Correlação entre Tempo de Internamento, Força Muscular e Funcionalidade em Pacientes com Câncer Ginecológico: Estudo Transversal
Correlation Between Length of Hospital Stay, Muscle Strength and Functionality in Patients with Gynecological Cancer: Cross-Sectional Study
Correlación entre Duración de la Estancia Hospitalaria, Fuerza Muscular y Funcionalidad en Pacientes con Cáncer Ginecológico: Estudio Transversal
https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2025v71n2.5057
Uziel de Lima Silva Filho¹; Marcelly Martins de Oliveira2; Thaís Siqueira Manta3; Ariadne Dias Maux Gonçalves4; Adriana Siqueira de Oliveira5
1,2,5Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces-Unita). Caruaru (PE), Brasil. E-mails: uziellfilho@gmail.com; martinsmarcelly0@gmail.com; adrianasiqueira@asces.edu.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-0295-281X; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6446-1354; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5556-3810
3,4Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Pernambuco. Recife (PE), Brasil. E-mails: thais_manta@hotmail.com; ariadne.maux@hotmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-6200-1576; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-2368-6642
Endereço para correspondência: Uziel de Lima Silva Filho. Rodovia BR-232, Km 130, s/n – Indianópolis. Caruaru (PE), Brasil. CEP 55002-970. E-mail: uziellfilho@gmail.com
RESUMO
Introdução: Os cânceres ginecológicos abrangem malignidades do útero, ovários, endométrio, vagina e vulva. A hospitalização pode interferir na força e na funcionalidade de pacientes com câncer. Objetivo: Avaliar a força muscular (FM) e o estado funcional em pacientes com câncer ginecológico, correlacionando-os com o tempo de internamento. Método: Estudo transversal analítico com coleta de dados realizada no Hospital Regional do Agreste, Pernambuco, durante dez meses. O grau de FM das voluntárias foi avaliado de acordo com os critérios do Medical Research Council (MRC), e o estado funcional, pela medida de independência funcional (MIF). O software IBM SPSS Statistics foi utilizado para tabular e analisar os dados. A correlação foi realizada pelos testes de Spearman e Kendall. Resultados: As 18 participantes do estudo apresentaram média de idade de 56 anos (±8,8) e houve predominância de câncer do colo do útero (67%). O tratamento mais realizado foi a quimioterapia (50%) e a média de dias de internação foi cinco dias (±8,5). A pontuação média da MIF foi de 111 pontos. A pontuação média do MRC total foi de 48 pontos. A correlação entre a FM periférica e o estado funcional (ρ=0,954; r=0,891), entre FM e dias de internação (ρ=0,953, r=0,886) e entre estado funcional e dias de internamento (ρ=0,917, r=0,869) foi obtida por meio da correlação de Spearman (ρ) e de Kendall (r), com p≤0,01. Conclusão: Quanto maior o tempo de hospitalização, maiores as perdas funcionais. Nesse contexto, enfatiza-se a importância de compreender o perfil dos pacientes para reduzir as limitações funcionais.
Palavras-chave: Neoplasias dos Genitais Femininos; Hospitalização; Força muscular; Estado funcional.
ABSTRACT
Introduction: Gynecological cancers include malignancies of the uterus, ovaries, endometrium, vagina, and vulva. Hospitalization can interfere with the strength and functionality of cancer patients. Objective: To evaluate muscle strength (MS) and functional status in patients with gynecological cancer, correlating them with length of hospital stay. Method: Analytical cross-sectional study with data collected at Hospital Regional do Agreste, Pernambuco, over a ten-month period. The degree of MS was evaluated by the Medical Research Council (MRC) criteria, and the functional status, by the Functional Independence Measure (FIM). The IBM SPSS Statistics software was utilized to tabulate and analyze the data. Correlation was performed using Spearman and Kendall tests. Results: The 18 study participants had a mean age of 56 years (±8.8) and predominance of cervical cancer (67%). The most common treatment was chemotherapy (50%) and the average length of hospital stay was five days (±8.5). The average FIM score was 111 points. The average total MRC score was 48 points. The correlation between peripheral MS and functional status (ρ=0.954; r=0.891), between MS and length of hospital stay (ρ=0.953, r=0.886) and between functional status and length of hospital stay (ρ=0.917, r=0.869) was obtained using Spearman's (ρ) and Kendall's (r) correlations, with p≤0.01. Conclusion: The longer the hospital stay, the greater the functional losses. In this context, the importance of understanding the profile of patients to reduce functional limitations is emphasized.
