ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da Funcionalidade dos Membros Superiores, Qualidade de Vida e Fadiga no Pós-operatório de Mulheres com Câncer de Mama em um Hospital de Referência na Amazônia

Assessment of Upper Limbs Functionality, Quality of Life and Postoperative Fatigue in Women with Breast Cancer at a Reference Hospital in the Amazon Region

Evaluación de la Funcionalidad de Miembros superiores, Calidad de Vida y Fatiga Posoperatoria en Mujeres con Cáncer de Mama en un Hospital de Referencia en la Amazonía

 

 

https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2025v71n4.5271

 

Myara Cristiny Monteiro Cardoso1; Rayssa da Silva Araújo2; Jaqueline Pinheiro da Silva3; Rayane de Nazaré Monteiro Brandão4; Saul Rassy Carneiro5

 

1-3,5Universidade Federal do Pará (UFPA), Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), Laboratório de Avaliação e Reabilitação das Disfunções Cardiovascular, Oncológica e Respiratória (LACOR), Programa de Residência de Fisioterapia em Oncologia. Belém (PA), Brasil. E-mails: myaracardoso@gmail.com; araujorayssa2@gmail.com; jaqueline.pinheirosjp@gmail.com; saul@ufpa.br. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-2456-8034; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0003-3700-1288; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-9110-7724; Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-6825-0239

4UFPA, HUJBB, LACOR, Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano (PPGCMH). Belém (PA), Brasil.  E-mail: rayane0207@gmail.com. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0001-5452-8167

 

Endereço para correspondência: Myara Cristiny Monteiro Cardoso. Travessa Barão do Triunfo, 1108 – Pedreira. Belém (PA), Brasil. CEP 66080-680. E-mail: myaracardoso@gmail.com

 

RESUMO

Introdução: O câncer de mama gera impactos significativos na funcionalidade dos membros superiores (MMSS) em razão do tratamento e suas complicações. Objetivo: Avaliar a funcionalidade dos MMSS, qualidade de vida e fadiga de mulheres com câncer de mama na Região Amazônica. Método: Estudo transversal realizado com 42 participantes. Foram coletados dados da anamnese e dos questionários de qualidade de vida Functional Assessment of Cancer Therapy-General (FACT-G) e Functional Assessment of Cancer Therapy-Breast plus Arm Morbidity (FACT B+4), de fadiga com Functional Assessment of Cancer Therapy-Fatigue (FACT-F), funcionalidade com Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (QuickDASH) e da força muscular com dinamômetro isocinético. Foram utilizados a correlação de Spearman e o teste de Wilcoxon. Resultados: Foram submetidas à cirurgia conservadora 71,4% das participantes. O QuickDASH apresentou correlação com o FACT-B+4 (r = -0,796), FACT-G (r = -0,781) e FACT-F (r = -0,815). O FACT-F correlacionou-se com o FACT-G (r = 0,949) e com o FACT-B+4 (r = 0,903). Houve diferença significativa na força muscular isocinética entre o lado operado e o não operado. A força isocinética apresentou correlação com a dor e o tempo pós-cirúrgico, contudo não apresentou com o estadiamento clínico e o QuickDASH. Conclusão: A funcionalidade dos MMSS está associada à fadiga e à qualidade de vida, e não com a força isocinética. Houve diferença significativa entre o lado operado e o não operado. O tipo de cirurgia, dor e o tempo pós-cirúrgico influenciaram na força isocinética em mulheres com câncer de mama.

Palavras-chave: Extremidade Superior; Força muscular; Qualidade de Vida; Fadiga; Neoplasias da Mama.

 

 

ABSTRACT

Introduction: Breast cancer has a significant impact on upper limbs (UL) functionality due to treatment and its complications. Objective: To assess UL functionality, quality of life and fatigue in women with breast cancer in the Amazon region. Method: Cross-sectional study with 42 participants. Data were collected from medical history and quality of life questionnaires Functional Assessment of Cancer Therapy-General (FACT-G) and Functional Assessment of Cancer Therapy-Breast plus Arm Morbidity (FACT B+4), fatigue, with Functional Assessment of Cancer Therapy-Fatigue (FACT-F), functionality, with Quick Disabilities of the Arm, Shoulder, and Hand (QuickDASH), and muscle strength, with isokinetic dynamometer. Spearman's correlation and Wilcoxon test were used. Results: 71.4% of the participants underwent conservative surgery. QuickDASH correlated with FACT-B+4 (r = -0.796), FACT-G (r = -0.781) and FACT-F (r = -0.815). FACT-F correlated with FACT-G (r = 0.949) and FACT-B+4 (r = 0.903). There was a significant difference in isokinetic strength between the operated and unoperated sides. Isokinetic strength correlated with pain and postoperative time, but not with clinical staging and QuickDASH. Conclusion: UL functionality is associated with fatigue and quality of life, but not with isokinetic strength. There was a significant difference between the operated and unoperated sides. Type of surgery, pain and postoperative time influenced isokinetic strength in women with breast cancer.

Key words: Upper Extremity; Muscle Strength; Quality of Life; Fatigue; Breast Neoplasms.

