ARTIGO DE OPINIÃO

 

Fumar em Área Aberta é o Suficiente para Proteção das Crianças?

Is Smoking in an Open Area Enough to Protect Children?

¿Basta Fumar en una Zona Abierta para Proteger a los Niños?

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2025v71n1.4884

 

Maria Alice Santos Tavares1; Leandro Alberto Calazans Nogueira2; Ney Armando de Mello Meziat Filho3; Renato Santos de Almeida4; Camila Drumond Muzi5; Raphael Mendonça Guimarães6; Raquel de Souza Ramos7; Gisele Fragoso Mendes8; Selma Cristina de Jesus Mesquita9; Manassés Moura dos Santos10; Maria Victória de Jesus Mesquita Palazzo11; Juliana Miranda Batista Moura dos Santos12; Agnaldo José Lopes13

 

1,5,7,8,10Instituto Nacional de Câncer (INCA). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mails: alicesantostavares@gmail.com; camilamuzi@gmail.com; rramos@inca.gov.br; gimendes@gmail.com; mana_moura@yahoo.com.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-7929-2955; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-5567-0437; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1939-7864; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5860-7321; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1067-2030

2,3,4Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mails: lcalazansnogueira@gmail.com; neymeziat@gmail.com; renato.fisio@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0177-9816; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2794-7299; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2148-334X

6Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: raphael.guimaraes@fiocruz.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-1225-6719

9Hospital Federal dos Servidores do Estado. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: selmajmesquita@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0007-5070-6342

11Faculdade de Medicina Petrópolis. Petrópolis (RJ), Brasil. E-mail: mavipalazzo@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0000-7686-9974

12Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: jumirandabms@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0009-0005-2212-7082

13Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: agnaldolopes.uerj@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-8598-4878

 

Endereço para correspondência: Maria Alice Santos Tavares. Rua Mercedes Coelho, 82 – Santa Cruz. Rio de Janeiro (RJ), Brasil. CEP 23525-100. E-mail: alicesantostavares@gmail.com

 

 

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS)1 alerta que aproximadamente 603 mil pessoas morrem anualmente em todo mundo em decorrência do tabagismo passivo. Destas, 168.840 (28%) são crianças. No adulto, o tabagismo passivo aumenta o risco de câncer de pulmão, infarto, acidente vascular cerebral e doenças do sistema respiratório, já as crianças apresentam mais infecções respiratórias, otites, alergias, aumento do risco de morte súbita infantil e chances de se tornarem fumante na vida adulta. O tabagismo na gestação pode levar à má formação congênita, ao baixo peso ao nascer e, durante o período de amamentação, apresentar redução dos níveis de prolactina e tendência do desmame precoce. Apesar dessas informações, uma quantidade expressiva de crianças em todo mundo ainda está exposta à fumaça do tabaco, especialmente no círculo familiar2.

 

De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) 2019, aproximadamente 25% dos brasileiros, entre 13 e 15 anos, conviveram com fumantes, dentro de suas residências, nos sete dias anteriores à pesquisa3. Uma pesquisa mundial realizada em 142 países demonstrou uma prevalência de fumo passivo no domicílio de 33,1%, um pouco mais elevado do que no Brasil. Observou-se também que o tabagismo passivo no ambiente domiciliar é mais prevalente entre as mulheres, as populações de baixa renda e os mais jovens, o que corresponde à população mais vulnerável e que tende a padecer mais com os problemas relacionados ao tabagismo passivo4.

 

Para ratificar esse quadro, o The Global Burden of Disease (GBD)5 alertou que morrem aproximadamente 47 mil crianças menores de 5 anos em decorrência do tabagismo passivo, isso sem levar em conta o impacto na saúde de recém-nascidos de mulheres que ficaram expostas ao tabagismo passivo durante a gestação, o que colabora para o desenvolvimento de estudos e ações voltados para fortalecer as diretrizes do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) e para disseminação da informação sobre esses malefícios para a população.

 

DESENVOLVIMENTO

As substâncias liberadas durante a queima dos produtos derivados do tabaco são as responsáveis pelos malefícios tanto para o fumante quanto para o tabagista passivo. Essa fumaça forma um aerossol de gases, vapores e partículas líquidas, que se espalham de maneira homogênea na atmosfera, de forma que qualquer indivíduo fica exposto às concentrações relevantes dessas substâncias, independentemente de estar próximo ou distante da fonte de produção1.

 

A poluição tabagística ambiental (PTA) é a mistura desses compostos liberados pela queima dos produtos derivados do tabaco. Das sete mil substâncias liberadas, 69 possuem potencial cancerígeno. A PTA provém de duas fontes: corrente primária, que é a fumaça do ambiente que foi exalada pelo fumante ativo; e a corrente secundária, que é a fumaça do ambiente produzida pela queima espontânea do cigarro. A poluição da corrente secundária possui quantidades mais elevadas de substâncias carcinogênicas, pois não passaram pelo filtro e, por se formarem em baixas temperaturas, sua combustão foi incompleta. As principais fontes poluentes com derivados do tabaco são o cigarro de papel, narguilé, charutos, cachimbos e vapers6.