Key words: Genital Neoplasms, Female; Hospitalization; Muscle Strength; Functional Status.
RESUMEN
Introducción: Los cánceres ginecológicos incluyen tumores malignos del útero, los ovarios, el endometrio, la vagina y la vulva. La hospitalización puede interferir en la fuerza y la funcionalidad de los pacientes con cáncer. Objetivo: Evaluar la fuerza muscular (FM) y el estado funcional en pacientes con cáncer ginecológico, correlacionándolos con la duración de la estancia hospitalaria. Método: Estudio transversal analítico con recolección de datos realizada en el hospital regional de Agreste, Pernambuco, durante un período de diez meses. Los voluntarios fueron evaluados para el grado de FM utilizando los criterios del Consejo de Investigación Médica (MRC) del Reino Unido y el estado funcional utilizando la Medida de Independencia Funcional (MIF). Tabulación y análisis de datos realizados mediante el software IBM SPSS Statistics. La correlación se realizó mediante las pruebas de Spearman y Kendall. Resultados: Las 18 participantes del estudio tenían una edad media de 56 años (±8,8) y hubo predominio de cáncer de cuello uterino (67%). El tratamiento más común fue la quimioterapia (50%) y el promedio de días de hospitalización fue de cinco días (±8,5). La puntuación media del MIF fue de 111 puntos. La puntuación media del MRC total fue de 48 puntos. La correlación entre FM periférica y estado funcional (ρ=0,954; r=0,891), entre FM y días de hospitalización (ρ=0,953; r=0,886) y entre estado funcional y días de hospitalización (ρ=0,917; r=0,869) se obtuvo mediante la correlación de Spearman (ρ) y Kendall (r), con p≤0,01. Conclusión: Cuanto mayor sea la estancia hospitalaria mayores serán las pérdidas funcionales. En este contexto, se enfatiza la importancia de comprender el perfil de los pacientes para reducir las limitaciones funcionales.
Palabras clave: Neoplasias de los Genitales Femeninos; Hospitalización; Fuerza Muscular; Estado Funcional.
INTRODUÇÃO
Os cânceres ginecológicos abrangem as malignidades do útero, ovários, endométrio, vagina e vulva e estão entre os mais frequentes entre todas as neoplasias malignas na população feminina¹. Os fatores de risco para essas neoplasias são diversos, mas destacam-se a idade avançada, as infecções de repetição, o uso indiscriminado de hormônios/reposição hormonal, dieta/obesidade, tabagismo, iniciação sexual precoce e a multiplicidade de parceiros sexuais². As terapêuticas utilizadas para tratamento dos cânceres ginecológicos variam de acordo com as características de cada neoplasia, entretanto, as condutas mais comuns são a cirurgia, quimioterapia, hormonioterapia e radioterapia, podendo ser realizadas isoladamente ou associadas³.
O processo de hospitalização pode fazer parte da jornada dos pacientes com câncer, sendo necessário para o tratamento da doença e suas complicações, ou para o gerenciamento de reações adversas à radioterapia e quimioterapia4,5. Pacientes internados geralmente são mantidos no leito por longos períodos, vivenciando efeitos causados pela imobilidade sobre seus diversos sistemas, com repercussões negativas sobre a aptidão cardiorrespiratória, questões psicológicas e metabólicas6-8. O imobilismo prolongado e a inatividade muscular decorrente do desuso do corpo promovem no músculo um declínio de trofismo, levando a uma diminuição da força e endurance muscular. Isso se deve principalmente à descompensação da frágil homeostase do paciente, após redução significativa de suas atividades funcionais diárias, como autocuidado, mobilidade e locomoção7.
Força e funcionalidade estão intrinsecamente relacionadas, já que para um indivíduo adulto em sua plena capacidade é necessário algum grau de força muscular para o desempenho de suas atividades cotidianas9. Estando a descrição de funcionalidade ligada ao grau de preservação do indivíduo em relação à aptidão em realizar atividades básicas do dia a dia como se alimentar, se vestir e higiene pessoal10. São necessários apenas sete dias de repouso no leito hospitalar para reduzir a força muscular em 30%, com perda adicional de 20% da força restante a cada semana que passa11.