 

 

RESUMEN

Introducción: El cáncer de mama tiene un impacto significativo en la funcionalidad de los miembros superiores (MMSS) debido al tratamiento y sus complicaciones. Objetivo: Evaluar la funcionalidad de los MMSS, la calidad de vida y la fatiga de las mujeres con cáncer de mama en la región amazónica. Método: Estudio transversal realizado con 42 participantes. Los datos se recogieron de los cuestionarios de anamnesis y calidad de vida Functional Assessment of Cancer Therapy-General (FACT-G) y Functional Assessment of Cancer Therapy-Breast plus Arm Morbidity (FACT-B+4), fatiga con Functional Assessment of Cancer Therapy-Fatigue (FACT-F) y funcionalidad con Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (QuickDASH) y fuerza muscular con dinamómetro isocinético. Se utilizaron la correlación de Spearman y la prueba de Wilcoxon. Resultados: El 71,4% de las participantes fue sometido a cirugía conservadora. QuickDASH se correlacionó con FACT-B+4 (r = -0,796), FACT-G (r = -0,781) y FACT-F (r = -0,815). El FACT-F se correlacionó con el FACT-G (r = 0,949) y el FACT-B+4 (r = 0,903). Se observó una diferencia significativa en la fuerza muscular isocinética entre el lado operado y el no operado. La fuerza isocinética se correlacionó con el dolor y el tiempo posquirúrgico, pero no con la estadificación clínica ni con el QuickDASH. Conclusión: La funcionalidad de los MMSS se asocia con la fatiga y la calidad de vida, pero no con la fuerza isocinética. Hubo diferencias significativas entre el lado operado y el no operado. El tipo de cirugía, el dolor y el tiempo posquirúrgico influyeron en la fuerza isocinética de las mujeres con cáncer de mama.

Palabras clave: Extremidad Superior; Fuerza Muscular; Calidad de Vida; Fatiga; Neoplasias de la Mama.

 

 

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é um dos maiores problemas de saúde pública do mundo por causa da sua alta incidência e mortalidade nas mulheres, sendo a segunda causa mais comum de câncer, com cerca de 2,3 milhões de mulheres diagnosticadas no ano de 2022, que resultaram em 666.103 mortes, tornando-se a quarta principal causa de óbitos no mundo1,2. No Brasil, foram estimados, para cada ano do triênio 2023-2025, 73.610 casos novos de câncer de mama, sendo a primeira causa de morte por câncer nas mulheres, representando 16,1% do total de óbitos oncológicos3.

 

O tratamento do câncer de mama é multimodal e, a depender do tipo e do estadiamento, inclui cirurgias conservadoras ou mastectomias, associadas ou não a terapias (neo)adjuvantes. Contudo, a doença neoplásica em si e o próprio tratamento local e/ou sistêmico podem promover o desenvolvimento de complicações de maneira imediata ou tardia. A literatura demonstra que aproximadamente 70% a 90% das mulheres terão sequelas em algum momento do tratamento com variações no nível de gravidade e ocorrência, e 50% a 55% apresentarão algum comprometimento nos membros superiores (MMSS)4,5.

 

Essas morbidades podem incluir sintomas como: mudanças no centro de gravidade que afetam a postura, levando a um desalinhamento corporal, assimetria do ombro e inclinação ipsilateral à cirurgia, compensações e alterações na biomecânica escapular, adoção de postura antálgica, ombro congelado, marcha assimétrica, redução da amplitude de movimento (ADM), redução da capacidade aeróbica, redução da força muscular, fadiga, linfedema, aderências cicatriciais, seroma, síndrome da rede axilar, síndrome da dor crônica, intercostobraquialgia, neuropatias, radiodermites, alterações de sensibilidade, entre outros4,6-8.

 

O MMSS é um dos principais segmentos do corpo, sendo o mais usual e funcional no dia a dia por envolver uma complexa relação dinâmica entre músculos, ligamentos, articulações e estruturas ósseas que permitem uma variedade de movimentos em diferentes planos, principalmente porque esse segmento ajuda a desempenhar diversas atividades no dia a dia9. A força muscular e a dor podem ser consideradas um preditor para a função física dos MMSS e um fator de prognóstico para qualidade de vida (QV)10-12.

 

Outro fator que contribui para os impactos negativos na QV em mulheres com câncer de mama está relacionado à fadiga; 90,6% dos pacientes oncológicos apresentarão algum nível de gravidade de fadiga, e os pacientes com níveis mais altos de dor apresentaram uma fadiga significativamente maior13. Os fatores associados podem ser somáticos, por conta da própria doença e do tratamento, de fatores psicossociais, bem como aos relacionados ao estilo de vida anterior ao diagnóstico14.

 

O termo funcionalidade é difícil de se caracterizar em virtude da variedade de nomenclaturas e das denominações diferentes para um mesmo fenômeno. A funcionalidade é multidimensional e depende das interações entre um indivíduo, da sua condição de saúde e do contexto social e pessoal em que ele vive, e todas as dimensões são interrelacionadas, agindo sobre o sujeito e sofrendo a ação das demais. Logo, a avaliação da funcionalidade dos MMSS após a cirurgia de câncer de mama é um fator-chave importante para um melhor manejo da QV dessas pacientes12.

