabalho foi a falta de familiaridade dos profissionais com a temática VCRT e até mesmo com conceitos inerentes e próprios da vigilância epidemiológica, demonstrando, assim, a importância de qualificar e trabalhar permanentemente os conceitos essenciais para a execução da vigilância epidemiológica, buscando estratégias adequadas e de acordo com a realidade dos serviços.

 

Como forma de melhorar a qualidade dos dados, mensalmente as notificações de CRT foram avaliadas. Segundo Ferreira et al.25, a identificação e a correção de inconsistências dos dados nos sistemas de informação de forma periódica são importantes para maior confiabilidade das informações, melhorando assim a fidelidade dos indicadores e a otimização do planejamento das ações voltadas à saúde da população.

 

A implantação da VCRT nos municípios, independentemente de seu porte e de ter retaguarda técnica de Cerest apesar de desafiadora, foi uma escolha assertiva. No ano de 2023, 206 municípios mineiros notificaram algum tipo de CRT no Sinan, demostrando o quanto as ações estão sendo realizadas de forma pulverizada em todo Estado6. Apesar do fortalecimento das ações de VCRT nos serviços de Visat, é necessário avançar na estruturação de linhas de ação mais específicas e direcionadas junto aos serviços assistenciais como a Atenção Primária à Saúde e Atenção Especializada, a fim de fortalecer um sistema de vigilância alerta e ágil na identificação e investigação dos casos suspeitos de CRT.

 

O levantamento e o rastreamento de casos via RHC e SIM (mesotelioma) demostraram ser uma boa estratégia, permitindo qualificar o Sinan e direcionar os profissionais para os principais passos da investigação epidemiológica.

 

No entanto, apresentam algumas limitações. Em razão dos sub-registros, determinados casos podem não ter sido captados por esses sistemas. Especificamente quanto ao RHC, não foi possível levantar casos do ano vigente em função do tempo de repasse de informações pelos prestadores, assim como o necessário para gerar relatórios no sistema, o que dificultou a localização de alguns pacientes para a realização da investigação.

 

Uma das etapas cruciais e mais desafiadoras foi a investigação epidemiológica dos casos, pois as equipes Visat apresentavam pouco conhecimento quanto aos conceitos essenciais de epidemiologia e do CRT. Vazquez et al. 23 destacam que os profissionais de saúde sabem pouco ou nada sobre os processos de trabalho e os agentes cancerígenos presentes nos ambientes de trabalho. Apesar disso, existem documentos nacionais, entre os quais, as DVCRT, que fornecem regulamentações técnicas e epidemiológicas favorecendo as atividades profissionais dos trabalhadores e facilitando a obtenção de informações detalhadas sobre os potenciais agentes cancerígenos presentes nos ambientes de trabalho. Na perspectiva de disseminar conhecimentos mais aprofundados sobre a temática e fortalecer a VCRT, a CSAT-SES/MG intensificou as ações de educação permanente por meio da realização de seminários e reuniões técnicas para a discussão e o estudo de casos, além da publicação de documentos de subsídio, como notas técnicas.

 

Quanto à qualidade dos dados notificados, observou-se que parte dos registros apresentava inconformidades quanto ao preenchimento de campos como ocupação, Cadastro Nacional de Atividades Econômicas, raça/cor, fatores de risco e diagnóstico. Especificamente, sobre este último campo, pontua-se que, na maioria das notificações de CRT, deveria estar qualificado, uma vez que os casos investigados eram oriundos do RHC, ou seja, com diagnóstico confirmado. Marques, Siqueira e Portugual26 destacam que as fichas do Sinan apresentam um quantitativo expressivo de campos, sendo parte deles essenciais, ou seja, de preenchimento não obrigatório para a inserção da notificação no sistema, o que acarreta muitas situações de incompletude. E concluem, destacando a necessidade de sensibilizar e conscientizar as equipes de saúde e os gestores municipais sobre a importância da qualidade do registro das notificações compulsórias.

 

Apesar dos desafios, a comparação dos cenários antes, 2008-2018, e após a implantação da VCRT, 2019-2023, considerando a média anual de notificações, demonstra a eficácia das ações adotadas, com um incremento expressivo de notificações. Destaca-se, ainda, que, em 2023, Minas Gerais foi a Unidade da Federação que mais notificou os CRT no Sinan, ao todo 906 casos (62% dos casos do Brasil), seguida do Paraná, (182), e de Santa Catarina, (76). Tendo ainda aumento, em 2023, de 500% no número de casos notificados, comparado com o ano 20226.

 

Este estudo apresentou uma proposta metodológica inovadora para a VCRT no Brasil, de baixo custo, aplicável e acessível a qualquer tipo de CRT e aos serviços de saúde, especialmente os de saúde do trabalhador. Essa proposta pode ser exitosa também em outros Estados do Brasil, levando em consideração as particularidades de cada território. É, portanto, possível e factível que as notificações de CRT no Sinan aumentem de forma considerável e qualificada, de modo a gerar ações de promoção e proteção à saúde, bem como intervenções nos ambientes e processos de trabalho.

 

Sugere-se, como um refinamento, uma aproximação entre as equipes de Visat e os serviços de alta complexidade, de forma a garantir tanto a melhoria na qualidade dos dados como a sensibilização do serviço especializado para a necessidade de notificação oportuna, obedecendo às normativas vigentes. Tal parceria, conjugada a buscas ativas pela equipe Visat, potencialmente minimizaria a limitação de se utilizar exclusivamente os SIS para levantamento dos casos. Além disso, seria importante pensar na estruturação de ações junto a outros pontos da rede, como a Atenção Primária à Saúde.

 

CONCLUSÃO

Este estudo contribuiu tanto para o fortalecimento da instituição de rotina das ações de VCRT no SUS quanto para a instrumentalização técnica das ações, especialmente no que tange às etapas de investigação epidemiológica em saúde do trabalhador, dada ainda a escassez de instrumentos técnicos específicos que contemplem as particularidades desse tipo de ação da Visat. Com a notificação qualificada e rotineira no Sinan, será possível melhor caracterizar o cenário epidemiológico de CRT em Minas Gerais, não sendo alvo deste estudo esse perfil de detalhamento.

 

Pontua-se ainda que, em Minas Gerais, a partir das ações de fomento e fortalecimento da VCRT no Estado, várias experiências e ações têm sido implementadas por iniciativa direta das URS e dos municípios. Tais ações contemplam: produção de materiais educativos, realização de Vigilância de Ambientes e Processos de Trabalho em ramos produtivos com comprovada exposição a agentes cancerígenos, capacitações na temática, busca ativa de caso em serviços de alta complexidade, parcerias com a equipe do SIM para identificação de casos, bem como qualificação das informações registradas na Declaração de Óbito, entre outras.

 

Outro aspecto relevante refere-se ao estabelecimento de fluxos com CVC-SES/MG, especialmente no que tange ao compartilhamento de dados de cânceres. Isso tem sido fundamental para impulsionar a implantação e a ampliação das ações de VCRT no Estado.

 

Além disso, destaca-se que a CSAT-SES/MG tem organizado vários espaços de discussão, como seminários e cursos virtuais, para ampliação do conhecimento da VCRT, além da elaboração de instrumentos de subsídio para a execução das ações.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Cristiane Moreira Magalhães Andrade contribuiu na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; e na redação. Eleonora Assunção Morad Arantes, Ubirani Barros Otero e Mery Natali Silva Abreu contribuíram na concepção e no planejamento do estudo; e na revisão crítica. Todas as autoras aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 15/8/2024

Aprovado em 13/12/2024

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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