Apesar dos impactos negativos mencionados e do contexto vivenciado na prática clínica, não foram encontrados estudos na literatura que correlacionassem os desfechos de força muscular periférica e estado funcional, força muscular periférica e tempo de internamento, estado funcional e tempo de internamento em pacientes internados com câncer ginecológico. Entendendo a importância de identificar as perdas funcionais a partir do tempo de internação dos pacientes em tratamento para câncer ginecológico e de fomentar estudos futuros que possam estimular um tratamento fisioterapêutico direcionado dentro do ambiente hospitalar, modificando o impacto negativo do período de internamento, este estudo tem como objetivo realizar uma avaliação da força muscular periférica e estado funcional, correlacionando também com o tempo de internamento nessa população.
MÉTODO
Estudo transversal analítico. O recrutamento das participantes e a coleta de dados foi realizado entre novembro de 2023 a setembro de 2024 no Hospital Regional do Agreste em Caruaru-PE.
Foram incluídos neste estudo pacientes admitidos na unidade, do sexo feminino, com idade superior a 40 anos, que tinham diagnóstico de câncer ginecológico confirmado por biópsia e com capacidade de comunicação e compreensão preservadas. Os critérios de exclusão foram: pacientes portadores de doenças neuromusculares, pacientes que se recusaram a passar pela avaliação funcional; que tinham amputação de qualquer segmento; que não possuía controle de tronco (Intensive Care Unit Mobility Scale – IMS<4)12; e que tinham passado por cirurgia nas últimas 72 horas.
O tamanho da amostra foi calculado com base no estudo epidemiológico de Vieira et al.13 a respeito da incidência de casos de câncer ginecológico na população brasileira. Com nível de significância de 95%, probabilidade de detecção (poder) de 80%; porcentagem de expostos positivos de 98%; e diferença de risco/prevalência de 48. O tamanho amostral estimado foi de 32 pacientes.
A coleta de dados foi realizada inicialmente por uma busca ativa nos prontuários. As potenciais participantes foram abordadas nas dependências do serviço e, ao aceitarem participar do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Em seguida, as participantes foram submetidas a um exame físico em um único momento, no qual foi avaliado o grau de força muscular segundo os critérios do Medical Research Council (MRC), método de avaliação validado por Kovelis et al.14, no qual 12 grupos musculares foram testados. Seu escore total é 60/60, que indica não haver alterações na força muscular. O escore total abaixo de 48/60 designa fraqueza muscular significativa e o escore total MRC abaixo de 36/60 indica fraqueza muscular grave14.
Para avaliação do estado funcional, foi aplicado o questionário validado da versão brasileira de medida de independência funcional (MIF)15, que mensura a capacidade funcional e independência, estimando o grau de dificuldade ou limitações atribuídas a cada pessoa. Foi avaliado o desempenho do indivíduo nos domínios motor, cognitivo e social. Cada item varia em sete níveis com as respectivas mensurações, sendo o nível 7 o de independência total e o nível 1, o de dependência total. O escore total da MIF é dado pela soma dos escores de cada dimensão e pode variar de 18 a 126 pontos. Os níveis de dependência são classificados de acordo com o escore total da MIF – 18: dependência completa; 19 a 60: dependência modificada (assistência de até 50% das tarefas); 61 a 103: dependência modificada (assistência de até 25% das tarefas); e 104 a 126: independência completa/modificada16.
Os dados foram tabulados e analisados utilizando o software IBM SPSS Statistics17 (versão 29.0.2.0). As variáveis contínuas foram exploradas por meio de medidas de tendência central (média e desvio-padrão). Para verificar a correlação entre as variáveis analisadas entre as participantes, foram utilizados os testes de Spearman e Kendall18. Para este estudo, considera-se a seguinte classificação dos coeficientes de correlação: valores em módulo entre 0 e 0,3 são considerados biologicamente desprezíveis; valores entre 0,31 e 0,5 indicam correlações fracas; valores entre 0,51 e 0,7 representam correlações moderadas; valores entre 0,71 e 0,9 são classificados como correlações fortes; e valores superiores a 0,9 são considerados muito fortes, conforme definido por Mukaka19.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário Tabosa de Almeida (Asces-Unita) sob o número do parecer 6.498.356 (CAAE: 75182023.7.0000.5203), de acordo com a Resolução n.º 466/1220, que prevê procedimentos que garantam o sigilo, a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização de participantes.