 

Apesar do avanço tecnológico nas técnicas médicas que permitiram um aumento da sobrevida e redução da mortalidade, muitas vezes, pacientes sobreviventes desconhecem os potenciais sintomas e complicações, levando a atrasos no diagnóstico e tratamento, fazendo com que essa disfunção nos MMSS se perpetue, influenciando no desempenho no trabalho, nas atividades de vida diária (AVD) e na QV4,5,15.

 

Portanto, este estudo tem por objetivo conhecer e avaliar o desempenho físico funcional dos MMSS entre o lado operado e o não operado, a força muscular isocinética, bem como a QV e fadiga em mulheres com câncer de mama para melhor direcionar o tratamento desde o diagnóstico, minimizando assim os efeitos adversos do declínio da função muscular, fadiga e QV. Além de descrever o perfil clínico e sociodemográfico de mulheres atendidas em um hospital de referência em oncologia na Amazônia.

 

METÓDO

Estudo transversal analítico realizado com mulheres com diagnóstico de câncer de mama atendidas no Hospital Universitário João de Barros Barreto (HUJBB), referência em oncologia na Região Amazônica, na cidade de Belém-PA, que faz parte do complexo hospitalar da Universidade Federal do Pará (UFPA).

 

A amostra utilizada no estudo foi definida de forma probabilística e aleatória simples entre a população de pacientes oncológicas de mastologia acompanhadas no setor de estudo no período de um ano. Foram incluídas no estudo mulheres com idade igual ou superior a 18 anos, com diagnóstico de câncer de mama, que tenham sido submetidas a qualquer tipo de cirurgia mamária unilateral em até seis meses de pós-operatório e que estivessem em fase de tratamento adjuvante. Os critérios de exclusão foram: histórico de cirurgia mamária bilateral, ter feito reconstrução mamária, presença prévia ao diagnóstico de disfunções musculoesqueléticas e/ou neurológicas nos MMSS, limitação da ADM de flexão do ombro menor do que 180° e incapacidade de realizar a avaliação proposta.

 

Os procedimentos da avaliação para coleta de dados foram feitos em dois momentos: no primeiro, com abordagem da paciente à beira leito no primeiro dia de pós-operatório da cirurgia mamária, foi feita uma avaliação inicial composta por: anamnese, dados sociodemográficos, exame físico (inspeção e palpação), ADM ativa, avaliação dos questionários para fadiga, QV e funcionalidade do MMSS. Além disso, como protocolo do hospital, todas as pacientes são acompanhadas pela equipe de fisioterapia e recebem uma cartilha de orientações para realizar em domicílio, após a cirurgia, exercícios físicos de mobilidade e flexibilidade para o MMSS sem carga; o segundo momento foi previamente agendado no período mínimo de um mês após a cirurgia para a realização da avaliação do teste físico da força muscular isocinética e avaliação da dor pela escala visual analógica (EVA).

 

Como instrumento de avaliação clínica, foi elaborada uma ficha de avaliação composta por dados sociodemográficos, história da patologia pregressa, história da doença atual (tipo de cirurgia, imuno-histoquímica, tratamentos (neo)adjuvantes etc.), dados antropométricos, hábitos de vida, sobre a disfunções do MMSS.

 

A avaliação da QV foi realizada por meio do questionário Functional Assessment of Cancer Therapy-Breast plus Arm Morbidity (FACT B+4), destinado para pacientes com câncer de mama, cuja validade já teve para população brasileira16,17. O questionário é composto por 40 questões. A primeira parte é composta por 27 questões que fazem parte do questionário Functional Assessment of Cancer Therapy-General (FACT-G), o qual avalia a QV para população de câncer no geral, dividido entre quatro domínios: bem-estar físico, bem-estar social/familiar, bem-estar emocional e bem-estar funcional18.

 

As demais questões (13) estão divididas em dois domínios contendo nove questões sobre problemas específicos enfrentados por mulheres com câncer de mama e quatro questões sobre a morbidade dos MMSS. Cada item possui uma resposta apresentada no tipo escala Likert de 0 a 4 pontos, somando-se as respostas de cada domínio. A pontuação total final pode variar de 0 a 164, sendo a maior pontuação relacionada à melhor QV da paciente16,17.

 

Na avaliação da fadiga, foi utilizado o Functional Assessment of Cancer Therapy-Fatigue (FACT-F), que já teve sua validade e confiabilidade na versão brasileira para população com câncer de mama19. O FACT-F consiste em um questionário com um total de 40 itens, sendo 27 itens do FACT-G para avaliação da QV global e 13 específicos relacionados à fadiga. Cada item possui cinco opções com resposta do tipo escala Likert graduadas de 0 a 418. A pontuação final do FACT-F é obtida pela soma das pontuações dos respectivos domínios, podendo variar de 0 a 160 pontos; quanto maior o número de pontos, melhor é a QV e menor a fadiga20.

 

A funcionalidade do membro superior foi realizada por meio do questionário Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (QuickDASH), uma versão abreviada do DASH21, instrumento validado, confiável e responsivo na versão brasileira22 para a população com câncer de mama23. É um questionário composto por dois módulos que avalia a funcionalidade global dos MMSS nos últimos sete dias: um módulo contendo 11 itens sobre disfunções/sintomas dos MMSS e outro com dois componentes opcionais, sendo cada um constituído de quatro itens destinados para atletas, músicos e trabalhadores que praticam atividade física. Cada item é pontuado em uma escala Likert que vai de 1 a 5 pontos, onde 1 indica “nenhuma dificuldade” e 5 indica “extrema dificuldade”, com o escore total variando de 0 a 100, onde o menor ponto representa melhor função; e o maior ponto, maior incapacidade, sendo consideradas dificuldade leve (0-25), dificuldade moderada (45-50) e dificuldade grave (>50).