 

O tabagismo passivo é compreendido como a pessoa que não fuma, mas convive com o fumante, sendo obrigada a respirar o ar composto e partículas tóxicas e cancerígenas do tabaco ou ainda é exposto intraútero por via sanguíneo-placentária1. Um novo conceito que vem ganhando destaque nas pesquisas refere-se ao tabagismo de terceira mão (THS, do inglês third-hand smoke), que consiste em uma combinação de compostos voláteis e na adsorção dos gases e partículas relacionadas ao tabaco em diversas superfícies, tais como móveis paredes e brinquedos, estofados ou que estão presentes no próprio fumante (roupas, cabelos e mãos). Tais substâncias podem perdurar por um período que varia de minutos a meses, mesmo que não seja mais capaz de ver a fumaça ou sentir o seu cheiro7. O acúmulo da nicotina residual em superfícies tornar-se gradualmente mais tóxico, reagindo com óxido nitroso, ozônio e formaldeído do ambiente, criando nitrosaminas cancerígenas8.

 

Evidências laboratoriais indicam que a exposição ao THS afeta negativamente órgãos e sistemas em desenvolvimento. Pode ocorrer por ingestão de poeira, absorção dérmica e inalação de componentes voláteis. Sabendo disso, as crianças e os bebês que têm a pele mais fina e os sistemas respiratório e imunológico imaturos são as mais vulneráveis aos efeitos deletérios da exposição ao THS. Ademais, elas permanecem grande parte do tempo em casa, engatinhando tocando superfícies, interagindo com o ambiente e levando as mãos à boca, ingerindo 0,25 g/dia de resíduos sólidos (em média o dobro de um adulto), muitas vezes se contaminado1,9, o que fortalece a ideia de que a simples prática de fumar em área isolada e/ou aberta não é suficiente para proteger as crianças da exposição aos malefícios do tabagismo1,6. No interior do veículo de fumantes, a exposição é extremamente alta, levando em conta o pequeno espaço, seja para o tabagismo de segunda mão ou o THS6.

 

Ao contrário dos adultos, as crianças não são capazes de regular sua exposição à fumaça do tabaco, sendo obrigadas a viverem no ambiente que lhes é proporcionado. Alguns mitos de que para evitar a exposição seja suficiente fumar próximo a uma janela, em um quarto com a porta fechada ou ainda em um local aberto ou ventilado ainda estão arraigados na população1.

 

Um estudo realizado em Israel apontou que a percepção das pessoas à exposição do tabaco se dá de diversas formas. Algumas pessoas entendem que a exposição ocorre apenas quando a fumaça pode ser vista ou cheirada, enquanto outras têm um entendimento mais amplo do que é exposição. Essa percepção pode influenciar os tabagistas na tomada de decisão de fumar ou não perto de crianças10.

 

A mensuração da exposição das crianças à fumaça do tabaco pode ser complexa e difícil, já que depende da informação da família, muitas vezes imprecisas ou subnotificadas. Nesse contexto, foi desenvolvido e validado, em Israel10, um questionário que utiliza imagens e vinhetas de situações hipotéticas com a finalidade de medir a percepção dos pais sobre a exposição das crianças à fumaça de tabaco (PPE). Até o momento, desconhece-se outro instrumento capaz de realizar essa medida.

 

Estudos realizados com a aplicação desse questionário demonstraram que pais tabagistas apresentam uma menor pontuação, o que pode sugerir uma menor conscientização ou preocupação com as questões abordadas no instrumento. Em contrapartida, os pais não fumantes apresentaram pontuações mais altas e bem próximas dos ex-fumantes, parecendo que a população, que consegue cessar o tabagismo, possui uma percepção e um comportamento mais equiparado com as pessoas que nunca fumaram10,11.

 

Esse instrumento foi traduzido e adaptado para o contexto brasileiro11 e está disponível, podendo ser utilizado pelo profissional de saúde como uma estratégia de orientação e conduta no auxílio à redução da exposição das crianças tanto ao tabagismo passivo como ao THS, pois as perguntas conseguem nortear as prováveis situações de exposição e, com isso, identificar as possíveis deficiências no entendimento do que se considere exposição.

 

A Academia Americana de Médicos da Família e a Academia Americana de Pediatria reforçam que a educação e o aconselhamento sobre os efeitos nocivos do tabagismo passivo e THS são umas das melhores estratégias para prevenção da exposição, uma vez que, se os pais estiverem bem-informados sobre os perigos e malefícios da exposição, indiscutivelmente, se empenharão em proporcionar casas e automóveis livres de fumo12. Importante reafirmar que não existe nível seguro de exposição ao tabagismo, incluindo a exposição proveniente dos cigarros eletrônicos.