RESULTADOS
Inicialmente, foram entrevistados 24 indivíduos, dos quais 6 foram excluídos por não cumprirem os critérios de elegibilidade, ficando a amostra final constituída por 18 indivíduos (Figura 121).
Para este trabalho, foram avaliadas 18 voluntárias com câncer ginecológico, em uma média de idade de 56 (±8,8) anos. A caracterização geral das voluntárias está apresentada na Tabela 1. O câncer do colo do útero foi o mais prevalente, acometendo 67% da amostra. Já o tratamento mais realizado foi a quimioterapia, abrangendo 50% das participantes. E com média de dias de internamento de 5 (±8,5) dias.
A pontuação média das seis dimensões da MIF está apresentada na Tabela 2. O escore médio total da MIF, que compreende o domínio motor e cognitivo, foi de 111, representando um nível de independência completa/modificada. Dentro do domínio motor, a maior pontuação média foi atribuída para a dimensão autocuidado (35 pontos). Já o menor escore médio corresponde à dimensão locomoção (5,5 pontos).
O valor médio do MRC total foi 48 (±5,8). A pontuação média dos membros superiores e inferiores é semelhante (24), como mostra a Tabela 3.
Para correlacionar as variáveis força muscular periférica e estado funcional, foram empregados os métodos de Spearman (ρ) e Kendall (r) (Figura 2), bem como para as demais correlações entre estado funcional e tempo de internamento, e força muscular periférica e tempo de internamento (Figura 2).
O gráfico gerado pela correlação revela uma relação forte e positiva entre a força muscular periférica e o estado funcional (ρ = 0,954; r = 0,891; p<0,01), ou seja, quanto maior a força muscular, maior é a independência funcional do indivíduo (Figura 2). A correlação entre as variáveis tempo de internamento e força muscular periférica (ρ=0,953; r=0,886; p≤0,01), e tempo de internamento e estado funcional (ρ=0,917; r=0,869; p≤0,01) revela uma relação forte e negativa, ou seja, quanto mais dias de internamento, menor é a força muscular periférica e independência funcional do indivíduo (Figura 2).
DISCUSSÃO
São escassas as publicações a respeito do estado funcional dos pacientes com câncer ginecológico no Brasil. Tendo em vista essa lacuna, o estudo avalia as repercussões do tempo de internamento hospitalar na força muscular periférica e estado funcional desses pacientes, visto que elas ainda não são bem conhecidas. É essencial avaliar esses desfechos para entender melhor os fatores que vão além do processo oncológico, incluindo aspectos relacionados às Atividades Básicas de Vida Diária. Esse conhecimento possibilita uma abordagem mais ampla no tratamento.
Neste estudo, o câncer do colo do útero foi o de maior prevalência entre os tipos de câncer ginecológicos, dado também encontrado nas estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), que prevê 17.010 novos casos no triênio 2023-202522. Para escolha do tratamento, deve-se levar em consideração o estadiamento da doença e fatores pessoais, sendo o mais recomendado a radioterapia23, o que não foi possível confirmar na amostra representada neste estudo, no qual apenas 39% das voluntárias realizaram esse tipo de tratamento.
Embora a escolha para o tratamento ideal signifique um passo muito importante no processo de cura da doença, este causa impactos físicos, psicológicos e sociais aos pacientes, interferindo diretamente no estado funcional desses indivíduos. A avaliação do estado funcional refere-se aos aspectos práticos das atividades de autocuidado e ao nível de capacidade para realizar tanto as tarefas básicas quanto as mais complexas do dia a dia24. Um dos recursos utilizados para verificar os níveis de independência ou dependência para realizar as tarefas do cotidiano é a MIF. Após aplicá-la para o grupo entrevistado neste trabalho, foi verificado que os pacientes apresentaram em média uma independência funcional completa ou modificada (MIF=111), ou seja, não necessitam de auxílio para realização de suas atividades de vida diária.