 

Na força muscular isocinética, foi utilizado o dinamômetro isocinético Biodex System 4 Pro® (Biodex Medical Systems, Shirley, NY, EUA), que seguiu todas as recomendações de calibração, posicionamento e uso, propostas pelo fabricante no manual. Os movimentos foram avaliados bilateralmente em flexão/extensão e rotação interna e externa do ombro no plano escapular, e o primeiro membro a ser testado foi o lado não envolvido pela cirurgia e depois o lado envolvido24.

 

As participantes ficaram posicionadas na cadeira com alças no ombro e abdômen e foram instruídas a segurar a barra na lateral da cadeira pela mão oposta. O eixo anatômico para cada plano de movimento foi alinhado ao eixo do dinamômetro usando inspeção visual e palpação manual. Além disso, foi feita a medição do peso do membro avaliado relaxado em semiflexão de ombro a 30º graus para correção dos efeitos da gravidade no movimento de flexão (fator de correção realizado pelo próprio dinamômetro).

 

Em uma avaliação isocinética, a velocidade do movimento é controlada, e o pico de torque é registrado de acordo com a velocidade definida. Neste estudo, a velocidade angular utilizada foi de 60º/s graus com três repetições máximas e de 180º/s graus com cinco repetições máximas; houve um intervalo de um minuto de descanso para a troca de velocidade. Para cada início do movimento a ser avaliado, foi realizada uma prática de familiarização no dinamômetro de uma a três repetições em cada velocidade predeterminada, a fim de reduzir os efeitos de aprendizagem e garantir a reprodutibilidade dos dados coletados. Além disso, as voluntárias receberam o incentivo verbal de “força, força, força” para que realizassem o máximo de força possível durante o teste, estimulando a produção e a manutenção durante o esforço máximo.

 

A análise dos dados foi realizada com base no pico de torque, que é definido como o valor máximo de torque registrado durante o movimento, ou seja, o maior valor de força gerada durante o teste em um determinado ângulo ou posição da articulação. Esse pico de torque é calculado utilizando-se a fórmula: T=F × d onde T é o torque (em Newton-metro, Nm), F é a força gerada (em Newtons) e d é a distância entre o ponto de rotação e o ponto de aplicação da força (braço de alavanca). Para a análise dos dados, a fim de ajustar as informações às características antropométricas dos participantes e promover maior normalidade na distribuição, foi utilizado o valor do índice de pico de torque (IPT), que é calculado do seguinte modo: IPT = T / IMC (N.m/Kg), onde T é o pico de torque e IMC é o índice de massa corporal25,26.

 

Para a análise estatística, os dados foram tabulados e armazenados no software Excel 2016™ e analisados no software Jamovi 2.3®. Os dados contínuos foram apresentados em média e desvio-padrão, e os dados categóricos apresentados em frequência absoluta e relativa com intervalo de confiança de 95%.

 

Utilizou-se o teste de Shapiro-wilk para verificação de normalidade dos dados, o qual demonstrou dados não paramétricos. Assim, foram utilizados, para análise estatística, a correlação de Spearman e o teste T de Wilcoxon, e adotado o valor de p de 5% para rejeição da hipótese nula.

 

Esta pesquisa foi realizada de acordo com as normas para pesquisa que envolve seres humanos27 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O projeto foi submetido no Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Complexo Hospitalar da UFPA/HUJBB, sendo aprovado sob número do parecer 4.689.283 (CAAE: 74984123.4.0000.5634). Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), tendo suas identidades e dados confidenciais protegidos.

 

RESULTADOS

Foram incluídas na amostra final 42 participantes, com média de idade de 51,3 (±9,17) anos; 80,5% eram donas de casas que estavam aposentadas ou desempregadas, 69% apresentavam algum tipo de comorbidade, 42,9% estavam com sobrepeso, os demais dados sociodemográficos estão descritos na Tabela 1.

 

Tabela 1. Dados sociodemográficos

Variáveis

Valores n (%)

Idade

Média 51,3 (DP: ±9,17)

< 40 anos

5 (11,9%)

40 – 59 anos

31 (73,8%)

≥ 60 anos

6 (14,3%)

Ocupação

 

Dona de casa

33 (80,5%)

Trabalho fora

16 (39%)

Residência

 

Região Metropolitana de Belém

29 (69%)

Interior do Estado do Pará

11 (26,2%)

Outros Estados

2 (4,8%)

Estado civil

 

Sem parceiro

20 (47,6%)

Com parceiro

22 (52,4%)

Tabagista

 

Sim

14 (33,3%)

Não

28 (66,7%)

Comorbidades

 

Sim

13 (31%)

Não

29 (69%)

Uso de álcool

 

Sim

24 (57,1%)

Não

18 (42,9%)

Lado dominante

 

Direito

36 (87,8%)

Esquerdo

5 (12,2%)

Índice de massa corporal

 

Abaixo do peso

1 (2,4%)

Eutrofia

13 (31%)

Sobrepeso

18 (42,9%)

Obesidade

10 (23,7%)

Legenda: DP: Desvio-padrão.