 

Embora a Lei n.º 9.294/199613, com as alterações do artigo 49, a Lei n.º 12.546/201114 e o Decreto n.º 8.262/201415 regulamentarem a proibição de fumar cigarro, charuto, cachimbo, narguilé e outros produtos derivados do tabaco em locais coletivos, ainda não existe uma lei rígida que proteja, especialmente, os bebês e crianças da exposição residencial. Uma abordagem legislativa pode ser constituída, na qual os profissionais de saúde infantil são os mais oportunos para defenderem essa causa12.

 

CONCLUSÃO

Ao identificar o padrão de percepção dos pais sobre a exposição das crianças à fumaça do tabaco, surge a oportunidade de o profissional de saúde realizar orientações direcionadas às dúvidas mais frequentes, bem como estimular a cessação do hábito de fumar e realizar intervenções de forma precoce junto às crianças, para que sejam desencorajadas a não seguir o exemplo dos pais em relação ao tabagismo, além disso, se faz necessária uma nova legislação, de forma a garantir um ambiente residencial livre do fumo e seus derivados, colaborando, dessa forma, para o desenvolvimento do PNCT.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Maria Alice Santos Tavares, Raquel de Souza Ramos e Agnaldo José Lopes contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica. Leandro Alberto Calazans Nogueira, Ney Armando de Mello Meziat Filho, Renato Santos de Almeida, Camila Drumond Muzi, Raphael Mendonça Guimarães, Gisele Fragoso Mendes, Selma Cristina de Jesus Mesquita, Manassés Moura dos Santos, Maria Victória de Jesus Mesquita Palazzo e Juliana Miranda Batista Moura dos Santos contribuíram na redação e revisão crítica. Todos os autores aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES

Nada a declarar.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization. WHO report on the global tobacco epidemic, 2023: protect people from tobacco smoke [Internet]. Geneva: WHO; 2023 [acesso 2024 ago 21]. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240077164

2. Mbulo L, Palipudi KM, Andes L, et al. Secondhand smoke exposure at home among one billion children in 21 countries: findings from the Global Adult Tobacco Survey (GATS) [Internet]. Tob Control. 2016 [acesso 2024 ago 21];25(2):e95-e100. doi: https://doi.org/10.1136/tobaccocontrol-2015-052693

3. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional de saúde do escolar: 2019. Rio de Janeiro: IBGE; 2021.

4. Malta DC, Gomes CS, Alves FTA, et al. O uso de cigarro, narguilé, cigarro eletrônico e outros indicadores do tabaco entre escolares brasileiros: dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019. Rev bras epidemiol. 2022;25:E220014 doi: https://doi.org/10.1590/1980-549720220014.2

5. Global Burden of Disease [Internet]. Seattle: IHME; 2021; [acesso 2024 ago 21]. Disponível em: http://ihmeuw.org/6fh1

6. Figueiró LR, Ziulkoski AL, Dantas DCM. Thirdhand smoke: when the danger is more than you can see or smell. Cad Saude Publica. 2016;32(11):e00032216. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00032216

7. Rosen LJ, Lev E, Guttman N, et al. Parental perceptions and misconceptions of child tobacco smoke exposure. Nicotina Tob Res. 2017;20(11):1369-77. Doi: http://dx.doi.org/doi.org/10.1093/ntr/ntx169

8. Vanzi V, Marti F, Cattaruzza MS. Thirdhand smoke knowledge, beliefs and behaviors among parents and families: a systematic review. Healthcare (Basel). 2023;11(17):2403. https://doi.org/10.3390/healthcare11172403

9. Hsien-Wen K, Rees VW. Third-hand smoke (THS): what is it and what should we do about it? J Formas Med Assoc. 2019;118(11):1478-79. doi: https://doi.org/10.1016/j.jfma.2019.08.025

10. Myers V, Shiloh S, Rosen L. Parental perceptions of children’s exposure to tobacco smoke: development and validation of a new measure. BMC Public Health. 2018;18(1031):1-11. doi: https://doi.org/10.1186/s12889-018-5928-1

11. Tavares MA, Myers V, Nogueira LA, et al. Cross-cultural adaptation of the parental perceptions of children’s exposure to tobacco smoke instrument to the brazilian context. BMC Res Notes. 2023;16(232):1-6. doi: https://doi.org/10.1186/s13104-023-06513-w

12. James JM, George G, Cherian MR, et al. Thirdhand smoke composition and consequences: a narrative review. Public Health Toxicol. 2022;2(3):12. https://doi.org/10.18332/pht/151102

13. Presidência da República (BR). Lei n. 9.294, de 15 de julho de 1996. Dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 1996 jul 15; Seção 1:13274.

14. Presidência da República (BR). Lei n. 12.546, de 14 de dezembro de 2011. Dispõe sobre as medidas de desoneração tributária e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília (DF). 2011 dez 15; Seção 1:2.

15. Presidência da República (BR). Lei n. 8.262, de 30 de junho de 2014. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. Diário Oficial da União, Brasília (DF). 2014 jul 1; Seção 1:1.

 

 

 

Recebido em 15/8/2024

Aprovado em 12/9/2024

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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