Os resultados deste estudo sugerem que os indivíduos apresentaram uma redução do estado funcional à medida que avançavam os dias de internamento, em especial após o quinto dia, no qual necessitaram de um auxílio em até 25% para realização da tarefa. Esses dados são semelhantes aos encontrados no estudo de Nascimento et al.25, que relatam que os indivíduos apresentam melhor nível funcional no momento da admissão hospitalar, tendo um declínio entre o quinto e o décimo dias. Esse prejuízo na função física pode estar relacionado ao nível de assistência fornecido e ao impacto do tratamento oncológico.
No presente estudo, o domínio locomoção, que se refere a andar a partir de pé ou utilizar cadeira de rodas, apresentou a menor pontuação (MIF=5,5). Os avaliados necessitavam de assistência máxima. Dessa forma, a pessoa executa 25% a 49% do esforço de locomoção para andar um mínimo de 15 metros, requerendo assistência de outra pessoa. Esse resultado pode ser consequência da fraqueza muscular dos membros inferiores, nos quais as voluntárias avaliadas apresentaram uma fraqueza muscular moderada (MRC=24). O estudo de Nikiforos26 destaca que a redução da força muscular durante o internamento hospitalar atinge em maior proporção os membros inferiores, principalmente os tornozelos e quadril, o que não foi possível confirmar na amostra representada neste estudo, no qual a fraqueza muscular foi semelhante nos membros superiores e inferiores.
A maioria dos estudos que utilizam a MIF para avaliação do estado funcional realizou duas medidas de avaliação, uma na admissão hospitalar e outra no momento da alta, com as quais mostram que os pacientes apresentam um estado funcional menor no momento da alta hospitalar, como faz o estudo de Ramos et al.27. No presente estudo, não foi possível realizar esse tipo de comparação, visto que o método utilizado não permitiu uma visão longitudinal comparativa entre o declínio de funcionalidade e dias de internamento, não tendo competência comparativa do indivíduo com ele mesmo, visto que os indivíduos foram avaliados em um único momento. Sugerem-se estudos futuros com metodologia que permita uma visão longitudinal dos indivíduos avaliados.
Silva et al.28 realizaram em 2022 um estudo com 43 indivíduos com câncer avaliando a força muscular pela dinamometria. No presente estudo, foi utilizado o MRC, escala validada que avalia seis pares de grupos musculares bilaterais para verificação da força muscular periférica16. A partir da avaliação, foi visto que os indivíduos apresentavam uma fraqueza muscular significativa (MRC média=48). Considerando que o tratamento mais realizado foi a quimioterapia, o resultado da fraqueza muscular pode ser causado como parte dos efeitos colaterais ao tratamento, acarretando prejuízos funcionais e dificultando a performance durante as atividades físicas por diversos fatores, como a fadiga oncológica, sintoma frequentemente relatado por essas pacientes. Isso pode trazer uma redução do nível funcional, como sugerem os resultados desta pesquisa, reforçando os achados da literatura, que demonstram uma correlação significativa entre força muscular e funcionalidade24.
Orell et al.29 realizaram um estudo com pacientes com câncer de cabeça e pescoço submetidos à radioterapia e puderam verificar que a força muscular foi afetada pelo tratamento oncológico, no qual os pacientes evoluíram com fraqueza muscular após o início do tratamento. Assim, a força muscular pode ser um marcador para avaliar o impacto do tratamento sobre a funcionalidade. Como o presente estudo não realizou um acompanhamento das voluntárias, não foi possível encontrar esse mesmo resultado.
No presente estudo, os dados sugerem uma correlação forte e positiva entre força muscular e estado funcional, diferente do que se encontra na literatura, que sugere uma correlação moderada e positiva. Essa variação de resultados pode estar associada ao mecanismo de avaliação utilizado nos estudos, no qual geralmente se utilizam testes físicos, como o Teste de Caminhada de 6 minutos (TC6M)30, teste de senta-levanta31 e o teste Timed Up and Go (TUG)32. Para avaliar o nível de funcionalidade neste trabalho, os indivíduos relataram seu desempenho durante a realização de determinada atividade, por meio da MIF.
Após análise da correlação entre dias de internamento e força muscular periférica, o presente estudo apresentou dados semelhantes aos de Cordeiro et al.33, que relatam um impacto negativo na força muscular em pacientes com tempo prolongado de internação, tendo como uma das causas o imobilismo no leito. Dado semelhante aos resultados demonstrados por este estudo, no qual foi possível observar que quanto mais dias de internamento, maior foi a perda de força muscular.