 

Em relação às características oncológicas, a maioria das participantes foi submetida à cirurgia conservadora (71,4%); quanto à abordagem axilar, 64,3% das mulheres realizaram biópsia do linfonodo sentinela (BLS) e 37,7% foram submetidas à linfadenectomia. O estadiamento clínico avançado foi predominante, com 71,4% dos casos. Os subtipos moleculares mais comuns foram o luminal B (31%) e o triplo-negativo (31%). A maior parte das pacientes realizou quimioterapia neoadjuvante (71,4%), e 45,2% das pacientes utilizavam anastrozol como hormonioterapia. Em relação às complicações pós-operatórias, a parestesia foi a mais frequente, com 57,1%, e 83,3% relataram dor com intensidade predominantemente leve, com variação de 1 a 3 graus na EVA (Tabela 2).

 

Tabela 2. Dados oncológicos

Variáveis

Valores n (%)

Tipo de cirurgia

 

Mastectomia

12 (28,6%)

Conservadora

30 (71,4%)

Lateralidade envolvida

 

Direito

23 (54,8%)

Esquerdo

19 (45,2%)

Tempo de cirurgia até o dia da avaliação

Média: 67,4 dias (DP± 43,7)

30 a 45 dias

15 (37,7%)

> 45 dias

27(64,3%)

Abordagem axilar

 

BLS*

27 (64,3%)

Linfadenectomia

15 (37,7%)

Estadiamento clínico

 

Inicial (0, I e IIA)

12 (28,6%)

Avançado (IIB, III e IV)

30 (71,4%)

Classificação imuno-histoquímica

 

Luminal A

9 (21,4%)

Luminal B

13 (31%)

HER2+

7 (16,7%)

Triplo-negativo

13 (31%)

Hormonioterapia

 

Tamoxifeno

8 (19%)

Anastrozol

19 (45,2%)

Não faz uso

15 (35,7%)

Quimioterapia neoadjuvante

30 (71,4%)

Tratamento adjuvante

 

Quimioterapia

12 (28,5%)

Radioterapia

17 (40,4%)

Complicações pós-operatórias

 

Intercostobraquialgia

11 (26,2%)

Parestesia

24 (57,1%)

Nível de intensidade da dor (EVA)

 

Leve (1-3)

35 (83,3%)

Moderada (4-6)

5 (11,9%)

Intensa (7-10)

2 (4,8%)

Legendas: DP: Desvio-padrão; HER2+: Receptor do fator de crescimento epidérmico humano tipo 2; BLS: Biópsia do linfonodo sentinela; EVA: Escala visual analógica.

 

 

Todos os questionários avaliados apresentaram uma correlação significativa entre si, conforme mostrado na Tabela 3. O questionário QuickDASH com o FACT-B+4 e FACT-G tiveram uma alta correlação negativa (r= -0,796 e r= -0,781), respectivamente. O QuickDASH e o FACT-F também tiveram uma alta correlação negativa (r= -0, 815). E, quando comparado o FACT-F com o FACT-G e o FACT-B+4, obteve-se uma correlação muito alta e positiva.

 

Tabela 3. Análise da correlação de Spearman dos questionários QuickDASH, FACTG, FACT-F e FACTB+4

 

QuickDASH

r (IC 95%)

FACT-G

r (IC 95%)

FACT-F

r (IC 95%)

FACTB+4

r (IC 95%)

FACT-G

-0,778*

-

0,949*

0,946*

FACT-F

-0,819*

0,949*

-

0,903*

FACTB+4

-0,753*

0,946*

0,903*

-

Legendas: r: Correlação de Spearman; IC: Intervalo de confiança; * p < ,05; FACT-G: Functional Assessment of Cancer Therapy-General; FACT B+4: Functional Assessment of Cancer Therapy-Breast plus Arm Morbidity; FACT-F: Functional Assessment of Cancer Therapy-Fatigue; QuickDASH: Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand.

 

 

A Tabela 4 mostra que houve diferença significativa no IPT entre o lado operado e o não operado, exclusivamente nos movimentos de flexão, extensão e rotação interna, na velocidade angular de 180°/s.

 

Tabela 4. Índice do pico de torque do isocinético do lado operado e não operado

 

Lado operado

(n=42)

Lado não operado

(n=42)

 

p

 

Mediana

(DP±)

Mínimo

Máximo

Mediana

(DP±)

Mínimo

Máximo

IPT

Flexão

60º

1,110 (0,356)

0,680

2,180

1,210 (0,315)

 

0,570

1,840

0,189

IPT

Flexão 180º

0,860 (0,284)

0,450

1,470

0,970 (0,296)

0,510

1,490

0,007*

IPT Extensão 60º

1,050 (0,562)

0,050

3,110

1,095 (0,504)

0,380

2,930

0,083

IPT Extensão 180º

1,030 (0,591)

0,010

3,110

1,100 (0,588)

0,160

2,930

0,012*

IPT

Rotação interna 60º

1,010 (0,237)

0,560

1,590

1,085 (0,262)

0,540

1,700

0,060

IPT

Rotação interna 180º

0,980 (0,250)

0,290

1,590

1,020 (0,286)

0,410

1,750

0,012*

IPT

Rotação externa 60º

0,435 (0,207)

0,140

1,100

0,415 (0,209)

0,150

1,120

0,872

IPT

Rotação externa 180º

0,395 (0,195)

0,190

0,910

0,360 (0,209)

0,090

0,780

0,322

Legendas: IPT: Índice de pico de torque; DP: Desvio-padrão; * p < ,05.

 

 

Quando analisada a correlação do IPT da força muscular isocinética com as demais variáveis, observa-se uma correlação baixa negativa significativa entre o movimento de flexão a 180º e o tipo de cirurgia (r= -0,325). Além disso, houve uma correlação significativa de baixa à moderada entre a dor e o IPT nos movimentos de extensão e rotação interna a 60º e 180º graus.

 

Além disso, o IPT de rotação externa a 60° apresentou uma correlação fraca e negativa com o tempo de cirurgia (r = -0,361). Não houve correlação significativa da força muscular isocinética com o estadiamento da doença e a incapacidade do MMSS (Tabela 5).

 

Tabela 5. Análise da correlação de Spearman do IPT da força muscular isocinética com variáveis do tratamento do câncer de mama, estágio da doença, dor e incapacidade dos MMSS

 

IPT

Flexão

60º

 

r

(p-valor)

IPT

Flexão

180º

 

r

(p-valor)

IPT

Extensão

60º

 

r

(p-valor)

IPT

Extensão

180º

 

r

(p-valor)

IPT

Rotação interna

60º

r

(p-valor)

IPT

Rotação interna

180º

r

(p-valor)

IPT

Rotação externa

60º

r

(p-valor)

IPT

Rotação externa

180º

r

(p-valor)

Tipo de cirurgia

-0,222

-0,368*

-0,004

-0,057

-0,109

-0,095

-0,226

-0,224

(0,163)

(0,023)

(0,978)

(0,722)

(0,493)

(0,554)

(0,150)

(0,202)

Estadiamento

-0,162

-0,139

-0,206

-0,043

-0,278

-0,255

-0,304

-0,223

(0,312)

(0,405)

(0,190)

(0,101)

(0,074)

(0,108)

(0,050)

(0,205)

Tempo de cirurgia

-0,285

-0,098

-0,107

-0,044

-0,150

0,034

-0,361*

0,023

(0,087)

(0,576)

(0,524)

(0,791)

(0,370)

(0,840)

(0,026)

(0,904)

Dor (EVA)

-0,256

-0,311

-0,353*

-0,508*

-0,375*

-0,408*

-0,003

-0,032

(0,106)

(0,057)

(0,022)

(< ,001)

(0,014)

(0,008)

(0,984)

(0,859)

QuickDASH

-0,096

-0,069

0,093

-0,050

0,177

0,079

-0,130

-0,282

(0,585)

(0,697)

(0,590)

(0,772)

(0,303)

(0,650)

(0,450)

(0,124)

Legendas: r: Correlação de Spearman; * p < ,05; IPT: Índice de pico de torque; EVA: Escala visual analógica; QuickDASH: Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand.

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo avaliou a funcionalidade dos MMSS em mulheres com câncer de mama, comparando o membro operado com o não operado, além de analisar a QV e a fadiga, bem como identificar as correlações entre essas variáveis. Todos os questionários aplicados apresentaram correlações significativas entre si, com destaque para o QuickDASH, que mostrou uma forte correlação negativa com o FACT-B, o FACT-G e o FACT-F. Isso sugere que a incapacidade funcional dos MMSS pode influenciar negativamente na QV e fadiga. No teste isocinético, observou-se diferença significativa no IPT entre os lados operado e não operado a 180°/s nos movimentos de flexão, extensão e rotação interna. Além disso, foi encontrada uma correlação significativa entre a força isocinética e o tipo de cirurgia, a dor e o tempo pós-cirúrgico. No entanto, não foi observada correlação significativa entre a força isocinética e o estadiamento da doença e a incapacidade nos MMSS.

 

Primeiramente, observa-se uma correlação forte e significativa entre a funcionalidade dos MMSS e a fadiga, indicando que uma maior funcionalidade nos MMSS representa menos fadiga, o que está em concordância com estudos anteriores28, que demonstram que a fadiga é um dos sintomas mais prevalentes entre as mulheres em tratamento para câncer de mama. A fadiga pode comprometer a capacidade funcional, tornando as atividades cotidianas mais desafiadoras e impactando negativamente a QV. A presença dessa correlação sugere que, além das limitações físicas, a fadiga desempenha um papel crucial na percepção da funcionalidade dos MMSS, refletindo as dificuldades enfrentadas pelas pacientes não apenas no âmbito físico, mas também emocional.

 

O estudo de Olson et al.28, realizado com a população de câncer geral, identificou que os níveis de gravidade da fadiga relatados pelo paciente não foram significativamente relacionados à fatigabilidade ou à força muscular. Uma possível explicação para isso está na complexidade de fatores globais que podem estar relacionados à fadiga oncológica, como alterações metabólicas, distúrbios no sono, efeitos secundários do tratamento, ansiedade ou até mesmo questões emocionais. Assim, a fadiga pode resultar de uma combinação de fatores e não exclusivamente de uma diminuição na força muscular.