Käfer et al.34 avaliaram o estado funcional de 42 pacientes oncológicos em uma unidade de terapia intensiva. Seus resultados são semelhantes aos encontrados neste estudo. Eles observaram uma relação inversamente proporcional entre estado funcional e tempo de internamento, observando que os pacientes admitidos tiveram um escore de funcionalidade menor na alta hospitalar se comparado ao escore da admissão, e que esse escore diminui à medida que o paciente passa mais tempo internado. Foi evidenciado que quanto maior o tempo de internamento, maior o dano funcional do indivíduo e menor a funcionalidade, assim como mostram outros autores35,36.
Os resultados deste estudo sugerem uma correlação negativa entre o tempo de internamento, força muscular e estado funcional, tendo um impacto maior à medida que avançam os dias de internamento. Nesse contexto, torna-se importante o tratamento fisioterapêutico precoce em ambiente hospitalar para redução do impacto do internamento, como mostra o estudo de Santos et al.37, no qual os pesquisadores relatam que os pacientes submetidos ao acompanhamento fisioterapêutico apresentaram um aumento da funcionalidade quando comparado os resultados da avaliação com os resultados no momento da alta. A fisioterapia no ambiente hospitalar visa à mobilização global do paciente, com recursos próprios para fortalecimento muscular, mobilidade articular e independência funcional, com objetivo principal a redução dos níveis de inatividade física e imobilismo no leito38.
CONCLUSÃO
A partir dos dados apresentados e do encontrado na literatura, quanto maior o tempo de internamento hospitalar, maior serão as perdas funcionais, e, nesse contexto, enfatiza-se a importância de compreender o perfil dos pacientes hospitalizados a fim de desenvolver estratégias preventivas para comorbidades associadas ao tratamento, com o objetivo de reduzir as limitações funcionais.
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Recebido em 18/12/2024
Aprovado em 10/2/2025
Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

Figura 1. Fluxograma de seleção da amostra
Fonte: Elaboração dos autores com base em PRISMA21.
Legenda: IMS = Intensive Care Unit Mobility Scale.
Tabela 1. Caracterização da população estudada
|
Idade (anos) média ±DP |
56 ±8,8 |
|
|
Tipo de câncer (n/%) |
|
|
|
Colo do útero |
12 |
67% |
|
Ovários |
4 |
22% |
|
Endométrio |
2 |
11% |
|
Tratamento (n/%) |
|
|
|
Quimioterapia |
9 |
50% |
|
Radioterapia |
7 |
39% |
|
Cirurgia |
4 |
22% |
|
Sem tratamento |
1 |
5,5% |
|
Internamento (dias) média ±DP |
5 ±8,5 |
|
Legenda: DP = desvio-padrão.
Tabela 2. Médias de pontuação quanto às dimensões da MIF e seu escore total
|
Dimensão |
Nível de pontuação da dimensão (mínimo - máximo) |
Pontuações (médias ±DP) |
|
Autocuidado |
8 - 42 |
35 ±9,4 |
|
Controle esfíncteres |
2 - 14 |
11 ±4,0 |
|
Transferências |
3 - 21 |
18 ±5,6 |
|
Locomoção |
1 - 14 |
5,5 ±4,2 |
|
Comunicação |
8 - 28 |
26 ±5,4 |
|
Cognição social |
3 - 21 |
19 ±4,7 |
|
MIF total |
37 - 128 |
111 ±27,0 |
Legendas: DP = desvio-padrão; MIF = medida de independência funcional.
Tabela 3. Médias do grau de força quanto ao MRC e seu escore total
|
Grupo muscular |
Nível de grau de força (mínimo - máximo) |
Pontuações (médias ±DP) |
|
Membros superiores |
18 - 30 |
24 ±3,5 |
|
Membros inferiores |
18 - 28 |
24 ±2,9 |
|
MRC total |
38 - 56 |
48 ±5,8 |
Legendas: DP = desvio-padrão; MRC = Medical Research Council.

Figura 2. Correlação entre as variáveis tempo de internamento e estado funcional, tempo de internamento e força muscular periférica, força muscular periférica e estado funcional, respectivamente
Legenda: MRC = Medical Research Council.
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