 

Adicionalmente, este estudo evidenciou que a funcionalidade dos MMSS teve uma correlação significativa com a QV, demonstrando que quanto maior a incapacidade nos MMSS, menor é a QV, tanto global como a específica para as repercussões do tratamento de câncer de mama. Tal achado corrobora outros estudos, como de Macdonald et al.29, no qual demonstraram que mulheres com disfunção dos MMSS relacionada ao câncer de mama, que persiste além do tratamento primário, apresentam QV significativamente pior do que indivíduos sem disfunção.

 

Outro estudo analisou o impacto do câncer de mama e seu tratamento na QV relacionada à saúde da mulher e comparou, no pré e pós-cirurgia conservadora da mama, que houve uma mudança significativa principalmente nos aspectos da imagem corporal, funcionamento físico e funcionamento emocional após a cirurgia. Tais resultados ressaltam a importância de estratégias de reabilitação que promovam a manutenção ou a melhoria da função dos MMSS, pois isso pode impactar positivamente o bem-estar geral das pacientes30.

 

Quanto à força muscular isocinética comparada entre o lado operado e o não operado, houve uma diferença significativa nos movimentos de flexão, extensão e rotação interna, exclusivamente na velocidade angular de 180°/s. Esses achados indicam que a redução de força pode ser mais evidente em movimentos rápidos, que exigem maior potência muscular, enquanto movimentos mais lentos não apresentaram diferenças. Uma possível explicação para essa diferença pode ser por causa da cinesiofobia que muitas pacientes apresentam no pós-cirúrgico, caracterizada pelo medo de realizar movimentos em razão da antecipação de dor e/ou lesão, que tende a limitar a execução de movimentos rápidos e explosivos, contribuindo para a diminuição do torque no lado operado, mesmo sem déficits estruturais importantes15,31.

 

Outros estudos também observaram resultados semelhantes, indicando diferenças significativas entre os lados operado e não operado da força em mulheres com câncer de mama32,33. O estudo de Subasi et al.33 comparou os parâmetros isocinéticos do ombro operado e não operado em sobreviventes de câncer de mama e revelou déficits significativos na força muscular, potência e resistência do lado operado, especialmente em movimentos de rotação interna e externa a altas velocidades angulares. Essas limitações podem impactar negativamente a funcionalidade dos MMSS, destacando a importância de intervenções fisioterapêuticas específicas para melhorar a recuperação pós-cirúrgica.

 

Um dos poucos estudos que avaliaram a força muscular isocinética com a população de câncer de mama analisou a força do ombro e joelho nos ângulos de 0º, 60° e 180°/s em diferentes fases do tratamento e a comparou entre os grupos de mulheres com câncer de mama e de mulheres saudáveis, demonstrando que as pacientes com câncer de mama em tratamento agudo tiveram capacidade de força muscular notavelmente prejudicada e reduzida, bem como fadiga muscular em comparação com indivíduos saudáveis34. Essas diferenças entre pacientes e indivíduos saudáveis reforçam a importância do acompanhamento fisioterapêutico em todo processo do tratamento, voltado principalmente para o fortalecimento muscular e a resistência.

 

Este estudo revelou ainda uma correlação baixa e negativa significativa entre a força muscular isocinética no movimento de flexão a 180º e o tipo de cirurgia realizada (r = -0,325), sugerindo que intervenções cirúrgicas podem resultar em consequências físicas que afetam a força muscular. Alguns estudos34-36 indicam que cirurgias como a mastectomia e a dissecção axilar podem acarretar comprometimentos funcionais significativos, como perda de força muscular, limitação de mobilidade e dor persistente. Esses efeitos prejudicam a recuperação funcional e a QV das pacientes.

 

Contudo, neste estudo, houve um predomínio de cirurgias conservadoras (71,4%), o que pode estar associado a um menor impacto funcional nos MMSS, pois tende a preservar a integridade de tecidos adjacentes da mama, contribuindo para um melhor desempenho muscular no pós-operatório, quando comparado aos efeitos mais agressivos da mastectomia.

 

Somado a isso, as terapias locais para o câncer de mama, como cirurgia, radioterapia e reconstrução mamária, são altamente invasivas e causam impactos significativos na musculatura próxima. A radioterapia, por exemplo, pode afetar os reguladores moleculares responsáveis pela regeneração muscular, dificultando a recuperação da força e função muscular. A cirurgia, por sua vez, provoca alterações na morfologia muscular, resultando em trauma e danos aos nervos adjacentes, o que pode levar à fraqueza e à dor. A reconstrução mamária também contribui para essas alterações morfológicas7. Diante disso, o acompanhamento contínuo da saúde muscular durante e após o tratamento oncológico é fundamental para melhorar a gestão da morbidade do ombro, ajudando a minimizar os efeitos adversos e promovendo uma recuperação funcional mais eficaz36.

 

Observou-se ainda que a força muscular, em especial no movimento de extensão, pode sofrer influência ao longo do tempo após o procedimento cirúrgico, contudo esse resultado deve ser analisado com cautela, visto que os demais movimentos não foram estatisticamente significativos. No entanto, na literatura, outros estudos também relatam a associação da força com o tempo pós-cirúrgico, como Carpena-Niño et al.12 que destacam em seu estudo que a recuperação funcional pós-cirúrgica em mulheres com câncer de mama ocorre de maneira progressiva, porém influenciada por diversos fatores, como o trauma cirúrgico, e os efeitos adversos das terapias adjuvantes, como quimioterapia e radioterapia. O estudo demonstra que, no período imediato após a cirurgia, as pacientes apresentam déficits significativos na força e funcionalidade manual, com uma recuperação gradual ao longo do tempo, refletindo adaptações neuromusculares e sensoriais. Isso reforça a importância de programas de reabilitação precoces e individualizados para otimizar a funcionalidade e recuperação dos MMSS ao longo do tempo.

 

A força muscular isocinética, nos movimentos de extensão e rotação, teve uma correlação com a dor de baixa à moderada, o que está em consonância com estudos que indicam que a dor pode interferir na execução de movimento. Um estudo anterior confirma que a dor, geralmente, decorrente do tratamento cirúrgico e/ou tratamento do câncer, interfere diretamente na função dos MMSS, limitando a ADM e reduzindo a força de preensão manual, um reflexo da capacidade muscular. O impacto da dor se manifesta pela redução da ativação muscular e da coordenação motora, prejudicando a execução de movimentos complexos e, consequentemente, a força muscular, mesmo em testes isocinéticos, que são realizados em velocidades constantes. Esse achado da dor como um fator-chave que interfere na execução dos movimentos influenciando a função e a força dos MMSS tem sido amplamente documentado na literatura, particularmente em sobreviventes de câncer de mama8.

 

Dessa forma, é importante destacar que a amostra foi composta majoritariamente por mulheres de meia-idade (73,8% têm entre 40 e 59 anos), donas de casa (80,5%) e residentes da Região Metropolitana de Belém (69%). Esses fatores, combinados com alta prevalência de sobrepeso (66,6% têm sobrepeso ou obesidade), tabagismo (33,3%) e presença de comorbidades (31%), compõem um perfil de risco que pode interferir significativamente na funcionalidade global, na percepção da fadiga e da QV no período pós-operatório. A progressão da doença também está relacionada a fatores de risco, hábitos de vida e ao acesso à equipe multiprofissional que pode contribuir para a melhoria da QV relacionada à saúde dessas mulheres.

 

A intervenção precoce deve ser uma prioridade desde o diagnóstico, considerando as evidências que relacionam essas alterações funcionais à piora do prognóstico do câncer. A implementação de programas de treinamento de força e resistência durante o tratamento é uma estratégia fundamental, capaz de atenuar ou reverter a disfunção muscular, além de contribuir para a melhora da fadiga e da QV das pacientes ao longo do tempo.

 

Esta pesquisa apresentou algumas limitações. A avaliação isocinética poderia ter incluído um maior número de repetições na velocidade angular de 180°/s, o que permitiria uma análise mais aprofundada da resistência muscular e da fatigabilidade. Além disso, a avaliação da dor poderia ter sido complementada com o uso de instrumentos específicos, capazes de fornecer uma caracterização mais precisa desse sintoma. Outro fator limitante foi a realização das avaliações dos questionários de QV e fadiga em um momento distinto da avaliação da força muscular isocinética, o que pode ter comprometido a comparação entre os dados em virtude do intervalo temporal entre as coletas.

 

Além disso, as pacientes receberam orientações para a realização de exercícios físicos domiciliar, no intervalo entre a cirurgia e a avaliação do teste de força isocinético, que pode ter influenciado o desempenho delas. Para estudos futuros, recomenda-se a inclusão de testes funcionais que possam oferecer insights mais abrangentes sobre o impacto do câncer de mama e de seus tratamentos na funcionalidade do MMSS.

 

CONCLUSÃO

Este estudo sugere que a funcionalidade dos MMSS está intimamente relacionada à fadiga e à QV, contudo a força muscular isocinética, analisada isoladamente, não se mostrou um preditor significativo dessas variáveis. Observou-se também diferença significativa entre o lado operado e o não operado nos movimentos de flexão, extensão e rotação interna, exclusivamente na velocidade angular de 180°/s, indicando que a redução de força é mais evidente em movimentos rápidos, que exigem maior potência muscular. Além disso, o tipo de cirurgia, a dor e o tempo pós-cirúrgico demonstraram ter impactos importantes sobre a força isocinética.

 

Esses achados reforçam a necessidade de intervenções de reabilitação precoce e contínua para otimizar os resultados funcionais e a QV de mulheres com câncer de mama, especialmente na Região Amazônica, onde os recursos são limitados e há escassez de profissionais especializados em reabilitação oncológica.

 

 

CONTRIBUIÇÕES

Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e no planejamento do estudo; na obtenção, análise e interpretação dos dados; na redação e revisão crítica; e aprovaram a versão final a ser publicada.

 

 

DECLARAÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE

Nada a declarar.

 

 

DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS

Todos os conteúdos subjacentes ao texto do artigo estão contidos no manuscrito.

 

 

FONTES DE FINANCIAMENTO

Não há.

 

 

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Recebido em 13/5/2025

Aprovado em 26/6/2025

 

Editora-científica: Anke Bergmann. Orcid iD: https://orcid.org/0000-0002-1972-8777

 

 

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